ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1131 - Vol. 12 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1944
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 112 a 121
OPERAÇÃO DE SEPTO NASAL - Sucessos e fracassos.(1)
Autor(es):
DR. FRANCISCO DE PAULA PINTO HARTUNG

São Paulo.

A operação de septo nasal significa, por si só, uma das conquistas clássicas do nosso sector de cirurgia. É incontestavel. Racionalmente indicada, e executada, sob os necessarios requisitos de técnica, ninguem duvida hoje dos seus reais beneficios, ou nega as contingências clínicas e funcionais por ela resolvidas ou aliviadas. Foi uma das vitórias mais concretas obtidas depois da autonomia conquistada pela nossa provinda científica, em fins do século passado, e um dos frutos opimos colhidos no espírito de especialização, que tem dominado a atualidade, quando não conduzido a ecessos e exclusivismos, perigo de que tanto nos alertou Carrel.

Todavia, forçoso é reconhecer, si temos trabalhado bem no sentido material e técnico, a ponto de vulgarizar e popularizar a citada cirurgia em quasi toda a orbe civilizada, como o prova a literatura médica, parece não ter havido por parte dos especialistas em geral muito cuidado e discernimento no tocante às indicações operatórias. É fato que esta impressão, que não é só nossa, não diz respeito sómente a este recanto de nossa especialidade. Haverá tambem outros pontos pouco ventilados, em determinada direção na cirurgia em geral. Não ha porém como fugir à realidade da situação que se vem fazendo sentir nestes ultimos anos. Assistimos a clientes, a quem. afinal impomos confiança, portadores incontestes de condições nasais a exigir que sejam corrigidas ou melhoradas, negarem-se terminantemente. Na cirurgia do septo, ou porque têm um parente ao qual a operação não lhe curou uma asma nasal ou crises incomodas de espirros em série, ou ainda porque sabem de um conhecido que, mesmo operado por especialista acatado e de boas credenciais, continuam a ser incomodado pelos seus ruídos entoticos em um ouvido que continua rebelde ou a supurar. Eis uma situação verdadeira da prática de cada um, e que nos compete sanar. Realmente, não póde ser mais danoso e prejudicial o resultado deste descrédito e desconfiança, não tanto para a reputação do especialista que se sente repudiado, mas pelo mal com que esse cliente desiludido e céptico vae contaminar o meio social em que vive, privando os seus semelhantes de melhorar em suas condições respiratórias e de sua saúde em geral. Eis porque se nos pareceu de interesse um tal objeto, uma vez que nada mais fácil de que defender o prestígio científico cirurgico do septo e a base fisiológica da indicação operatória. Em rigôr, é um problema clínico-cirurgico; que a nós, exclusivamente a nós, cabe decidir. Não ha intromissão alheia. Não se trata da amigdala, condenada por qualquer clínico consciencioso, que sabe de anginas muitos repetidas, que assistiu crises de reumatismo, ou que denunciou lesões renais, e que algum cirurgião de traquejo e experiência, póde, a contento dissecar ou nuclear. Também não é mastoide, resolvida às vezes fóra satisfatoriamente, pelo operador geral de critério e de experiência. Muito menos Luc-Caldwell, operação fácil que não exige muita virtuosidade em cirurgia, nem qualidades excepcionais de quem opera. O septo não. É diferente. Nós os indicamos e operamos. assistimos, é bem verdade e com bastante displicência muitas incursões extranhas em nosso campo cirurgico, desde, porém, que se não toque no tabique, porque em vez de operá-lo se póde pô-lo abaixo. No septo, de nada vale o arrojo sem experiência. Por isso Lindenberg, de tão saudosa memória e sempre tão lembrado, dizia, e com razão, que somente pelo septo se pode conhecer o verdadeiro especialista. Não os soí-disant.

Foi, pois, meditando sobre estes fatos e realidades que nos abalançámos a esta atitude nesta noite. Trocar, com os colegas, impressões sobre o septo, os seus sucessos e fracassos. Ideias práticas, meditações sobre a experiência e o passado. Aprender, no intercambio, com os colegas. Nada de teorias e de ostentação de conhecimentos de literatura.

Analisemos e critiquemos, a nossa atuação. Muitas vezes, começamos errando desde a anamnese. Desde o começo, portanto. Esquecemo-nos, que em rinologia, como em toda a medicina, com frequencia a anamnese é tudo, e que do seu desprezo e desatenção decorrem os maiores desapontamentos e decepções.

Compreende-se bem a nossa tendencia para esquematizá-la e abreviá-la, porque a rinoscopia constitue uma semiótica excessivamente objetiva. Via de regra, os capítulos de patologia nasal; são mais simples que outros que também a nós pertencem. Vemos que um septo é desviado, encontramos um exsudato no meato medio, enxergamos uma mucosa de corneto vermelha e congesta. Compare-se essa simplicidade objetiva com a complexidade de raciocinio, necessária por exemplo, para isolar os sintomas do ouvido médio daqueles do labirinto, ou para a dissecção semiológica entre o ramo vestibular e o coclear do acustico ou ainda, já invadida de vez a neurologia, separar o que é propriamente nosso, nas lesões do VIII par, do que pertence ao ângulo pontocerebelar. Enquanto que em rinologia, conseguimos devassar quasi totalmente a cavidade nasal, submetendo-a à capacidade da nossa vista e sentidos, nos grandes problemas da otologia temos de nos contentar com resultados intermediarios e indiretas, com as probabilidades de erros decorrentes das provas funcionais, em virtude dos fatores subjetivos psicológicos, às vezes, psicóticos do paciente em exame, Por isso, a nossa manifesta tendência, em desenvolver em pormenores todas as informações fornecidas por um doente do ouvido, e esquematizar ou atrofiar a anamnése nasal.

As vezes, a anamnese, aparentemente, é perfeita. Resfriados frequentes, cefaléias, corrimentos, dôres sinusais, Wassermann, etc. Ficará, porém, em falso, mostra a experiência, si não houver a impressão clara que o paciente tem sôbre a sua própria respiração nasal. A nosso vêr, é êsse um ponto da maior transcendência, e que freqüentemente nos escapa. Esquecemo-nos que o cliente não sabe e nem póde saber rinopatologia. Em verdade há pacientes que respiram bem, ou pelo menos pensam assim respirar, mas cujo caso clínico comporta outras indicações operatorias. Tais tipos de casos constituem, por si, um dos grupos dos futuros descontentes e desiludidos com o septo e a sua cirurgia. Pouco importa que seja outra a nossa finalidade com a operação, tentando aliviar um meato e ostium comprimidos pelo corneto e o septo ou defendendo a trompa das propagações do catarro do nariz. O cliente não está preparado para tanto compreender e se não for informado no futuro, de acôrdo com a sua mentalidade e cultura, mesmo de bôa fé, doutrinará contra nós e a nossa atuação. Um dêles, lembramo-nos bem. Era e é nosso amigo. Sinusite frontoetmoido maxilar superaguda. Muita dôr e sofrimento. Drenagens do meato, banhos de luz e uma série de punções. Cura. Tempos depois, recidiva. Novo tratamento, desta vez terminada em operação de Miculicz. Depois, septo. Tinha um desvio alto, dificultando o meato. Nunca mais recidivou a sinusite. Há uns 12 anos. Desapareceram para sempre dôres nos seios, nem estalos e chiados nos ouvidos. Queixa-se porém que ainda se resfria. E a sua respiração, certa vez interpelamos, um tanto enfaticamente respondeu: E' bôa, mas já o era antes de operar.
Anotamos e aprendemos (? ? ? )

Eis porque insistimos neste ponto. Em primeiro lugar, a impressão do próprio paciente sôbre a sua capacidade respiratória. Não a nossa., por que há septos em grandes desvios que não perturbam, e outros quasi a prumo que incomodam e diminuem a luz das fossas. Às vezes, por acaso, em um cliente que nos procura por cerumen, descobrimos um septo muito torto, desviado e irregular; em outros uma crista agressiva e anfractuosa. Nunca o nariz incomodou. Não se resfria. Não tem cefaléias nem catarros. Saude perfeita. O melhor é silenciar. Tal cliente, a nosso vêr, nem sequer deve ser notificado do que encontrámos. Para que provocar-lhe uma preocupação inútil em seu espírito? Apenas anotar no fichário, para um eventual futuro.

Um outro ponto ainda para nosso comentário. A patologia do ouvido médio e da trompa de Eustáquio em suas correlações com o nariz. Não há dúvida, é uma noção antiga, certa e admitida, que um septo bem indicado e operado, pode e deve refletir-se bem nas condições do ouvido médio e em seus sintomas. Nos defluxos fortes e freqüentes. Um septo de desvio posterior que se encosta na cauda do corneto, irrita, congestiona e inflama a trompa. Enquanto a mucosa desta é bôa, não há fibrose e a sua luz é suficiente, os resultados são positivos e concretos. A operação compensa o sacrifício. Do instante porém que já há estenose pela invasão de tecido conjuntivo, o que esperar com a remoção do repto? Profilaxia, apenas, de novos insultos e invasões. Melhoria, as vezes, nunca porém, cura. E' uma outra idéia necessária ao espírito do cliente. Do contrario desilude-se, revolta-se. Trabalha contra o septo. São os fracassos da nossa cirurgia. Lembra a indicação para amigladas e adenoides. O que esperar-se, pela sua remoção nas crianças com colesteatoma ou otites com osteítes ? E nas moléstias eruptivas de que a escarlatina serve de exemplo. Prometer o que? O que esperar da psicologia dos pais depois do fracasso operatório. Desapontado, cético e desiludido não póde ser um elemento mais nocivo. Impõe-se uma medida. Rememoremos o passado e o que já vimos. O contingente formidavel de crianças que, precisam, se beneficiam e se curam pela amigdalo-adenoidectomia. Elas clamam por defesa. Não devem ficar expostas ao ceticismo, fruto de uma indicação impensada e imoderada.

As vezes, é o contrário. Erramos não operando. O cliente queixa-se e parece queixar-se demais do seu nariz. Afirma que não respira. Não vemos porque. Septo em deflexão insignificante. Cornetos de proporções razoáveis e de côr bôa. Não tem polipos nem tumor de espécie alguma. Lembramo-nos bem de um assim. Um francês, já idoso, nosso amigo, queixava-se insistentemente de sua respiração. Desvio quasi nulo, bem na frente. Cornetos bem proporcionados, mas sujeitos a variações em báscula, segundo a anamnese. Por isso os cauterizámos. Melhorou uns tempos. Pelo menos essa impressão tivemos. Êle também. Passada porém uma temporada, voltou. E de novo descontente com o nariz e a respiração. Tudo em ordem, pelo exame, tendo os cornetos razoavelmente retraídos pela cauterização. Insistia porém para que o operássemos. Nós não tínhamos entusiasmo algum. Além do desvio ser insignificante, também pela idade do paciente. 63 anos. Compreende-se que se opere até em mais idade, mas somente em uma indicação muito concreta e definida. Um nariz muito fechado, em doente asmático, por exemplo. O francês porém não era asmático e o desvio insignificante. Fizemos vêr- isso ao cliente, sem ser irreverente à idade. Não se convenceu. Insistiu. Quasi exigiu que o operássemos, ameaçando-nos de procurar um outro colega. Por isso, mas pouco convencidos o operamos. A surpresa não poderia ser maior. O desvio consistia em um discreto abanamento da cartilagem para a esquerda. Resecção muito pequena. Supomos mesmo que mal tocamos no osso. O resultado foi surpreendente. Socegou. Passou a neurastenia a que atribuíamos. Não mais polarizou a sua vida no nariz. Ficou e continua contente e já lá vão 6 anos. No penúltimo Natal, como prova que é amigo, nos mandou algum vinho de que outrora fôra importador. Nós estávamos errados. Não o cliente. Mas, errávamos no esforço de acertar.

E os alérgicos nasais. Que prometer a êles? Operar ou não operar? Já há alguns anos abordamos êste assunto. Já houve tempo em que eram muito mais operados, quando a concepção anafilática não invadira ainda o campo da rinologia. Hoje é diferente. Os testes e as pesquizas de alergicos são da prática diária do especialista e há muito mais retração operatória. Conhecemos dois operados muito antigos, há 20 e 22 anos. Naquele tempo apenas se falava em hay ferver. Sabia-se dos polens, mas ainda não havia desensibilização. Procuram-nos de vez em quando para que se cauterizemos os cornetos. Não os cura, mas melhora por algum tempo. O nariz não se fecha tanto nas crises de alergia. Um é advogado e intelectual. Nervoso e vibrátil, sempre às voltas com os espirros em série e lacrimejamento. Diz que se resfria com espantosa facilidade. E' um dos tais elementos revoltados não contra o cirurgião que era amigo seu e meu, mas contra o septo e a sua cirurgia. O outro é um sírio e negociante. Nada tem de intelectual e não é psicastenico. Muito diferente a mentalidade de um e outro, mas ambos se referem à operação a que se submeteram, e que não acabou com os seus resfriados e rinorréa tão frequentes. Ambos com a mucosa muito branca e úmida. Eosinofilia evidente. Septos bem a prumo. Perfeitos como que em homenagem ao mestre que os operou. A côr da mucosa, porém a sua umidade e exuberância demonstram a procedência das suas queixas e desilusões. Há uns três anos mandamos desensibilizá-los e agora há muito que os não vemos.

Continuamos hoje com o mesmo ponto de vista que externamos em 34. Cuidado com os alergicos. A não ser que haja desvios descomunais, o melhor será não apruma-los, porque quasi não aproveitam nem podem aproveitar a cirurgia. São dos casos de fracasso.

O septo traumático é sempre um caso bom. Por dois motivos. O cliente sabe do seu defeito e do seu mau respirar. Quer por isso, corrigí-lo. Depois a operação, que oferece garantia. Em geral, ela é fácil, apesar da fibrose e cicatrizes. Dissecções longas e trabalhosas, às vezes, à bisturi. Possibilidade eminente de perfuração, mas com paciência e bôa luz, corre tudo bem, compensando o sacrifício e o esforço. São sempre dos casos de sucesso. As vezes, porém, não. Seriam, porque o operado, embora respire bem e se fortifique, queixa-se que o nariz é deformado, externamente. Em geral; já o era antes do ato cirurgico, mas o paciente se esquece. Eis pois, um outro ponto, que também tem certa importância. Relativa, é claro, porque sempre haverá quem reparou no nariz do queixoso antes de operar-se. Contudo, precaução. Que se previna ao cliente, que se vai corrigir a sua respiração, e não apagar deformidades. Para isso ha a plástica e os estetas da cirurgia. É bem verdade que a correção do septo, com frequencia faz voltar uma ponta assimétrica ao seu lugar. Nem sempre, porém. Póde até piorar o que já era feio, sobretudo nas grandes subluxações, a que somos obrigados para melhorar a respiração. Cuidado pois. O Dr. Rebelo Neto e eu conhecemos uma Cleópatra, que nos tem dado trabalho. Há também gregos, que pelo menos assim enxergam o seu apêndice nasal!

Algumas palavras sôbre a cefaléia nasal. Parece que talvez seja um dos capítulos mais descuidados de toda a rinologia, não obstante a enorme frequencia e a grande variedade de cefaléias em patologia humana. Todo o mundo sabe o que é dôr de cabeça, por experiência própria, ou por assistir ou ouvir falar. Nem todos julgam porém, com realidade das suas desastrosas consequencias na vida humana, da depressão que se apodera do paciente conforme a sua intensidade, durante a crise do reflexo na sua vida social e do déficit na produção intelectual e material. Não nos referimos aqui às dôres sinusais provenientes das cavidades acessórias do nariz, denunciadas pelo exame clínico e controladas pelos raios X. O nosso sentido é outro. Cefaléias sem sinusites, no sentido vago, muitas vezes atribuídas a desvios, a cristas, a sinequias, com frequência confundidas com causas oftálmicas, neurológicas, renais ou com sintomas de alergia em ligação com a patologia hepática. Que existe uma cefaléia nasal pura, é um fato admitido e incontestado. Há provas provadas neste sentido. No instante, todavia, que pretendemos julgar com rigor do verdadeiro contingente nasal na patogenese geral das cefaléias, desde os choques anafilaticos até as grandes uremias, verificamos então que os documentos fornecidos pela experiência e a rinopatologia ainda não facultam uma idéia exata sôbre o seu volume e importância. Não há elementos rinoscopicos que ofereçam garantia. Há septos de grande amplitude no desvio que jamais geraram cefaléias; há cristas muito grandes e acidentadas que se ignoram até o fim da vida. Entretanto, um ligeiro abaúlamento, corrigido e diminuido, póde às vezes, curar uma cefaléia, como também póde ter o mesmo efeito o desgaste de uma crista aparentemente inofensiva e sem importância. Não discutimos se há um paradoxo que esteja ligado a modificações vasomotoras que geram contactos e compressão entre os septos e os cornetos, ou ainda se tudo depende do estado da mucosa devido a choques por proteínas ou alérgicos. O fato é verdadeiro. A experiência e a prática confirmam esta realidade. Lembramo-nos bem de um caso que para nós causou sensação. Certa moça, vinha sofrendo de dôres de cabeça, quasi diárias há 10 anos. Corrigira um vício de refração, sem resultado em relação à cefaléia. Nada sentia no nariz: Não tinha catarro, respiração bôa, nem era sujeita a resfriados. Um neurologista. eminente já mandara radiografar o próprio crâneo, sem encontrar anormalidade. Exames de urina e de sangue também negativos para o caso. Ligeiras perturbações endocrinicas, com quistos ovarianos. Examinando o nariz encontramos um desvio de septo pequeno que podia até ser desprezado, e uma crista, daquelas muito altas e posteriores, em contacto com o corneto médio. O resultado da operação foi surpreendente. A cefaléia desapareceu para não mais voltar. Temos visto essa moça, hoje casada, outras vezes, por outros motivos, mas nunca pelas cefaléias acusadas antes de operar-se. Não afirma que se curou completamente. Terá ainda uma outra dôr de cabeça hepática ou endocrínica. Nunca porém constante e diária como o era antes da intervenção cirurgica. São dos casos de sucesso.

Antes de terminarmos estas digressões de ordem prática, que outro fim não tem senão aprender e corrigir no que erráms e falhamos, examinemos ainda, por um instante o septo em si, no ato operatório e depois dêle. Verifiquemos si há coincidência de impressões em algum detalhe.

Às vezes, um septo parece escandalosamente fácil. Fácil porque há apenas um abaúlamento regular sem crista. Mucosa muito grossa, facilitando o descolar. Tudo corre bem. Incisa-se, afasta-se a mucosa, retiram-se a cartilagem e a parte óssea necessárias. Estamos certos que os resultados não podem ser mais satisfatórios., Alisou-se qualquer aspereza em cima e em baixo, que por acaso ainda restasse. Com a espadela, coloca-se a mucosa no lugar e vê-se que está bem correta e vertical. Nada mais resta senão tamponar, e depois, os curativos post-operatorios. Continuamos satisfeitos com o aspecto, mas tempos depois da alta, ou mesmo antes, verificamos que a verticalidade da mucosa já não é tão bôa como ficara depois do ato operatório. O cliente por seu lado, diz que a respiração embora melhorada não é o que êle esperava. De fato, si a mucosa esteve a prumo, agora não está mais. Aproxima-se da vertical, mas uma pequena inflexão ainda existe. E' o tecido conjuntivo, de um traumatismo antigo, ou de congestões muito freqüentes e violentas que fibrozaram o pericôndrio. A cartilagem, e o osso, de fato foram-se, não existem. Mas a armadura que ficou, e que parece que com o tempo aumenta e se consolida, é o bastante para manter o septo um tanto torto e desviado. Vêm-se casos que chegamos a duvidar se de fato foi operado. Por nós ou pelos outros. O resultado é máu, tanto para o operado como para o prestigio da operação. São também casos relativos de fracasso. Não sabemos se será uso de alguns ressecar a mucosa no ato operatório quando há muita fibrose. Dissemos não citar literatura. Mas seria uma sugestão, sôbre a qual nada lemos a respeito.

Outro detalhe diz respeito às grandes cristas, que começam no assoalho e se prolongam profundamente para trás, seguindo a articulação do vômer com a lâmina perpendicular do etmoide. Sabemos bem que muitas se dissecam com perfeição e integridade. Outras não. Às vezes, depende do operado. Não de nós. A anestesia é perfeita. Talvez a mais completa de toda a especialidade. Não há atenuante para nós se um operado de septo protesta e acusa a dôr. Mas mesmo assim há casos acidentados, porque há temperamentos quasi incompatíveis com a anestesia local. Daí as vertigens, lipotimias, interrupções do ato cirurgico e pequenos acidentes. Lacerações, perfurações. Independentemente porém, de operações acidentadas, é fóra de dúvida que há cristas muito difíceis de tirar sem sacrificar um pouco a mucosa. Pouco importa que não tenha conseqüências, não haja perfuração nem crostas. Não é elegante nem cirurgico. Eis porque muitas vezes, recorremos a um alvitre. Verificando que uma crista seja exageradamente irregular e anfractuosa., e que há muita probabilidade de lacerar-se a mucosa em seu ápice, lançamos mão do seguinte detalhe de técnica. A operação segue perfeitamente os moldes clássicos. Incisão, descolamento da cartilagem de ambos os lados, extirpação da necessária parte. Depois, descolamos a lâmina perpendicular do etmoide até a aresta correspondente à crista. Aí suspendemos um instante. Repomos a mucosa no lugar, e por fóra, fazemos uma incisão seguindo a saliência na sua linha de mais proeminência. Parece-nos haver duas vantagens em tal pormenor de técnica. Primeiro porque se torna muito mais fácil descolar a parte restante, em baixo Segundo porque a parte alta ficando solta, não corre mais o perigo de lacerar-se. Esta incisão suplementar varia de extensão de acôrdo com a necessidade, mas de modo algum deve ser prolongada para a frente a ponto de unir-se com a incisão clássica, quando as duas são do mesmo lado, afim de não sacrificar a nutrição da mucosa. Adiantamos que não pretendemos prioridade nesta idéia. Ignoramos se já foi proposta ou citada por outrem. De qualquer modo, é um lembrete para os moços, para evitar as perfurações e sinequias. Duas palavras sôbre elas. Quando nos vêm ter às mãos é nosso hábito não indagar pelo cirurgião. Não há interêsse, mas sim saber como o cliente se comportou na operação, porque isto tem muito mais significado em sua etiologia. O saudoso Sarmento era portador de duas, operado que foi por um dos maiores rinologistas do mundo. Ele costumava contar isso para tranquilizar os que começavam. Em geral, são acidentes sem a menor importância, mas às vezes não. Há anos fomos forçados a destruir uma sinequias, construída propositalmente pelo campeão americano de Lautenschäger (não sabemos si mundial), o Dr. Ernesto Moreira, tal a violência e a rebeldia da cefaléia. Ele nos prometeu esclarecimentos e detalhes sôbre as sinequias não acidentais, em comentário.

E a tamponagem, finalmente. Não o colocar, o retirar. Era o ponto crucial da cirurgia do septo. Temos experiência própria. A operação incomoda, não há dúvida. Mas se suporta bem, por necessária. Outra cousa é a retirada do tampão, depois de dois dias de insonia, dôr de cabeça e com o nariz inflamado, congesto e comprimido. Hoje se põe menos gaze, mas mesmo assim. Um cliente disse-nos certa vez que se lhe tinham arrancado o cérebro pelo nariz. Mesmo no exagero, há certa realidade. A solução é porém fácil. Muito conhecida aliás, mas apenas a relembramos porque há colegas que não acreditam muito ou que não foram operados de septo. O. dedo de luva, isolando, a gaze. Já a havíamos experimentado algumas vezes, mas sem regularidade e convicção. Um dia porém, Portmann. no seu serviço, em Paris, nos disse, depois de uma operação: "Si você experimentar uma vez o dedo de luva embebido em parafina, nunca mais fará a tamponagem direta". De novo, aqui, aceitamos o conselho de Portmann. Hoje temos uma experiência e grande. E' outra cousa, que não a direta. Quasi não sangra e não causa dôr. Fazemos mesmo um apêlo aos jovens que começam, em benefício dos seus futuros clientes que nunca se esqueçam no dedo de luva. Tem toda a razão o mestre de Bordeaux. Senão, se duvidam ouçam. Certa vez tínhamos internado no Santa Catarina, um septo operado. Cliente que não conhecíamos. Apenas na antevéspera. No dia de retirar a gaze, atrazámo-nos um pouco: Chegando ao Sanatório, indagamos da irmã, não vendo o moço: onde está o operado? Subiu, já
vai embora, respondeu-nos ela. Mas como, e o tampão? indagamos. Ele mesmo tirou, não precisando e nem aceitando o meu auxílio. De fato, tirára o tampão e se fôra.

Operemos pois os nossos clientes. Conscienciosa e criteriosamente. O número de casos bons, em verdade, é tão vultoso e grande, é tão farto e rico o contingente da bôa indicação operatória, que o entusiasmo, por vezes, empolga por demais o especialista. Daí se compreende, de quando em vez alguma atitude impulsiva e irrefletida, mas que nos compete sopitar e corrigir. Não se comenta o ato cirurgico nem a técnica. A indicação, porém. Operar, afinal, operam todos bem. Não raro, o difícil será não operar.

Separemos e de uma vez os casos. Isolemos os clientes que nos procuram, pela sua respiração daqueles para os quais é outra a finalidade da consulta. São muitos. São inúmeros. Septos desviados amplamente, de causas embriológicas ou traumáticas, fechando em parte ou toda a fossa nasal. O enorme contingente dos resfriados, sem mucosa branca e sem umidade, quando não há enfim substrato ou fundo alérgico. Pessôas, não em rigor, doentes, mas enfraquecidas e depauperadas, porque não se refazem, num sono acidentado. Outros, com aerofagia e estômago dilatado, tais as perturbações geradas pelo septo, ao deglutir os alimentos. Depois, os neurastênicos, neuropatas, que além das perturbações que lhes são próprias, se cansam com facilidade e não respiram bem. Toda esta casuística pois, independente da patologia satélite dos seios e do ouvido, concreta e ponderada, exigindo uma atuação definida e que se vai beneficiar nitidamente e para sempre, não deve ser confundida com outro grupo de clientes, que nos procura por um prurido no ouvido e que por acaso e meticulosidade de exame, lhes descobrimos uma certa desigualdade entre a luz das fossas nasais. Tais achados, em rigor não constituem diagnóstico, ou pelo menos não interessa em ser assinalado ao cliente, pois que não houve referência positiva à respiração, na anamnese. Apenas um acidente semiológico que nos compete notar, sem comentário. E' preferível que o cliente ignore que nós o assinalamos. Que importa o septo a tais clientes? Si tem saúde perfeita, si não se cansam, si se alimentam bem e si dormem normalmente? Porque tocar em uma crista muda e inofensiva si jamais o paciente se queixou de espirros ou cefaléia? Prudência e moderação, porque em tal conservantismo não só o septo é consertado, mas um dos fundos mais preciosas do nosso patrimônio científico.

"Primo non noscere", é um conceito muito antigo e clássico. Nada mais filosófico, cristão, elevado, humano e altruista. Meditemos bem. Não basta porém apreciar tão sómente o seu aspecto isolado em relação ao indivíduo, ao cliente, que, de fato, póde não ser prejudicado, quando vantagem não houver. Mas há mais, há outro aspecto, o aspecto social que também nos compete defender. Um outro "primo non noscere", muito mais amplo e dilatado, para o meio afinal em que se vive, que necessita da cirurgia, das suas conquistas, dos cirurgiões e de seu prestígio.




(1) Trabalho apresentado à Secção de O.R.L. de Associação Paulista de Medicina em
18-1-44.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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