Nossa e experiência no Cranuloma de colesterol da orelha média
Autor(es):
Rudolf Lang 1,
Niconor Létti 2,
Moacyr Soffer 3,
Voldomiro J. Zanette 4,
Ana Maria H. do Silva 4,
Nero A. Maffessoni 4
Beld João Araulo 4
Introdução
Em otologia comumente temos expressões como otite catarral, otite média supurativa, otite média secretória, otite média serosa de Zavfal, otite média simples de Marx, catarro seroso tubotimpânico, otosalpingite, hidrotímpano, granuloma de colesterol, hemotímpano idiopático mastoidite crônica serosa e membrana timpânica azul. Face a isto ficamos um tanto confusos com relação a definição do quadro clínico e etiopatogênico destas infecções". Nosso propósito é o de apresentar nossa experiência em casos de granuloma de colesterol comprovados histològicamente e através de uma revisão bibliográfica procurar conceituar esta enorme variação terminológica que a nosso ver se engloba numa única entidade em terrenos diversos e sob estágios variados.
Material e Método
Estudamos 41 casos de granuloma de colesterol separados de 1476 intervenções timpanoplásticas dos mais variados tipos incluindo cirurgias de segundo; tempo e revisões praticadas em nosso serviço nos últimos 8anos. Realizamos deste total 379 exames anátomo-patológicos e encontramos a presença do granuloma por ésteres de colesterol em 41 casos com uma incidência
QUADRO 1
QUADRO 2
QUADRO 3
Houve nítida predominância no sexo masculino (Quadro 1) na proporção de aproximadamente 2 para 1. Em relação a idade verificamos uma predominância no grupo etário dos 10 aos 40 anos (Quadro 2). A membrana timpânica estava íntegra em 10 casos; em 17 encontramos perfuração do tipo marginal e em 6 do tipo central. A perfuração epitimpânica ocorreu em 8 casos (Quadro 3). Quanto a duração dos sintomas verificamos que houve redução gradual dos mesmos dos 0 aos 40 anos (Quadro 4).
QUADRO 4
A ocorrência de granuloma de colesterol nas diversas cavidades da fenda auditiva é muito freqüente nos mais variados tipos de otites crônicas. (Quadro 5). A associação mais freqüente é com o colesteatoma primário ou secundário. Esta alta incidência na associação com o colesteatoma já foi observada por Schröer9 que em 8 casos de granuloma de colesterol 5 eram associados com colesteatoma. Na grande maioria de nossas observações, o granuloma de colesterol apresentou-se como uma lesão isolada do colesteatoma, isto é, havendo tecido normal entre as duas patologias na fenda auditiva.
QUADRO 5
Com relação a queda auditiva, na grande maioria dos pacientes encontramos uma típica hipoacusia de condução (Quadro 6).AUDIOMETRIA PRÉ-OPERATÓRIA
QUADRO 6
A ocorrência de hipoacusia neurosensorial no entanto não é um fato raro no granuloma de colesterol. Em 3 casos observamos uma baixa acentuada da via óssea com perda acima de 40 dB. Sheehy 4 encontrou cofose em 2 casos e Hybäsek 10 encontrou hipoacusia mista em um e surdez noutro.
Houve necessidade de abordar a mastóide em 34 dos 41 casos de granuloma de colesterol. Neste total estão incluídos os 14 casos de colesteatoma e os outros 10 casos de membrana timpânica íntegra. Caso interessante foi o que ocorreu em uma das timpanoplastias. A paciente apresentava perfuração marginal da M.T., cadeia ossicúlar intacta e mucosa da caixa normal. Três meses após a cirurgia com excelente aderência do enxerto verificamos a formação de otite crônica não supurativa característica com retração timpânica e retenção de secreção na orelha média. Pela abertura da mastóide encontramos massas de granuloma de colesterol no ático e antro. Isto nos faz pensar em condições: pré-existentes para êste tipo de patologia. Provàvelmente
QUADRO 7
o granuloma de colesterol não se instalou até a data da primeira cirurgia devido a ventilação da caixa através de perfuração pré-existente.
Outro caso interessante é o de um paciente do sexo masculino que na data da consulta se apresentou com otite crônica não supurativa com vários anos de evolução. Duas semanas após verificamos um quadro típico de hemotímpano difuso. (3-paciente é diabético e portador de alergia nasosinusal acentuada. Sheehy 4 faz diferença entre o hemotímpano idiopático, no qual pela miringotomia sai um líquido marron achocolatado, às vêzes com cristais de colesterol, e o da membrana timpânica azul que ocorre numa fase- da otite média serosa. A nosso ver trata-se de um mesmo quadro clínico em fase distinta. Na membrana timpânica azul da otite média serosa também ocorre hemorragia dando o aspecto azulado. A cronificação dêste processo com organização nos dará o granuloma de colesterol.
Resultados
Dos 41, casos de granuloma de colesterol operados, obtivemos a recidiva do quadro clínico em 6 pacientes, sendo que em 5 colesterol a M.T. estava íntegra ou neoformada. Como foram era número de 10 os pacientes que tinham a M.T. íntegra ou neoformada, concluimos que em 50% dos casos desta natureza houve recidiva de processo. O outro caso tratava-se de um colesteatoma secundário (Fig. 1 e Fig. 2).
Fig. 1
Fig. 2
Em 3 casos praticamos estapedectomia em segundo tempo de cirurgia, sendo que em 2 a M.T. estava íntegra na primeira cirurgia quando foi encontrado o granuloma de colesterol e no terceiro caso havia perfuração central da M.T.
QUADRO 8
Quando ao estado funcional de tuba auditiva, encontramos boa permeabilidade em 30 casos, hipofunção tubária em 6, obstrução total em 2 e praticamos sondagem na cirurgia em 3 casos. O interessante é verificar que nos 10 casos de M.T. íntegra ou neoformada encontramos apenas 2 com boa permeabilidade, hipofunção em 5, sondagem na cirurgia em 2 e obstrução total em 1. Naturalmente nossa avaliação do funcionamento tubário é meramente subjetivo dando margem a falsas interpretações. No entanto verificamos também aqui, como na recidiva do quadro clínico, uma nítida predominância nos pacientes que apresentam M. T. íntegra (Quadro 8). A análise comparativa dêste quadro nos permite verificar com detalhe os resultados e seus principais tópicos.
Discussão
A causa fundamental na etiologia do granuloma de colesterol a nosso ver está na má ventilação da fenda auditiva por obstrução ou hipofunção tubária, transitória ou permanente. Devem existir, entretanto, outros fatôres que determinam hemorragia e subsequente formação de granuloma de colesterol, tais como viroses e fatôres constitucionais. A afirmação de que o líquido seroso é um exsudato por Seifert l e não um transudato como pensavam Politzer, Zavfal e Bezold veio demonstrar de que não são sòmente fatôres mecânicos de ventilação da fenda que estão em jôgo. Aliás, Seifert l conclui de que a infecção timpanal e tubária exercem um papel mais importante do que a tuba, cujo papel é de importância secundária, fato êste que está em desacôrdo com os achados clínicos.
Vários fatos nos levam a destacar o papel da tuba. Johnstonz cita um caso no qual surgiu otite média aguda após adenoidectomia e no qual acabou desenvolvendo-se granuloma de colesterol. E um exemplo típico de etiologia tubária traumática, apesar de não terem dados anteriores sôbre o estado da fenda. No entanto o fato da mastoidectomia simples não ter resolvido o caso, nos faz pensar em obstrução ou hipofunção tubária permanente.
Tivemos o caso de uma paciente com adenocarcinoma cilindromatoso de fossa nasal que invadia a rinofaringite e região tubária, e apresentava hemotímpano daquele lado. Pela paracentese, saiu liquido mucóide de cor achocolatado, cheio de cristais de colesterol.
A experiência de Beaumont 3 obstruindo o foramen pneumático do úmero da galinha, demonstrando após 3 meses o aparecimento de granuloma de colesterol, nos parece bastante conclusiva, de que uma prolongada obstrução de ventilação dos espaços aéreos é um fator importante na patogênese do granuloma de colesterol.
QUADRO 9
Outro exemplo demonstrativo é o caso de Sheehy4, em que havia um glomus jugular obstruindo o orifício tubário, e no qual se desenvolveu um granuloma de colesterol na área da fóssula vestibular.
Também Streller5 relata 2 casos com problema tubário permanente: um após reoperação de adenoidectomía e outro por estenose tubária conseqüente a cateterismo forçado. Neste último formou-se otite adesiva irreversível. Concluiu que a tuba exerce papel fundamental na etiologia do hemotímpano idiopático. O autor encontrou depósitos de hemosiderina mas não se refere a cristais de colesterol.
Sheehy4 acha que a alergia não é um fator importante na etiologia da otite serosa crônica, uma vez que a maioria de seus casos foram unilaterais. No entanto suspeita de sua influência nas fases iniciais do processo, que ràpidamente se cronifica por atuação de outros fatôres, tais como o vírus do herpes simples. Aliás a teoria virótica, defendida por Mac Naughton6 nos parece com bastante fundamento. Teríamos a explicação para o surgimento de um exsudar,), e ao mesmo tempo da hipofunção tubária pelo edema de mucosa.
O mecanismo do aparecimento dos cristais de colesterol segundo Singer7 seria através dos macrófagos, que fagocitam as substâncias destruídas contendo gordura no tecido de granulação inflamatória. As substâncias gordurosas são liberadas das células e dos produtos sanguíneos e cristais de colesterol aparecem na cavidade. O colesterol funciona como corpo-estranho produzindo irritação com conseqüente exsudato inflamatório, que organizado daria a formação de um granuloma de colesterol (Quadro 9).
A ocorrência de granuloma por ésteres de colesterol, com depósito de hemosiderina, também ocorre em outras áreas do organismo, sempre quando existe hemorragia. O aspecto histopatológico é exatamente o mesmo daquele que encontramos na fenda auditiva. Na figura 3 vemos um corte histológico de uma área com granuloma por ésteres de colesterol de um paciente portador de hemangioendotelioma maligno do ombro.
FIG. 3
No ser humano a fenda auditiva pode estar bloqueada total ou parcialmente em sua extens No primeiro caso, há hipofunção ou obstrução tubária e no segundo caso, há bloqueio atical como ocorre no colesteatoma. Em nossa experiência encontramos casos de colesteatoma com massas de granuloma de colesterol intimamente aderidas a matriz ou ao tecido de granulação que a envolve No entanto, também constatamos massas de granuloma de colesterol completamente isoladas do colesteatoma. Ao abrirmos a mastóide encontramos granuloma de colesterol sôbre células mastóideas normais na região do antro e um colesteatoma atical isolado. Entre estas duas patologias havia mucosa normal.
Friedmann ll é de opinião de que em tais circunstâncias, o granuloma de colesterol provávelmente desenvolveu-se muito antes das estruturas epidermóides, o que contraria a opinião de Sheehy4 e outros, que acreditam no bloqueio atical e efeito de vácuo.
Sheehy4 chama atenção para a ocorrência de metaplasia mucosa da orelha média e de tôda fenda, que se reveste de epitélio secretor nos casos de hemotímpano.
A otite crônica não supurativa, o hemotímpano idiopático, o granuloma de colesterol e tôdas outras expressões usadas pelos diferentes autores, para definirem êste tipo especial de patologia que estamos analisando, devem ser encarados como uma entidade única em seus diversos estágios e manifestações clínicas. O denominador comum nestas entidades, é a má ventilação da fenda auditiva com efeito de vácuo. Num caso de otite crônica não supurativa poderemos ter poucas áreas de hemorragia e conseqüentemente não encontraremos o aspecto característico do hemotímpano idiopático. Teremos hipersecreção, com ou sem formação de granuloma de colesterol. Já em pacientes com hemotímpano idiopático, teremos a predominância dos fenômenos hemorrágicos, e nestes casos também poderemos encontrar ou não a organização na forma de granuloma de colesterol.
Na observação de 41 casos de granuloma de colesterol, por nós analisados, quer nos parecer que sua presença, tanto nos casos de otite crônica não supurativa, como nos casos de hemotímpano, nos obriga a procedimentos mais radicais com sondagem tubária e abertura da mastóide, para remoção da mucosa metaplásica e desobstrução do ático. Nos casos mais recentes, ou naquêles mais antigos, e nos quais por razões desconhecidas não houve um terreno adequado para a formação de granuloma de colesterol, os procedimentos mais simples, tais como miringotomia com inserção de drenos de ventilação temporária, nos parece a solução ideal. Sendo difícil determinar prèviamente quais os casos que vão requerer procedimentos radicais, iniciamos em: todos, segundo orientação de Sheehy4 com a inserção de drenos de ventilação, os quais criam condições de aeração timpânica prolongada, dando oportunidade à uma involução das alterações histológicas ocorridas nos espaços aéreos da fenda auditiva, incluindo a tuba. Evidentemente que, se persistirem as causas ou a causa da hipoventilação teremos um insucesso.
Estamos de pleno acôrdo com a opinião de Tumarkin8 de que a má aeração da fenda é o fator determinante no aparecimento da otite crônica não supurativa. O que permanece ainda totalmente desconhecido não é o mecanismo, mas sim os fatôres determinantes para que em certos casos, a evolução seja predominantemente hemorrágica ou granulomatosa, uma vez que nem todos os pacientes portadores de hipofunção tubária tem a mesma evolução.
Conclusões
1. É freqüente a ocorrência de granuloma por ésteres de colesterol nas diversas porções da fenda auditiva, bem como em outras regiões do organismo, onde há ocorrência de fenômenos hemorrágicos.
2. É maior a incidência de granuloma de colesterol associada a outras patologias, tais como o colesteatoma, do que o genuíno granuloma com membrana timpânica íntegra.
3. A otite crônica não supurativa ou exsudativa é uma entidade clínica cada vez mais freqüente, cuja etiopatogenia ainda não está totalmente esclarecida, e que engloba uma série de entidades em terrenos diversos e sob estágios variados.
4. O prognóstico quanto a cura do quadro clínico e recuperação da função auditiva deve ser reservado, principalmente nos casos de membrana timpânica íntegra.
5. Os procedimentos cirúrgicos mais simples, tais como inserção de drenos de ventilação, devem preceder aos procedimentos radicais.
Sumário
Os autôres fazem uma análise estatística e tecem considerações em tôrno de 41 casos de granuloma de colesterol encontrados em 379 exames anátomo patológicos de 1476 intervenções timpanoplásticas. Concluem que há uma nítida predominância no sexo masculino e no período dos 10 aos 40 anos. Analisam o tipo de perfuração timpânica, procedimentos cirúrgicos realizados e aspectos audiométricos.
Discutem o mecanismo etiopatogênico atribuindo à tuba, um papel importante na gênese do granuloma além de outras causas, como infecções vitais e fatôres constitucionais.
O granuloma de colesterol é analisado com base nos achados anátomo patológicos com as mais variadas patologias.
Encontraram um melhor prognóstico quando associado ao colesteatoma dando obstrução atical, do que aquêle que ocorre na presença de otite exsudativa, nos quais as causas predisponentes e determinantes não são bem esclarecidas.
Preconizam a ventilação prévia de fenda auditiva por drenos de demora e em casos de persistência de patologia, a mastoidectomia simples com cateterismo tubário e eliminação da mucosa ático antral.
Summary
The authors make statistic analysis and work out in details about 41 cases cholesterol's granuloma encountered in 379 histopathologic examinations of 1476 tympanoplastic interventions.
They find was there a clear predominante in the masculine sex and in a age period from 10 to 40 years: They make analysis abouc the kind of eardrum's perforation, surgical proceedings realized and audiometrics aspects.
They discuss over etiopathogenic mechanism atributing to Eustaquian's tube important factor on the genesis of granuloma beyond other reasons such as virous infections and constitutional factors. Cholesterol granuloma is analized on base of anatomopathologic findings.
With the mos varied pathologies they encountered the more good prognostic when it was assotiated with cholesteatoma giving atical obstruction, than that one wich occurs in presente of exsudative otitis in vhich predisponent and determinative causes are well clear. They preconize previous ventilation of the auditory cleft wich draintubes and is cases of persistente of pathology, simple mastoidectomy with tube catheterism and elimination of the atito antral mucoses.
Bibliografia
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1 Chefe do Serviço de ORL do Hosp. Ernesto Dornelles - P. A. - RS.
2 Médico otologista do Instituto de Otologia - P. Alegre.
3 Médico otologista do Instituto de Otologia - P. Alegre.
4 Médicos residentes do Instituto de Otologia - P. Alegre.