Versão Inglês

Ano:  1970  Vol. 36   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - (10º)

Seção: -

Páginas: 247 a 250

 

Persistência de Artéria Estapedial

Autor(es): Rudolf Lang 1,
Nicanor Letti 2,
Moacyr Saffer 3
Maria dos Dores R. Pereira 4
Ana Maria H. do Silva, 5
Belo João Araújo 5
Nero A. Maffessoni 5

Introdução

A persistência da artéria estapedial além de constituir uma grande dificuldade para a cirurgia da otoesclerose, é uma anomalia muito rara. House e Patterson i em 8000 estapedectomias encontraram 2 casos e afirmam que somente 17 casos foram descritos nos últimos 127 anos. dltmann2, a, 4 relata 12 casos que foram estudados histològicamente. Hough5, 5 encontrou esta anomalia vascular durante a cirurgia da mobilização estapedial. Saemen7 descreveu a persistência vascular bilateral em um caso e Baron s também a encontrou em um caso.

Neste trabalho apresentamos a persistência da artéria estapedial encontrada durante uma cirurgia de otomclerose o discutimos as implicações embriológicas e clínico-cirúrgicas.

Embriologia

No embrião de 4 semanas (7mm), segundo Hanson e Bast9, a região que futuramente será, a orelha média é ocupada por uma massa blastêmica indiferenciada, limitada internamonte pela vesícula ótica e carótida interna, externamente pelo facial e inferiormente pelo 1.º sulco faríngico (Fig. N.º 1). A artéria estapedial que é ramo da carótida interna atravessa esta massa blastemal dividindo-a, e um pouco mais adiante trifurcando-se em três ramos que correspondem exatamente as porções orbital, infraorbital e mandibular do trigêmio cujos trajetos acompanha.

A massa blastêmica situada de cada lado da artéria estapedial diferencia-se, e irá formar as crera do estribo, ficando o espaço entre as crera ocupado pela mesma (Fig. N.º 2).



FIG. N.º 1 - Corte histológico de embrião de 7 mm mostrando a masca blastêmica que dará origem as estruturas da orelha média. A artéria carótida interna aparece com o início da formação da artéria estapedial (ref. 9)



Entre 9 mm até 17 mm (7 semanas), desenvolvem-se orsículos o a artéria estapedial se reabsorve, deixando entre as crura o espaço que dará forma ao estribo.



FIG. N.º 2 - Corte histológico de embrião de 15,5 mm no qual vemos a artéria estapedial separando as porções indiferenciadas da massa blastêmica que dará origem as crura. (ref. 9)



O máximo desenvolvimento da artéria estspedial ocorre às 6 semanas, e normalmente desaparece ao 3.º mês. Deriva do 2.º arco aórtico estende-se para o interior do 1.º arco; atravessando a massa blastemal, que originará a orelha média; após atravessa o futuro estribo, trifurca-se emitindo os ramos arteriais correspondentes ao trigêurio: supraorbital, infraorbital e mandibular. O primeiro ramo abandona a artéria logo após a mesma atravessa o estribo, e os outros dois originam-se do tronco restante. Mais tarde um canal vascular se desenvolve entro a carótida externa e o tronco mandíbulo infraorbitário. Após esta anastomose estar funcionando, a artéria estapedial se atrofia desde sua origem até sua divisão. (Fig N.º 3 A, B, C, D).



FIG. N.º 3 - Sequência, do desenvolvimento da artéria estspedial até sua reabsorção. E (A) vemos o tronco da artéria carótida externa e interna e deite último se desprender a artéria estapedial que atravessa o blastema que originará o estribo, e após se trifurea acompanhando as nervosa trigeminais. Em (B) desenvolve-se um canal anastemótico entre os ramos da artéria estapodial e artéria carótida externa. Em (C) vemos a realisação deste canal mastomótico e em (1) o de parecimento da artéria estapedial. Isto ocorre em embrião do 7 mm a 17,5 mm ou 4 semanas ou 3 meses de idade.



A persistência na vida adulta é raríssima e se caracteriza, por unia artéria volumosa e atravessa o forame do estribo, dirige-se ao canal do facial, algumas vêzes penetrando mesmo e se anastomosando com, a estilo-mastóidea e meníngica-média ao longo das meninges.


Segunda Eggston e Wolff l0, no fim do 3.º mês o estribo adquire forma definitiva inclusive cota o ligamento anular já no l,cal, unindo os rebordos da janela vestibular à platina. O tamanho do estribo e a sua forma em duas crura, é dado pela existência da artéria estapedial, Nos roedores esta artéria está normalmente presente nos espécimes adultos.

Caso Clínico

L, S., 40 anos, bioquímico, branco, casado, P. Alegre, RS. Procurou a clínica no dia 29-4-70 com queixa de surdez progressiva no lado E. há 9 anos. Não relatou zumbidos e ouve muito bem no lado D. Alguns parentes sofrem de surdez mas não sabe precisar outros detalhes. Já sofreu sinusite e está, melhor. Já foi amigdalectomizado. Atualmente tem boa respiração nasal, não tem queixas para o lado da orofaringe, tosse e febre. Nunca apresentou secreção nos ouvidos. Não se queixa de tonturas. Ao exame apresenta pequeno desvio do septo para a E. sem obstrução nasal. Demais aspectos do oro e rinofaringe normais. Ouvidos com membranas timpânicas normais e com boa mobilidade ao Valsalva.- Rinne negativo OE e positivo OD, Weber lateralizado para o lado E. Audiograma apresenta grande disacusia, de condução, com excelente condução óssea e discriminação, mas com queda nas freqüência agudas (Fig. N.º 4). Foi feito o diagnóstico de otomelerose unilateral à E e



FIG. N.º 4 - Audiograma pré e pós operatório do paciente, no qual vemos o grande "gap" aéreo-ósseo e queda nas frequência agudas. Após a cirurgia vemos o fechamento do "gap".



FIG. N.º 5 - Desenho mostrando a visão cirúrgica da caixa timpânica com as crura, do estribo retiradas; e uma volumosa artéria passando sôbre a platina (art. estapedial). Foi retirada sòmento metade da platina. Vemos ainda a longa apófise da bigorna e a janela redonda.



proposto ao paciente a estapedectomia. Em 29 de Maio de 1970 submeteu-se a cirurgia por via endaural, com anestesia local e sedação induzida.

Após a abertura da caixa timpânica notamos uma grande artéria que vinha da parede anterior estendia-se para o promontório e atravessava o orifício entre as crura do estribo e dirigia-se em direção ao canal do Facial (Fig. N.O 5). A platina estava recoberta pela artéria. Foi realizada a crurotomia, afastada a artéria e feita a abertura da platina com remoção de metade posterior. Na interposição usou-se fio de tântalo e gelfoan. O pós operatório decorreu sem vertigem e zumbidos. Ao 7.0 dia retirou-se gelfoan do meato e a recuperação da audição era boa aos 15 dias fêz audiometria de contrôle (Fig. N.º 4).

Discussão

Nager e Nagerll e Housol acham bastante difícil identificar pequenos vasos da orelha média como sendo reminicentes da artéria estapedial. Entretanto o tipo de vaso, trajeto, tamanho e a comparação com casos duos demais autôres, nos permitem afirmar com certeza que a artéria que atravessava o espaço entre as crura do estribo em nosso paciente, era a artéria estapedial persistente.

A cirurgia sôbre a platina e à colocação da prótese são muito dificultadas por esta anomalia vascular. Housol comenta que alguns autôres sugeriram que a artéria estapedial pode ser causa de zumbidos, no caso tal não acontecia. Tanto no pré como no pós operatório o paciente não era portador de tais sintomas. Kelemen 7 acha que a erosão da cápsula coclear que encontrou no estudo histológico de um caso seria devida a presença deste vaso anômala.

A recuperação auditiva foi completa indicando que a presença da artéria estapedial persistente não alterou a mobilidade do fio de tântalo interposto e nem ocasionou zumbidos.

A natureza unilateral da otoesclerose poderia ser desencadeada pela presença da anomalia, achamos dificil isto ter acontecido no paciente, pois o mesmo tem história familiar de otoesclerose. Parece-nos que houve concomitância de otoesclerose unilateral e anomalia na vida adulta. Nada se notava de anormal na otoscopia que pudesse fazer pensar na presença de artéria estapedial anômala.

Resumo e Conclusão

Estudamos um caso de persistência da artéria estapedial encontrada, durante a cirurgia de otoesclerose. Descrevemos os aspectos embriológicos e discutimos os problemas clínico-cirúrgicos do caso.

Summary and Conclusions

A case of persistent stapedial artery encountred in the course of otoselerosis surgery are studied.

We describe the embriologic aspects and discuss the clinic-surgicals problems of the case.


Bibliografia

1. House, H. P., a Patterson, M. E., Persistent Stapedial Artery: Report of two cases. Tr. Am. Acad. 0phth. & Otol. Page 644 July-August: 644-646, X1964.
2. Altmann, F.: Anomalies of the internal carotid artery and its branches; their embryological and comparative anatomical significance. Report of a new case of persistent staipedial artery in man. Laryncoscope. 57: 31,3-339, 19.47.
3. Altmann, F.: The ear in severe malformations of the head. Arch. Otolaryng. 66: 7-25, 1957.
4. Altmann, F.: Malformaciones Auriculares, Trabado de Otorrinolaringologia J. Berendes, IR. Link, F. Zolner, Vol. III/1 711-736. Editorial Cientfífico-Médica - Barcelona,
5. Haugh, J. Y. D.: Malformations and anatomical variations seen in the middle ear during the operations for mobilization of the shapes. Laryngoscope. 68:1455, 1958.
6. Hough, J. Y. D.: Malformations and anatomical variations seen in the middle ear during operations on the stapes. Section on. Instruction: Home Study Courses, American Academy of 0phtalmology and Otorrinolaryngology, 1961.
7. Kelemen, G.: Arteria Stapedia in bilateral persistence - Arch. Otolaryng. 7 7 : 491-499, 1963.
8. Baron, S. H.: (Persistent stapedial artery, necrosis of the, incus and other problems which have influenced the choice oaf technique in stapes replacement surgery in otosc'eros.is. Laryngoscope, 73: 769-782, 1963.
9. Hanson, J. R., Anson, Barry J., a Bast, Theodore H.: The early embryology of the auditory ossicles in man. Quart. Bull North Western University Medical School, 33: 3'5$, 19.59.
10. Egpaton, Andrew d., a Wolff, Dorothy: Histophatology of the Ear, Nose and Throat pg. 51, Williams and Wilkins, Baltimore, 1947.
11. Naper, George T., a Naper, M.: The arteries of the human middle ear with, particular regard to the blood supply of the auditory Esaicles, Ann. Otol 62: 923-949, 1953.




1 Chefe do Serviço de ORL do Hosp. Ernesto Dornelles - P. Alegre - RS.
2 Médico otologista - P. Alegre - RS.
3 Médico otologista - Assistente Fac. Católica de Medicina - P. Alegre - RS.
4 Doutoranda estagiária do Instituto de Otologia - P. Alegre - RS.
5 Médicos residentes do Instituto de Otologia - P. Alegre - RS.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial