ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1120 - Vol. 14 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 1946
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 344 a 356
CONSIDERAÇÕES SÔBRE ALGUMAS AFECÇÕES DA LARINGE, TRAQUÉIA E BRÔNQUIOS (*)
Autor(es):
PLINIO DE MATTOS BARRETTO (**)

A palestra de hoje e as discussões que em tôrno dela procuraremos abrir, serão feitas como um agradecimento ao apoio que os nossos prezados colegas otorrinolaringologistas sempre prestaram, para o desenvolvimento da Laringologia e da Bronco-esofagologia em nosso meio.

Foi graças a este apoio, que conseguimos instalar, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo, um bom centro de Endoscopia. Daqui por diante, com recursos técnicos muito aumentados, estaremos em melhores condições, para prestar nossa colaboração à solução daqueles casos que necessitam de local, instrumental e aparelhagem especializada, bem como de um pessoal especialmente treinado para cuidar dêle.

Quando iniciámos nossas atividades, estamos certos, nem todos os otorrino de São Paulo nos julgaram com igual benevolência. Alguns, talvez, nos tenham considerado como uma certa "degeneração hipertrófica", quase sempre desnecessária e muitas vezes incômoda por várias razões. ..

Durante bons anos, quase só recebíamos casos difíceis, complicados, e muitos dêles pràticamente insolúveis. Mas isto valeu-nos como excelente experiência e foi a solução que conseguimos dar aos mesmos, que serviu para irmos pouco a pouco firmando o conceito de utilidade e de vantagens da organização de serviços especializados para a prática da Endoscopia Peroral.

Quando no 2.° Congresso Sul-Americano de O. R. L., expusemos nossos pontos de vista, sôbre a organização de tais serviços, e a necessidade da criação de departamentos especiais, para o ensino da Bronco-Esofagologia, foram os próprios otorrinolaringologistas que nos apoiaram.

Em agradecimento, já dissemos, a êste apoio é que procuraremos expor o tema a nós proposto, fazendo ressaltar aquêles pontos que nos parecem de maior interêsse para os otorrinos.

Dentro dêste vasto tema "Moléstias da faringe, laringe, traquéia e brônquios", não nos demoraremos em considerações sobre as faringites e laringites agudas.

No material dos nossos serviços, êstes casos são muito pouco frequentes, e são resolvidos em grande parte espontâneamente, com os recursos caseiros, ou com aquela medicina, nem sempre louvável, aprendida à custa de vistosos anúncios e de uma propaganda que, muitas vezes, necessita de ser melhor "controlada".

Iniciaremos a exposição mencionando um grupo de pacientes, que têm procurado nossos serviços espontâneamente, ou nos foram enviados por colegas nossos, que acreditam ter esgotado todos os seus recursos sem conseguir curar um catarro faríngeo, ou brônquio, ou uma disfonia rebelde.

Muitos dêles chegaram, com indícios de um prolongado tratamento bismútico, iniciado, algumas vêzes, antes das provas sorológicas para a pesquisa da sífilis; antes da remoção de importantes focos dentários e nasais, e com os bolsos cheios de cigarros. Para muitos, parece que a proibição de fumar não tinha sido feita com suficiente ênfase pelo médico, na escrivaninha do qual estava sempre um cinzeiro cheio de pontas de cigarros!

Parece que ainda não conseguimos afastar o velho conceito: "de sífilis, todos têm um pouco". Os casos que têm chegado em piores condições, são justamente aquêles cujas reações sorológicas deram resultado duvidoso ou fracamente positivo.

Com um tratamento específico e prescrições de ordem geral, melhoraram as condições do paciente, mas, enquanto se ficou à espera de um resultado definitivo, perdeu-se a melhor oportunidade para tratar um câncer da laringe.

Nunca devemos esquecer-nos que com grande freqüência o câncer da laringe aparece nos sifilíticos; e, por outro lado, o fato de verificarmos que um indivíduo é sifilítico, não significa que a lesão da laringe seja necessàriamente sifilítica.

Exemplos bem frisantes nós poderíamos apresentar com um caso recente da nossa clínica particular:

J. C. L. - 65 anos, português, viúvo, residente em Penápolis, estava rouco havia uns 6 ou 7 meses. Provàvelmente, impressionado por antiga lesão nasal de origem sifilítica, o especialista que êle consultou no Interior, prescreveu xarope de iodo. O doente piorou, passando a ter dificuldades para respirar. Consultou-se ainda com outros especialistas antes de vir a esta Capital. Aqui, receitaram Eparseno e Tártaro eméticos.

Nós, quando o examinamos, já o encontrámos com bastante dificuldade para respirar. Estava com uma extensa infiltração neoplásicas da laringe. O resultado do exame histológico foi: Carcinoma Plano celular corneificado.

A reação de Montenegro deu resultado negativo. R. de Wassermann +++. R. Kahn ++.

Quanto ao papel nocivo do fumo e do álcool, que, como dissemos, nem sempre é exposto com suficiente ênfase aos portadores de catarros crônicos, nós diremos com os tratadistas que o álcool e a nicotina determinam uma reação da vaso motricidade da mucosa laríngea, transformando-a numa zona de hiperemia congestiva, com caráter fixo, invariável, não se modificando mais segundo as necessidades momentâneas (temperatura, pressão barométrica, condições climatérica e higrométricas gerais). E êste desacordo entre o regime vasomotor e as condições climatéricas gerais é a base da maior parte dos estados de laringite crônica dos fumadores e dos bebedores (Canuyt).

Hayck já nos ensinava que não havia a menor dúvida de que o uso continuado do álcool aumenta a predisposição para as inflamações das vias aéreas, mas que é difícil determinar o quanto corre por conta do álcool, e o quanto por conta das circunstâncias circunjacentes (lugares poeirentos, enfumaçados, esforço exagerado da voz etc.) .

Canuyt diz, que uma dor de garganta persistente, tenaz e rebelde em indivíduo de certa idade, é quase sempre de origem diatésica. Pode tratar-se de uma artrite cervical, de uma sífilis em atividade, ou ser devida a uma faringite crônica, mantida por uma hipertensão, uma albuminúria, ou uma diabetes, ou ainda uma gota ou reumatismo.

Para o tratamento dêstes casos, o que é necessário é uma higiene bem orientada, lavagem do fígado e intestino, e que o paciente seja desintoxicado, submetido a um regime sem sal, na base de frutas e legumes.

Do que já dissemos, devemos concluir que, diante de uma afecção da laringe, não devemos satisfazer-nos com uma classificação vaga de uma afecção específica ou não específica, de uma laringite aguda ou crônica, nem com um diagnóstico clínico de uma formação tumoral benígna, sem têrmos exgotado todos os nossos recursos propedêuticos, a fim de esclarecer a verdadeira etiologia da afecção e as suas causas predisponentes e determinantes.

A anamnese pormenorizada, um estudo minucioso das condições de vida do nosso paciente, um exame clínico geral e o exame da bôca e das vias aéreas superiores, devem preceder o exame da faringe, laringe e vias aéreas inferiores.

É indispensável que sejam determinadas as condições da respiração nasal, e bem avaliadas as perturbações que as suas alterações possam acarretar, não só nas qualidades do ar inspirado, mas também nos fenômenos respiratórios, que são influenciados por certos reflexos, que tem o ponto de partida na pituitária.

As cavidades paranasais e as condições da rinofaringe devem ser cuidadosamente examinadas, para que possamos bem avaliar a influência do estado das vias aéreas superiores sobre as afecções da laringe, traquéia e brônquios.

Com a laringoscopia indireta, cuidadosa e bem metodisada, podemos colher valiosos informes, sendo êste exame freqüentemente muito mais importante do que o exame direto.

Seria desnecessário dizer, aqui, que o sucesso da laringoscopia depende grandemente da experiência do examinador, que poderá contornar, quase sempre, a falta de cooperação de alguns pacientes, e as dificuldade acumuladas por condições anatômicas e patológicas especiais.

Aquêles que estão acostumados a tratar os casos de faringites e laringites crônicas, já sabem como interpretar a exaltação dos reflexos tão freqüentes nos casos de tuberculose, e, também, não teimarão em querer examinar, sem uma conveniente anestesia, a faringe e a laringe de um etílico e tabaquista inveterado.

Muitas vêzes, um bom exame deixa de ser completo porque o especialista quis evitar ao seu paciente alguns momentos de sensação desagradável, que naturalmente se seguem, a uma anestesia da laringe.

Temos observado que os nossos pacientes se esquecem ràpidamente dêstes incomôdos, assim que, ao terminarmos os nossos exames, podemos fazer um prognóstico favorável sôbre a sua afecção, e também nos casos; em que, por exames minuciosos, conseguimos diagnosticar lesões que, até então, tinham passado despercebidas.

Estas coisas foram ditas, e convém serem repetidas, porque, como muito bem diz o Prof. Clerf, em um dos seus mais recentes artigos, "é questionável se, apesar de tôda a propaganda que se tem feito a respeito do câncer, o seu diagnóstico é feito agora mais precocemente do que há vinte anos atrás". Tanto em nosso meio como na América do Norte, segundo o testemunho daquele conhecido especialista, são ainda vistos muitos doentes com câncer já muito, avançado, e que vêm sendo tratados, há muito tempo, como doentes de rouquidão crônica.

Este mesmo laringologista é quem insiste que é "necessário pensar no câncer como uma possibilidade, e procurá-lo. Por causa da seriedade da moléstia é imperativo que estudos adequados sejam feitos em todo o caso no qual a afecção laríngea é suspeita de ser câncer. Isto inclui biopsia. Nenhum dano pode resultar da retirada de material para biopsia, se ela for feita como deve ser. Naturalmente, é importante, a êste respeito acentuar a necessidade de fazer a biopsia cuidadosamente, pois um resultado negativo de biopsia nunca afastou o câncer de um paciente. Êle apenas significa que o material examinado não continha câncer. Se o diagnóstico clínico sugere câncer e a biopsia não confirma, a coisa óbvia é repetir a biopsia, até que nos convençamos de que o paciente tem ou não tem câncer".

Mas, também, não devemos deixar cegar-nos pela idéia do câncer. Devemos, especialmente em nosso meio, pensar na Blastomicose, na Leishmaniose, na Tuberculose e na Sífilis.

Todos os casos de laringite crônica, são de tratamento bastante complexo. Não basta o tratamento local. Muitas vêzes, é preciso modificar o terreno, modificar os hábitos do paciente, e, quase sempre, afasta-lo do ambiente onde vive:

Citaremos, para comprovar estas palavras, um caso, de Laringite luética:

R. F., 46 anos, polonesa, solteira, contou-nos estar rouca, havia 4 anos, e que tinha estado sempre em tratamento. A princípio, estava com R. W. fortemente positivo. Já tinha tomado várias séries de injeções de bismuto, e feito aplicações de ondas curtas e ionizações.

Quando nós a examinamos pela primeira vez, a R. W. era fracamente positiva e a doente estava com a voz muito rouca e abafada. As cordas vocais infiltradas tinham um aspecto granuloso, e existia também considerável infiltração de tecidos ao nível da comissura posterior. Com o tratamento prolongado pelos iodetos, conseguimos a regressão da infiltração das cordas vocais. A hiperplasia de tecidos ao nível da comissura posterior teve que ser removida cirùrgicamente. Mas nós não conseguimos fazer desaparecer novas e periódicas crises de disfonias, enquanto não confiamos a doente a um O. R. L., para o tratamento de uma sinusite crônica, e enquanto a paciente não se convenceu de que não podia continuar a viver no ambiente de fumo, a que estava acostumada.

Não é de hoje que se reconhece a importância das relações entre as afecções das vias aéreas superiores e das inferiores. Canuyt cita um trabalho de Mussy, de 1857, expondo estas relações, e insiste na importância do princípio fundamental de que - "A via, aérea é uma e indivisível".

É de conhecimento de todos a tendência dos catarros nasofaringeanos para se propagarem nas vias aéreas inferiores, para "descerem para o peito", segundo e expressão popular.

Assim, as laringotraqueobronquites, tão graves nas crianças de pouca idade, quase sempre se manifestam depois de alguns dias de uma ligeira coriza.

Em São Paulo, a maioria dos casos graves desta moléstia são encaminhados para o Hospital do Isolamento. O aparelhamento desse hospital parece-nos ainda muito deficiente, mas esta deficiência tem sido compensada pela dedicação e preparo de um grupo de distintos colegas, que têm enorme prática em traqueotomia, e contam com uma boa enfermagem.

Temos tido oportunidade de atender a vários casos de laringotraqueobronquites, desde os de média gravidade até aos casos fulminantes.

Atualmente, com a possibilidade de combinar a penicilina com as sulfas; de empregar êstes medicamentos sob a forma de nebulizações; com o auxílio de tendas especiais, que nos permitem conservar a criança em atmosfera saturada de umidade; com cuidados excepcionais da enfermagem e os dos próprios endoscopistas, temos conseguido resolver satisfatoriamente todos os casos, incluindo mesmo os muito graves, que tiveram que ser traqueotomizados.

Alguns casos de difteria, que vieram ter às nossas mãos, foram resolvidos da seguinte maneira: num primeiro exame laringoscópio fizemos o diagnóstico clínico de probabilidade, colhemos material para exame, e removemos membranas diftéricas, que causavam obstrução da laringe. Em seguida, as crianças foram levadas para a tenda de oxigênio, com o ambiente saturado de humidade, e combinamos o tratamento pelo sôro diftérico com a aplicação da penicilina. Deste modo, conseguimos mais de uma vez evitar traqueotomias que nos pareciam de urgência.

Tanto nas laringotraqueobronquites não diftéricas, como nas diftéricas, é preciso saber diagnosticar as áreas de atelectasia, produzida por obstrução brônquica, por secreção ressecada, ou por ,falsas membranas, e diferenciá-las de processos pneumônicos, que poderiam complicar a moléstia.

E, porque falamos aqui em obstrução brônquica, que nos seja permitido dizer algumas palavras sobre o moderno conceito das bronquectasias.

Atualmente, parece que a maioria dos AA. estão convencidos de que as bronquectasias são sempre conseqüentes de uma obstrução brônquica. Para muitos, não há nenhuma prova de que as chamadas bronquectasias císticas congênitas tenham origem diversa.

É por isso que, como muito bem diz, Hinshaw, tôda afecção pulmonar aguda (pneumonia ou influenza), deve ser estudada com Raios X, não apenas uma vez, mas tantas quantas forem necessárias para se verificar o total desaparecimento de ombras patológicas. Bronquectasias podem estar se desenvolvendo, diz êsse mesmo Autor, enquanto o paciente está fazendo uma convalescença satisfatória, de uma afecção respiratória, que podia não ter causado alarme. Êste conceito é particularmente certo no que diz respeito às crianças e também é verdade em relação aos adultos.

Mc. Laurin diz que 85% dos casos de bronquites crônicas, bronquectasias e peribronquites, são devidos a infecções das vias aéreas superiores. De fato, as bronquectasias podem resultar de uma sinusite crônica, ou as duas afecções se iniciarem simultâneamente, como uma sequencias de uma grave infecção aguda de todo o trato respiratório.

Simonton verificou que a incidência de sinusite entre os pacientes com bronquectasias é muito maior do que a incidência de bronquectasias entre os que têm sinusite crônica. Verificou, por outro lado, não serem satisfatórios os resultados do tratamento das sinusites, em presença de bronquectasias, porque havia reinfecção dos "sinus" pelas secreções expelidas das bronquectasias.

É muito importante insistir sôbre a necessidade de fazer a profilaxia das bronquectasias e o seu diagnóstico precoce, porque elas constituem afecções de prognóstico muito, sério.

Bradshaw, Putney e Clerf verificaram, estudando 171 casos de bronquectasias, que não foram submetidos a um tratamento conveniente, que 34,5% dêles morreram de "pneumonia" (Clerf chama-lhe "pneumonite conseqüente a bronquectasia"), sendo a duração média de 35 anos de vida, após os primeiros sintomas. Outros autores também têm verificado que poucas pessoas com bronquectasias vivem além dos 40 anos.

Por outro lado, os resultados da cirurgia têm melhorado grandemente, estando a mortalidade operatória reduzida nos serviços bem aparelhados, a 3-5%.

Não podemos, hoje, estender-nos sôbre êstes assuntos, e temos que passar ràpidamente para um outro grupo de casos, o dos pacientes com formações tumorais, na laringe, traquéia e brônquios.

No diagnóstico e tratamento dêstes casos, é que os exames e intervenções, praticados por via direta, nos oferecem as maiores vantagens.

Não voltaremos a insistir, na importância da laringoscopia direta, e nem na conveniência e freqüente necessidade de fazer examinar, pelo histologista, todo material que removemos cirurgicamente.

Nos hospitais onde trabalhamos, tivemos que esperar pela organização de bons departamentos de anestesia, para poder usar, com mais freqüência, a laringoscopia em suspensão, ou o diretoscópio de Seifert, que é de manejo mais simples e delicado. Podendo trabalhar com ambas as mãos, e num campo operatório maior, encontrámos, com este método, muito maior facilidade para algumas intervenções endoscópicas, especialmente para fazer diatermo cauterizações.

Temos empregado com freqüência a laringoscopia em suspensão, para fazer a eletrofulguração, no tratamento das lesões de leishmaniose da laringe.

Foi na "Mayo Clinic" que aprendemos as vantagens da laringoscopia em suspensão. Todos os que visitam aquela Clínica ficam impressionados com a frequência do emprêgo dêste método, e com as excelentes exposições que podem ser obtidas.

Nós acreditamos que lá exista até mesmo um exagero na indicação dêste método. Assistimos a laringoscopias em suspensão para a simples prática de biopsias e para remoção de pequenos polipos.

E quando os nossos colegas procuravam convencer-nos das vantagens do método, nós fizemos ver que como recurso da narcose profunda, uma pessoa com pouca experiência obtêm esplêndida exposição de faringe ou laringe, usando laringoscópios muito mais simples. Todo o segredo está na boa anestesia, numa anestesio profunda, que só pode ser confiada a um anestesiologista competente.

No Hospital das Clínicas da nossa Faculdade, temos feito com freqüência a remoção dos papilomas da laringe, sob a narcose pelo éter. Quando, devido à pouca idade dos pacientes, não podemos obter uma completa anestesia local da laringe, usamos a anestesia geral. Mas servimo-nos quase sempre dos laringoscópios de Chevalier Jackson. Nestes últimos dois anos, temos empregado, após a remoção dos papilomas, com pinças não cortantes, substâncias estrogênicas. A nossa impressão é que há uma influência favorável com o uso dêstes medicamentos. Raramente temos empregado a diatermocoagulação e sòmente em três casos fizemos a radioterapia.

Temos verificado que, não havendo sinais de infiltração, a simples remoção dos papilomas, feita com pinças não cortantes, mas de maneira completa, pode resolver mesmo os casos de papilomas de adultos, nos quaes a histologia já evidenciava uma certa anaplasia das células epiteliais.

Em relação a todos os outros tumores benignos, acreditamos não haver maior interêsse em discutí-los agora. O problema resume-se na questão de um diagnóstico presuntivo, que é confirmado mais tarde pela biopsia, ou pelo exame da totalidade da peça operatória. Está visto que, muitas vêzes, temos necessidade de recorrer a estudos radiográficos, incluindo planigrafia, para estabelecer a estensão da lesão e a melhor via de acesso.

Uma grande falha em nossos hospitais é a falta da biopsia feita por congelação. É um método de prática corrente em várias clínicas norte-americanas, e que nos parece de muita utilidade.

Quantas vêzes, na América do Norte, assistimos ao caso de ser o patologista chamado, para ver a retirada de uma biópsia, e voltar, depois de alguns minutos, trazendo um resultado definitivo, que permitia ao operador prosseguir a operação e resolver o caso, naquele mesmo momento.

Um exemplo bem frisante da importância dêstes exames poderia ser dado com um caso a nós confiado pelo nosso prezado colega, Dr. Paulo Brandão.

Um tumor na região subglótica, inteiramente revestido por mucosa íntegra. Aspecto radiográfico, sugerindo tumor benigno. Fizemos uma tráqueofissura para abordar o tumor. Abrimos a mucosa, e fomos surpreendidos com uma massa tumoral, sem uma cápsula nítida, e com um aspecto lardáceo. Fizemos uma cauterização no ponto em que praticamos a biopsia, cujo resultado só nos foi dado, depois de 24 horas - Sarcoma Osteogênico. Dois dias depois, reabrimos a ferida operatória e fizemos a remoção do tumor, curetagem e electrocoagulação da zona invadida. Tudo isto seria feito com vantagem, no primeiro dia, e poderíamos ter iniciado a radioterapia, sem mais demora, se tivéssemos tido uma resposta imediata do anátomo-patologista.

Mas apesar desta demora, temos esperanças de resolver satisfatòriamente êste caso. Pois, com procedimento igual, em 1937, resolvemos o caso de um garoto de 11 anos com um sarcoma na traquéia. Este menino foi por nós recentemente examinado e está em excelentes condições.

Um outro caso de sarcoma de laringe, êste em um senhor de 55 anos, foi também tratado da mesma maneira, e, examinado um ano depois, estava em excelentes condições.

Terminaremos a nossa exposição, que já vai por demais longa, se os nossos prezados colegas nos dispensarem um pouco mais sua benevolente atenção, com um breve comentário sôbre a escolha do tratamento dos tumores malignos operáveis da laringe.

Até há pouco tempo, a questão do tratamento dêstes tumores era bem mais simples. Tudo se resumia ao diagnóstico preciso do tipo e estensão da lesão, e na escolha da intervenção cirúrgica.

A radioterapia ficava reservada para os casos que se apresentavam com contra-indicações para a cirurgia. Mas, pouco a pouco, a radioterapia foi melhorando os seus resultados e, agora, parece querer disputar a quase totalidade das indicações.

Durante um certo tempo, ela só parecia eficaz contra os tumores indiferenciados. Fêz época a classificação de Broders. Logo, porém, foi demonstrado que dificilmente poderíamos julgar do verdadeiro tipo de um tumor maligno, pelo exame de um pequeno fragmento do mesmo.Muito maior importância começaram a emprestar à questão da sede, da localização, da estensão da neoplasia e do grau de infiltração dos tecidos.

Quando, em princípios de 1943, estivemos com Coutard, em Colorado Spring, ficámos conhecendo novas tecnicas de irradiação, capazes de promover a regressão mesmo de tumores bastante diferenciados.

Pelo próprio " Coutard viemos a saber que novas concepções sôbre a etiopatogenia e novas formas de irradiação prometiam, para um futuro próximo, resultados muito melhores do que os até aqui obtidos.

Com o novo método, denominado "método de concentração'', os resultados são incomparavelmente melhores do que todos os outros que, o precederam. Usando-se de uma única porta de entrada e de campos de irradiação, que diminuem, à medida que se elevam as doses diárias, não só conseguimos fazer regredir até mesmo os tumores diferenciados, mas, o que nos parece principalmente importante, conseguimos poupar ao máximo os tecidos irradiados nas circunvizinhança, dos tumores.

Não faz muto tempo que o Dr. Homero Cordeiro nos perguntou, se este ano tínhamos feito muitas laringectomias totais. A nossa, resposta foi: "Felizmente, não!" Não, porque estamos conseguindo resultados cada vez melhores com a radioterapia. E dissemos isto, plenamente convencidos e livres de , qualquer preconceito, ou tendências de escola. Os colegas conhecem nossos trabalhos sôbre a cirurgia da laringe, e fàcilmente compreenderiam, se fôssemos levados pelo entusiasmos, com a melhoria dos resultados das laringectomias, para o lado dos cirurgiões, que parecem considerar no cancer da laringe uma só questão : a sobrevida do paciente !

Ao terminarmos a nossa exposição, mostrar-lhe-emos alguns doentes, que parecem provar que, tècnicamente, a operação é quase perfeita. As suas indicações são precisas, a sua execução bem regrada, relativamente simples, e os pacientes suportam-na perfeitamente.

Mas isto não é razão para indicarmos, sem mais hesitação, a ablação do órgão doente, o que, em última análise poderá ser apontado como um fracasso da nossa medicina, por não canseguir, salvá-lo.

O que devemos- é procurar curar a moléstia e reconduzir os órgãos lesados às suas funções normais. Certamente não deixaremos de levar em conta a excelência das estatísticas cirúrgicas, que apresentam curas nas altas percentagens de 85 e 90 %, mas devemos considerar o progresso dos métodos terapêuticos, capazes de conduzir a uma cura com restituição anatômica e funcional completa.

Admitimos, com Canuyt, que os laringologistas do futuro - e acreditamos que esse futuro não será longínquo - sorrirão, provàvelmente, ao ler, nos relatórios de nossa sociedade, as discussões apaixonadas sôbre a laringectomia total.

Também é possível, e muito provável, que daqui a algum tempo, estaremos considerando completamente, fora de propósitos outros métodos terapêuticos que estamos hoje empregando Mas, gostaríamos de apresentar à vossa considerações alguns resultados que obtivemos com a radioterapia, já em 1938:

M M., 50 anos presumíveis, em fins de janeiro de 38 informou-nos que, havia, seis meses, vinha sofrendo de laringe .

Apresentava infiltração neoplásicas de todo ligamento ventricular, o qual estava ulcerado em 1/3 posterior.

A comissura anterior estava invadida e a infiltração estendia-se até a heme laringe esquerda. A metade direita da laringe estava totalmente fixa. Não Havia adenopatia cervical palpável.

Biopsia : - Carcinoma plano celular e corneificado.

Com o tratamento radioterápico, houve completa regressão das lesões, e esta senhora, examinada, recentemente, estava com a laringe em perfeitas condições.

J. C. 50 anos, casado, italiano, sapateiro. Foi examinado pela 1.ª vez em 21-1-38. Referiu que havia 6 meses começou a sentir, dores de garganta, tendo perdido muito pêso e ficado com a voz muito abafada.

Apresentava uma grande formação tumoral da face laríngea da epiglote, com provável comprometimento da loja preepliglótica. O ligamento ventricular estava infiltrado, e a hemilaringe esquerda fixa.

Biopsia - Carcinoma de células basais.

Com o tratamento radioterápico, também êste doente obteve completa regressão das lesões da laringe, e, examinado há um ano, estava em perfeitas condições de saúde.

Êstes doentes já foram tratados por uma técnica bastante melhor do que, a que era seguida em São Paulo, em 1937. Acreditamos ter concorrido bastante para a introdução, em nosso meio,das idéias do Prof. Coutard, e desde que começamos a seguí-las, deixamos de ver aquêles casos com grandes reações das partes irradiadas e das estensas radionecroses.

O que acabamos de expôr, não quer significar que temos tido resultados uniformemente satisfatórios com. a radioterapia. Está bem longe de nós a idéia de apresentar a RADIOTERAPIA CONTRA A CIRURGIA, pois nós sempre insistimos em que, no tratamento desta moléstia, devemos saber concentrar todos os nossos esforços, e utilizar todos os nossos recursos terapêuticos. Fato êste que não parece bem compreendido por todos. Até mesmo na Sociedade de Laringologia e Otologia de Chicago, em Fevereiro deste ano, o Prof. Clerf abriu a discussão sôbre êste importantíssimo ponto, afirmando que, baseado nas suas observações sôbre pacientes tratados pela irradiação, ainda acreditava que o tratamento cirúrgico oferecia infinitamente mais vantagens ao paciente com câncer da laringe.

E um grupo de conhecidos especialistas, considerando os malefícios, causados por uma propaganda feita através de imprensa leiga, não fundamentada em dados científicos, ergueu-se contra aquêles radioterapeutas que procuravam afastar, com argumentos falhos e errôneos, os pacientes da cirurgia.

Não queremos defender êstes últimos, mas a nossa experiência pessoal já. nos aponta que os resultados da radioterapia, nas lesões nÃo infiltrativas, são muito bons, melhorando cada vez mais.

Admitamos que os resultados cirúrgicos sejam "quase perfeitos", mas, mesmo assim, havemos de concordar que, cirùrgicamente não podemos ir além.

Devemos reconhecer que os casos iniciais, que poderiam ser tratados com operações conservadoras, permaneceriam sempre com um "deficit" funcional, e aquêles cuja solução cirúrgica só pudesse ser conseguida com ablação total do órgão, passariam para a legião dos mutilados.

É por estas razões que devemos, na medida de tôdas as nossas possibilidades, procurar uma outra solução.

E nós encerraremos a nossa palestra, focalizando a situação difícil do especialista, que está acompanhando o progresso dos métodos conservadores, e procura traçar para o seu cliente a melhor orientação terapêutica.

Poderá êle deixar de considerar os dois métodos de tratamento?

O laringologista tem agora uma grande responsabilidade ao avaliar tôdas as circunstâncias que cercam cada caso em particular, para decidir qual o método que indicará. Éle só poderá contar com o concurso dos seus colegas, que estiverem bem ao par dos dois, métodos, e não estiverem separados por orientação de escolas diversas.




(*) - Palestra feita na Secção de O. R. L. da Associação Paulista. de Medicina, em 17 de Dezembro de 1945, com material de observação pessoal do Ambulatório de Endoscopia, pessoal da Santa Casa de Misericórdia, do Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho, do Ambulatório de Endoscopia do Hospital das Clínicas e no serviço de Clinica Particular.
(**) - Do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da são Paulo.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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