ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1125 - Vol. 12 / Edição 1 / Período: Janeiro Fevereiro de 1944
Seção: Notas Clínicas Páginas: 25 a 34
SOBRE TRÊS CASOS DE MUCOCÉLE FRONTAL (1)
Autor(es):
J. E. DE REZENDE BARBOSA - Adjunto.
MAURO CANDIDO DE SOUZA - Adjunto voluntario.

Clinica de Oto-Rino-Laringologia da Santa Casa de Misericordia de S. Paulo (Serviço do Dr. Mario Ottoni de Rezende)

Com a apresentação de três observações de mucocéle do seio frontal visamos tão somente fornecer nova contribuição para a casuística nacional. O assunto dispensa qualquer sistematização pois já foi muito bem esmiuçado por diversos autores patrícios, entre eles OCTACILIO LOPES, ESTEVAM DE REZENDE, JOSÉ KÓS e, sobretudo, por GUÉDES DE MELO. Tocaremos, entretanto, em alguns pontos principais que a meditação destes três casos nos permitiu compreender melhor.

Existem duas teorias que disputam entre si a explicação do mecanismo de formação dos mucocéle sinusais. A primeira atribue como fator fundamental na genese do tumor a obstrução permanente do óstio de drenagem da cavidade sinusial. As causas de obstrução seriam diversas: sinusites torpidas, tumores compressivos, traumatismo, etc. Obstruido o óstio aparecerá o va-cuum sinus, congestão da mucosa de revestimento, secreção de muco que se acumula e enche a cavidade. Com a produção continua de muco as paredes do seio serão progressivamente distendidas e adelgaçadas. Com um crescimento continuo o tumor exterioriza-se, e, em uma fase final, rompe-se com o esvasiamento de seu conteúdo e a cura natural.

A segunda teoria explica como ponto de partida a obstrução do canal escritor de uma glândula mucosa da membrana de revestimento da cavidade sinusal, com a consequente formação de um cisto mucoso que aumentando desmedidamente repetiria a evolução já descrita.

Analisando o problema sobre um outro aspéto veremos: 1) os mucocéle são mais frequentes no seio frontal e a seguir no maxilar. O etmóide e esfenóide são menos atingidos. Cabe observar que os dois primeiros seios são os unicos drenados por um canal (canal fronto-nasal e canal maxilar) do bloqueio mais facil e muito encontradiço na clinica em casos de inflamação da mucosa sinusal dessas duas cavidades. Devemos notar, tambem, a existencia do orifício accessório de Giraldes no seio maxilar, o que explicaria a menor frequencia dos mucocéle maxilares em relação aos frontais. Estes fatos viriam em apoio á primeira teoria: obstrução do canal de drenagem do seio atingido.

2) Os exames anátomo-patológico da mucosa de revestimento dos mucocéles demonstram sempre tratar-se de uma mucosa com as mesmas características daquela que reveste normalmente os seios- epitelio cilíndrico ciliado estratificado.

Uma vez creadas essas condições para o aparecimento do mucocéle inicia-se a sua evolução cujos traços gerais indicamos acima. No caso do seio frontal, o tumor desenvolve-se no sentido da parede menos resistente, sendo esta o assoalho do seio relacionado com a orbita. A sintomatologia é então de feição orbitária e ocular: exoftalmos para baixo e para fóra, fenomenos de compressão do hilo vasculo-nervoso do bulbo ocular, (atrofia ótica, glaucoma, etc.). O osso entra em atrofia adelgaçando-se, o periósteo reage espessando-se. Nesta fase a palpação dá a sensação nítida do papel pergaminho, um sinal muito típico dos mucocéles exteriorizados. As dores são poucas ou nenhuma. O crescimento do tumor é lento, de anos. Os sinais Intra-nasais, negativos na fase inicial, revelam mais tarde um deslocamento do andar médio da fossa nasal de encontro ao repto. O diagnostico na fase de exteriorização é facil para quem pense na eventualidade de mucocéle. A duvida será resolvida com a punção que revelará o muco achocolatado típico, precipitando-se pelos ácidos acético ou nítrico. A radiografia revela um seio de tamanho exagerado relativamente ao homônimo, ora opaco, opacidade de limites muito imprecisos ora mais transparente quando o fluido que contém não for abundante e a atrofia das paredes ósseas adiantada.

Um de nossos casos apresentou-se com um aspéto raro: mucocéle do angulo supero-interno do seio frontal. A literatura especializada, ao nosso alcance, refere apenas o caso do Prof. Regules (Regules, P. - Anales Del Primer Congresso sul-americano de O.R.L.: III : 187, 940).

O tratamento decorre logicamente da justa interpretação do mecanismo de formação do tumor: restabelecer seja por via externa ou interna o caminho natural de drenagem do seio obstruido.

OBSERVAÇÕES

1) M. J. S. C., 86 anos, viúva, branca, brasileira, residente nesta Capital. Paciente de nossa clinica privada (M. C. S.), examinada em 22/6/40.

Queixa e duração: tumor no angulo interno da orbita esquerda e exoftalmos ha 9 anos.

H. P. M. A.: ha 10 anos traumatismo na região naso-ocular, violento, quando lhe saltou na face uma acha de lenha ao ser rachada. O traumatismo atingiu a região da raiz do nariz do lado esquerdo. Depois de um ano começou a crescer-lhe naquele ponto um tumor de aspéto arredondado, duro e indolor. Evolução lenta e progressiva. O globo ocular foi se deslocando aos poucos para baixo e para fóra ocasionando depois de certo tempo visão diplopica que futuramente desapareceu. Ao mesmo tempo a acuidade visual caía sensivelmente nesse lado mas nunca chegou a cegueira.

O deslocamento do globo ocular nos ultimos tempos foi tal que a paciente tinha a impressão nítida que o seu globo não mais estava dentro da orbita. Não havia dôr e a paciente, já avançada em anos, foi suportando a molestia tratando-se apenas com remédios caseiros e homeopatia. Em junho de 1940 procurou uma clinica de molestia dos olhos onde foi feita uma radiografia cujo laudo levantava a suspeita de osteosareoma. Em vista disso resolveu o oculista praticar uma biopsia.

Incisada a pele e o periósteo abriu-se uma ampla bolsa contendo sob tensão um liquido viscoso de côr achocolatada. Foi então verificada pela especialista a origem paranasal do tumor e por isso nos enviou a paciente.

Antecedentes pessoais e hereditários: sem interesse.

Exame: a paciente quando por nós vista não mais apresentava o tumor mas o seguinte aspéto: incisão obliqua de um centímetro de extensão localisada a meio caminho entre a carúncula lacrimal e o rebordo do osso proprio do nariz, do lado esquerdo. Através dessa incisão vê-se uma cavidade ampla, arredondada, forrada por uma mucosa em alguns pontos pregueada, extendendo-se essa cavidade principalmente para dentro da orbita deslocando o globo ocular para baixo e para fóra. A cavidade era de tamanho aproximado de um limão galego, contendo na parte mais declive pequena quantidade de muco e sem abertura natural para a fossa nasal. O exame endonasal revela apenas uma degeneração da mucosa da concha média do mesmo lado, apresentando-se bulosa e fortemente empurrada de encontro ao septo nasal. O exame radiografico (Radiografias 1 e 2) feito com néo-iodipina a 20% instilada pela incisão revela os contornos da enorme cavidade, sem drenagem para a fossa nasal e sem deiscência da taboa ossea do andar anterior do craneo. Foi proposta a intervenção por via externa. A doente foi examinada sob o ponto de vista geral pelo Dr. Cesidio da Gama e Silva que a encontrou em condições satisfatórias. Tensão arterial maxima 150 M e mínima 90. Taxas de uréa e glicose no sangue normais assim como urina, reserva alcalina e tempos de coagulação e sangramento.

Operada em 8/7/940 (Drs. Rezende Barbosa e Mauro C. de Souza). Sedol pré-anestésicos. Anestesia por infiltração com sol. novocaina 1% regional e endonasal, mais embibição da fossa nasal com sol. de néotutocaina a 2%. Foi aumentada a incisão primitiva, descolada a mucosa de revestimento do seio e realisada ampla abertura para fossa nasal ao nível da parte anterior do meato médio. O post-operatório decorreu normalmente, sendo hospitalizada durante cinco dias. Essa paciente foi por nós seguida durante o resto de sua vida que terminou depois de dois anos por um enfarto do miocárdio. As condições locais se mantiveram boas e a drenagem nasal sempre suficiente.



RADIOGRAFIA 1



RADIOGRAFIA 2



2) F. G., 52 anos, branco, italiano, viúvo, operario, Caieiras. Ficha n.º 12.016. Examinado em 10/2/41.

Queixa e duração: tumor do angulo interno da orbita direita e diplopia ha 4 anos.

H. P. M. A.: ha uns quatro para cinco anos surgiu uma "bolinha" (sic) no angulo interno da orbita direita. Progressivamente aumentando de volume, atualmente adquiriu o volume de uma uva. A não ser a visão dupla nada mais refere, não sofrendo de cefaléia nem dôr local.
Antecedentes hereditários e pessoais: sem interesse para o caso, não se lembrando de qualquer traumatismo na região

Exame: o globo ocular direito encontra-se deslocado, empurrado para fóra por uma formação tumoral localisada no angulo supero-interno da orbita, do tamanho de um bago de uva, não dolorosa á palpação, de superficie dura, um pouco bocelada, dando á pressão sensação de uma bola de pingue-pongue. Globo ocular desviado vara fóra e para baixo com ligeiro exoftalmos (fotografias 1 e 2). Pela rinoscopia anterior nota-se desvio do septo para a esquerda com acentuada sub-luxação da cartilagem e espessamento alto á direita. Nota-se, ainda, infiltração do "agger-nasi" dando impressão de hipertrofia da mucosa nesse ponto. Exame radiografico: destruição do rebordo orbitário na sua porção supero-interno.

Operado em 11/2/41 (Drs. Rezende Barbosa e Fairllanks Barbosa). Pré-operatório: sedol.

Anestesia: infiltração intra-dermica da linha de incisão com sol. novocaina 1% mais adrenalina milésima (20 cc.: 3 gotas). Anestesia do meato médio com néo-tutocaina a 2% mais infiltração local com sol. novocaina 1%. Ato cirurgico: incisão curvilínea sobre os 3/4 internos da arcada superciliar descendo sobre a face lateral da piramide nasal. Dissecção e afastamento cuidadoso dos planos superficiais até a capsula do tumor no angulo supero-interno da orbita. Perfurou-se a capsula com saída de grande quantidade de secreção mucosa, espessa, amarelada, sem qualquer máu cheiro. Essa capsula correspondia a uma zona de deiscência ossea no assoalho do seio frontal. Descolamento mais para cima com exposição da taboa externa do frontal. Abertura a goiva do seio frontal para cima da sutura fronto-maxilar. Encontramos um seio amplo, cheio de secreção mucosa, espessa, amarelada, sem máu cheiro, existindo uma grande zona da deiscência do assoalho em seus 3/4 internos. Esvasiamento do conteúdo. Mucosa de aspéto e coloração sem significação e que foi deixada intacta. Foi executada então ampla comunicação cirurgica entre o seio a fossa nasal correspondente, auxiliada por uma raspa de Vacher introduzida no meato médio. Fechamento total da ferida com pequenos agrafes de Michel.

O post-operatório decorreu sem acidentes com retirada dos agrafes 48 horas após a lavagem da cavidade pela via nasal com sol. de protargol a 3% em soro fisiologico.



FOTOGRAFIA 1


FOTOGRAFIA 2


FOTOGRAFIA 3



FOTOGRAFIA 4



O paciente foi visto quatro mezes após, encontrando-se em ótima saude, com cicatriz visível sem deformação, com o bulbo ocular praticamente em seu sitio anatomico, não mais se queixando de diplopia. (Fotografias 3 e 4).

2) J. P., 28 anos, parda, brasileira, solteira, -Vila Guilherme. Examinada em 1/8/43.

Queixa e duração: tumor ao nível da palpebra superior esquerda, diplopia, cefaléia ha dois anos.

H. P. M. A.: ha dois anos, mais ou menos, começou a se queixar de dores de cabeça localisadas ao nível do globo ocular esquerdo. Logo após diplopia e inicio de aumento de volume da região frontal esquerda, ao nivel do 1/3 externo da arcada superciliar com ptóse palpebral. Nega corrimento ou obstrução nasal, hiposmia ou cacosmia, entretanto sempre foi vitima de epistaxis bilaterais. Todos esses sintomas se acentuaram progressivamente, com abaulamento consideravel da taboa externa do frontal, ptóse palpebral e dificuldade para abrir o olho esquerdo.

Antecedentes hereditários e pessoais: aos 10 anos de idade sofreu traumatismo na região fronto-parietal esquerda: a manivela de um poço bateu violentamente nessa região produzindo contusão local, hemorragia, mas sem fratura.

Exame: péssimo estado dentário. Amigdalite cronica bilateral. Fossas nasais com mucosa de aspéto e coloração normais, ausencia de degeneração tunioral, pús ou sangue. Concha média e meato médio esquerdos normais, sem alteração na topografia regional. Acentuada ptóse palpebral esquerda com infiltração e edema duro da palpebra. Praticamente impossivel elevar voluntariamente a palpebra. Abaulamento da região superciliar esquerda, depressivel á pressão, com sensação de uma bola de pingue-pongue. Veritica-se á palpação abaixamento da arcada superciliar em seus 2/3 externos, acarretando abaixamento e certo desvio para fóra do globo ocular. (Fotografia 5). O exame radiografia o revelou: "grande perda de tecido ósseo do frontal do lado esquerdo se estendendo ao seio frontal deste lado e a parte superior da orbita inclusive rebordo orbitário e comprometendo, tambem, a taboa interna do osso (Dr. J. M. Cabelo de Campos)" (Radiografias 3 e 4). Com agulha grossa e curta foi feita punção da região obtendo-se um liquido escuro, achocolatado cujo exame citologico revelou: "abundantes celulas gordurosas com colesterina, hematias e leucocitos (D. Cerruti) ". Esse mesmo material enviado á cultura, retirado sob todos cuidados de assepsia possíveis, não produziu o desenvolvimento de qualquer flora patogênica. Aproveitando o esvasiamento da cavidade após punção de seu conteúdo, injetamos néoiodipina a 20% afim de melhor verificarmos as relações topográficas. As radiografias 5 e 6, de frente e perfil, indicam a presença de uma grande cavidade cística, ao nível da região superciliar esquerda, completamente independente do seio frontal esquerdo, com abaixamento da arcada em seus 2/3 externos e com extensa zona de deiscência da taboa interna do osso frontal, colocando a cavidade cística em contato direto com a meninge da fossa anterior.

Operada em 15/9/43 (Drs. Rezende Barbosa e Mauro Candido de Souza). Pré-operatório: sedol. Anestesia: infiltração intra-dermica da linha de incisão com sol. novocaina 1 % mais adrenalina milésima. Anestesia do meato médio com néo-tutocaina 2% e infiltração com novocaina 1%. Ato cirurgico: incisão curvilínea- acompanhando a arcada superciliar. Dissecção cuidadosa e afastamento dos planos superficiais até a capsula do tumor, nada mais que delgada membrana que se rompeu dando saída a certa quantidade de secreção mucosa, espessa, achocolatada. Após aspiração verificou-se a presença de grande cavidade revestida por delgada mucosa, hiperemiada, com zona pulsátil em sua parede posterior (decência da taboa interna). Foi feita comunicação cirurgica ampla da cavidade com o seio frontal esquerdo que se encontrava normal e retirada a cabeça do corneto médio esquerdo. Fechamento total da incisão com pontos de seda separados. Post-operatório: decorreu normalmente, sem acidentes. Discreta perda de sangue e muco pela fossa nasal esquerda. Cicatrização da incisão por primeira intenção. Três mezes após ainda estivemos com a paciente sob nossas vistas, tendo diminuido o abaulamento e infiltração da palpebra, com certa depressão na linha de cicatriz. Apesar de nosso pedlido não conseguimos nova fotografia para comparação.



FOTOGRAFIA 5



RADIOGRAFIA 3



RADIOGRAFIA 4



RADIOGRAFIA 5



RADIOGRAFIA 6





(1) Trabalho apresentado na Sessão de Otorrinolaringologia da Associação Paulista de Medicina, realizada em 17 de Outubro de 1943.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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