Versão Inglês

Ano:  1971  Vol. 37   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: -

Páginas: 16 a 22

 

Sonomanometria Tubária*

Autor(es): Zenshi Heshiki**,
René Casaux***

Nossa experiência com nôvo método semiológico para a trompa de Eustáquio em pacientes portadores de afecções do orelha média

Introdução

A função auditiva no homem resulta do equilíbrio de quatro fatores considerados fundamentais: a membrana timpânica, o sistema da cadeia ossicular, o sistema auditivo interno e a trompa de Eustáquio. Portmann e col. Se um déstes fatores sofrer uma agressão e provocar o seu mau funcionamento, a função auditiva entra em desequilíbrio com perda maior ou menor da capacidade de audição. Portanto a trompa representa no estado atual do desenvolvimento da microcirurgia otológica um fator da mais alta importância, seja pela sua função equipressiva, seja pela função de clearance da cavidade timpânica.

A função essencial da trompa de Eustáquio é a de restabelecer o equilíbrio de pressão entre as duas faces da membrana timpânica. É a função denominada equipressiva e para o seu estudo diferentes métodos foram idealizados. Êstes métodos podem ser didàticamente classificados em qualitativos e quantitativos.

Entre os métodos quantitativos temos os clássicos métodos instrumentais diretos, o estudo da permeabilidade aos líquidos e substâncias de contraste, Reynaud, Ashan, Despons e col. cit Jeannin, e o emprêgo de substâncias fluorescentes, Rogerns-Kirchner e Proud cit. Jeannin, e os trabalhos de Compère nos Est. Unidos. O rádio, cinema, foi utilizado por Ashley em 1958. A permeabilidade do ar foi empregado também pelos autôres, como Zöllner pela observação direta da membrana timpânica com o auxílio de microscópio. Embora clássico, ainda é muito empregado a sensação que o paciente percebe na orelha fazendo-se a hiperpressão no faringe. Politzer em 18-69 cit. Jeannin, já empregava o estetoscópio para captar o som ao nível da orelha externa. Outros processos foram descritos pelos autôres e conhecidos como manobra de Valsalva, de Toynbee, de Frenzel.

Quanto aos métodos quantitativos, podemos subdividi-los em:

métodos indiretos:
1 - audiograma
2 - medida da resistência tubária
3 - medida da impedãneia auricular

métodos diretos:
1 - registro do som captado ao nível da orelha externa
2 - medida de variações de pressão ao nível da orelha externa
3 - método sonomanométrico.

Audiograma: Segundo Portmann e Portmann a obstrução tubária pura pode determinar uma curva audiométrica característica. A presença de exsudatos resulta em queda aérea maior nos sons agudos, enquanto que na obstrução tubária pura a queda maior é nos sons graves. Temos os trabalhos de Gellé, Arnold e Schindler cit. Jeannin.

Medida da resistência tubária: Van Dishoeck, baseado no princípio de que a audição é máxima quando as duas (faces da membrana timpãnica estão sob a mesma pressão, descreve um sistema que permite estabelecer a pressão intratimpânica e assim medir a resistência da tuba. É conhecido como pneumofone de Van Dishoeck. O seu emprêgo entretanto só é válido para pacientes portadores de membrana timpânica íntegra, isto é sem perfuração.

Medida da impedância auricular: a impedância auricular é definida como a resistência da membrana timpânica à onda sonora que vem através da trompa de Eustáquio. Temos os trabalhos de Metz, Thonsen e Therkidsen cit. Jeannin. Segundo Thonsen é possível determinar a pressão endotimpânica pela medida da impedância. Entretanto êste método também se limita aos portadores de membrana timpânica íntegra.

Registro do som ao nível da orelha externa (sonometria): Perlmann em 19151 apresentou um método de registro microfônico para testemunhar a passagem do som através da tuba emitindo-o pela narina e captando-o ao nível da orelha externa. Em 1964, Elpern, Nauton e Perlmann descrevem um sistema de registro sonométrico e apresentam o gráfico obtido por êles.

Registro da pressão obtida ao nível da orelha externa (manometria): Temos os estudos de Politzer, Tumarkin, Olsterdorf, Kottmeyer cit. Jeannin. Entretanto Ingelstedt e Örtegren em 1963 descreveram finalmente um sistema com válvula eletromagnética associada a pneumanômetro. Nos Estados Unidos Miller em 1965, descreve um sistema semelhante ao dos dinamarqueses.

Método sonomanométrico: Em 1966, Guilherm, Riu e col., baseado nos dois sistemas acima descritos, apresentam um nôvo método de exame para a trompa de Eustáquio. Êste nôvo método tem a vantagem de se determinar a resistência tubária em pacientes portadores de membranas timpânicas íntegras e perfuradas e de objetivar a sua abertura com gráfico característico. estes autôres descrevem os detalhes do método e apresentam os seus resultados, classificando as tubas em quatro grupos:

trompas permeáveis - abertura P = 0
trompas com permeabilidade média - abertura P = 0 a 15
trompas dispensáveis - abertura P = 15 a 30
trompas estenosadas - abertura acima 30

Concluem que o método por êles descrito é de fácil manejo e que não exige tempo maior de uma simples audiometria, aconselhando a todos os centros otológicos importantes a estarem equipados nos próximos anos com meios de investigação tubária modernos do gênero sonomanométrico. Salientam que possui a grande vantagem de se poder utilizar em pacientes com membrana timpânica íntegras ou perfuradas, o que não acontece com os outros métodos descritos.

Material e Métodos

Utilizamos o aparelho sonomanométrico fabricado pela Etbs. Jean Mèrentie et Cie. S. A. - Marseille - França, segundo Guollerm, Riu e col. cuja descrição detalhada pode ser encontrada nos Annales d'ORL 83-7/8-523/542-1966. Os testes foram efeitos em 93 pacientes atendidos no Serviço de ORL do Prof. Michel Portmann, nos meses de fevereiro a julho de 1970. Foram sistematizados na seguinte seqüência:

teste sonométrico com manobra de deglutição simples
teste sonomanométrico com manobra de hiperpressão de Valsalva
teste sonomanométrico com hiperpressão de 10-15-20-25 e 30 milibares.

A maioria dos pacientes submetidos aos testes são portadores de afecções ao nível da orelha média e a sua terapêutica está ligada diretamente à permeabilidade da tuba.

Resultados

A seguir apresentamos um gráfico típico que se obtém com o aparelho. O traçado superior corresponde ao registro da pressão ao nível da orelha média.

O traçado médio é o registro da pressão ao nível do rinofaringe e o inferior representa o registro do som. A passagem do som determina uma imagem típica neste traçado, e que pode ser relacionado com a pressão ao nível do rinofaringe e a pressão de abertura da trompa modificando o traçado superior.



FIG. 1



Baseado no estudo dos resultados de exames realizados em 93 pacientes e portanto 186 orelhas temos a tab. 1.
Exame sonomanométrico de 186 orelhas (93 pacientes)



Tabela 1



Tabela 2



Resultados de exame com testes completos realizados em 131 orelhas, de acôrdo com a classificação proposta por Guillerm, Riu e col.



Tabela 3



Resultados de exame em que a seqüência proposta não foi possível de se completai



Tabela 4


Resultados do exame sonomanométrico com testes completos em 131 orelhas, classificando-os de acordo com a permeabilidade proposta por Guillerm, Riu e col. e o aspecto da membrana timpânica. M.T.V. =- membrana timpânica perfurada e M.T.I. membrana timpânica íntegra.

Análise dos resultados

Verifica-se pela tabela 1 que a grande maioria dos pacientes permitiu o exame sonomanométrico. A idade mínima dêsses pacientes foi a de uma criança com 6 anos. Entretanto uma pequena porcentagem (4.29%) foi impossível aplicar-se o teste, seja por falta de colaboração do paciente pela impossibilidade de se colocar o dispositivo auricular na presença de estenose do conduto ou em casos de mastoidectomia total, seja ainda por dificuldade de se adaptar o dispositivo nasal principalmente nas crianças e pacientes com fossa nasal pequena.

A duração média de abertura da trompa de Eustáquio pode ser determinada pele traçado que se obtém para o registro do "som" (traçado inferior), conhecendo-se a velocidade do aparelho. Para 67 casos permeáveis tivemos:



Tabela 5



Determinação da duração média de abertura da trompa de Eustáquio com manobra de deglutição em trompas permeáveis de 67 orelhas. t = tempo em segundos, f = freqüência, M.T.I. = membrana timpânica integra, M.T.P = membrana timpãnica perfurada, nf = total de casos considerados. A duração média de abertura pode ser determinada
nada pela seguinte equação D = nft/ nf


Temos portanto:
Dt = 24.10/ 67 = 0.36 segundos
Di = 13.80/ 41 = 0.33 segundos
Dp = 10.30/ 26 = 0.39 segundos

A análise de 167 orelhas examinadas e submetidas aos testes, pode-se verificar pelas tabelas 1 e 2, que os resultados são animadores, pois tivemos 40.12% de trompas permeáveis, em pacientes portadores de afecções da orelha média. fiste dado nos permite fazer uma triagem imediata de pacientes operáveis e com bom prognóstico funcional. Tivemos também 10.18% de trompas estenosadas. Isto nos permite contra-indicar a cirurgia pelo mau funcionamento da trompa. Na realidade entretanto esta porcentagem é maior pois temos 21.56% de pacientes com testes incompletos e que provàvelmente vão se somar aos casos com estenose ao se completar todos os testes.
A tabela 4 nos permite analisar os resultados de testes nos pacientes com membrana timpânica perfurada e íntegras em relação à classificação proposta por Guillerm e col. Pode-se dizer que os resultados são equivalentes e portanto válidos para êstes dois grupos de pacientes.

Existe naturalmente alguma variação percentual que será submetida à análise estatística a fim de fornecer dados mais precisos. Verificamos que no grupo das perfuradas é maior do que nas integras quando a tuba é permeável (29.77% e 21.30% respectivamente), e inversamente para as tubas estenosadas a porcentagem maior é para as membranas íntegras. Temos 3.81% e 9.16%. É necessário um estudo estatístico para verificar a validade das diferenças e posteriormente com a comparação dos pacientes submetidos à cirurgia poderemos tirar conclusões precisas. Será objeto de outros trabalhos.

Comentários gerais

Exploração sônica: o exame de 167 orelhas, obtivemos 67 tubas permeáveis sòmente à exploração sônica com manobra de deglutição, o que corresponde 40.12.%. De acôrdo com a tabela 4 temos 51.13% de pacientes com perfuração da membrana timpânica e 47.78% com membrana íntegra. A duração média de abertura da trompa de Eustáquio foi determinada de acôrdo com os dados da tabela 5 e que corresponde aos dados fornecidos pela imagem típica registrada conforme a fig. 1. Guillerm e col. obtiveram o valor médio de 0,41 seg. Os nossos resultados são de 0.36 seg. para 67 orelhas testadas e permeáveis ao som, com a manobra de deglutição. Verifica-se que o grupo de M.T.P. esta média é maior (0.39 seg.) em comparação com o grupo M.T.I. (0.33 seg.). Nos trabalhos consultados não encontramos nenhuma preferência quanto a esta diferença. Se estatisticamente a diferença fôr significativa, não há dúvida que ela está relacionada à patologia da orelha média.

Exploração manométrica e sonomanométrica apresentamos abaixo a tabela 6 que nos permite comparar os resultados obtidos por Zöllner pela manometria em 2.000 candidatos a pilotos (orelhas provàvelmente normais), por Guillerm e col. pela sonomanometria em 308 orelhas incluindo 45 orelhas com perfuração da membrana timpânica, e finalmente os nossos resultados com sonomanometria em 131 orelhas sendo 67 M.T. perfuradas e 64 M.T. íntegras, conforme a tabela 4.



Tabela 6



Dados colhidos na bibliografia consultada e os resultados dos autores do presente trabalho.

Verificamos na análise da tabela 6 que os resultados obtidos pelos autores são concordantes. Chamamos a atenção entretanto que os pacientes examinados por Zöllner são clinicamente normais e as de Guillerm com a técnica sonomanométrica inclue 45 casos com perfuração da membrana timpânica. Os nossos pacientes, embora em número reduzido, subdividimo-los em 2 subgrupos para melhor analisar os resultados. Entretanto o número de casos estenosados não corresponde à realidade, pais os 36 casos com testes incompletos (21.66%) do total das orelhas testadas, não foram incluídos. A porcentagem dos estenosados é provàvelmente maior, o que faz discordar dos resultados de Zöllner e Guillerm e col. Esta diferença provàvelmente está ligada ao grupo das orelhas patológicas que é o grupo por nós examinado.

Conclusões

1 - O exame sonomanométrico pode ser realizado em grande número de pacientes. A idade menor foi de 6 anos e não foi possível fazer sòmente em pequeno número de pacientes (4.29%).
2 - Em pacientes portadores de afecção na orelha média é possível, sòmente com a manobra de deglutição, detectar cêrca de 40% de trompas permeáveis ao som, o que permite selecionar de imediato os casos com bom prognóstico em igual percentagem.
3 - O exame sonomanométrico pode ser praticado em pacientes com membrana timpânica íntegras ou perfuradas e os resultados são pràticamente iguais. Um estudo estatístico mais detalhado nos fornecerá dados concretos.
4 - A duração média de abertura da trompa de Eustáquio em 67 pacientes permeáveis à manobra de deglutição foi de 0.36 seg. Esta média é maior que as obtidas por Guillerm e col. e a diferença foi devida ao grupo das membranas perfuradas que apresenta 0.39 segundos.

Conclusion

1 - L'examen sonomanométrique n'a pas été possible pour 4% des malades examinés agés de plus de 6 ans.
2 - Pour les oreilles pathologiques nous avons détecté 40% de trompes perméables au son seul avec la manoeuvre de déglutition. Ceci nous permet d'affirmer la possibilité d'un traitment fonctionnel de bon pronostic en considérant seulement le facteur tubaire, pour ces 40% de cas.
3 - On peut pratiquer un examen sonomanométrique avec cette méthode aussi bien sur des oreilles à tympans normaux que sur des oreilles présentant des perforations tympaniques. Les résultats diffèrent légèrement por ces deux catégories mais ceci n'est pas encore explique.
4 - La durée moyenne d'ouverture de la trompe lors de la deglutition, est de 0.36 seeondes, pour 67 oreilles perméables. Ce resultat est plus élevé que celui donné par Guillerm et col. Nous pensons que cette augmentation est due aux chiffres trouvés pour des oreilles à tympan perforé 0;.39 secunds.

Bibliografia

1. Elpern, B., Nauton, R. F., Perlmann, H. B. - Objective measurement of midle ear function. The Eustachian Tube. The Laryngoscope, LXXIV (1), 359/371, 1964.
2. Guillerm, R., Riu, R., Badre, R., Leden, R., Louel, O. L. - Une nouvelle technique d'exploration fonctionnelle de la trompe d'Eustache. La sonomanometrie tubaire. Annales Otolaryng. (Paris), 83 (7/8) - 523-542, 1.966:
3. Ingelstedt, S., Ortegren, U. - Qualitative testing of the Eustachian tube function. Acts Otolaryng: suppl. 182 - 7/23 - 1968.
4. Jeannin, C. - La trompe d'Eustache - Orientation Physiologique Actuelle - Moyen d'Investigation. Thèse. Faculté de Mediciné - Université de Nancy. Oudart et Clement - Relieurs, 11, rue Saints Anne Nancy. France.
5. Müller, G. F. - Eustachian tubal function, on normal and pathological ears. Arch. of Otolaryng. 81 (1) - 41/48 - 1965.
6. Portmann, G., Partmann, M. et Claverie, G. - La Chirurgie de la Surdité: son état actuel, son avenir. Rapport a la Societé Française d'ORL. et de Pathologie Cervicofaciale. Librairie Arnette - 2, rue Casimir - Delavigne - Paris - 1960.
7. Portmann, M., et Portmann, Cl. - Prbcis d'Audiometrie Clinique. Sémè edition, revue et corrigée. Masson et Cie. Editeura. Paris 1965.
8. Riu, R., Flottes, L., Bouche, J., Leden, R., Guillerm, R., Badre, R. et Mouel, O. L. La physiologic de la trompe d'Eustache. Applications cliniques et therapeutiques. Rapport a la.Societé Frangaise d'ORL et de Pathologic Cervicofaciale. Libraire Arnotte 2, rue Casimir - Delavigne - Paris - 1966.




* Trabalho realizado no Serviço de Clínica ORL da Faculdade de Medicina de Bordeaux. Diretor do Serviço: Prof. Michel Portmann. Apresentado no Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia em setembro de 1970 no Rio de Janeiro/GB. O presente trabalho foi realizado graças a uma bôlsa de estudos concedida a um dos autores pela Fondation Portmann. O bolsista agradece sinceramente a todos os membros da referida Fundação e particularmente ao Dr. Alexandre Médicis da Silveira, delegado para o Brasil na mesma organização.

** Bolsista da Fondation Portmann. Médico-assistente do Hospital das Clínicas da F. M. U. S. P. médico do Hospital dos Serv. Públicos do Estado de São Paulo, Est. de São Paulo, Brasil. Bolsista do Gouverment Français pela Cooperation Technique. C.I.S.

*** Médico-assistente do Serviço de Clínica ORL da Faculdade de Médicina e Farmácia de Bordeaux, França.

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