ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA SECÇÃO DE OTO-RHINO-LARYNGOLOGIA.
Sessão de 17 de janeiro de 1933.
Sob a presidencia do Dr. Mario Ottoni de Rezende e secretariada pelos Drs. Roberto Oliva e Paulo Sáes, realisou-se a 17 de Janeiro a 1.a sessão ordinaria da Secção de Oto-Rhino-Laryngologia da "Associação Paulista de Medicina."
Aberta a sessão, o Presidente faz uma resenha dos trabalhos apresentados no armo de 1932, agradece a cooperação e assiduidade dos associados, e em seguida empóssa a nova Mesa recem-eleita para o corrente anno, assim constituida: Presidente, Dr. Schmidt Sarmento; 1.o Secretario, Dr. Homero Cordeiro; 2.o Secretario, Dr. Raphael da Nova.. O novo Presidente agradece por si e por seus companheiros a sua eleição e as palavras gentis do Dr. Ottoni de Rezende, e promette esforçar-se no desempenho do seu cargo, para egualar ao menos em brilho a presidencia anterior. Passada á ordem do dia, usa da palavra o Dr. Mattos Barretto, o primeiro inscripto, que pede adiamento da leitura de seu trabalho, pelo não comparecimento do doente que desejava apresentar á sessão.
1.- DR. MANGABEIRA ALBERNAZ - (Campinas) - "Contribuição ao estudo radio graphico da mastoide. Valor da posição de Worms-Bretton-Altschul."
RESUMO: O estudo radiographico da mastoide pôde ser encarado sob um ponto de vista estrictamente radiologico, ou tomar um caracter prevalentemente clinico. Sob o ponto de vista clinico, as incidencias bilateraes são as que fornecem maior numero de indicações, motivo por que devem ser as preferidas na pratica diaria. Destas incidencias bilateraes, uma das mais perfeitas e simples, é a occipital posterior de Worma-Bretton-Altschul, que é, por assim dizer, desconhecida em nosso meio.
O A. documenta a valia desta incidencia, expondo ao negatoscopio uma collecção de cerca de trinta chapas, escolhidas entre uns cincoenta casos clinicos dos mais variados.
A semelhança de estructura entre as mastoides direita e esquerda de um mesmo indivíduo, é o que serve de base a estes methodos bi-lateraes ou de comparação. Varios autores negam esta semelhança e, por conseguinte, negam tambem o valor das incidencias bi-lateraes. O A. estudou radiographicamente cem pares de temporaes e chegou a conclusão, de que só em 1 % dos casos ha diversidade manifesta entre as duas mastoides.
DISCUSSÃO:
DR. MARIO OTTONI - Enaltece o estudo radiographico bi-lateral das mastoides para diagnostico das mastoidites e acrescenta: "E' desnecessario chamar a attenção para o cuidado que se deve ter com o diagnostico radiologico. Este modo de exame não pôde fornecer por si só, senão raramente; ou melhor, quasi nunca, a exactidão do diagnostico. Só o quadro clinico completo e bem analysado, pôde ser coadjuvado no diagnostico, pelas provas objectivas. A radiographia não constitue senão uma parte do diagnostico e não é por conseguinte mais que um symptoma clinico. Partindo deste principio, comprehende-se que a interpretação de uma chapa radiographica só póde ser feita pelo clinico. Não é pois sufficiente que o clinico envie um memorandum ao radiologista, com o pedido de fazer uma radiographia e a resposta deste ultimo ao clinico, dizendo o que elle vê na chapa. Este deve indicar o que deseja saber e deve estar tambem em condições de lêr a chapa, para poder amparar o seu diagnostico".
DR. GUEDES DE MELLO F.º -Advoga o methodo radiographico comparativo das duas mastoides, mas confessa que muitas vezes prescinde desse meio de diagnostico nos casos typicos. Enaltece o methodo como prova subsidiaria e cita um caso excepcional de um ferido da grande guerra, que só se chegou ao diagnostico de mastoidite pelo exame radiologico.
Prof. RAPHAEL DE BARROS: Critica o Dr. Mangabeira Albernaz por não ter feito uma prova comparativa entre o methodo apresentado e outros conhecidos, com o fim de mostrar as suas reaes vantagens; não se convenceu de que a elucidação do diagnostico da mastoidite pela pratica de WormsBretton-Altschul seja mais perfeita e facil, que pela prova de Stenvers.
DR. FRANCISCO HARTUNG: No tocante á radiographia da mastoide, isolada ou comparada, acha que se deve ser eccletico na escolha dos processos. Cada caso tem a sua indicação especial; cita opiniões de Kuelme, Pragemann, Meyer. Conclue pela necessidade absoluta do otologista orientar, o radiologista no sentido da escolha das posições, conforme as possibilidades clinicas.
DR. MANGABEIRA ALBERNAZ (encerrando a discussão) : Sente-se satisfeito por ver que todos os collegas estam de accordo com o que acaba de expor.
Em resposta ao Prof. Raphael de Barros, tem a dizer que não fez cotejo entre as varias posições, porque em seu trabalho tinha tão somente em mira o estudo de uma dellas. Mas que é inegavel, que esta offerece numero muito maior de elementos diagnosticos, de que a de Stenvers. De facto, esta posição não é difficil, mas tem a grande desvantagem de exigir duas posições, o que significa quasi impossibilidade de obter duas chapas iguaes, em vista das quedas de corrente, da differença de inclinação da cabeça á direita e á esquerda, etc.. Se, pois, a posição de Worms-Bretton-Altschul permitte a tirada dos dois temporaes em uma exposição só; se ella evita as differenças de incidencia entre um, lado e, outro; e, sobretudo, se ella nos fornece numero de dados pelo menos tres vezes maior que a de Stenvers: é obvio que a incidencia occipital posterior é muito mais vantajosa do que a de Stenvers.
Ao Dr. Hartung declara que tambem é eccletico, e que acha ter cada posição sua indicação. Convem, porem, notar que, desde o inicio dividiu o estudo radiographico da mastoide em radiographico propriamente - dito e clinico. 0 estudo que fez é, como teve ensejo de dizer, clinico, e portanto não tem relações senão indirectas com o outro. Para ser mais claro: nos casos especiaes, posições especiaes; nos casos geraes, Worms-Bretton-Altschul. 2.º - DR. GABRIEL PORTO (Campinas) - "Laryngectomia total. Apresentação de um caso." (Publicado na integra noutro lugar desta revista)
DISCUSSÃO: DR. ROBERTO OLIVA: Lembra -que a prioridade na ablacção do larynge em nosso meio coube ao Dr. Bueno de Miranda DR. MARIO OTTONI DE REZENDE: Não mostra grande enthusiasmo pelas laryngectomias totaes, sendo mais propenso ás operações conservadoras nos casos de cancer do larynge, e secundadas por um tratamento apropriado pelos Raios X e Radio. DR. GUEDES DE MELLO F.º - E' adepto do radicalismo operatorio nos canceres do larynge. DR. SCHMIDT SARMENTO: Quér apenas fazer um reparo relativamente á operação praticada pelo Dr. Bueno de Miranda e citada pelo Dr. Roberto Oliva: como auxiliar que foi dessa operação, declara que no caso tratava-se, não de uma laryngectomia total, mas de uma hemi-laryngectomia.
DR. GABRIEL PORTO: (encerrando a discussão) Não citou o caso do Dr. Bueno de Miranda, porque sabia que não era de laryngectomia total. Nos, casos incipientes de cancer do larynge, tem mais confiança no tratamento cirurgião, que nas applicações de Raios X e Radio, ou mesmo a diathermo-coagulação.
Sessão de 2 de Fevereiro de 1933
Presidida pelo Dr. Schmidt Sarmento e secretariada pelos Drs. Homero Cordeiro e Raphael da Nova, realisou-se a 2 de Fevereiro, uma sessão extraordinaria da Sessão de Oto-Rhino-Laryngologia da Associação Paulista de Medicina. Na ordem do dia foram apresentados os seguintes trabalhos:
DR. MARIO OTTONI DE REZENDE (S. Paulo) - "Um caso de abcesso retro-mastoideo complicado. Phenomeno de aspiração de ar pelo seio sigmoideo. Hemiplegia. Cura". (Publicado na integra noutro lugar desta revista).
DISCUSSÃO
DR. GUEDES DE MELLO F.º: Este caso mostra como muitas vezes a radiographia falha..
DR. FRANCISCO HARTUNG: Cita a observação de um caso de um especialista Dr. Mann de Dresden, que tem certo parallelismo com o Dr. Ottoni: era um caso de mastoidite com septicemia franca, acompanhada de phenomenos de hemiplegia. Pouca febre, mas dôr de cabeça. Ex do liquido cephalo-racheano: augmento dos mononucleares. Reoperou o paciente e como o estado geral não apresentava melhoras, entregou-o a um cirurgião geral, que fez abertura maior, indo até a dura mater, que foi drenada. A puncção da zona rolandica foi negativa. Logo depois a hemiplegia desappareceu e o doente curou-se.
DR. SCHMIDT SARMENTO: Lembra a idéa de um edema causado pela thrombóse retrogada das veias cerebraes, comprimindo as meninges e produzindo a hemiplegia e depois reabsorvido pela circulação collateral.
DR. MARIO OTTONI (encerrando a discussão): Quanto ao caso citado pelo Dr. Hartung, acha que absolutamente não está enquadrado no seu. Havia septicemia e portanto fócos septicemicos explicam muita cousa.
Quanto a idéa exposta pelo Dr. Sarmento, de facto, uma thrombóse retrogada podia ter sido a causadora do edema, mas acha que esse edema precisava ser muito brusco para produzir a hemiplegia. Em todo caso acceita essa idéa aventada, que merece tambem ser acatada.
2.º - DR. GUEDES DE MELLO FILHO (Campinas): - "Ferimento por projectil de arma de fogo. Syndrome paralytica unilateral dos seis ultimos pares craneanos."
RESUMO: As paralysias associadas dos nervos craneanos apresentam um duplo interesse: o de sua relativa raridade e o de contribuirem para o estudo, ainda contravertido, de alguns pontos de physio-pathologia nervosa. O A. faz considerações sobre a neuro-physiologia da especialidade e expõe a observação de um paciente, que em consequencia a ferimento por projectil de arma de fogo, apresentou paralysia dos seis ultimos pares craneanos, á direita, poupando apenas o ramo vestibular do VIII. A bala penetrou no soalho do conducto auditivo externo e, descrevendo um trajecto de traz para frente, da direita para esquerda e de cima. para baixo, sahiu pouco adiante do angulo mandibular esquerdo.
DISCUSSÃO:
DR. MARIO OTTONI DE REZENDE: Acha o caso extraordinariamente interessante principalmente pelo facto da bala ter lesado os seis nervos craneanos e poupado só o ramo vestibular do VIII. Descorre sobre a innervação do larynge, e véo do palladar e acha que ainda é uma questão-muito discutida, cada autor explica de um modo differente, não se chegando nunca a um accordo.
3.º - DR. SCHMIDT SARMENTO (S. Paulo) - "Um caso de estaphyloplastia. Apresentação da doente."
Obs.: R. M. de 19 annos, professoranda. Ha mais de 2 1/2 annos teve uma ulceração do pharynge, que tratou com sol.de azul de methyleno. Sarou mas sentiu obstrucção do nariz, com olfacto deficiente, falta absoluta de respiração nasal. Sempre ouvio bem; o exame otoscopico revela triangulo luminoso baço. Audição normal. Faltam elementos para pensar em diphteria, lupus, leishmanióse. Abraçada a idéa de lues (gomma já cicatrisada). Wassermann feito em 1931= +++. Instituido o tratamento esterilisante anti-luetico durante um anno, arsênico-mercucurio-iodo. Wassermann em Janeiro 1933= negativo (Fleury Silveira).
Ao exame, o pallato mólle inteiramente adherente ao pharynge. Nenhum pertuito. Obstrucção absoluta do naso-pharynge. Uvula presa, apresentava-se como pequena verruga.
Em 11-1-1933 operação num só tempo, auxiliado pelo Dr. Rebello Neto. Anesthesia local por pincelações de cocaina a 20 %. Infiltração abandonada por mascarar a anatomia difficultando a intervenção. Incisão circular e bisturi seguindo o debucho e pallato mólle, afastamento deste com lança de iridectomia em angulo obtuso, instrumento muito cortante dos dois gados, o que facilitava a libertação do pallato, completado com descolados em angulo recto. Isto completado ainda por deslocamento digital, cortadas as bridas conjunctivas que iam até as choanas, por meio de thesoura longa com ponta em angulo recto. Introducção de estylete curvo nas fossas nasaes que finalmente appareceu no pharynge oral, dando por finda a operação. Foi lembrada a prothese com "godiva", na impossibilidade de se fazer um annel chato com um, dos bordos largos (o posterior), com o fim de evitar a recidencia cicatricial immediata, pensamos de fazer dois cones de godiva, collocados no pharynge sangrento e presos por fio de seda respectivamente atravez de cada fóssa nasal. Como estes separados cavalgassem, foram ajuntados na sua porção inferior, ligeiramente recurvados, de accordo com a região e engastados na parte superior, separados nas respectivas choanas. Pouco sangue. Temperatura entre 370,5 e 38%. Lavagens com sol. de Dakin, oleo gomenolado, Sol. nitrato de prata 10 % na ferida operatoria, quando necessario.
O resultado os collegas acabam de vêr. Anticipava ja o prazer do inedito, pois a bibliographia vista e procurada mesmo fóra da especialidade, fôra negativa. Mas a probidade scientifica velava. Rebuscadas as differentes bibliothecas de collegas, encontramos na mais rica, a do Dr. Mario Ottoni: no "Archiv fuer Ohrenheilêunde" de 1879, um caso semelhante ao nosso e resolvido do mesmo modo, por Kuhn, com as differenças existentes em 1879 e 1933. Zarnico refere-se tambem ao mal e dá idéas sobre o tratamento.
DISCUSSÃO:
DR. GUEDES DE MELLO F.º - Acha interessante o processo empregado pelo Dr. Sarmento, por se tratar de casos pouco felizes, apezar da boa vontade do operador e do doente, devido as recidivas. Cita um caso em que empregou a diathermo-coagulação, segundo a technica do Prof. Jacques, de Naney, no qual obteve um resultado relativo, não optimo. A impressão que teve do caso do Dr. Sarmento, foi magnifica.
DR. REBELLO NETO - Assistiu a operação e observou a maestria do Dr. Sarmento. Caso difficil não só pela lesão, como tambem pela extensão e difficil anesthesia. Acha que, caso reappareçarn synechias quando não usar mais o apparelho, ainda ha o recurso do enxerto de mucosa ou de Thiersch, por processos identico a prothese immediata, após a resecção do maxillar superior, lembrada por Pichler.
DR. RAPHAEL DA NOVA - Nas casos de adherencia fibrosa do pallato molle, corno nas observadas na leishmanióse, o Dr. Mattos Barreto tem empregado iro serviço do Prof., Paula Santos a electro-coagulação coar resultados satisfactorios.
DR. SCHMIDT SARMENTO (encerrando a discussão) - Aos Drs. Guedes de Mello e Nova, tem a dizer que de facto pensou, na electro-coagulação, mas para fazel-a posteriormente, em segundo tempo, após a próthese. O seu caso é recente, e não excluiu a probabilidade de recidiva, tendo mesmo avisado o doente sobre isso. Acceita a idéa de enxerto proposta pelo Dr. Rabello Neto. Trará á sessão o resultado final do seu caso.
A SECÇÃO DE OTO-RHINO-LARYNGOLOGIA em 1932.
Inaugurada em 17 de Março de 1932, e empossada, a Mesa eleita: Presidente, Dr. Março Ottoni de Rezende, Drs. Roberto Oliva e Paulo Sáes, respectivamente 1º e 2º Secretarios, esta Secção realisou seis sessões ordinarias e uma extraordinaria durante o anno findo. Foram os seguintes os trabalhos apresentados: 1º - DR. HORACIO DE PAULA- SANTOS (S. Paulo) - "Considerações sobre a operação da sinusite fronto-ethmoidal. Apresentacão de doentes". 2º - DR. ARNALDO BACELLAR (Casa Branca) - "Lesão por bala dos quatro ultimos nervos craneanos do lado esquerdo". 3° - DR. HOMERO CORDEIRO (S. Paulo) - "Tres casos raros de corpos estranhos das vias aero-digestivas extrahidos pela broncho-esophagoscopia". 4º - DR. FRANCISCO HARTUNG (S. Paulo) - "Lesão traumatica do larynge motivada por quéda". 5º -DR. MARIO OTTONI DE REZENDE (S. Paulo) - "Caso curioso de vertigem labyrinthica". 6º - DR. ROBERTO OLIVA (S. Paulo) - "Dois casos de tumores benignos das amygdalas". 7º - DR. BRASILINO VAZ DE LIMA (S. Paulo) - "Um caso de nome da face. Cura". 8º - DR. SYLVIO OGNIBENE (S. Paulo) - "Dois casos de kysto intra-sinusial simulando sinusite".
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