Ano: 1970 Vol. 36 Ed. 2 - Maio - Agosto - (16º)
Seção: Casos Clínicos
Páginas: 163 a 165
Fistulas Branquiais - Incidência Familiar (Relato de 2 casos)
Autor(es): Deiton Ney Geiger*
A raridade dos casos de fístulas branquiais na mesma família e os fatôres genéticos que os determinam justificam a apresentação dêsses dois casos. As fístulas unilaterais são mais frequentes que as bilaterais. Virchow (1861) descreveu cinco famílias portadoras desta anomalia. Conway 2 relata 46 casos de fístulas e cistos branquiais. O aparêlho branquial torna-se perfeitamente visível entre a segunda o sexta semana de desenvolvimento embriológico. Depois dêste breve período, as fendas branquiais se obliteram e, sòmente, em caso de anomalia de desenvolvimento embriológico é que permanecem seus resquícios3.
As anomalias congênitais resultantes de transtôrnos da primeira fenda são bastantes raras.4 Em geral as fístulas e quistos desta fenda se comunicam com o conduto auditivo externo ou com a trompa de Eustáquio. Outras vêzes se apresentam na região pré auricular5.
A localização mais frequente para o desenvolvimento de quistos e fístulas da fenda, branquial é entre o 2.° e 3.° arcos branquiais - através da segunda fenda, com origem na 2.a bolsa. Mais raramente desenvolvem-se na 3.ª fenda branquial constituindo os quistos ou fístulas tímicas, restos do tractus faringe-tímieo.
Se o quisto de fenda branquial progride seu crescimento formará uma fístula, cuja abertura externa se fará na região lateral do pescoço e sua abertura interna será na fossa amigdaliana. Segundo Ombredanne, "elas se abrem externamente sôbre uma linha que se extende da mastóíde à fúrcula externa?".
São formações tubulares revestidas de epitélio do tipo pavimentoso estratificado córneo nas proximidades da abertura externa, e ao nível da desembocadura na faringe adquire o caraetéres da mucosa bucolaríngea.
A manifestação mais frequente de uma fístula do pescoço é a saída intermitente de uma secreção serosa, ou a retenção desta serosidado.
No lactente o aparecimento de gôtas de leite na pele do pescoço, ao mamar, pode ocasionar a eles coberta de fístula.
Em idades avançadas existe a possibilidade de virem a formar um Epitelioma. Para fins do diagnóstico utilizamos também corantes introduzidos na luz da fístula (como o azul de metileno) ou soluções gustativas.
Um exame complementar do diagnóstico destas anomalias é a, radiografia contrastada o cujo contraste percorre o trajeto da fístula sob contrôle radiográfico.
Observação n.º 1
A. M. (Fig. 1) 5 anos, fem., branca, Bom Jardim (RS)- nona descendente de tuna família de dez filhos; com pais sadios, não havendo história de mal-formação congênita na família, exceção feita de seu irmão menor (caso seguinte) que apresenta defeito semelhante ao seu. Informam os pais que desde os primeiros anos de vida dia paciente, notaram que possuia dois orifícios laterais simétricos no terço médio do pescoço. Por êstes orifícios, seguidamente, drenava um líquido esbranquiçado, seroso, ligeiramente viscoso, que umedecia as roupas em tórno do pescoço. Como, últimamente, o orifício do lado esquerdo do pescoço apresentasse aspecto inflamatório, com drenagem de líquido purulento, resolveram trazê-la para consulta.
Ao exame notava-se duas aberturas externas do tamanho da cabeça de um alfinete) situadas simétricamente, no bordo anterior do músculo esterno-cleído mastóideo de ambos os lados, a uma altura do 2,5 dedos transversos da fúrcula externa?. Na abertura externa E notava-se uma formação cística por onde, sob pressão, saía líquido purulento.
Observação n.º 9
1. M. (Fig. 1,B) 3 a., masc., branco, Bom Jardim (RS). Este paciente, a exemplo de sua irmã mais velha, (caso anterior) apresentava mal-formação congênita no pescoço, desde os primeiros dias de vida, porém, com um único orifício fistuloso situado no lado direito do pescoço. Segundo informaram seus pais, tal defeito não ocasionava nenhum transtôrno ao menor, a não ser o escoamento, pelo orifício, de um liquido claro e sercso, quando faziam uma expressão digital na circunvizinhança do mesmo.
Em ambos os casos, realizamos a fistulografia. Injetou-se contraste radiológico (Lipiodol 2-3-cc.) pelo orifício externo das fístulas observando-se a permeabilidade do trajeto fistuloso, bem como, o percurso das mesmas através das radiografias que foram batidas.
Tratamento
Os casos citados foro-aan tratados, cirúrgicamente, pola técnica "Escalonada" de Von IIacker, com modificações, foi utilizada anestesia geral com entubação endotraqueal. Faz-se uma ineisão circunscrevendo o orifício externo da fístula. Transfixa-se êate orifício externo com fio de linho ou catgut montado em agulha cortante ciando-se um ou dois nós e mantendo-se as extremidades do linho ou catgut com uma pinça de reparo, que servirá como ponto de tracionamento durante a dissecção do trajeto fistuloso. Faz-se o descolamento com o auxílio de uma tesoura de pontas rombas, seguindo-se o bordo anterior do músculo esternoclidomastóideo até as proximidades do osso hióide (Fig. 2 A o B).
Em prosseguimento, pratica-se uma segunda incisão transversa de 2 a 3 cm. de comp. mais ou menos a altura da bifurcação das carótídas externa e interna. Com pinça promove-se o descolamento do tecido celular, formando um túnel entre a incisão superior e inferior. (Fig. 2C) Aproveitando-só a mesina pinça, que se encontra agora, com as extremidades
FIG. 1(A) - Caso A. M. observação n.º 1 mostrando a abertura das fístulas branquiais do ambos os lados. - FIG. 1(B) - Caso I. M. (observação n.° 2) mostrando a abertura da fístula branquial unilateral.
FIG. 2(A,B,C) - Frases do ato cirúrgico de ressecção da fístula. Maiores explicações no texto.
abertas na primeira incisão, para fechá-la, apreendendo as extremidades do fio de reparo, que ficou preso na abertura externa da fístula, promove-se a passagem do trajeto já dissecado, através do túnel formado, para a segunda incisão.
Continuando-se a dissecção, visualiza-se o "V" formado pela carótida externa e interna, através do qual passa a fístula. Nêste tempo operatório deve-se ter grande cuidado para evitar tôda a lesão no nervo hipoglosso, que situa-se inferiormente. O trajeto é descolado até as proximidades de sua união com a mucosa faríngea. O cirurgião, com o dedo indicador da mão esquerda introduzido pela bôca do paciente e situado na fossa amigdalina, sente agora, pelo tato, a localização do orifício interno da fístula, fazendo leve tração com a outra mão, no fio de reparo. Mantendo ainda sob tração o trajeto já dissecado, promove a ligadura do mesmo com fio de catgut cromado, ou seda, próximo de sua união com a mucosa faríngea, seecionando-o logo abaixo da ligadura.
Sumário
O autor apresenta dois casos de incidência familiar de fístulas de origem branquial, tratando considerações sôbre a embriologia, patogenia, patologia, meios de diagnóstico e tratamento cirúrgico de tais anomalias congênitas.
Summary
The Author presents two cases of familiar incidence of branchial fistulas, giving references about embriology, pathogeny, pathology, diagnosis and surgical treatenlent of this cogenital anomalies.
Bibliografia
1. Conway, H- Wagner K, - Conjuntal anomalies of Head and Neck-Plast. anel Recoust. Surg- 36: 71-74, 1965.
2. Remine, H. W. - Quistos y Fistulas de la Hendidura Branquial. Desarrollo embriologico y tratamiento quirúrgico - Clinica Quirúrgica de Nort-America - Agosto 19(33: 10.313-1039.
3. Gorer, D., Massonn, A. - Anomaly of the first branchial cleft. Ann. Surg- 1.30: 120, 1959.
4. Crimbie, B., Braithwaite, F. Two eases of fie ffirst branchial cleft anomaly. British of Surgery 151: 320, 1964.
5. Weiaaman, G. Herwitz, T. - Lines of the first branchial cleft. Plast e Reconstr. Sarg. 31: 79-81, 1963.
* Médico otorrinolaringologista - Policlínica São Vicente - Três de Maio - RS.