Topodiagnóstico das paralisia faciais periféricas
Autor(es): Otacilio C. Lopes Filho *
O diagnóstico topográfico da lesão do nervo facial é de grande importância para o Otologista, não só no que significa com relação à terapêutica a preconisar como também ao diagnóstico da lesão em si e ao prognóstico da paralisia.
Quando do tipo periférica, caracterisada pela paralisia completa do lado lesado, em contraposição com a central, onde ela só se manifesta na porção inferior da musculatura da face sem alterações dos músculos frontal, orbicular e corrugados dos supercílios, o problema pertence ao Otologista que deve ter um conhecimento profundo da anatomia e fisiologia do nervo.
O trato corticobulbar é o responsável pelas conecções entre os centros motores voluntários corticais e o núcleo motor do nervo, na ponte. Estas vias responsáveis pela transmissão dos impulsos voluntários oferecem uma inervação bilateral direta e cruzada, para as porções mais superiores do núcleo (na que estão representados os músculos frontais, orbicular das pálpebras e corrugados do supercílio) e apenas uma, cruzada, para os outros músculos da face.
Por outra lado o núcleo do facial recebe também fibras do centro reflexo ocular (colículo superior), dos núcleos do trato solitário, dos núcleos sensitivos do trigêmio e do núcleo acústico. Assim senda há um número muita grande de reflexos em que o nervo facial participa e que podem ser pesquisados como dado semiológico.
Centralmente o nervo facial é representada por três núcleos: seu núcleo motor; o núcleo salivatário superior e o núcleo do trato solitário.
Núcleo motor do nervo facial: êle está situado na porção caudal da ponte e apresenta múltiplas divisões que distinguem setores responsáveis pela inervação de diferentes grupos musculares.
Núcleo Salivatório Superior: Situado dorsalmente à porção caudal do núcleo motor é responsável por impulsos parasimpáticos à glândula lacrimal e sub-mandibulares e sub-maxilares (a parótida recebe impulsos do núcleo salivatório inferior).
Núcleo do Trato Solitário: Está situado na medula oblongada. É o núcleo terminal para os reflexos aferentes especiais e gerais de fibras do nervo facial e também para os nervos vago e glossofaringeo.
É portanto o nervo facial via portadora de fibras com quatro diferentes funções: duas aferentes.
1 - Função Somática (fibras eferentes viscerais especiais): representada por fibras que se dirigem para a musculatura estriada da face (músculos da mímica da face e do pescoço, estioloioideo, ventre posterior do digástrico e músculo estapediano).
2 - Função Secretora: (fibras eferentes viscerais gerais) São fibras do núcleo salivatório superior e representam os componentes parasimpáticos e eferentes do nervo, indo às lacrimais pelo nervo grande petroso superficial e às glândulas submandibulares e submaxilares pela corda do tímpano.
3 - Função Gustatória: (fibras aferentes viscerais especiais) São as fibras responsáveis pela transmissão do sentido do paladar dos dois terços anteriores da língua tendo como seu centro trófico o gânglio geniculado e pelo nervo intermédio atingem os núcleos centrais.
4 - Função Sensorial (fibras aferentes viscerais gerais) : Estas fibras estão relacionadas com impulsos sensoriais da membrana timpânica, parede posterior do meato acústico externo, concha do pavilhão da orelha e uma zona situada no sulco retroauricular, além de estarem relacionadas com a sensibilidade profunda da musculatura facial.
O conhecimento destas funções do nervo facial juntamente com sua disposição anatômica, dentro do osso temporal são da mais alta importância no diagnóstico topográfico da lesão.
FIGURA 1 - Anátomo-fisiologia do nervo facial (COIAZZI, 6).
O tronco do nervo facial, que se origina dos núcleos da ponte, é predominantemente somático e deixa a ponte junto ao ângulo ponto cerebelar juntamente com o nervo intermediário e o oitavo. Separadamente dêste último penetra no canal de Falápio encontrando o gânglio geniculado, onde forma seu segundo joelho, faz uma curva afiada e inicia a sua segunda porção em estreita relação com a parede medial da caixa do tímpano, acima da janela vestibular e abaixo do canal horizontal. A terceira porção ou mastoídea, que se inicia agora no seu segundo joelho corre quase verticalmente para baixo na parede posterior da cavidade timpânica em direção ao orifício estilomastoideo e agora externamente ao osso temporal forma a quarta porção, dividindo-se em dois ramos e secundàriamente em várias subdivisões.
O primeiro ramo de interêsse para nós é o grande petroso superficial que deixa o tronco principal na altura do gânglio geniculado. Este ramo é constituído principalmente de fibras secretórias pré-ganglionares originadas no núcleo salivatório superior. Estas fibras fazem sinapses no glânglio esfenopalatino oferecendo inervação parasimpática às glândulas lacrimais pela anastomose entre o nervo lacrimal e o nervo zigomático. Este nervo também leva fibras sensoriais, vindas do gânglio geniculado, para o palatolo, explicando o aparecimento das vesículas na Síndrome de Ramsay-Hunt acreditando-se que também leve fibras motoras para o palato27.
O próximo ramo de interêsse é o nervo para o músculo Estapédio. Ele inerva êste músculo e é responsável pelo reflexo estapediano que é ativado por fortes estímulos sonoros. É um mecanismo de proteção ao ouvido interno. A ausência dêste reflexo dá origem à fonofobia (sensação de dor à estímulos sonoros fortes l5, l6).
Mais inferiormente é a corda do tímpano com três diferentes tipos de fibras: as responsáveis pelo paladar dos dois terços anteriores da língua, fibras sensitivas para a mucosa oral e fibras pré-glanglionares secretoras originadas do núcleo salivatório superior, fazendo sinapse coro gânglios submaxilares para inervar as glândulas salivares do assoalho da bôca.
Os ramos mais baixos, são emitidos próximo ao orifício estilomastóideo e são para o ventre posterior do digástrico, e para o músculo estiloioideo, responsáveis em parte pela abertura da bôca. Na paralisia dos ramos digástrico há um ligeiro desvio da bôca para o lado bom e conseqüentemente a língua parece ligeiramente mais próxima do lado lesado, podendo confundir com as verdadeiras paralisias provocadas por lesão do hipoglosso 27.
De posse dêstes elementos podemos classificar as lesões do nervo facial em 10, 27, 28:
Suprageniculadas
Lesões que se situam entre o gânglio geniculado e o núcleo motor. Entre elas são as mais freqüentes: Síndrome do ângulo ponto, Neuromas do acústico, Meningeomas, Fraturas etc. Estão alterados: o paladar o lacrimejamento e o reflexo estapediano. Muito raramente quando a iesão só atinge a porção somática do facial poupando o nervo intermédio, podem estar apenas alteradas aquelas funções somáticas (pequenos neuromas). Concomitantemente são encontradas alterações auditivas e vestibulares por comprometimento dêstes nervos. Segundo House e Pulec (citado por 16) o facial é o segundo nervo mais comprometido nas Síndromes do ângulo ponto.
Transgeniculadas
Lesões na altura do gânglio geniculado. Topogràficamente só se distinguem das anteriores pejo comprometimento do acústico e vestibular, embora devemos considerar que em alguns casos de Síndrome de Ramsay-Hunt o edema do gânglio geniculado pode também provocar alterações vestibulares e auditivas, porém de menor intensidade. Estão então comprometidos o lacrimejamento, o reflexo estapediano e o paladar. Ocorre com mais freqüência em casos de Fraturas, Herpes Zoster e Paralisia de Bell.
FIGURA 2 - Divisão topográfica.
Supraestapedianas
Compreende-se por lesões situadas entre a saída do nervo estapediano e o glânglio geniculada. Nestes casos o lacrimejamento não está comprometido encontrando-se alterações no paladar e ausência do reflexo estapediano. É freqüente em casos de Fraturas, Paralisia de Bell, -Colesteatomas, Acidentes cirúrgicos etc.
Infraestapedianas
Lesões que se situam abaixo da saída do nervo estapediano. Encontra-se comprometido o paladar enquanto o reflexo estapediano é normal e o lacrimejamento também está normal. As causas mais comuns são as mesmas anteriores.
Infracordais
Lesões que se situam abaixo da saída da corda do tímpano, portanto bem próximas do orifício estilomastóideo. Encontramos a presença do reflexo estapediano, lacrimejamento e paladar normais. Aqui também as causas mais freqüentes são: Paralisia de Bell, Colesteatom, Acidentes cirúrgicos etc.
FIGURA 3 - Alterações do paladar, lacrimejamento e reflexo estapediano em função do nível da lesão.
Uma grande variedade de diferentes afecções podem comprometer o nervo facial com figurações clínicas muito semelhantes, isto é paralisia completa da musculatura da hemiface. Isto pode ser encontrado como conseqüência desde lesões do ângulo ponto, lesões no osso temporal e em lesões extratemporais. Para se poder diferenciar as várias afecções que afetam o facial e distingui-las da mais comum que é a de Bell, o exame topográfico refinado é da mais alta importância. Assim em lesões situadas na fôssa posterior e meato acústico interno ela está sempre associada ou quase sempre, a sintomas acústicos e, ou, vestibulares; nas situadas dentro do osso temporal a paralisia é quase sempre a única manifestação e aqui o topodiagnóstico nos dará informações mais valiosas a respeito da etiologia, diagnóstico e prognóstico. Assim na Paralisia de Bell devemos saber com exatidão o local da lesão para que o tratamento cirúrgico seja realmente coroado de êxito. Naquelas situadas no trajeto extratemporal a associação com tumores é quase sempre a regra e de modo geral é confinada a certos grupos musculares.
MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO
Pesquisa do Reflexo Naso Lacrimal
A integridade funcional do primeiro ramo do nervo facial, o grande petroso superficial, pode ser pesquisada através do Reflexo Naso Lacrimal. Éste reflexo constitui-se no lacrimejamento precedido por estímulo da mucosa da fôssa nasal homolateral. O nervo trigêmio forma a via aferente dêste reflexo. A via eferente vem do núcleo salivatório superior ao longo do nervo intermédio, gânglio geniculado, nervo grande petroso superficial, nervo do canal pterigoídeo, gânglio esfenopalatino, nervo palatino passando ao nervo maxilar e via nervo zigomático ao lacrimal.
Este arco reflexo foi confirmado por pesquisas de Zilstorfl-Pedersen 28, que em quinze casos de remoção de neuromas, com nervo trigêmio íntegro, o Reflexo Naso Lacrimal ficou abolido e por outro lado em oito casos de secção do nervo trigêmio, com nervo facial íntegro, também houve abolição do Reflexo, embora todos êstes pacientes tivessem aquêle Reflexo normal antes da cirurgia.
FIGURA 4 - Vias do reflexo naso lacrimal ZILSTORFF-PEDERSEN (28)
O reflexo pode ser pesquisado por estímulos mecânicos ou químicos. O lacrimejamento é medido através da colocação de uma tira de papel de filtro que é recortada com 10 centímetros de comprimento por meio centímetro de largura. Tomamos o cuidado de enxugar o saco lacrimal, do lado lesado, antes de iniciar o teste pois é comum na paralisia facial o aparecimento de epífora. Colocamos o papel de filtro com uma pequena dobra (ver figura) no fornix conjuntiva) e em seguida irritamos a mucosa nasal com um cotonete. Com a produção do reflexo o papel de filtro começa a absorver a lagrima produzida. Após um ou dois minutos medimos a quantidade de lágrima absorvida. Este é o método mais simples e pode ser feito no consultório ou ambulatório. Podemos por outro lado usar um estimulante químico, como por exemplo o amoníaco, que é dado ao paciente aspirar até que espirre, iniciando-se em seguida a medida do lacrimejamento.
FIGURA 5 - Pesquisa do reflexo naso lacrimal. No caso não há lacrimejamento (lesão supragenicular).
Zilstorff-Pedersen 28 recentemente descreveram um método mais apurado para o estudo quantitativo do Reflexo Naso Lacrimal. Ele usa o Olfatômetro de Elsberg. Este aparelho consiste numa garrafa cilíndrica com capacidade para 500 ml, contendo 30 ml de uma substância odorífera, de modo geral a benzina. A garrafa é bem fechada com uma rôlha de borracha pela qual passam dois tubos. Um é adaptado numa peça para o nariz e outro a um tubo com ar comprimido. Este último tubo é interrompido por um fluxômetro para dar a medida exata do volume de ar que vai passar. Após muitas tentativas Pedersela28 determinou como ótimo o fluxo de 500 ml por minuto, durante 30 segundos. Quanto menor o fluxo, menor será o lacrimejamento e vice versa. Um fluxo alto é inconveniente pois pode provocar fenômenos secundários como: dor local, cefaléia, indisposição etc. Na prática deixa-se passar um fluxo de 500 ml por minuto durante 30 segundos, interrompe-se o fluxo e deixa-se o papel filtro no local por mais 34 segundos, medindo-se em seguida a quantidade de lágrima. Após um descanço de 10 minutos procedemos à medida do outro lado. A diferença de permeabilidade entre as fossas nasais não tem se constituído em impedimento para a realização do teste.
FIGURA 6 - Olfatômetro de ELSBERG.
Pesquisa do Reflexo Estapediano
A ausência de contração do músculo do estribo, na presença de sons intensos provoca o aparecimento do fenômeno de fonofobia e hiperacusia. Estes fenômenos podem ser pesquisados com o auxílio de um audiômetro. Aplica-se alternadamente, em fone e no outro, os estímulos sonoros que gradativamente vão aumentando de intensidade até o aparecimento de uma sensação de desconfôrto ou mesmo dolorosa no lado em que não há o reflexo.
Tschiassni27 descreve o uso de um estetoscópio para esta pesquisa em consultório quando não dispomos de um audiômetro. O estetoscópio é adaptado aos ouvidos do paciente e um estímulo sonoro (por meio de um diapasão) é aplicado com intensidade média, devendo o paciente ouvi-lo igualmente em ambos ouvidos, quando no entanto é aplicado com intensidade máxima, o paciente com ausência do reflexo deverá ouvir mais com o ouvido do lado da paralisia.
Estes dois métodos, são simples, podem ser feitos sem dificuldades porém são primários e desprovidos de precisão. Com os estudos de Metz18, posteriormente colocados na prática clínica por Zwislocki nos Estados Unidos e Terkildsen e Scottnielsen na Escandinávia26, tornou-se possível medir a impedância acústica do ouvido médio através de equipamentos simples e de custo não muito elevado. Estes aparelhos tinham três objetivos: medir a pressão no ouvido médio (Timpanometria), medir a impedância a uma freqüência fixa e estudar vários parâmetros do Reflexo estapediano.
"A contratura do músculo estapédio, produz uma modificação da impedância do ouvido médio suficientemente grande para ser medida"1. O arco reflexo aferente consiste do estímulo sonoro à cóclea e o eferente pode ser estudado pela comparação com o lado oposto. Este reflexo tem sido usado pelas autores Escandinavos para medir o fenômeno do recrutamento, pois num ouvido que não recruta, isto é, com lesão retrococlear a duração da contração do músculo estapédio é bem menor do que em ouvidos normais ou em ouvidos com lesões cocleares. Por outro lado em ouvidos com lesões cocleares há um encurtamento do "gap" entre o limiar de audição tonal e o limiar do aparecimento do reflexo estapediano. O primeiro fenômeno estaria mais ligado ao "decay" e o segundo mais ao de recuperação sonora (loudness recruitment).
Pesquisa do Paladar
Este sentido pode ser pesquisado pela aplicação de soluções de: açúcar (saturada), sal saturada), ácido acético a 7,5%, e quinina a 2%, sobre a língua em sua fase lateral, alternadamente 15. Bornstein (citado por Kristensen15 propõe um método quantitativo com o uso de:
açúcar a 4, 10 e 40%
sal a 2,5, 7,5 e 10%
quinino a 0,075, 0,5 e 1%.
O uso destas soluções em concentrações diferentes nos dará a noção do paladar se normal, elevado ou diminuído.
Mais recentemente Krarup (cit. por Jepsen10), apresentou o eletrogustômetro, um equipamento que permite medir o limiar do paladar através da aplicação de correntes galvânicas na língua. "Com o uso dêste aparelho, Krarup demonstrou que as fibras relacionadas com o paladar estão no trajeto retroganglionar englobadas no nervo intermédio, podendo em certos casos de comprometimento do facial por tumores dentro do meato acústico interno, estar íntegras e não haver comprometimento do paladar"10.
House e Pulec apresentaram nôvo equipamento, simplificando o de Krarup, que permitia a medida de liminares do paladar, introduzindo-se a ponta da língua num receptáculo especial, no lugar do uso de eletrodos aplicados em vários pontos da mesma.
Acredito que uma atenção especial deve ser dada à pesquisa do paladar, pois é um elemento de valor prognóstico dos mais importantes. As várias pesquisas realizadas a respeito, demonstraram que antes de qualquer fenômeno elétrico ou muscular "é o paladar o primeiro a se recusar numa paralisia facial que inicia sua regressão l0, 15. É portanto de grande valor seu estudo nos casos de paralisia de Bell, antes de se indicar a descompressão do nervo.
Por outro lado com os testes acima descritos, poderemos na grande maioria dos casos, determinar com alguma precisão o local da lesão. Poderemos ainda pela pesquisa do Reflexo Naso Lacrimal e do paladar detectar alterações que possam sugerir o diagnóstico de tumores pequenos do ângulo ponto numa fase em que o tronco principal do facial ainda não foi atingido.
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* Assistente Adjunto Efetivo do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo (Fac. de Ciências Médicas).