ISSN 1806-9312  
Domingo, 1 de Dezembro de 2024
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1169 - Vol. 1 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 1933
Seção: Notas Clínicas Páginas: 209 a 215
O ALLONAL NAS OPERAÇÕES OTO-RINO-LARINGOLOGICAS
Autor(es):
Dr. SYLVIO OGNIBENE (1)

Um dos maiores contratempos que surgem ao oto-rino-laringologista, nas suas operações, são as vertigens que acometem os doentes, durante e após a anestesia,

Esta, que na quasi totalidade das operações, é local ou regional, regra geral, é feita com cocaína, nos casos em que a pincelação das mucosas é suficiente para dar a anestesia necessaria e pela novocaina por injeção, quando a anestesia tem de sêr sub-mucosa ou regional.

Sendo pois a anestesia local ou regional, a habitual, temos que contar com o grão de excitabilidade do sistema nervoso do paciente.

Deixando-se de lado a impressionabilidade do doente, que poderá ser em parte removida, pela influencia psíquica e sugestiva do medico, consideraremos unicamente a parte toxica da substancia medicamentosa empregada.

O cloridrato de cocaína indiscutivelmente representa em oto-rino-laringologia o agente sem rival da anestesia local. Seu poder analgesico é notavel em potencia, rapidez e duração, e superior a qualquer outro agente anestésico.

Infelizmente é toxico e, como veneno, é um veneno perigoso.

Sua ação é direta sobre o sistema nervoso central, daí a gravidade dos acidentes, produzidos por sua toxidez.

O doente intoxicado, torna-se palido, sente uma sensação de mal estar, suores frios na fronte e uma grande angustia respiratoria; este estado pôde chegar á sincope, (grande palidez do rosto, mãos frias, taquicardia; ás vezes convulsões e tremores) finalizando até pela morte nos casos muito graves. Como evitar esta intoxicação pela cocaína, que nos é indispensavel? - Claro que o primeiro cuidado, será empregada com a maior parcimonia, pois, quanto menos, menor a intoxicação. Em segundo lugar usaremos algumas gotas de adrenalina, que diminuirá a ação toxica da cocaina, porque agindo como vaso-constritora determina uma isquemia, pelo espasmo das arteriolas; fechando assim todas as portas da circulação, obriga a cocaina a agir na sua totalidade, sobre todos os filetes nervosos, sem o menor desperdicio das suas propriedades, pois não é diluida nem levada pela circulação.

Assim, pois, a adrenalina torna a ação anestesica mais rapida e mais duradoura, alem da hemostáse que produz. A diminuição da toxidez da cocaina não é somente por ser empregada em menor quantidade, mas tambem, como diz Lermoyez, porque a adrenalina, á medida que isquemia a superficie da mucosa, fecha progressivamente as vias de absorção, por uma especie de auto-regulação.

Devemos fazer notar aqui que a excelencia dessa união cocaina-adrenalina, não quer dizer que quanto mais adrenalina melhor, pois é preciso que se saiba da ação vaso-dilatadora post-operatoria que poderá dar uma hemorragia secundaria. bem desagradavel.

Dever-se-á, pois, juntar uma ou duas gotas de adrenalina, no maximo.

Como terceiro fator diminuidor da, toxidez da cocaina, teremos as substancias de ação antagonica, isto é, agindo como antidotos.

A esta pertence toda a serie dos barbituricos, isto é, derivados da maloniluréa.

Foram os alemães e americanos, que de 1921 para cá, rimais estudaram estes corpos.

Os principais derivados do acido barbiturico são: O Allonal, Somnifène, Gardenal, Dial e Veronal:

Sendo corpos diversos, estudaremos a composição de cada um deles, começando pelo mais simples. Antes, para bem compreender o assunto, faremos algumas considerações em torno destes hipnoticos ureicos.

A presença de radicaes alcoolicos em certas moleculas, póde lhes conferir propriedades hipnoticas, sendo este poder tanto maior, quanto mais radicaes alcoolicos estiverem contidos na molecula.

Entre estes radicaes, o etilico C2H5, é talvez o que possue poder hipnotico em grão mais elevado e com menos inconvenientes.

O alílico C3 H5 é outro radical importante na formação de hipnoticos. Mas o radical alcoolico tem necessidade de ser fixado pelo encefalo, pois não é sinão um dos fatores da função hipnotica, porquanto existem corpos contendo estes radicaes, sem função hipnotica alguma. Lógo, um bom hipnotico será o corpo que contiver os radicaes alcoolicos necessarios, e o nucleo fixador capaz de localizar a ação do medicamento sobre esta ou aquela parte dos centros nervosos.

C. Bardet demonstrou que o grupo aminogeno NH2 é o agente fixador nos compostos organicos.

Para o estudo quimico da serie ureica, tomaremos como inicio o acido carbonico que possue duas oxidrilas, que podem ser substituidas por radicaes aminogenos NH2, dando nos a uréa que não possue propriedade hipnotica,mas que combinada com o acido malonico, nos dará após eliminação de 2 molecular de agua, o acido barbiturico:

que, embora ainda não possuindo propriedade hipnogena, apresenta no entanto 2 atomos de hidrogenio, capazes de serem substituidos por radicaes hipnogenos.

Podemos, pois, partindo do acido barbiturico, obter um grande numero de derivados, com propriedades medicamentosas acentuadas. Temos, assim, o acido barbiturico preenchendo as condições requeridas para dar um bom hipnotico, isto é, possue um nucleo fixador que serve de base á formação dos derivados barbituricos, e um agrupamento CH2, cujos 2 atomos de hidrogenio, podem ser substituidos por 2 molecular de radicaes alcoolicos identicos ou uma molecula de dois radicaes alcoolicos diferentes.

O radical etilico C2H5, foi o escolhido, pois, como já dissemos, possue fortes propriedades hipnogenas.

Obteve-se com sua substituição o corpo que é o dietilbarbiturico ou veronal, 3á um pouco ativo, mas infelizmente insoluvel e toxico. Com a substituição do radical etilico pelo alilico, obtevese outro corpo dialil barbiturico ou dial, mais energico e menos toxico que o veronal.









Tentando-se a substituição por um radical aromatico o fenil C6H5, obteve-se o corpo: etilfenilbarbiturico ou gardenal que é energico, mas dificil de ser manipulado.

Continuando as experiencias á cata do hipnotico ideal, M. WIKI combina a base dietilamina com um outro derivado do acido barbiturico (o acido alilisopropilbarbiturico), obtendo o alilisopropilbarbiturato de dietilamina, muito energico.

Este corpo misturado em parte iguaes com o dietilbarbiturato deu o Somnifène, isto é, um composto cuja actividade é superior e menos toxico que os demais da serie.

Mas ainda não tinhamos uma substancia completa, pois faltava-lhe uma propriedade analgésica.

Para a obtenção de um corpo que fôsse não só hipnotico, mas tambem analgésico, tentou-se a associação do acido alilisopropilbarbiturico com a amidopirina, ,analgésico bastante conhecido.

Esta combinação deu um produto que foi chamado Allonal, que ë um pó amarelo palido.

O Allonal tem, pois, sobre os seus similares a vantagem de reunir em si as propriedades hipnoticas dos derivados do acido barbiturico e analgésicas dos derivados da antipirina.

Alem disso é de grande eficacia nas cefaléas, pois a amidopirina, como sabemos, tem ação eletiva sobre os centros nervosos superiores.

O Allonal é assim um excelente produto na oto-rino-laringologia, cujas operações são na sua quasi totalidade locaes ou regionaes, isto é, feitas em individuos despertos, portanto sujeitos ás suas impressões sensitivas e psiquicas, que mais se exaltam sob a ação excitante da cocaina.

O Allonal, pela sua ação hipnogena, reduz estas impressões á sua justa proporção.

Por outro lado, os traumas de nossas intervenções (quasi sempre feitas em ossos), produzem geralmente cefaléa intensa, mormente nos operados do septo em que se faz o tamponamento completo das fossas nasaes, sobre a qual a ação sedativa do Allonal muito bem se faz sentir.

Foi baseado na composição do Allonal que começamos a emprega-lo nos nossos operados, sendo que os resultados obtidos corresponderam á nossa expectativa,

Reunimos aqui onze observações de operações mais comuns na pratica, diaria da oto-rino-laringologia. Escolhemos propositalmente doentes da Santa Casa de Misericordia (clinica do dr. Schmidt Sarmento), que assim apresentariam as mais variadas condições de impressionabilidade e excitabilidade nervosa.

OBSERVAÇÕES:

A. C. - 33 anos, brasileiro, registrado sob n. 40.147, operado em 1-2-1933, de desvio do septo.

Tomou um comprimido de Allonal uma hora antes da operação. O periodo operatorio durou 40 minutos, incluindo a anestesia, que foi local e feita com cocaína adrenalinada a 20 % por embebição e novocaina a 1 % (10cc. mais ou menos) por injeção.

Suportou bem a operação sem desfalecimentos e completamente calmo. Após 2 horas tomou o segundo comprimido -- como nada mais sentisse, foi suspensa a medicação.

A. R. -- 19 anos, brasileiro, registrado sob n. 40.227, operado em 3-2-1933, de pai-sinusite cronica supurada esquerda.

Tomou um comprimido de Allonal, 50 minutos antes da operação, que durou 50 minutos, incluiria a anestesia.

Esta foi feita com novocaina a 1 % e 5 gotas de adrenalina (10,0c.).

Antes foram os meatos medios e inferior esquerdos pincelados com cocaína a 20 %.

Suportou bem a operação sem desfalecimentos.

Após a operado tomou o segundo comprimido e á noite o terceiro.

Não sentiu dôr alguma para o lado da região operada.

V. L. - 18 anos, brasileiro, registrado sob n. 40.330.

Operado em 5-2-1933, de sinusite maxilar direita cronica supurada, polipos nasaes e etmoidectomia direita.

Tomou um comprimido de Allonal 1 hora antes da operação. Anestesia local. Pincelações com cocaína a 20 % adrenalinada na mucosa nasal e injeção de novocaina a 1 % adrenalinada (10 cc.) no ganglio esfeno-palatino e região da fossa canina.

Não teve desfalecimentos nem sentiu dôr alguma.

Após a operação tomou o segundo comprimido e á tarde um terceiro. Não se queixou de dôr, apenas notando um ligeiro estado de sonolencia.

N. S. M. - 21 anos, brasileira, registrada sob n. 20.288, operada em 8-2-1933, de desvio do septo, sendo muito nervosa, prescrevemos um comprimido de Allonal na noite da vespera e ouro uma hora antes da operação.
Suportou bem a operação sem desfalecimentos e muito calma.

Esta durou 35 minutos incluindo a anestesia (pincelações de cocaina e injeção de novocaina.)

Recomendamos tomar outro comprimido á noite se viesse a ter cefaléa, o qual foi desnecessario.

Vinte e quatro horas depois, isto é, uma hora antes da retirada dos tampões de gaze, tomou novo comprimido não se queixando de dôr ao serem estes retirados.

I. C. - 18 anos, brasileira, operada em 10-3-1933, de hipertrofia de amígdala, sem anestesia alguma.

Tomou uma hora antes um comprimido e o segundo dez minutos antes da intervenção, que foi muito bem suportada.

Como se queixasse de dôr na garganta cinco ou seis horas depois foi prescrito um terceiro comprimido.

A. B. - 42 anos, italiana, operada em 12-2-1933, de hipertrofia de amigdala, por dissecção.

Tomou um comprimido de Allonal 40 minutos antes da operação, cuja anestesia local (pincelações de cocaina a 20 % e injeção de 3cc de cada lado, de novocaina a 1 %) foi muito bem suportada.

Esta durou dez minutos. Foram administrados dois comprimidos de Allonal no primeiro dia da operação e um por dia nos dois que se seguiram.

D. F. -14 anos, alemã, registrada sob n. 40.702, operada em 15-3-1933 de desvio do septo.

Tomou um comprimido de Allonal uma hora antes da intervenção. Não teve desfalecimentos. Como nada mais sentisse foi suspensa a medicação.

A. B. -32 anos, italiano, registrado sob n. 40.591, operado em 16-3-1933, de sinusite frontal-esquerdo.

Foi dado um comprimido de Allonal uma hora antes da operação, feita com anestesia local (pincelações nos cornetos medio e superior e meatos visinhos).

Não teve desfalecimentos.

J. I. G.- 25 anos, português, operado em 17-2-1933, de desvio do septo. Tomou um -comprimido de Allonal meia hora antes da intervenção. Anestesia com pincelações de cocaína-adrenalina a 20 % e injeção de novocaina-adrenalina a 1 %.

A operação durou 35 minutos tendo sido bem suportada e sena desfalecimentos. Tomou o segundo comprimido uma hora depois e á noite, como tivesse cefaléa intensa tomou o terceiro.

A. C.- 38 anos, português, operado em 20-2-1933, de desvio do septo. Tomou um comprimido uma hora antes da intervenção.

Feita com anestesia local (pincelações de cocaína-adrenalina a 20% e injeção sub-mucosa de novocaina-adrenalina a 1 %), foi a operação bem suportada, sem desfalecimentos.
Durou 35 minutos. Não foi dado mais nenhum comprimido de Allonal por não ter sido necessario.

E. B. - 21 anos, brasileiro, registrado sob n. 40.441.
Operado em 22-2-1933, de desvio do septo. Tomou um comprimido de Allonal uma hora antes da intervenção, que durou 45 minutos, incluindo a anestesia local, feita com pincelações de cocaina-adrenalina a 20 % e injeção de novo zaina-adrenalina a 1 %.

Não teve desfalecimentos. Como viesse a sentir ligeira cefaléa tres horas depois, tomou um segundo comprimido e um terceiro á noite.

Do que observámos em nossos doentes, concluimos que o Allonal deve ser dado uma hora antes da intervenção.

Não deve exceder o numero de comprimidos de 3 por dia, e dados separadamente no minimo com intervalo de duas horas, para evitar o seu efeito hipnotico.

O que de interessante observámos é o fato de não ter nenhum doente sido acometido de vertigens e, embóra geralmente os nossos pacientes suportem bem as operações, a administração do Allonal torna-se conveniente por ser inocuo, com a vantagem de permitir um decurso operatorio calmo e livre de contratempos.




(1) Especialista da Santa Casa de São Paulo Serviço do Dr. Sclunidt Sarmento
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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