Trabalho da Clinica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina de Recife
Catedrático - Prof. ARTUR DE SÁ
A anomalia de desenvolvimento da Apófise Estilóide pode ser encarada sob um duplo aspéto : ora como uma curiosidade anatomica, ora como uma entidade clínica definida.
Do ponto de vista anatômico, as referencias têm sido mais frequentes, existindo comunicações bela completas sobre o assunto.
Sobresaem-se os trabalhos franceses de OLIVIER e HABURGER, com uma farta documentação obtida em peças anatomicas; dos nacionais, o trabalho: de MONTEIRO e duas publicações de MANGABEIRA ALBERNAZ, em que este, Otorrinolaringologista patrício, baseado em pecas anatômicas e em estrados radiológicos, encara a questão, tanto no sentido anatomico, como no clínico.
Encarada do ponto de vista clínico, esta anomalia constitui ocorrência rara. De sintomatologia discreta e pouco definida, podendo apresentar-se debaixo dos trais variados aspetos, o alongamento da Apófise Estilóide confunde-se com os sintomas de outras afecções, dando uma certa imprecisão Mear despertar a lembrança desta anomalia.
Desse modo explicaríamos o interesse que tem despertado o estudo em apreço, em detrimento do seu valôr como entidade clínica.
Emquanto o primeiro caso de Apófise Estilóide Alongada - como curiosidade anatômica - foi referida por DEMANCHETTIS (2) em 1652 (segundo EAGLE e DURHAM), ou por G. DE SAINT HILAIRE em 1818, na opinião de HABURGER, o seu aparecimento como entidade clínica, surge somente com LUCKE, em 1870 (HABURGER) e WINLECHER em 1872 (EAGLE e DURHAM). GAREL cita o de RICHARDSON em 1909, aliás operado com exito. Desde então referencias e estudos começaram a aparecer com relativa frequencia, sobressaindo além dos já citados os trabalhos de RICHARDSON na Inglaterra, VON EICKEN na Alemanha, DE LAMOTHE na França, EAGLE DWIGHT em Norte América e SANSON no Brasil.
CONSIDERAÇÕES ANATOMICAS - A Apófise Estilóide, embora intimamente soldada ao Temporal, não faz parte desse osso; constitui um dos elementos do aparelho Hial, bem desenvolvido em certos mamíferos e degradado no homem. Na maior parte, dos mamíferos, á peça óssea que representa o osso Hióide, está ligada a base do craneo por uma dupla cadeia de ossinhos articulados ou soldados entre si. O conjunto constitui um aparelho em forma de ferradura cujas extremidades se articulam com os temporais e cuja parte media corresponde ao pescoço. O Aparelho compôe-se de 7 peças ósseas a saber: u'a mediana - a basihial (osso hióide) e 6 laterais, 3 de cada lado - a apo ou hipo-hial, a cérato hial e a estilo hial. (Testut).
A presença do Aparelho Hial completo, no homem, constitui uma anomalia. A Hipo Hial corresponde ao pequeno corno do osso hióide; a Estilo Hial, a Apófise Estilóide, com o ligamento estilo-hioidêo unindo a referida apófise ao pequeno corno do osso hióide ; a Basi-Hial é representado pelo corpo do Hióide já soldado ao pequeno corno. Note-se a existência de uma pequena peça óssea no ligamento estilo-hioidêo - a Cérato-Hial. OLIVIER refere ainda a Cérato-Hial acessória (ALBERNAZ).
VON EICKEN; DWIGHT, MONTEIRO e ALBERNAZ, juntam tambem a Timpano-Hial como fazendo parte do aparelho, correspondendo ao ponto de implantação da Apófise Estilóide. (3)
O exagero de desenvolvimento da Apófise Estiloide vem sendo observado, como acima referimos, pelos anatomistas e de quando em quando, surge um caso com significação clínica.
Diz TESTUT, que é extremamente raro ver o ligamento -Estilo-Hioidêo ossificado, diminuindo a distancia que separa, o Aparelho Hioidêo do homem dos mamíferos. Esta, ossificação é com maior frequencia parcial, podendo porem ser total: a Apófise Estilóide desce até o pequeno corno, tornando a homologia mais completa.
MANGABEIRA insurge-se contra a -ossificação do ligamento - taxando-a de inexequivel, porque, diz ele: "a ossificação exige um estado anterior cartilaginoso, o que não se verifica". "Fica destarte evidente, que o Aparelho Hial anômalo é um fenômeno congênito e não a ossificação tardia do ligamento estilo hioidêo". Parece-nos que esta argumentação de ALBERNAZ não pode ter grande apóio, quando podemos citar varios exemplos, em que a ossificação se instala sem o prévio estado cartilaginoso: citaríamos a Miosite Ossificante - LERICHE -; a Cicatriz, muitas vezes ossificada, do complexo primario de Tuberculose - ASCHOFF e GÖEHN -; o processo de ossificação de certos ossos chatos do Craneo, etc...
Todos estes exemplos, parecem demonstrar a possibilidade de ossificação sem o estada cartilaginoso anterior. Além disso, FRITZ DWIGHT e outros, falam na calcificação do ligamento como uma ocorrência tardia, sujeita por conseguinte á mesma crítica, si nos basearmos no que afirma ALBERNAZ.
ABRAMOWICZ vai mais além; não admite uma causa congenita, asseverando ser um fáto confirmado pela observação clínica. E acrescenta: - "as observações de SPECHT fazem constar que não se trata de uma calcificação". SPECHT depois da ablação das Estilóides, encontrou ao microscópio a metaplasia do ligamento em tecido ósseo. (O grifo é nosso)
CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS - Seja de causa congenita ou adquirida, sabemos que o alongamento da Apófise Estilóide pode apresentar significação clínica.
A Apófise Estilóide normal apresenta o comprimento de 2,5 cms. ; além de 3 cms., é considerada anormal, embora nem sempre esse alongamento cause distúrbios. Diz MILO FRITZ, que a sua projeção anormal, para diante na direção da loja amigdaliana, é que motiva essas perturbações. ALBERNAZ fala em Apófises Estilóides longas, vindo fazer saliência na parede lateral da Faringe.
HABURGER sublinha que o principal fator, constitui o seu desvio para dentro. Parece-nos, baseados no caso que vimos apresentar, que a impossibilidade de movimentação, decorrente da ossificação completa ou quasi completa do Aparelho Hioidêo, tornando-o um conjunto rígido ou pouco móvel, condicionaria com maior razão, - na movimentação da cabeça, nos movimentos de deglutição - um atrito, que despertaria os sintomas disfágicos, parestésicos ou álgicos.
Aliás ABRAMOWICZ faz referência neste sentido e HABURGER insiste sobre a importância da fixação da Apófise e de sua falta de mobilidade.
A sintomatologia, quando sóe apresentar-se, é a mais discreta possivel: sensação de constrição, disfagia leve, dôr irradiada para o ouvido e mastóide, sensação de corpo estranho. É de notar que para a Faringe raramente a dôr é localisada, apresentando-se quasi sempre, distúrbios parestésicos.
Ha referências a nevralgia do Glosso Faríngeo, que EAGLE interpreta como irritação do nervo, em virtude de sua proximidade.
Com tal sintomatologia, bem difícil seria o diagnóstico, si não contássemos com outros meios semiológicos.
Explica-se dessa maneira, como a maioria dos casos, foi descoberta por acaso, no decorrer de amidalectomias.
Dos 43 casos notificados por MILO FRITZ, somente 11 foram operados e. dos 32 restantes 16 nada sentiam.
O diagnóstico será feito pelo toque digital e pelos Raios X.
HABURGER diz que os sintomas físicos farão o diagnóstico; quem os doentes percebam uma saliência visível e palpável, quer o exame ponha em evidência os 3 tipos seguintes:
1.º - Bastonete ósseo,palpável através da amídala, pilar anterior ou posterior, podendo elevar a mucosa.
2.° - Saliência pontiaguda através da amídala.
3.° - Saliência no Oro ou Rino Faringe, estreitando as Coânas ou a Goteira Faringo-Laringéa.
No caso, de REVERCHON observava-se na loja amigdaliana, pequeno tumor, que aos, movimentos de deglutição, fazia a mucosa deslizar sobre ela.
O Tratamento será sempre o cirúrgico, através da loja amigdaliana com ou sem amigdalectomia prévia.
OBSERVAÇÃO - J. G. 42 anos, branco, masc., solteiro, brasileiro, residente em Garanhuns (Pernambuco).- 18 de Dezembro de 1940.
Procura-nos afim de examinar-se da garganta. Refere que, ha 3 meses vem se sentindo mal. Em certas ocasiões, quando deglute, sente um léve incomodo á esquerda; que se acentúa quando movimenta a cabeça para esse lado.
Insiste porém em afirmar, 'que' essa sensação dolorosa não é permartonte, passa varios. dias, serie sentir . qualquer incômodo. Confessa-se nervosa e receiando moléstia grave, quer tratar-se logo, afim de fugir a complica,
ções. Já foi examinado por outro colega, que nada encontrou de significação, a não ser Faringite Crônica.
Examinando o paciente, tivemos a principio a mesma impressão do colega anterior, pois a reação faríngea explicava tão discreta sintornatologia.
Em virtude porém, da localização do ponto doloroso, que o paciente insistia em afirmar, dirigir-se para a esquerda e contra a amídala correspondente, com o dedo inspecionamos a loja amidaliana, sentindo então, uma tumefação endurecida, bem ao nível do sulco amídalo-glosso e precisamente neste ponto, a pressão despertava dôr irradiada para o ouvido. O tumôr era duro e se insinuava para a amídala. Ausência de gânglio satélite, sub ou retro-mandibular.
O que poderia ser? Fizemos 3 hipóteses:
Calculo Amidaliano - avolumando-se profundamente em um "fundo de saco" de uma cripta, seria uma hipótese fundamentada na evolução c na descrição dos sintomas. Mas já era tempo de ser pressentido ao exame objetivo acuminando na superfície da amídala.
Neoplasia Benigna - pela evolução, pobreza de sintomas, ausencia de gânglios, dureza ao toque.
Maligna - pela localização.
Alongamento da Apófise Estilóide - Pensamos tambem, mas sem entusiasmo, ante a precisão cota que o doente referia de nada haver sentido, antes dos três meses referidos.
O nosso paciente fica em observação durante cinco dias, quando então combinamos uma intervenção exploradora, certos como estávamos que só conseguiríamos uma orientação, procurando na profundidade do ponto suspeito a causa daquela tumefação.
De início, sentimos a impossibilidade de fazer qualquer manobra consciente sem retirar a amídala, pois o "tumôr" sentido no dedo, insinuava-se por baixo dela. Retiramos por conseguinte corri a amídala o suposto "tumor" constituído por uma massa muscular endurecida, correspondente ao segmento inferior do pilar anterior e que não apresentava características de Néoplasia. (4)
Após a intervenção, inspecionamos a loja já exangue, sentindo mais para linha mediana, o mestre "tumôr", agora alongado, de consistência óssea e despertando pela pressão a mesma sensação dolorosa, com irradiação para o ouvido correspondente. Já não tínhamos dúvidas quanto a existencia de uma Apófise Estilóide Alongada. Praticamos então, a dessecação dos planos musculares, exteriorizamos a apófise e fizemos a ressecção. Pareceu-nos porém, não ter sido suficiente a parte retirada, pois sentíamos ainda a superfície de secção dentro da loja. Nova Osteotomia agora seguida por hemorragia grave, que não cede a hemostáticos. Resolvemos então praticar a Satura do Pilares. Essa medida, em vez de resolver o acidente, exacerba-o. E compreende-se por que: o sangue não vinha da loja que estava exangue após a amigdalectomia e tambem da primeira osteotomía. Vinha da profundidade do espaço latero faríngeo, certamente da superfície óssea seccionada.
Uma transfusão de 300 cc. de sangue faz ceder a hemorragia. Sequência operatoria sem outro acidente, retirando-se o nosso observado do Hospital 4 dias depois sentindo-se perfeitamente bem.
RADIOGRAFIA 1
RADIOGRAFIA 2
Concluindo parece-nos oportuno sublinhar algumas minudências desta nossa observação:
1.º - Embora não se tratasse de um caso assintontático, os elementos fornecidos pelo exame subjetivo, eram tão discretos e tão pouco precisos, que não despertaram a lembrança a quem primeiro examinou o nosso observado, nem inicialmente a nós tão pouco. Além de mais, faltava qualquer sinal objetivo : não era notado o bastonete salientemente projetado contra a amídala
ou deslizando-se sobre a mucosa da Faringe. Si nos ocorreu o toque digital, isso devemo-lo mais ao doente, que insistiu em localizar o ponto doloroso, á esquerda, entre a base da língua e a amídala correspondente. Assim mesmo a tumefação endurecida e sentida ao toque, localizou o tumôr, mas não objetivou a sua natureza. Daí as três hipóteses formuladas.
2.° - O atrito produzido pela apófise contra as fibras musculares, nos movimentos de deglutição, despertou reação do musculo que se espessou nesse ponto, dando ao toque, a impressão de um tumôr duro, porém sem consistência óssea. Só após a amigdalectomia com ressecção da massa muscular hiperplasiada adjacente ao sulco amídalo-glosso, é que foi sentida essa consistência e a conformação da apófise.
3.° - Pelas razões expostas acima, não fizemos um estudo radiográfico prévio o que não prejudicou, de todo, a documentação do caso; pois os "Clichés" que apresentamos -Rad. I e II - obtidos após a intervenção, mostram o ponto de secção da estilóide. esquerda e o exagerado desenvolvimento da direita.
4.° - Em todos os trabalhos consultados, não vimos referência a qualquer acidente hemorrágico. Pelo contrario, todos concordam em afirmar que a ressecção da Estilóide constitui uma intervenção despida de acidentes, sem perigo de complicações hemorragicas. Seria um ponto digno de ser realçado embora reconheçamos que este acidente foi resultante de um exagero na ressecção da Apófise Estilóide. Ressecamos, a principio, um segmento bem apreciavel da Apófise e ainda pouco satisfeitos estendemos a ressecção, a toda ela, indo até ao seu ponto de implantação, (radiog. I e II) onde o osso esponjoso apresenta maior vascularização. Daí a hemorragia que não pode ceder com a sutura dos pilares e difícil de ser coibida, até mesmo quando nos defrontamos com uma arteriola controlada a "céo aberto" na parede de um seio para-nasal, na cortical de uma mastoide, quanto mais profundamente como no caso em aprêço.
SUMMARYIn this feature the interested reader will find a slight historical and anatomical synopsis of the abnormalities of the hyoides apparatus calling a special attention for the studies of Mangabeira Albernaz in which he affirms that the ossification of the ligament cannot take place without the previous formation of the cartilaginous state.
Reference is also made the opinion of several authors who admit the late calcification of the ligament and the studies of Specht are also quoted in which he observed in the microscope the above mentioned transformation, by the metaplasia of the conjunctive tissue into the osseous one.
Many examples are given, in which that possibility is obvious, such as the ossification of the flat bones, the cicatrization - sometimes ossified - of the primary complex of tuberculosis (Aschoff e Göehn) the ossifying myositis, etc.
After a slight digression about symptomatology and diagnosis is made the article treats about an observation the interest of which lies principally in two points: a very slight symptomatology which makes the diagnosis a rather difficult and an accident that has not yet occurred in any other communication: - a grave hemorrhage which is only stoped by means of a blood transfusion.
BIBLIOGRAFIAABRAMOWICZ. - La gene dans la deglutition causée par Panomalie de l'apophyse styloid de l'os temporal. Anales d'Oto-Laringologie 1938 pag. 424.
DWIGHT. - Stilo-hyoid Ossification - Annals of Surgery 1907.
EAGLE and DURHAM. - Elongated Styloid Processes - Archives of Oto Laryngology 1937 - Vol. 25 pag. 584.
FOWLER. - Tonsil Surgery.
GAREL, ARSELIN et CHARAAT - Angine Styloidienne Chronique, - Annales de Maladies de l'Oreille et Larynx 1928 pag. 717.
HABURGER, A. - Etude anatomique, clinique et radiologique de l'appareil Hyoidien normal et anormal chez l'homme. - Archives Internationales 1935 pag- 933.
JOUFFRAY, S. - Apophyse Styloide de Longuer anormal - Archives Internationales 1925 pag. 555.
LOESER, L. H. e CARDWELL, E. P. - Elongated Styloid Process - Archives of Oto-Laryngology 1942 Vol. 36 n.° 2 pag. 198.
MILO FRITZ. - Elongated Styloid Process - Archives of Oto-Laryngology 1940 Vol. 31 n.º 6 pag. 911.
MANGABEIRA ALBERNAZ e OSWALDO OLIVEIRA. - As anomalias do aparelho hioidêo e sua importancia em Oto-Rino-Laringologia - Separata - Rafez - Brasil Medico n.º 48 1930 - Archives Internationales n.º 10 1931.
MANGABEIRA ALBERNAZ. - Novas considerações a respeito do aparelho hial anômalo - Revista Oto-Laringologica de S. Paulo 1936 pag. 439.
OLIVIER. - Quatre nouveaux cas d'apareil hyoidien complets. - Archives Internationales 1922 pag. 218.
RENDU, R. - Apophyse Styloide de longeur anormal - Annales 1532 pag. 100.
REVERCHON. - Aprophyse Styloide et Paresthesie de Phazyngée - Annales 1932 pag. 86.
(1) Comunicação apresentada a Sociedade de Medicina de Pernambuco (1941) Recebido pela
Redação em 25- 1- 44.
(2) Abramowics cita Marchettis com a seguinte transcrição: "Observavi tamen aliquando processum atyloideu usque ad cornua ossis h*oidei parvenire ipisque valido nexo devinci." Parece-nos tratar-se do mesmo autor citado por Eagle e Durbam.
(3) O estudo radiológico que apresentamos, demonstra a presença deste primeiro elemento individualizando-se perfeitamente.
(4) Este material posteriormente foi enviado para estudo histo-patologico, praticado pelo Prof. Bezerra Coutinho, que nada encontroa de maior significação. Amídala normal evidenciando-se exclusivamente um processo de Miosite.
(5) Chefe de Clinica e Docente Livre