M. C. R., 26 anos, brasileira, branca, solteira.
Vimos esta paciente em 29-5-1931, em sua residência. - Queixava-se da presença de um tumor do lado esquerdo do soalho da boca, e que fazia saliência na região infra maxilar e supra hyoidéa deste lado. Este tumor fora operado, pelo falecido clinico Dr. - Walter Seng, em Abril de 1931 e da operação não tinha ficado boa até a data em que a vimos, pelo contrario o tumor, que anteriormente era do tamanho de um ovo de perdiz e indolente, passou, a ser do tamanho de um ovo de galinha, proeminando para fora do lado esquerdo do pescoço, e extraordinariamente doloroso.
EXAME: - A paciente apresentava uma infiltração da região infra maxilar e supra hyoidéa do lado esquerdo, assim como a presença de um tumor, de regular tamanho, no soalho da boca do mesmo lado.
Este tumor estava, ainda, fistulisado em sua parte posterior, mais ou menos em frente do 2º grande molar inferior esquerdo. Doente febril e de fácies doloroso. Tivemos a impressão de que ao lado do que já havia, formava-se um phlegmão secundario e, deste modo instituímos o tratamento que, de fato, confirmou o nosso modo de vêr, tendo sido aberto o phlegmão da loja sub-maxilar pela via externa em 3-6-1931.
A paciente melhorou rapidamente e teve alta para que pudesse ser operada, posteriormente, do tumor já existente. Esta ultima intervenção foi praticada 2 mezes depois, estando a paciente em magnificas condições de saude.
A via empregada, desta vez, foi a buccal, tal o modo por que se apresentava isolado o tumor do soalho da bocca. Feita, uma incisão sobre elle, foi anucleado em um só bloco e fechado; era uma especie de kysto semi-molle, que aberto deixou sahir de seu interior exclusivamente uma substancia branca, acizentada, em placas, semelhante a um cholesteatoma.
O exame histo-pathologico e clinico confirmaram o diagnostico de especie.
Tratava-se de um cholesteatoma do soalho da bocca.
A paciente teve cicatrização per primam e, em; 5 dias, obteve alta, completamente curada.
Este caso não só é raro como ilustrativo. Imaginem, os colegas, com quantas afecções poderia elle ser confundido! Calculo da glândula sublingual, da sub-maxillar, tumor maligno do soalho da bocca, kysto suppurado do resquicio do canal de Bockdalek, kysto salivar da sub-lingual, além da complicação phlegmonosa superveniente.
Tratava-se, no entanto, de um cholesteatoma encapsulado do soalho da boca.
A radiografia tirada antes da operação, revelou sombra de um provável calculo da glândula sub-maxilar esquerda.
M. O. R.
VERTIGENS, ATAXIA E ROLHAS DE CERUMEN (1)
A. B. - 60 annos - Italiano - Casado - Branco.
Procurou-nos em 29-9-1926, queixando-se de que ha 1 mez, de repente, sentira fortes tonturas com sensação de quêda se não se apoiasse a qualquer objecto. Estas tonturas continuaram, ininterruptamente, si bem que menos intensas, até a data do exame. Elas só apparecem pelo movimento e são acompanhadas de certas differenças para o lado direito do corpo e de certa surdez deste lado. Vertigens com rotação dos objectos em derredor. Não tem zoadas nos ouvidos.
EXAME: - Provas de audição.
O paciente ficava vertiginoso quando da mudança da cabeça, estando deitado, quer para a direita, quer para a esquerda, sendo que quando deitado á esquerda as vertigens aumentavam de intensidade.
Convem notar que as rolhas de cerumen obturavam completamente o conducto auditivo externo direito.
3 dias após a retirada das rolhas de cerumen, si bem que ainda continuasse a existir leve Ny. espontaneo para a direita, as vertigens haviam desaparecido por completo, assim como os demais symptonias que a acompanhavam. 5 annos depois repetiam-se os mesmos phenomenos, e com a mesma intensidade, tendo o doente nos procurado novamente para que lhe dessemos allivio.
Desta vez fomos, directamente, á otoscopia que nos revelou a presença de cerumen, em ambos os lados. Retiradas as rolhas, o doente já sahiu de nosso consultorio satisfeito, pois as vertigens lhe haviam passado de todo.
Trata-se, como vêm, de um caso curioso, e grandemente instructivo.
O typo de vertigens mais conhecido, e a que se processa mais commumente, é o da vertigem rotatoria occasionada pela excitação e por molestia do labyrintho, isto é, vertigem caracterisada pela percepção rotativa dos objectos em derredor, ou do proprio corpo em torno de seu eixo.
E'commum nas molestias do vestibular e de suas terminações na medulla (tumores, lues, esclerose generalisada, syringobulbia, ammollecimento, etc.). Podemos dizer que a vertigem que se processa no territorio de destribuição do vestibular tem o caracter rotativo.
Como devemos comprehender a chamada vertigem observada nas moléstias do cerebello? Tambem aqui, além das reacções normaes do processo vertiginoso, o caracter vestibular é constante.
HITZIG escreve sobre a localisação desta vertigem no cerebello dizendo: "No que se refere ás relações de cada parte do cerebello com a vertigem, os pontos de vista actuaes se resumem no facto de que a vertigem existe, regularmente, quando a parle basal do Vermis, especialmente sua parte posterior, é affectado - mesmo quando o Vermis é atacado, indirectamente, ella pôde existir". As relações anatomicas, e por ellas tambem as physiologicas, entre o apparelho vestibular e o cerebello, se fazendo pelo Vermis e, ainda mais, tendo em vista a posição deste sobre o 4º ventriculo, nos esclarecem sobre a frequencia e o caracter da vertigem nas affecções do cerebello. E' de considerar-se tambem a hyper-irritabilidade do aparelho vestibular nas lesões do Vermis nos animaes, assim como nas molestias do cerebello, por processos que diminuem o espaço na fossa posterior.
Vertigens das do typo de nosso caso, um velho de 60 anos, faz-nos pensar logo em arterio-esclerose, em nephrite, antes de cuidarmos da possibilidade de que symptomatologia tão complicada pudesse ser causada por simples rolhas de cerumen, sobretudo tendo em vista de que estas deveriam produzir, de preferencia, phenomenologia de ordem acustica e não estatica.
Pensamos, neste caso, na existencia de grande flacidez dos ligamentos da platina do estribo na janella oval, flacidez esta que facilitára a sua penetração, e o exagero da pressão intra-labyrinthica, por uma compressão indirecta sobre o cabo do martello, occasionada pelo proprio peso da rolha de cerumen. Foi a esta mesma especie de flacidez de ligamentos que o Prof. RUTTIN attribuiu o facto que HENNEBERG descobriu, isto é, o da existencia de uma prova fistular sem fistula, sobretudo para os lueticos.
Esse exemplo nos vem ensinar o cuidado com que devemos orientar os nossos diagnosticos, e provar, ainda, o axioma cediço, de que um. bom diagnostico já constitue meia cura.
M. O. R.
ABCESSOS DO CEREBROSYMPTOMAS GERAES, de grande importancia, salvam, ás vezes, a vida do doente. Entre eles
a) - Vomitos repetidos = fóssa posterior.
b) - Vertigens (sobretudo em moços que delas não sofriam) = cerebelo, fossa posterior.
c) - Cephaléas, sobretudo localizadas na nuca.
d) - Humor do paciente:
1) - Os abcessos trazem mau humor;
2) - nas meningites os doentes ficam agitados e ás vezes furiosos;
3) - a thrombose do seio é acompanhada de bom humor, euphoria, mesmo com temperatura elevada,
e) - elevação brusca e unira, da temperatura que pôde, ás vezes, sobrevir.
f) - apparecimento repentino de certos symptomas isolados, mas caracteristicos.
g) - constipação pertinaz.
M. O. R.
ENVENENAMENTO AGUDO PELA COCAINA. SYMPTOMAS - TRATAMENTO.O envenenamento pela cocaína no território da O. R. L., tem lugar, em geral, quando de sua aplicação á anestesia das mucosas, ou pela porcentagem elevada das soluções, ou pela demora no uso dos tampões, ou pela susceptibilidade própria do paciente. As vezes um engano no modo de empregá-la, injeção ao invés de esfregaço, pode também ocasionar o envenenamento. Daqui o cuidado em conservar as soluções em frascos de cor.
A intoxicação aguda apresenta-se por meio de fortes dôres de cabeça, vertigens, tremores e excitabilidade motora que vae até as contracturas musculares. Nas intoxicações ligeiras, o paciente sente vertigens, anciedade e torna-se pallido. Nos casos graves apparecem symptomas de paralysia. O paciente perde a sensibilidade profunda e tem a sensação de que seus membros não existem, e tambem, que não podem respirar direito. Tremores das mãos e de todo o corpo, que podem aumentar até as contracções clonicas. Pupilas fortemente dilatadas e face cadaverica. Si bem que alguns doentes soffram demasiadamente, outros existem que ficam completamente euphoricos. Nas mulheres, o envenenamento excita extraordinariamente o libido, actuando a cocaína com forte contingente de erotismo, sobretudo produzido, ao que parece, pela phantasia sexual.
Nos casos de grande gravidade sobrevém a falta de ar, pulso freqüentíssimo, elevação da temperatura, contracções clonicas, fortes dores dei cabeça e, finalmente, o colapso.
Os envenenados, ou saram em poucas horas ou morrem no mesmo tempo, sendo que nos casos mais graves, a morte pôde sobrevir em alguns minutos.
TRATAMENTO:1º) Afastar das mucosas o toxico existente. Lavagens do nariz, da bocca, da garganta e do estomago. Neste ultimo empregar o carvão medicinal, que absorve a cocaína.
2º) O maior erro, infelizmente commettido com frequencia, consiste no uso da injecção de morphina, para fazer cessar as perturbações motoras.
Isto favorecerá a cessação da respiração. Em alguns casos de envenenamento leves, esta poderá dar algum resultado.
3º) Melhor que a morphina é o emprego de suporíferos, sobretudo o "Luminal natrium", "Somnifen" e o "Dial".
4º) Contra a fraqueza cardíaca, a "Coramina" e o "Cardiazol" (intramuscular).
5º) Nos casos graves de paralysia respiratoria, a "Lobelina".
M. O. R.
(1) Lida na Secção de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina, em Abril de 1932.