ISSN 1806-9312  
Sexta, 19 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
1123 - Vol. 12 / Edição 1 / Período: Janeiro Fevereiro de 1944
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 01 a 16
COMOÇÃO LABIRINTICA POR EXPLOSAO E DETONAÇÃO DE ENGENHOS DE GUERRA (1)
Autor(es):
DR. FRANCISCO DE PAULA PINTO HARTUNG

S. Paulo

INTRODUÇÃO

O tema que se nos foi proposto diz respeito aos traumatismos do orgão de audição causados pelas explosões e detonações. Refere-se, portanto, ao estudo da comoção labirintica. Não pode pois comportar mais interesse e atualidade, tal o vultoso numero de vitimas desta especie, tanto nas frentes de batalha como nas zonas urbanas sujeitas a bombardeios.

Comoção, no seu sentido antigo e etimológico, significava tão sómente um abalo físico do sistema- nervoso. Hoje, porém, depois de novos estudos anatomo, histo e fisiologicos o seu sentido mudou. Diz Aubry e com acerto que, quer se diga comoção ou contusão, as lesões de contusão existem sempre.

Sourdille e Bourgeois dividem as comoções labirinticas em dois grupos:

1.° Comoção labirintica por choque direto sobre o craneo.
2.° Comoção labirintica por explosão ou deflagração.

Apenas o segundo grupo nos compete pôr em foco. A materia é porém vasta e o assunto bem complexo. Exigiu-nos muito esforço e estudo, tentando apresentá-la.

De inicio, algumas idéas esquemáticas necessarias.

A fisiopatologia da comoção labirintica, deve ser desdobrada para clareza do estudo, em duas partes. Isto porque o fenomeno físico da explosão comporta dois efeitos patológicos diferentes. Primeiro, o efeito dinâmico causado pelo violento e brusco abalo da pressão atmosferica. Segundo o traumatismo sonoro em resultado do estouro da explosão. São duas especies de lesões que se super-ajuntam e que se superpõem, mas que não são iguais nem identicas. Por isso, embora não devamos dissocia-las porque se articulam e se completam no seu efeito nefasto, cumpre-nos, estudar em seu detalhes, cada um desses dois componentes patológicos.

Ha ainda outro ponto a resaltar antecipadamente, por necessidade. Com frequencia, á comoção labirintica se associa a comoção cerebral, de maneira a dominar e iludir na impressão
clinica do caso. É por isso mister separar bem o que pertence a uma e a outra, porque ás vezes, os seus sintomas se confundem.

Depois, algumas idéias geraes sobre a assistência e tratamento a tais feridos. Alguns dados indispensaveis sobre anatomia e histologia patológica e prognostico. Alem disso referencias ligeiras a outras lesões óticas de guerra com o nosso assunto correlatas.

Por principio fugiremos a numeros e estatisticas, apezar de encontra-los e muitos nas fontes estudadas, e a materia a eles se presta. Propositadamente, os omitimos. Seria muito cansativo,
para quem tem a complacência de nos ouvir. Apenas rememoraremos que, entre os feridos da heróica Bélgica de 914 se contaram 60 por cento de lesões a explosão. Quantos teriam sido em 1940? Que o digam os nazistas dos Stuckas.

Já se davam nas guerras do passado os traumatismos do orgão da audição. A pólvora e a arma de fogo não são inventos dos dias de hoje.

Na grande guerra passada, já em fins de 1914, era grande o numero de comocionados do labirinto. E, quando no inverno de 1915, se abriram em Paris hospitais especializados, foi muito grande a afluência imediata dos feridos, sem contar os soldados que haviam obtido reforma.

É incontestavel, porém, que o progresso e a evolução da arte bélica na atualidade não permitem que se compare nem de longe, o drama que assistimos neste momento com os conflitos do passado, com a guerra dos trinta anos ou com a epoca de Jena e Austerlitz, porque, o grande desenvolvimento da artilharia de grosso calibre, e a enorme potencialidade ofensiva da aviação, para a guerra total com que sonhara Ludendorf, fatalmente teriam de refletir-se em suas funestas consequências. Particularmente a invenção de novas fórmas de bombas aereas e de cargas de profundidade provocou um notavel aumento de incidencia de tais casos. Alem disso, independentemente do detonar das peças de artilharia, do explodir das bombas, dos obuzes, dos morteiros, das granadas, dos torpedos e das minas, como a presente guerra en-volve a população civil em quasi os mesmos perigos que os soldados, tais lesões aumentaram extraordinariamente de frequencia e letalidade.

MECANISMO. É bastante complexo o mecanismo da explosão, e do consequente abalo da pressão atmosferica. Para compreende-lo é preciso relembrar um instante a serie de fenomenos fisicos, aos quaes dá logar a expansão brusca da massa gazoza, produzida pelo engenho explosivo.

Primeiro, ha uma rapidíssima deslocação de ar, e, por conseguinte, uma brusca hiperpressão atmosférica. Depois, ao contrario, uma depressão, devido á volta da massa ao seu primitivo logar. Finalmente se estabelece uma onda vibratória, gerada pelas oscilações alternantes, entre as pressões máximas e mínima, que diminue gradativamente de amplitude até á volta á pressão barométrica normal.

Inicialmente, essa hiperpressão brusca a que nos referimos, e que não atua senão dentro de um raio muito limitado, submete o timpano a um violento choque pneumático. A membrana, ou cede ou resiste. Nos dois casos, mas principalmente no segundo, essa força é assim transmitida, atravez das janelas labirinticas, para os meios liquidos do ouvido interno. É a onda de compressão, que é imediatamente seguida pela onda de sucção, quando o ar volta para o seu primitivo Togar. Depois, a onda vibratória secundaria, acima referida, vem levar ainda mais longe os dois primeiros efeitos dinâmicos da explosão. Assim como ela quebra, a distancia, vidros e caixilhos, este vai-vém entre presssões maxima e mínima, atua sobre o conjunto da caixa craneana e do seu conteúdo, produzindo intenso abalo molecular das suas paredes e refletindo-se nefastamente tanto sobre a massa cerebral como sobre o labirinto. É classica a comparação apresentada durante a grande guerra, pelo engenheiro Arnoux. Um barômetro registrador submetido a tres metros de distancia á explosão de um obuz de grosso calibre, indicou uma depressão atmosferica de 350 milimetros de mercurio, correspondente a uma velocidade do ar de 276 metros por segundo, o que significa 10.360 kilogramas por metro quadrado. É a mesma pressão a que se submeteria um alpinista, elevado instantaneamente ao pico culminante do Monte Branco. Que se imagine as lesões que então se verificam e em particular as roturas vasculares que se processam, provocando hemorragias, hematomas, laceramentos que tão bem se podem denunciar no liquido cefalo-raquidiano.

Até aqui falamos sobre o papel funesto da deslocação atmosferica. Passemos agora ao outro componente da lesão, constituido, como já dissemos pelo traumatismo sonoro, tambem gerado
pela propria explosão. O som, é sabido que, em condições normais e fisiologicas de intensidade, altura e timbre, é o excitante adequado do orgão da audição. Fóra do campo auditivo, limitado entre as 16 e 32.700 vibrações duplas por segundo ele é nocivo ás terminações nervosas do aparelho preceptor. Qualquer som ou ruido que não aflora nos horizontes auditivos de GRADENIGO em altura ou intensidade, deixa de ser o excitante adequado do ouvido humano para assumir o seu papel de agente patogênico. Esperando que se nos perdoem estas noções muito elementares, mas necessarias, devemos acentuar que é muito difícil separar e discernir o efeito patologico do traumatismo sonoro daquele da pressão atmosferica. Vejamos porque.

De fato, a ação acustica do som sobre o labirinto, segundo a teoria de HELMHOLTZ, consiste em movimentos rítmicos da membrana basilar transmitidas, em etapa final, pelas oscilações da endolinfa. Em ultima analise, é tambem uma ação mecanica, tal como é mecanica aquela da pressão atmosferica em consequencia dos abalos no momento da explosão. Nos tons de moderada intensidade, estes movimentos mantêm-se em limites normais e fisiologicos ; fóra porém deles, assumem um caracter patologico. Assim se processa uma hiperexcitação do orgão de Corti e consequentemente, um processo de degeneração e atrofia dos aparelhos terminais. Por outro lado, tambem a hiperpressão atmosferica atua segundo este mesmo mecanismo, de tal modo a produzir uma rutura e destruição do orgão de Corti. Eis porque muitos autores relegam para um plano secundario, o traumatismo sonoro das explosões, uma vez que a ação nefasta do som vem apenas superpor-se a uma outra muito mais forte constituída pela deslocação atmosferica. É este o pensamento de VON EICKEN sobre o assunto, principalmente no caso da explosão isolada. Contudo ha outros autores que lhe dão todo o significado e importancia. O proprio ALEXANDER objeta que as ruturas do timpano são relativamente raras quando pesquisadas no numero total de comoções labirínticas. Argumenta ele que nestes casos, apezar de ficar provado que a pressão não foi suficiente, para romper a membrana, nem por isso a comoção labiríntica deixou de ser violenta atravez a via dos ossiculos, portanto, como resultado de lesão a som. De qualquer modo, é questão ainda em aberto.

Resta-nos ainda, antes de prosseguir, analisar certos detalhes e fatores, no tocante ás explosões e que podem modificar em um sentido ou outro os seus resultados traumáticos.

Primeiro, os característicos do logar onde se dá a explosão. Ao ar livre, ou em espaço fechado, trincheiras muradas, abrigos, torres de fortaleza, etc.


É claro que será diferente o resultado funesto da explosão si ela se der em um lugar desimpedido, ou si ha fatores que dificultem o amortecimento das ondas atmosféricas, como a uma trincheira ou muro de fortaleza. HOFER e MAUTER tiveram ocasião de apresentar um relatorio circunstanciado sobre o estado de vitimas de uma grande explosão que se deu em Viena, na qual foi pelos ares um deposito de 350.000 libras de pólvora para canhão. Os autores dividiram as vitimas em tres grupos distintos. No primeiro, aquelas surpreendidas em muita proximidade. Foram encontradas todas mortas, muitas aos pedaços. No segundo, pessoas que estavam a 200 metros de distancia. Entre elas havia muitas com lesão do ouvido interno: diminuição bilateral da audição, com abaixamento do limite dos tons altos, sacrificados em cerca de 40%; ligeira diminuição para os tons baixos. Em todos os casos, principalmente logo depois do trauma, observava-se nistagmo espontâneo. Finalmente o ultimo grupo; de pessoas atingidas entre 200 e 1.200 metros. Constatava-se objetivamente, ligeira perda de audição, tipo ouvido interno. Em certo numero deles, tambem havia nistagmo espontâneo.

Este caso, não obstante a sua ecepcionalidade, devido ao volume descomunal do explosivo, dá uma idéia concreta da dramaticidade de uma explosão. Que se imaginem os seus resultados, si ela não se tivesse dado ao ar livre. Mas não é só. Demonstra como o fator distancia tambem influe no resultado. Segundo RAMADIER, mesmo os engenhos de guerra modernos, além de 10 metros não produzem lesões óticas senão muito secundarias. É preciso porem notar que o consagrado otologista francez escrevera isto em 1937. Hoje é diferente.

Além destes elementos mesológicas, ha tambem fatores subjetivos que influem nos resultados. Assim, a orientação dos condutos auditivos no instante que deflagra a maquina de guerra.
É evidente que esta circunstancia deve ser de muito relevo, porque interfere muito na pressão do ar contra o timpano. Depois, as condições do ouvido do soldado, normais ou patologicas. Uma perfuração timpanica, cicatrizes, aderencias, ankiloses dos ossiculos, podem atuar como verdadeiro papel de amortecedor. Todavia, objeta -ainda RAMADIER, bem como SOURDILLE, um catarro timpânico que obstrua a trompa, reforça e auxilia a ação nefasta do explosivo.

O proprio aparelho de recepção tambem póde influir. Provou-se que soldados, com antigas lesões profissionais do coclear, ferreiros por exemplo, são mais sensiveis á ação lesiva da explosão; de que aqueles que têm um nervo são e integro. Já havia um lócus minoris resistentiae.

O quimismo do explosivo é outro fator que pode influir, porque a combustão de seus gazes e a ação do oxido de carbono, vêm agir maléficamente, prejudicando o labirinto pela sua ação toxica.

Finalmente, o fator psicogenicos, o traumatismo emocional se supera juntando ao choque físico. É a nevrose da explosão, muito conhecida na grande guerra, simulando situações patologicas que não correspondem á realidade.

SINTOMATOLOGIA

Preliminarmente, ha necessidade de repetir o que se segue, para acentuar um fato. Os sintomas labirinticos causados pela explosão, a comoção labirintica, são muitas vezes associados e articulados aos de comoção cerebral que tambem se processa devido ao traumatismo comum. Inversamente, é muito raro que os comocionados cerebrais não apresentem tambem sensações vertiginosas. É preciso pois, dissociar os sintomas uns dos outros. Diz BARRÉ que tres quartas partes dos comocionados dá craneo sem fratura, além de cefaléa, se queixam de vertigens. É porém, uma vertigem diferente. Na vertigem autentica, labirintica, a anamnese é clara. Ha uma sensação de deslocamento, por parte do ferido, mas deslocamento giratório, em sentido bem determinado. As vezes, porém, diz o paciente, não é ele quem gira, mas sim os objetos exteriores e, as pessoas circunstantes. Além disso tem nauseas ou chega mesmo a vomitar. A tontura é toda outra, quando a lesão é cerebral. O ferido não supõe que está girando, ou que estejamos nós a girar em redor dele. Sente-se apenas incerto, oscilante, tonto, com receio de cair. Não cai porém, não tem nauseas, nem vomita. Não é só isso. Sofre de insonia, cefaléa, astenia cerebral, desmemoriado. São condições evidentemente que nada têm a ver com o labirinto, para onde voltamos neste instante. Vejamos os sintomas.

1.° - RUIDOS SUBJETIVOS. Os feridos queixam-se de zumbidos ou zunidos. É prova de que houve lesões do caracol. São sintomas de irritação das terminações nervosas do coclear, como a surdez significa fenomeno de déficit do mesmo nervo.

2.° - VERTIGEM. Com os caracteres rotatórios que ainda ha pouco rememoramos, a vertigem aparece logo depois da explosão, ou quando o doente volta á consciência e quer sentar-se no leito. Não é, porém, um sintoma constante e a sua duração não passa de semanas. Como fenomeno de sequela, é o mais raro dos sintomas labirinticos.

3.° - PERTURBAÇÕES VESTIBULARES EXPONTANEAS. A mais frequente delas é o nistagmo espontaneo, sintoma que desaparece depois de pouco tempo. É dirigido sempre em direção oposta aquela do ouvido lesado e surdo. Se ele apresentar caracteres diferentes, dirigindo-se pára o lado surdo ou na hipotese de ser bilateral, é de suspeitar-se que haja uma alteração organica central. Ha tambem outras perturbações do equilibrio, positivas ao sinal de Romberg, á prova de braços distendidos e á marcha cega. Taes feridos bamboleiam sempre para o lado do ouvido traumatizado. É de notar-se que como esses casos são sempre encontrados caídos ou atirados no chão, não se póde dizer imediatamente que taes fatos dependam do labirinto, ou se na quéda, os pacientes sofreram de outros traumatismos ainda mais centrais, ou ainda se ha fatores de fundo psicogenicos. Só depois se poderá elucida-los. Quando ha um contingente psicogenicos, as provas funcionais revestem-se em geral das maiores dificuldades.

4.° - LESÕES COCLEARES. A surdez, em tal classe de feridos, é sempre tipo de percepção. As vezes é bilateral, mas via de regra se manifesta só de um lado. Ora se observa apenas um hipoacusia variavel pela via aérea, ora por uma perda completa de audição. PASSOW, na primeira grande guerra, assim a esquematizava: Weber não lateralisavel ou lateralisado para o lado são. Rinne positivo, condução aérea manifestamente diminuida, os sons graves C1 e C2 conservados emquanto que os sons agudos até a5 e mesmo menos agudos manifestamente sacrificados. Um outro fato assinalado por PASSOW e que convem mencionar, diz respeito a uma certa discordancia entre os resultados dos diapasões e da vóz, assim como tambem entre a vóz de conversação e a murmurada.

Nos casos nos quaes ha combinação de lesões do labirinto com rutura da membrana, o resultado do Weber depende naturalmente de preponderar a lesão do ouvido interno ou a correspondente ao ouvido médio. Com frequencia o Rinne se apresenta negativo. Tanto os sons graves como os agudos acusam déficits de audibilidade, ao mesmo tempo que tambem se notam perturbações quanto ás vozes de conversação ou murmurada.

As lesões cocleares em poucos dias ou semanas, regridem quando não são muito pronunciadas. É verdade que as lesões melhoram só até certo ponto; raramente volta o ouvido ao normal. Quando, porém, ha grandes perdas de audição, em geral não ha melhoria alguma, sendo que muitas vezes o ferido caminha para a surdez total. Não raramente esses casos maus dizem respeito a pessoas que já eram portadoras de lesões anteriores, como a otoesclerose ou lesões profissionaes e que foram vergastadas pelos fenomenos de comoção.

Em regra, a detonação afeta somente um lado, ou em gráu maior o ouvido que para ela estava dirigido. Entretanto, as vezes, a lesão é igual em ambos e em particular quando o engenho de guerra detona ou explode em espaço fechado com muros ou muralhas ou em florestas, fatores que dificultam a propagação da onda de ar e a refletem. Com tudo, surdez bilateral, que não seja de origem psicogenica, muito raramente poderá ser encontrada. Em regra, ha restos de audição sob a forma de ilhas sonoras, na escala acustica. Tambem se têm observado segundo FRIEDLÄNDER, audição falsa, audição dupla e hipersensibilidade para certos e determinados sons da escala.

5°. - LESÕES VESTIBULARES. Na opinião de RAMADIER, o deficit das funções vestibulares é um dos elementos que mais caracteriza a comoção labirintica apesar de BOUCHET afirmar que apenas ele aparece em um quarto dos casos. Esse deficit, via de regra, é unilateral. A prova calórica, que permite examinar um só ouvido de cada vez, é a mais adequada. AUBRY e BOUCHET dizem que, com frequencia, se observa o sindroma de EAGLETON, que como é sabido, é caraterisado por uma excitação calórica normal para o canal horizontal e a diminuição ou abolição para os canses vertigens dos dois lados; além disso, concomitantemente uma excitabilidade rotatória muito diminuida, para os canaes horizontais.

É de notar-se que tanto a vertigem como o nistagmo permanecem em cena durante um tempo muito mais curto de que os sintomas cocleares. Somente quando o soldado foi tambem vitima de quedas, então podem perdurar semanas os sintomas vestibulares. ZANGE contrariamente á opinião dos citados autores franceses, diz ter verificado hipoexcitabilidade semanas ou mezes depois da explosão, em muitos feridos de tal especie. Casos houve mesmo em que se encontrou o labirinto totalmente inexcitável, fato que ele atribuiu a uma degeneração do aparelho terminal. STREITS, sobre o assunto, prefere ficar equidistante, entre as duas extremadas opiniões. Nos casos citados pelo professor NEUMANN, o famoso mestre vienense, falecido nos Estados Unidos, fugindo á perseguição dos nazistas, os feridos foram encontrados inconscientes nos campos de batalha. Depois de longa perda dos sentidos, acordaram queixando-se de vertigens e zumbidos. As vertigens desapareceram em poucos dias mas os zumbidos permaneceram por duas ou trez semanas. O aparelho vestibular, segundo á opinião indiscutível de NEUMANN, era normal. Raramente o professor acusou um nistagmo espontâneo e quando presente, dizia ele, era díficil afirmar que não fosse nistagmo de posição. De ALEXANDER, o outro classico de Vienna, de não menor nomeada, encontramos uma observação na qual ele acusa dilaceramento de ambas as membranas do tímpano em seguida a uma explosão a tres passos de distancia. ALEXANDER refere-se tambem a lesões labirínticas, mas não muito acentuadas. URBANTSCHITSCH, finalmente, tambem corrobora nesses estudos, com alguns casos de tramautismo em feridos portadores de nistagmo espontâneo, que desaparecia em tres a quatro mzes. Mais tarde esse mesmo professor descreveu uma post-afecção tardia do labirinto, sequela dos traumatismos da grande guerra.

OUVIDO MÉDIO - Já dissemos que as comoções do labirinto, com frequencia, são acompanhadas de lesões do ouvido médio. Impõem-se, pois, duas palavras a respeito.
Nos casos leves se nota apenas uma congestão, em estria, da membrana. Outras vezes, pequenos pontos de hemorragia, em petequias. Em outros feridos, verificam-se tambem, lacerações do timpano. Encontram-se ruturas, em arco ou cordiformes, com margens estreladas. O tamanho é variavel, desde uma fina rasgadura linear até o comprometimento total da pars tensa do timpano. Tudo depende da sua fixidez, da violência e da distancia da explosão.

Sintomas subjetivos, quasi não ha. As ruturas pódem mesmo serem descobertas por acaso, ou porque os feridos se queixam de que se lhes sae ar do ouvido, quando se assoam.

As vezes, atravez de uma membrana integra se observa uma massa vermelha dentro da caixa. Trata-se de uma hemorragia ou hematoma, que aliás é mais comum nas fraturas da base do craneo do que nos acidentes óticos da explosão.

OUTROS SINTOMAS. Em descrição complementar deve-se assinalar ainda outro fato observado na grande guerra. Uma parestesias ou hiperestesia do acustico em flagrante desproporção com a gravidade dos ferimentos recebidos, tanto no ouvido interno como no médio.

STREIT interpretava esses fatos como resultantes de lesões na região do nucleo do acustico ou em zonas com ela coordenadas por vias cerebrais. Alem da surdez, por vezes bilateral, observam-se tambem casos de mudez em resultado da explosão. No dizer de MEYER taes casos devem ser interpretados como devidos a um estado funcional geral e não como lesões labirínticas. Tambem outros autores verificaram o mesmo fato e o interpretaram como uma psiconeurose que se instalou em resultado do traumatismo emocional recebido. Aparecem tambem angustia, tremores, gagueiras e afonia que pódem permanecer longo tempo. Outro sintoma correlato é o aumento da pressão arterial. HORN considera-o como puramente emocional. É a nevrose do medo, como ele chama.

LESÕES SONORAS PURAS

Aqui deveríamos passar á anatomia patologica, ao tratamento e ao prognostico das comoções do labirinto. Ainda o faremos em sequência natural. Necessitamos porém de um parêntesis. Ha ainda certos tipos de lesões que embora não façam parte do quadro da comoção a ela são correlatas. São lesões puras pelo som, sem explosão. Convêm-lhes duas palavras porque apesar do seu capitulo aparte, diz respeito á patologia de guerra. As vezes, em paz tambem. O ferreiro, o caldeireiro cujo trabalho com o malho e com a bigorna acaba lhes irritando e atrofiando as terminações do acustico. Conhecemos ha anos uma lesão destas, em um maquinista da São Paulo Railway, cujo coclear não suportou o tom dos apitos das maquinas da serra. Na guerra, ha muito mais oportunidades para esse tipo de lesões.

Ha dois modos pelos quaes o som pode lesar o ouvido interno. Um já denunciamos, quando está fóra do campo fisiologico, em sua intensidade ou tonalidade, mesmo que seja um som unico isolado. O outro é diferente. O som acha-se dentro do campo auditivo, mas fere e atrofia o ramo coclear, pela sua repetição, reincidência e Constancia. É o caso do crepitar dos fuzis que lesam os ouvidos dos soldados da infantaria, e o ruido dos motores dos aviões que sacrificam a audição de seus pilotos e mecânicos.

Os soldados atingidos queixam-se de dureza do ouvido que apareceu aos poucos. As vezes, repentina. Alem disso sofrem de ruídos entoticos, zunidos ou zumbidos que muito os incomodam. Tambem podem acusar algumas dores vagas no proprio ouvido ou nas circunvizinhanças. O exame objetivo revela surdez por lesão do nervo. Schwabach diminuido, Rinne positivo, Weber duvidoso, conservação dos tons baixos e encurtamento dos altos. É a surdez profissional do ferreiro e caldeireiro comuns na vida civil, que tambem na guerra aparece com frequencia.

Não ha nem pode haver perturbações funcionais do aparelho vestibular. Tambem não ha naturalmente laceramentos ou ruturas da membrana pois que não houve deslocações atmosféricas.

Fechado este parêntesis necessario, passemos á

ANATOMIA PATOLOGICA DA COMOÇAO

O fator principal da comoção labirintica pela explosão é constituido pelas hemorragias. Elas podem reabsorver-se sem deixar sequelas importantes, quando são muito pequenas. Quando porém abundantes, provocam degenerações dos elementos neurosensoriaes. ZANGE, em necropsias, conseguiu demonstrar a existencia de hemorragias não sómente na profundidade do conduto auditivo interno e nos canaliculos nervosos, como no canal do nervo ampolar inferior. HARDT, por sua vez constatou, em um soldado autopsiado, que a capsula ossea do ouvido interno estava intacta, mas que as hemorragias intralabirinticas tinham provocado formações osteofibrosas. O soldado falecera 52 dias depois de recolhido. JOHN FRASER, perante a Royal Society de Londres, apresentou um relatorio de 4 peças histológicas, da grande guerra, consecutivas a lesões de obuses. Dos 4 casos, havia rutura do timpano em 3. Em um, hemorragia ligeira, ocupando a rampa timpanica, a região da janela redonda e a volta inferior da espirado caracol. Em dois outros, as celulas ciliares do orgão de Corti estavam em parte destruídas, a papila acustica achatada, e as celulas de sustentação em certo numero desaparecidas; as celulas espiral, diminuídas de volume; membranas otolitica da utricular e da sacula, deslocadas pela cúpula dos canais semicirculares; aparelho vestibular em bem melhores condições que o aparelho coclear. Em 3 casos havia hemorragia no fundo do conduto auditivo interno, no ponto onde os nervos penetram nos canais osseos. Além destes resultados histologicos ingleses, ha na literatura outros franceses e alemães, de PRENANT, CASTEX, WITTMAACK, BRUNNER e outros. Limitamo-nos apenas a assinalar a sua existencia, porque não são protocolos de autopsias, mas apenas resultados de estudos experimentais, em coelhos. Interessantes mas tambem exaustivos. Transcrevemos sómente uma idea final de WITTMAACK, atribuindo a atrofia do orgão de Corti, não a sequelas degenerativas de hemorragia, como quase todos a interpretam, mas a uma lesão especifica pós-traumatica que ele chama de "nevrite degenerativa da detonação".

Praticamente porém, os resultados histo-patologicos dos exames demonstram que as lesões a explosão são sobretudo constituídas pelas hemorragias, que vão atuar sobre o acustico e suas ramificações. No ouvido interno a lesão se localiza na vizinhança das janelas labirinticas e na primeira curva do caracol. Finalmente demonstram as necropsias que o labirinto vestibular parece mais resistente e mais protegido. O efeito dos traumatismos sonoros puros, sem explosão ou pressão atmosferica limita-se, ao aparelho coclear e não parece produzir hemorragias.

PROGNOSTICO - O prognostico das comoções labirinticas depende da estensão das lesões e das alterações que se processaram no orgão de Corti. Já WITTMAACK havia demonstrado que este orgão tem capacidade de regenerar-se e na grande guerra passada ficou demonstrado que muitos casos eram susceptíveis de melhoria. Quando, porém, as lesões são por demais intensas e manifestas o futuro é por certo mau, porque se processa uma atrofia do acustico em seguida á lesão.

Já em 1917 LANNOIS e CHAUVANNE escreviam que a evolução da surdez nas comoções labirinticas demonstra que se trata mais de um grande abalo do que uma surdez definitiva, RHESE e BOUCHET demonstraram porém depois disso que havia necessidade de muita reserva quanto ao futuro do ouvido, quando havia, alem das perturbações auditivas uma grande hipoexcitabilidade vestibular. Alguns feridos saravam mas outros ficavam em definitivo com os déficits da audição. Mais raramente, as vertigens levaram anos para desaparecer de todo. Em outros casos, foram os ruídos subjetivos os sintomas que mais perduraram e atormentaram os feridos.

Na evolução das comoções labirinticas ha uma outra eventualidade sobre a qual BOUCHET chama ainda a atenção. Muito ao envéz de regredirem, certas perturbações funcionais muito pouco acentuadas ou mesmo insignificantes no começo, agravam-se com o tempo, ou chegam mesmo a não se manifestarem senão passado certo periodo. Foi um fato observado depois do armistício de 1918. O ferido que nos primeiros mezes depois do acidente não acusava senão vertigens, no fim de um ou dois anos, queixava-se de surdez progressiva. A vertigem desaparecera mas a surdez de mínima importancia que era progredira de uma maneira notavel. Trata-se de uma surdez grave, em taes casos. O limite superior é consideravelmente abaixado e todos os diapasões são mal percebidos, tanto pela via ossea como pela aérea; o limite inferior tambem bastante sacrificado. Segundo o autor citado, essa surdez evolutiva aparece sempre em individuos tendo hipoexcitabilidade e nunca nos vertiginosos hiperexcitados, e que apresentam no inicio um abaixamento do limite superior do som. São fatos felizmente bastante raros, mas que demonstram a necessidade de um exame vestibular completo e consciencioso para julgar-se com acerto do prognostico do futuro nos casos de ferimentos de guerra.

Qual será a causa dessa surdez retardatária? Estamos ainda no terreno das conjecturas e hipoteses. BRÜNNER teve oportunidade de realisar uma necropsia num caso destes, 12 anos depois da guerra, concluindo pela existencia de uma otoespongiose que ele nunca diagnosticara em vida.

O fato será pois produto de simples coincidencia ou o traumatismo da explosão veio acelerar um processo na eminência de evoluir? Estudos americanos recentes parecem esclarecer este problema porque se demonstraram casos de otoespongiose histologicamente verificados sem que haja perturbações auditivas.

Uma palavra sobre a rutura das membranas do timpano. É claro que o prognostico é bom a menos, que haja dimensões excepcionais ou que se instale uma otite media secundaria.

Nas lesões puras pelo som como na surdez profissional, o prognostico é variavel. Os casos tratados no inicio sob medidas adequadas pódem melhorar ou mesmo curar-se. Nos casos adiantados o Maximo que se póde esperar será um estacionamento da lesão.

TRATAMENTO - Na apresentação do objeto deste estudo relembramos o verdadeiro cataclismo que atingiu a Bélgica na primeira guerra mundial. Referimo-nos aos numeros espantosos de feridos a explosão, citados pelos proprios alemães. Foi numa epoca em que o aeroplano não tinha poder ofensivo. 1914 - 1915. Era apenas arma de reconhecimento. Que se imagine agora o que foi em Varsóvia, Rotterdam, Londres e Coventry, cujas populações desprevenidas e inermes não faziam ainda uma ideia exata da inconsciência do fuerer. Quaes serão as estatisticas que, em sua realidade ainda conheceremos oportunamente e qual o contingente lúgubre das vitimas das bombas que Hitler acumulara em segredo, durante anos, para referendar o acordo de Munich? Não é nosso intuito reviver a intensidade das cores dos quadros que se então patentearam em resultado das explosões, nem a dramaticidade das cenas então passadas cuja descrição só caberia ao poeta florentino. O nosso intuito é outro.

Um dos fatores que mais deve contribuir para o aspeto trágico de um desses quadros da guerra moderna é incontestavelmente, a confusão. O inesperado. Foi o que o cinema demonstrou em Pearl Harbour. O imprevisto, a emoção que assalta a uns mais, a outros menos, mas todos emfim, deante do acontecido. Daí a palavra de organização, palavra de ordem, para enfrentar taes acontecimentos. O exercício do black out, a defesa passiva e as medidas preventivas que foram espalhadas pelo mundo que vivemos hoje. A necessidade de organizar-se porém não diz respeito sómente ás populações. Diz respeito a todos, principalmente a nós, porque a nós compete a responsabilidade de dar assistência medica aos feridos e traumatisados.

Não fomos incumbidos de organizar em quadro é em esquema um plano geral para socorros. Nem mesmo em nosso campo de atividade geral. Todavia, como grande numero de feridos desta ordem a nós dizem respeito e a nós compete o que de melhor resolver, julgamos oportuno relembrar o que se tem passado com povos em contato imediato com o cataclisma da guerra total.

Como dissemos, a organização é tudo e sem ela nada podemos fazer em beneficio dos feridos. Na nossa especialidade como em toda a medicina. Os ingleses em reunião recente da Royal Society, ainda abordaram este ponto. Dizem eles que na guerra passada foi um desastre. Os serviços especializados foram de tal modo desorganizados e desaproveitados que o nosso departamento medico caiu em grande desprestigio. Seja dito e nos é grato relembrar que Mario Ottoni, muito bem compreendeu esses fatos e dificuldades. Previu tudo, e com muita lucidez. Por isso convidou a todos, incitando, propondo teses, problemas de assistência, sugestões praticas, de acordo com o que tivéssemos lido e as idéias que ocorressem. Que se meditasse e se previsse como, quando, e onde prestar melhor serviço e mais eficiente. Não foi outra a sua plataforma, para a Presidencia deste ano.

Na Inglaterra, como em toda parte havia uma desproporção flagrante para mais, entre o numero de especialistas e aquele de cirurgiões e clínicos. Essa desproporção fez-se ainda mais sentir concretamente quando, irromperam as hostilidades. A solução, porém, não foi difícil. Não somos psiquiatras, neurologistas, pediatras ou dermatologistas. Pertencemos a um departamento medico eminentemente cirurgico e como cirurgiões devemos ser aproveitados. Ha muito mais necessidade de laparatomistas e operadores de membros de que grandes virtuoses em dissecção de amigdalas. Para que opera-las, salvo as excepções, em um periodo de franca hostilidade? Que septo será mais urgente que uma fratura exposta do fêmur? Somos cirurgiões, e á cirurgia devemos ser reconduzidos. É bem verdade que não suturamos intestinos e nem amputamos uma perna. Mas não vemos como não poder auxiliar. Evidente é que não se trata de desmontar a especialidade e nem se poderia propor um tal absurdo. Mas uma vez organizados os centros necessarios na frente e na retaguarda nada mais nos resta senão tomar logar nos diversos setores da cirurgia geral. A adaptação é rapida. Os inglezes o provaram e aproveitemos as idéias e a experiencia do seu admirável senso pratico. Em 39, tambem lá a confusão foi lamentavel, tal o numero de especialistas desaproveitados. Em 41 já era diferente. Mas as amigdalas, os septos e os polipos quasi que desapareceram da clinica civil e dos meios hospitalares de Londres. Todos os especialistas mobilizados, muitos no seu proprio campo e grande parte na cirurgia geral. São ideias que nos convêm rememorar. Talvez um pouco tarde, felizmente. Mussolini já é governo de opereta e Hitler não se aguenta mais na Russia. Não esqueçamos porém que o proprio Churchill se bate e é sempre contra qualquer otimismo exagerado.

Voltemos agora ao nosso tema do qual nos afastamos, por um instante. O que fazer de melhor, dentro do possível, em favor dos feridos a explosão?

Ninguem pense em julgar de um labirinto no front durante ou depois de um canhoneio ou nos escombros de um quarteirão em ruínas. É evidente, mas em geral são feridos graves que se encontram caídos, tontos, semi conscientes ou inconscientes. No primeiro instante, o que se impõe, é uma impressão geral do corpo, um penso no que fôr de mais urgente, uma ligadura, suma chaga aberta, um anti-septico, uma gaze e uma atadura. Soros, antitetânico se necessario. Em alguns mesmo, transfusão. Verificar se não ha otorragia. Depois, para a retaguarda e incontinente informando-se a quem competir que o ferido foi vitima de explosão e que se examine o ouvido interno, quando possível. Não ha maior urgência. Se houver otorragia que se radiografe logo. Talvez fratura da base.

No hospital da retaguarda, cama e repouso absoluto, em logar silencioso, se possível. Ante nevrálgicos se ha dôr de cabeça. belladona, gardenal contra as vertigens, insonia e emotividade. Além disso cuidados dietéticos, intestino bem regulado. Só então, melhorado, se poderá pensar em informações e anamnese. Provado que haja lesão do ouvido, aplicação de calor. HANN recomenda-a. Se houver purgação, uso de anti-septico. Não levantar-se, enquanto houver vertigem. Não esquecer o contingente psicológico. Devido á depressão nervosa, em resultado da surdez, falar sempre alto com os feridos. Assim não terão eles muita consciencia do seu estado. Com mais uns dias quando possível, exame do ouvido. Diapasões e prova calórica. Nada de cateterismos e massagens, inúteis totalmente. O importante é o repouso, tranquilidade e descanso psicológico. Tambem evitar que o ferido fique sujeito a novas explosões e estampidos. Lembrar-se que já tem o ouvido hipersensível. Impõe-se pois retira-los das frentes de batalha ou de cidades perigosas e envia-los para a retaguarda em outros misteres de guerra.

PROFILAXIA - Quasi uma utopia abordar um tal assunto. Ingenuidade se preferirem. Contudo, na guerra passada recomendava-se aos artilheiros o uso de antifonos de metal, borracha ou mesmo de algodão embebido em glicerina. O Major Medico VÉRAIN idealizou um aparelho protetor do ouvido em celulóide, de forma olivar, contendo uma ou duas câmaras de amortecimento contra os traumatismos do ar. Engenhoso, porque permite ouvir as vozes de comando e o sibilo dos obuses. Nada sabemos, porém, de sua eficiência. Isto quanto a artilharia pesada.

Mas contra as bombas dos aviões, o que fazer?

Já o dissemos. Defesa passiva. Exercícios de black out. Organização. É tudo, mas não é só. Ha mais. Muito mais O exemplo dos ingleses de 40. Crença no direito, na liberdade e na consciencia humana. "Nunca tantos ficaram devendo tanto a tão poucos", Animo, Fé,Convicção.

Como os inglezes, pois! Profilaxia moral . Fé em nossa gente, em nosso povo, em nossa tempera. No brasileiro, branco, de côr, mestiço, cafuzo ou caboclo. Vidal de Negreiros, Camarão, Henrique Dias. Alguem esquece a historia. Ufanismos. Talvez mesmo os negue. Euclides da Cunha, porém, lhe fez justiça e homenageou. "Morreu matando", diz ele nos "Sertões", na sua expressão contraste, impetuosa e admirável. Um valente. Mas quem? Do governo? Dos jagunços? Euclides não os distingue. O que lhe interessa são variantes etnológicas do povo brasileiro. As causas cosmogeologicas que as têm determinado. Canudos e a psicologia berrante do reduto de caboclos. Não o engenheiro O sociólogo, depondo. O intelectual, no seu estilo incomparável e suigeneris : Por isso, é imparcial. Comenta erros e dificuldades, na extirpação do kisto que parasitava a nacionalidade. Fortes e valentes, porém, aponta um e outro lado. E de toda a parte. Filhos do Norte. Do centro do Brasil. Dos longes do Sul de nossa terra. Não discrimina de onde. Soldado ou jagunço. Não raro, soldado e jagunço. Ignorado e para sempre. Negado. Anônimo. Apenas brasileiro. Destemido. Talvez não ariano nem semita, mas que desmente Nietzsch, e descrê Gobineau. Desafia a caatinga adusta do Nordeste e o determinismo fatal da sua geologia. Enfrenta tudo. A adversidade. A doença. A fome. As canseiras A seca. O sertão. A guerra. Não baquea, porém, e só morre, matando. Ufanismos. Não. Realidade. Euclides
presenciou-a. Lembraram os Guararapes. Fé em nossa gente. Fé no Redentor do Corcovado. Fé nos destinos do Brasil!




(1) Trabalho apresentado à Sessão de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina em 17-11-43.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia