ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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1056 - Vol. 8 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1940
Seção: Várias Páginas: 129 a 140
VITAMINAS EM OTO-RINO-LARINGOLOGIA (*)
Autor(es):
J. E. DE REZENDE BARBOSA

Entre as questões recentes de terapeutica a vitaminologia ocupa, sem duvida, um dos lugares de maior destaque. E com a vitaminologia a questão alimentar deslocou-se de seu primitivo ambito caseiro a materia de alçada medica, interessando, tambem, não sómente aos que de perto lidam com os enfermos mas aos proprios poderes governamentais, tornando-se pois uma questão de higiene alimentar de interesse diréto do Estado, como é observado em muitos paizes.

Nos diferentes departamentos especializados da Medicina a questão das vitaminas constitue sempre interesse imediato. De uma maneira toda especial a oto-rino-laringologia não foge a essa regra. Ainda mais, com as pesquizas ultimamente realisadas, como adiante veremos, parece reservado a essa proficua arma terapeutica um papel de destaque na profilaxia e tratamento de um dos "handicaps" mais pesados que o homem contemporaneo poderá carregar, isto é, a surdez.

Na palestra de hoje pretendemos resumir, na medida do possivel, e de acordo com o que de mais recente existe sobre o assunto, as possibilidades terapeuticas pelas vitaminas em Oto-rino-laringologia. De saida e ao iniciarmos o estudo de cada vitamina, separadamente, algumas noções de ordem geral são necessarias, abordando então a questão de suas fontes naturais e propriedades principais.

E' hoje de conhecimento publico que os diferentes alimentos quando muito trabalhados, cozidos, fervidos, afogados, assados, principalmente quando purificados por meio de manobras de extração, repetidas, quimicas ou não, esses alimentos tornam-se insuficientes para garantir o balanço organico e retardam o desenvolvimento dos animais jovens, a-pesar-de, no conjunto, possuírem um valor energetico global suficiente e conterem proteinas, hidratos de carbono, gorduras e sais minerais. De tudo isso se concluiu que uma ração alimentar para ser verdadeiramente eficiente deve possuir, alem das substancias fundamentais (proteinas, hidratos de carbono, gorduras e sais minerais) em quantidades necessarias, certos principios ainda pouco conhecidos em sua estrutura quimica e que se encontram nos reinos vegetal e animal. A esses principios, imprescindiveis ao desenvolvimento dos organismos jovens, denominou-se de vitaminas (Funk), nutraminas (Abderhalden), eutoninas (Pugliese), sitacóides (Ramsden), factores alimentares acessorios (Rondoni), e por ultimo, modernamente, de hormonios exogenos.

Segundo Randoin e Simonet "vitaminas são principios que o organismo não póde elaborar por si mesmo e que em doses infinitesimais são indispensaveis ao desenvolvimento, manutenção e funcionamento normal do organismo e cuja falta determina disturbios e lesões caracteristicas".

Classificação das vitaminas - O desconhecimento da composição quimica da maioria das vitaminas torna impossivel adotar-se um criterio quimico para sua classificação, o que seria mais cientifico e racional. No entanto, de acordo com a Segunda Conferencia Internacional para estudo e classificação das vitaminas, reunida em Londres, 1934, adotou-se as primeiras letras do alfabeto para designar as diferentes vitaminas até então conhecidas. Em resumo, a classificação predominante hoje em dia é a seguinte:

Vitamina A - anti-xeroftalmica.

Complexo B
vitamina B1 - fator anti-neuritico (termolabil).
vitamina B2 - fator anti-pelagroso, anti-dermatitico (termoestavel).

Vitamina C - anti-escorbutica

Vitamina D - anti-raquítica.

Vitamina E - da fecundação.

Baseando-se no fato de que algumas vitaminas são soluveis nagua e outras em gorduras, adota-se, tambem, a seguinte classificação:

Vitaminas hidrosoluveis
Complexo B
Vitamina C

Vitaminas liposoluveis
Vitamina A
Vitamina D
Vitamina E

Funk propôs reunir sob o nome de vitasteróis ou vitasterinas os fatores liposoluveis que não contem azoto, reservando o termo de vitaminas propriamente ditas para os que contem azoto e que se decompõem pela acção dos acidos. Assim teremos:

Vitasteróis ou vistasterinas - A e E.
Vitaminas propriamente ditas - B, C e D.

Vitamina A

Sinonimia: fator de crescimento liposoluvel, fator anti-xeroftalmico, vitacaroteno, vitamina eutrofica.

Fontes: o organismo humano sendo incapaz de executar a sintese da vitamina A, supre-se em quantidade suficiente ás suas necessidades retirando-a de certos alimentos de origem animal, tal como o leite e seus derivados (manteiga, queijo e creme), a gema do ovo, o sangue e o figado. No entanto a riqueza desses alimentos animais em vitamina A é variavel. Os mamiferos, igualmente, são impotentes para executar a sintese da vitamina A. Eles recolhem no reino vegetal uma substancia vizinha, o caroteno B, que se encontra associado ao pigmento amarelo da cenoura e de certos frutos (abricô, laranja), do tomate e ligado, tambem, á clorofila das partes verdes das plantas (espinafre). E' a provitatamina A que eles transformam em vitamina A. O reino vegetal constitue, pois, a verdadeira fonte da vitamina A. O figado é o orgão encarregado de armazenar a provitamina e transforma-la em fator A de acordo com as necessidades do organismo. De tudo isso se deduz que nas estações frias, principalmente nos paizes situados acima do Equador, onde a alimentação vegetal, verde, aos mamiferos, é minima, existe, fisiologicamente, uma queda no teôr provitaminico A no homem e nos animais, donde a necessidade de se lançar mão, nessas ocasiões, dos alimentos animais que maior reserva vitaminica possuem, por exemplo, o oleo de figado dos peixes de grande porte (bacalháu, halibut, etc.).

Propriedades principais: a vitamina A excita o crescimento corporal, conserva a integridade anatomica do tecido epitelial, excita a hemopoiésis. A vitamina A é considerada por certos autores como uma substancia de crescimento dotada de propriedades anti-infecciosas. Entretanto a acção da vitamina A não se compara ao hormonio do crescimento da pré-hipofise, nem um substitue o outro. A sua acção anti-infecciosa é devida a que a mesma toma parte, como agente catalizador, em certas reacções vitais da celula, favorecendo, dessa maneira, indirétamente, o papel protetor dos epitélios de recobrimento da pele e mucosas. Por esse fato, mesmo, já se quiz ligar á vitamina A uma acção de proteção especial, como que especifica, aos tecidos de origem ectodermica. Entretanto o que está provado é a necessidade vital da vitamina A ás celulas de todos os tecidos, mas de uma maneira toda especial ás linhagens celulares que se gastam e se regeneram constante e ativamente, isto é, ás celulas dos epitelios de revestimento da pele e mucosas e ás celulas sexuais e eritrocitarias.

Sintomas da hipovitaminose A: resumidamente, a falta e mesmo a diminuição da vitamina A produz no corpo humano os seguintes sintomas:

1) diminuição de peso, com queda acentuada da curva ponderal;

2) alterações da pele caracterisadas por secura e perturbação dos foliculos pilosos;

3) alterações do aparelho da visão, com paralisação da secreção lacrimal, secando a conjuntiva (xeroftalmia), infecção da mesma (oftalmia), chegando-se á ulceração da córnea (queratomalacia);

4) cegueira noturna (hemeralopia), devido á perda de capacidade de regeneração da purpura retiniana;

5) corneificação dos epitelios: metaplasia dos epitelios de revestimento dos aparelhos respiratorios e genito-urinario, transformando-os em poliestratificado com a consequente secura de suas superficies;

6) alterações degenerativas do sistema nervoso central e periferico;

7) susceptibilidade maior ás infecções.

Não resta duvida, após enumeração dos sintomas principais da hipovitaminose A, que justamente no territorio oto-rino-laringologico ela será sentida de uma maneira especial, onde todo o epitelio de revestimento de seus inumeros labirintos anatomicos mais ao desabrigo dos agentes exteriores se encontram, presa facil, portanto, de uma infecção externa quando esta encontrar uma mucosa combalida em sua vitalidade, função diréta das reservas vitaminicas do paciente. Ainda mais, com os estudos recentissimos de Mellanby, pelo menos em animais de laboratorio, a deficiencia de vitamina A na ração alimentar produz, comprovado detalhadamente, a degeneração das fibras perifericos e ganglios perifericos dos nervos coclear, vestibular, bem como de outros pares craneanos.

Uma ração alimentar deficiente em vitamina A gera, em primeira plana, uma metaplasia do epitelio de revestimento das vias respiratorias superiores. Essa mudança de forma inicia-se -em grupos celulares colocados profundamente em relação á superfície da mucosa e que vão aos poucos se confluindo e atingem a superficie, substituindo a camada de celulas cilindricas ciliadas pelo epitelio poliestratificado escamoso passivel de queratinização.

Um regime pobre em vitamina A, capaz de manter a vida de um animal, entretanto insuficiente para assegurar a integridade epitelial, produz outro tipo de alteração da camada de revestimento das vias aereas superiores, principalmente ao nivel da mucosa traqueal, e que consiste na proliferação exagerada desse mesmo epitelio, fornecendo o aspéto de uma verdadeira polipóse da traquéa.

Já que entendemos o mecanismo de hipovitaminose A, em sua repercussão sobre as superficies de revestimento das vias aereas superiores, caracterisado por dois tipos anatomo-patologicos fundamentais de mutação e alteração celular, a metaplasia e a hiperplasia, passaremos a estudar, de um modo sintético, os variados sintomas ocasionados por esse deficit vitaminico A nos territorios de nossa especialidade.

Sintomas subjetivos: a) ausencia ou diminuição do olfato; b) alteração do gosto; c) sensação de sequidão e irritação do rino-faringe, faringe e laringe; d) dificuldade respiratoria; e) afonia devido á sequidão do laringe.

Sintomas objetivos: a) escamas e crostas no vestibulo nasal; b) os mesmos produtos no meato auditivo externo; c) ragadas ao nivel das comissuras labiais; d) aspéto dessecado da mucosa faringéa, em sua parede posterior ou em toda sua superficie, apresentando um aspéto envernizado; e) secreção no rino-faringe; f) secreção dessecada no espaço inter-aritenoidêo, com secreção amarelo-esverdeada na traquéa.

Propositadamente deixamos para tocar áparte no que diz respeito aos problemas da rinite atrófica fétida, sinusites e otites, essas ultimas particularmente na infancia, em suas intercorrelações com a vitaminologia, especialmente com a vitamina A.

Não resta duvida que esse capitulo implica na noção de hipovitaminose A e infecção. A queda do teor vitaminico na alimentação de animais de laboratorio produz diminuição da curva ponderal e maior susceptibilidade ás infecções. Esses mesmos animais e o proprio homem, sujeitos á avitaminose A, apresentam supuração dos seios da face e da caixa do timpano; no entanto, uma vez estabelecida a infecção pelo regimem forçado desprovido do fator A, a administração da vitamina A á dieta alimentar não cura essa mesma infecção.

Quanto á hipovitaminose A e a rinite atrófica ozenosa, com muito tato tem de ser considerada a questão. Muitos fatos são conclusivos a respeito da provavel etiologia avitaminotica A da ozena, outros carecem de provas. Todos aqueles sintomas objetivos e subjetivos que enumeramos anteriormente são os mesmos
da ozena, não resta duvida. No entanto, é de observação corrente, quando, presentes esses sintomas de hipovitaminose A na primeira infancia, os mesmos cedem quasi que expontaneamente com idade mais avançada, na puberdade, isto é, quando a alimentação torna-se mais rica e variada, exatamente o oposto ao que acontece na ozena. Ainda mais, na avitaminose A experimental, dos ratos, onde são observadas todas aquelas alterações anatomo-patologicas, tipicas das observadas em ozenosos, o máu cheiro caracteristico ainda não foi constatado. Estabelece-se, nos ratos, experimentalmente, pela dieta pobre em vitamina A, um sindrome caracteristico da rinite atrófica sem máu cheiro, identico ao encontrado nas crianças.

Rematando, deduz-se, da experimentação e observação clinica, que a vitamina A possue a propriedade fundamental de manter a integridade do epitelio das vias aereas superiores e ouvido médio. Esse fato deve ser levado sempre em primeira plana pelo especialista quando tratando com crianças, na primeira ou segunda infancia, pois uma simples diéta pobre em vitamina A levará a produzir ou manter uma supuração cronica dessas regiões. Uma vez estabelecida a infecção, a administração do fator A visa tão somente procurar fortalecer o epitelio e não a cura, que deverá ser tentada por outros meios, medicos ou cirurgicos, pois é sabido que a vitamina A é distituida de propriedades anti-infecciosas. Em resumo, sua acção terapeutica principal é como que profilática das infecções agudas e cronicas do epitelio de revestimento das vias aereas superiores.

Estudos recentissimos de Mellanby, executados em animais de laboratorio, sobre os possiveis efeitos de uma dieta rica em cereais e pobre em vitamina A e caroteno sobre as fibras aferentes, eferentes e celulas ganglionares dos nervos perifericos, esses estudos vieram demonstrar que nessas circunstancias obtem-se degeneração, de diferentes graus, dos ramos coclear e vestibular do oitavo par, mais o coclear que o vestibular, chegando, ás vezes, ao desaparecimento completo das fibras cocleares, aferentes e eferentes, bem como das celulas do ganglio espiral.

Concomitantemente, observou Mellanby, proliferação exagerada de ilhotas osseas no modiolus e na camada periostal da capsula labirintica perto do cerebro. Ainda mais, demonstrou, o autor ingles, que esses cães, sob regime deficiente em vitamina A, desenvolve-se uma labirintite serosa responsavel diréta pela degeneração do neuro-epitélio do orgão de Corti e da ampola dos canais semi-circulares.

Mellanby considera essa proliferação ossea exagerada dentro da capsula labirintica, a responsavel pelos processos degenerativos da fibra nervosa e celulas ganglionares, devido á um mecanismo de compressão, estrangulamento dos elementos nervosos in situ.

Esses mesmos animais, cães sob regime desprovido de vitamina A e caroteno, apresentam alterações da base do craneo e que são de natureza identica ás anteriormente descritas, hiperprodução ossea ao nivel dos orificios osseos por onde os pares craneanos ganham o exterior, principalmente á altura do canal optico, fenda esfenoidal, buracos grande redondo e oval por onde emergem o optico e os ramos do trigemeo, que, na avitaminose A, apresentam, tambem, essas mesmas alterações de tipo degenerativo identicas ás observadas no oitavo par craneano.

Vitamina B (Complexo vitaminico B)

O complexo B é o fator vitaminico que mais abunda na natureza, encontrando-se em quasi todos os cereais, sobretudo em sua cuticula, e no levedo de cerveja.

Primitivamente considerava-se a vitamina B, anti-neuritica, de acção eficaz sobre o beri-beri, como um unico fator; entretanto, com as experimentações modernas desdobrou-se a primitiva vitamina anti-beribérica em um complexo de fatores que já se agrupam pelo numero 6, sómente alguns deles, no entanto, de forma quimica bem determinada e acção mais ou menos precisa.

Complexo B

Vitamina B1: fator anti-neuritico (termo-labil).
Vitamina B2: fator anti-pelagroso, anti-dermatico, fator P.P. (termo-estavel)

Com as experimentações modernas conseguiu-se a estrutura quimica dessas vitaminas que compõem o complexo B, bem como o isolamento de outros fatores que entram na composição desse mesmo complexo, por exemplo, as vitaminas B3, B4, B5 e o fator Y de Györgyi.

Vitamina B1: thiamina, aneurina, torulina.
Vitamina B2: riboflavina.
Fator P.P.: acido nicotínico.

Esquematicamente a hipovitaminose B1 caracterisa-se por: a) lesões do sistema nervoso periferico de tipo degenerativo, tanto na serie sensitiva quanto na motora, e cujo prototipo é a polinevrite beribérica; b) parada do crescimento corporal, pois outra acção desse fator B1 é possuir uma influencia excitadora do crescimento do corpo; c) falta de apetite; d) atonia do tubo gastro-intestinal.

Principais sintomas da hipovitaminose B2: a principal acção desse fator consiste na conservação da integridade anatomica e funcional da pele, da mucosa do tubo digestivo e até do sistema nervoso central. A avitaminose B2 produz, no homem, a pelagra, caracterisada por perturbações gastro-intestinais com dôr, diarréa sanguinea, lingua seca, uma dermatite caracteristica e transtornos nervosos. Nos ratos essa avitaminose é caracterisada por uma dermatite do pescoço, ouvidos, inflamação da lingua e mucosa bucal. No cão caracterisa-se por inflamação, necrose e gangrena da mucosa bucal e da lingua, fébre alta, hálito fétido, diarréa sanguinea, enfermidade esta conhecida sob a denominação de "Black-tongue" ou tifo canino.

Passando á parte que interessa a nós especialistas, isto é, sobre a acção do complexo vitaminico B sobre os ouvidos, nariz e garganta, não podemos deixar de assinalar os resultados obtidos por Cody, experimentando em ratos sob ração alimentar deficiente em complexo B. A mucosa da região etmoidal posterior adquire o aspéto policistico devido á dilatação dos acinos das glandulas de Bowmann e hipertrofia dessas mesmas glandulas. O resto da mucosa nasal não apresenta alteração alguma.

Clinicamente isola-se um sindrome nasal caracteristico da hipovitaminose B, semelhante ás perturbações nasais alergicas, mas que apresenta de proprio os seguintes sintomas: o paciente queixa-se de secreção no rino-faringe, ligeira, mas frequente; expectoração mucosa a curtos intervalos; ausencia de cefaléas; raros espirros. Á rinoscopia não se observa secreção purulenta e o aspéto da mucosa é praticamente normal com excepção da cauda do corneto médio que apresenta um aspéto esbranquiçado, espessado, secreção mucosa disposta irregularmente. O diagnostico diferencial tem de ser feito com duas entidades: a alergia e a etmoidite hiperplastica. Quanto á primeira distingue-se por não haver eosinofilia na secreção nasal, ausencia de espirros paroxisticos, de secreção aquosa abundante, aumento uniforme dos cornetos e coloração pálida da mucosa. Na etmoidite hiperplastica a mucosa do corneto médio é hiperemica, endurecida e muitas vezes exuberante.

Finalmente, no que diz respeito ao complexo vitaminico B e a oto-rino-laringologia, não podemos deixar de considerar o rumo moderno que tomam as experimentações e que a clinica comprova em parte, sobre a acção desse fator alimentar sobre a surdez.

Os trabalhos de Peters e Thompson, datando de 1936, concluem que na hipovitaminose B produz um acumulo local de acido lático em diferentes regiões do sistema nervoso central. Tratar-se-ia de uma verdadeira acidose local e que explicaria o opistotonus observado em pombos sob dieta avitaminica B1. Mais recentemente Peters concluiu que a vitamina B1 toma parte, como catalisador, nas oxidações celulares, intervindo dirétamente no metabolismo dos hidratos de carbono, cujo resultado funesto de sua falta seria o acumulo local de acido lático proporcionando uma acidose local.

Ainda mais, McCarrison provou que o crescimento celular não se observa, in vitro, quando trabalhando com serum de galinha que viveu sob regimem hipovitaminotico B1. Ono, na hipovitaminose B 1 e C, demonstrou a degeneração do oitavo par craneano.

Baseado nesses estudos experimentais, que acabamos de enumerar, e em muitos outros, Grant Selfridge, de São Francisco, formulou sua teoria a respeito da possível influencia dos regimes alimentares, pobres em complexo vitaminico B, sobre as surdezes, especialmente sobre a surdez para os sons altos. Afirma Selfridge "que na maioria dos casos de degeneração do 8.° par, especialmente com perda da acuidade auditiva para os sons altos, a degeneração é devida ao acumulo de acido lático na bainha e substancia mielinica do nervo, e que o acido lático entrando em contáto com o fino complexo proteico-gorduroso da substancia mienica, acarreta, provavelmente, degeneração do nervo".

Passou Selfridge ao terreno experimental em ratos e á aplicação clinica no homem, e os resultados foram sempre animadores. Entre as experiencias basta citar aquela de um grupo de ratos, sob carencia alimentar do complexo B, e que não respondiam aos estímulos sonoros, especialmente aos apitos agudos. Quatorze observações, de pacientes portadores de surdez para os sons altos, rematam esse trabalho do especialista americano, e nas quais, com resultados mais ou menos identicos, ficou provada a acção eficaz do tratamento desse tipo de surdez pelo complexo vitaminico B.

No entanto, progresso traz progresso. Com técnicas mais apuradas, com as diferentes sinteses quimicas de substancias de acção biologica identica ao complexo B, isolaram-se ou identificaram-se, modernamente, os diferentes fatores ativos de que se compõe o complexo B: thiamina, riboflavina, acido nicotinico, etc.

Baseado nesses progressos, o mesmo Selfridge continuou, agora em 1939, suas experiencias utilizando-se não mais do complexo B em sua totalidade, mas de seus fatores ativos isoladamente, especialmente do acido nicotinico, nicotinamida e nicotinato de sódio. Esse A. apresenta uma serie de seis casos, de surdez para os sons altos, tratados por esses medicamentos e c resultados, todos eles comprovados pelos audiogramas. Ainda mais em certos casos, o tratamento iniciou-se com administração do fator B1, ou com a riboflavina (B2), sem melhoras evidentes, mas que se acentuaram após o uso de acido nicotinico.

Afirma Selfridge que existe certa duvida quanto á acção vaso-dilatadora do acido nicotinico, entretanto esse A. acumulou certos conhecimentos que o autorizam a admitir que esse possivel efeito dilatador, do acido nicotinico, não só influencia o 8.° par, mas parece tomar parte na remoção do calcio das adesões ao redor da platina do estribo nas surdezes progressivas cronicas e talvez tambem, em casos iniciais de fixação ossea em otosclerose verdadeira.

Vitamina C

A vitamina C, anti-escorbutica, de forma quimica determinada (acido ascorbico), foi isolada em 1928 por Szent-Györgyi, da laranja, limão, repolho e cortex supra-renal. E' conhecida, tambem, por acido cevitaminico dos autores norte-americanos.

Fontes naturais: frutos cítricos, repolho, tomate, etc. No organismo humano suas reservas são minimas: primeiro na cortex supra-renal, depois no cristalino, humores vitreo e aquoso, ovario e glandula pituitaria.

Principais sintomas da hipovitaminose C a propriedade principal da vitamina C consiste em sua acção conservadora sobre a resistencia normal do endotélio dos capilares sanguineos, regulando sua permeabilidade e o teôr da substancia intercelular. Daí o seu deficit acarretar hemorragias de toda especie na mucosa da boca e tracto gastro-intestinal, na pele e tecido sub-cutanao, nos musculos e nos tecidos sub-periostáis. Como a vitamina C age, tambem, sobre o equilibrio morfologico e físico-quimico do sangue, a hipovitaminose C caracterisa-se pelo aumento do tempo de coagulação, diminuição das plaquetas e eritrocitos. O sindrome escorbutico do adulto, observado com frequencia nos tempos idos, nas grandes travessias oceanicas entre os navegantes, é raro nos tempos modernos, entretanto o escorbuto infantil - doença de Barlow - surge nos tempos hodiernos naquelas crianças apresentando desvios alimentares nitidos, e cujos sintomas principais são as hemorragias gengivais, osteo-articulares e cutaneas, sintomas vertiginosos, fraqueza, inapetencia, palidez, queda da resistencia ás infecções, etc.

Passando ao estudo das possibilidades terapeuticas pela vitamina C em O.R.L., devemos assinalar, em primeira plana, o seu emprego como curativo das discrasias sanguineas acarretando alterações não só quanto á formula sanguinea mas quanto ao volume da massa sanguinea devido á diminuição da resistencia das paredes capilares, condicionando inumeros sindromes hemorragicos. Como preventivo e curativo das hemorragias.

Em todas molestias febrís, infecciosas ou não, devido á sua acção reguladora sobre o equilibrio físico-quimico do sangue. E' hoje fato aceito, que nas molestias febrís, o consumo vitaminico C encontra-se grandemente aumentado, necessitando-se uma administração de vitamina C em maior quantidade para que o equilibrio termico se restabeleça. Exemplo: na pneumonia.

Deve maior atenção do especialista a administração, em altas doses, de acido ascorbico na difteria, principalmente em sua forma maligna, pois é sabido da acção da toxina diftérica sobre a cortex-supra-renal, justamente a glandula que maiores reservas de vitamina C contem no organismo. A administração de produtos com adrenalina e acido ascorbico é o ideal.

Vitamina D

A vitamina D, anti-raquitica, soluvel nas gorduras, eter e alcool, insoluvel nagua, pertence á classe dos esteróis ou alcóes solidos. Entre esses temos: colestérol (nos tecidos animais), fitosteról (nos tecidos vegetais), ergosteról (provavelmente em ambos). A vitamina D foi isolada sob a forma cristalina e é conhecida sob o nome de calciferól.

Fontes naturais: a vitamina D é a menos difundida na natureza. Encontra-se associada á vitamina A no oleo de figado de halibut, bacalháu e outros peixes. O oleo de figado da halibut é uma das fontes mais ricas em vitamina D. Uma grama de oleo de figado de bacalháu contem 100 U.1. de vitamina D; uma grama de oleo de ligado de halibut contem 1200 U. 1. de vitamina D. Esses peixes de grande porte recebem suas vitaminas do corpo dos pequenos peixes que os mesmos devoram, e esses, por sua vez, a recolhem das pequenas plantas aquaticas que os alimentam. Outras fontes animais da vitamina D são a gema do ovo, manteiga, creme e o leite. No entanto o poder vitaminico D dessas substancias é função da maior exposição desses animais á luz solar, afim de sofrerem a acção sensibilisadora dos raios ultravioletas do espectro. Daí o leite e seus derivados, no verão, conterem maiores propriedades anti-raquiticas, e, no inverno, a necessidade de administrar, ás crianças, o oleo de figado de bacalhau, halibut, etc. Os vegetais constituem a fonte mais pobre em vitamina D. E aqui um fato a se ater, no momento atual, onde existe uma verdadeira pletora no mercado de oleos vegetais, pois esses oleos não possuem o fator anti-raquitico D, a não ser que sejam irradiados artificialmente.

Principais propriedades da vitamina D: a principal função da vitamina D é a de ser indispensavel á calcificação normal dos ossos, mantendo constante nos tecidos a taxa calcio-fosforo. A ausencia de vitamina D na alimentação das crianças produz o raquitismo, surgindo, tambem, as caries dentarias.

Em nosso terreno especialisado poderemos observar, como sintomas de uma hipovitaminose D, malformações de alguns ossos do craneo e face, tais como arcas de depressão nos ossos parietais (craneo-tabes) e o desenvolvimento de bossas temporais.

Apesar do mecanismo de acção da vitamina D ser ainda um pouco obscuro, sabe-se que a hipovitaminose D produz uma queda do teôr fosforo no sangue, pois o intestino não absorve nem o fosforo nem o calcio. Associado ao raquitismo surge, ás vezes, a tetania.

Já que conhecemos o verso da medalha, no reverso vamos observar que o uso exagerado, em grandes doses, do fator D torna-se nocivo, verificando-se, ás vezes, nessas condições, a aposição exagerada do radical calcio em orgãos vitais da economia humana (rins, vasos arteriais, coração, etc.), perturbando suas funções.

De real valor, para nós oto-rino-laringologistas, são as experiencias de Cody, nos ratos, sobre os ,possiveis efeitos, nos territorios de nossa especialidade, de um regime pobre em vitamina D. Os resultados foram os seguintes: não foi observada secreção nasal alguma, nem alteração da audição. A propria mucosa nasal não demonstrou metaplasia ou hiperplasia tissular. A mucosa do faringe, laringe e traquéa não demonstrou alterações. Os cornetos e o septo não adquiriram alteração raquitica. Não foram verificadas alterações osseas ou cartilaginosas, de tipo ostosclerótico, nos, ossos temporais, bem como a cartilagem elastica da articulação estapedio-vestibular demonstrou-se integra. Concluiu Cody que uma dieta deficiente em vitamina D, em ratos, não produz alteração nas mucosas nasal, auditiva e traqueal, não se conseguindo demonstrar, tambem, nesses ratos, lesões no labirinto osseo que se assemelhassem á otoscleróse humana.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

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(*) - Palestra realizada, em 23-3-40, nas Reuniões bi-mensaes da Clinica de O.R.L. da Sta. Casa de Misericordia de S. Paulo (Serviço do Dr. Mario Ottoni de Rezende).
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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