Justa Homenagem
Autor(es): HOMERO CORDEIRO
Homenagem dos seus discípulos e amigos e da "Revista Brasileira de Oto-Rino-Laringologia"
Aproveitando a passajem do 70, aniversário natalicio de Mario Ottoni de Rezende, - o emerito oto-rino-laringologista brasileiro e chefe acatado da Clínica de O.R.L. do Hospital da Santa Casa de Misericordia de São Paulo, - resolveram seus discípulos, colegas e amigos, num movimento espontâneo e sincero, prestar-lhe urna justa e merecida homenagem, pela sua brilhante atuação no domínio da nossa especialidade, desde 1916 até hoje, período esse no qual ele dedicou, e ainda dedica, o melhor do seu tempo, da sua infatigavel atividade e de sua lúcida inteligência, procurando sempre, através dos seus preciosos ensinamentos e rígida linha de conduta, dar aos acre o cercam alta consciência profissional e moral.
E ficou resolvido que a homenagem seria prestada no presente número desta revista, fazendo publicar, seus discípulos e amigos, trabalhos originais, todos dedicados a Mario Ottoni, numa expressão de sua grande estima e admiração.
Levando em conta os fortes laços de amizade e de parentesco que nos ligam ao homenageado, acharam os amigos que a nós competia dar inicio à homenagem, fazendo um relato da sua vida profissional, destacando as principais fases de sua atividade médica em nosso meio oto-ripo-laringologico, - incumbencia essa que aceitamos com prazer, procurando desempenhá-la com carinho e muita amizade.
O nosso homenageado nasceu na cidade mineira de Leopoldina, em l.º de julho de 1883, mas reside no Estado de São Paulo, desde 1892 ano em que seus pais se transferiram para o municipio de São Simão, onde haviam adquirido uma propriedade agrícola.
Fez o ser, curso primário no Colégio São Luiz, em ltú, a cargo dos padres jesuitas; o secundário, no Colégio Nogueira da Gama, em Jacareí.
Seguiu depois para o Rio de Janeiro, - naquela triste época em que a febre amarela fazia diariamente inúmeras vítìmas - para fazer o seu curso médico na Faculdade de Medicina e, em 23 de Janeiro de 1906, recebeu o diploma, após defesa de tése sobre a "Balneoterapia nas infecções agudas", aprovada com distinção pela banca examinadora.
Iniciou sua vida profissional no interior de São Paulo, na cildade de Sales Oliveira, perto de Ribeirão Preto, situada em região afamada pelas suas fertilíssimas terras rôxas e que atraiam plantadores, de café de toda parte, provindos de zonas mais velhas e já exgotadas. Foi aí, com muita fé e animo para o trabalho, que Mario Ottoni instalou seu consultório médico, numa época em que tudo era difícil; sem telefone e a locomoção somente feita por meio do tróle ou do cavalo, em caminhadas forçadas, de léguas e léguas por dia, com qualquer tempo, que só aguentavam os medicos possuidores de muita saúde e grande resistência física.
Apesar de tudo, ele permaneceu cinco anos no interior, fazendo da sua profissão um verdadeiro sacerdócio e não medindo sacrifícios para bem socorrer os seus pacientes. E, como prova da sua altruística atuação, até hoje o seu nome, como médico caridoso e competente, é lembrado com saudades pelos antigos moradores daquela região.
Mas essa vida inicial, trabalhosa é cheia de sacrifícios teve a vantagem de, pelo contato permanente com os doentes, apurar-lhe o tirocínio clínico, mais tarde de grande valia para o completo sucesso do médico-especialista.
Em 1910, realizou sua primeira viagem à Europa, com o propósito de se dedicar aos estudos de Cirurgia e também de Urologia, tendo em Paris frequentado as clínicas dos Profs. Marion e Legueu, bem como a do Prof. Rumpel, em Berlim.
Em 1912, ao regressar dessa viagem de estudos, resolveu fixar sua residência na capital paulista, e, depois de ter prestado concurso para médico-adjunto, foi designado para fazer parte do Corpo Clínico do Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, indo servir na 1ª Enfermaria de Cirurgia de Homens, onde teve como companheiros Benedito Montenegro, Sergio Meira Filho e Francisco Salles Gomes Júnior. Nessa enfermaria permaneceu Maria Ottoni três anos consecutivos e que foram extremamente proveitósos, para consolidar seus conhecimentos de cirurgia geral.
Em 1916 decidiu-se para o Cirurgia Especialisada, transferindo-se para a Clínica de Oto-sino-laringologia do mesmo hospital, a cargo do Prof. Henrique Lindenberg, que foi o primeiro catedratico da cadeira, na Faculdade de Medicina de São Paulo. Com ele, aprendeu os fundamentos da especialidade, tendo sido seu assistente, tanto na Santa Casa, como na sua clinica privada. 0 Prof. Lindenberg, juntamente com o Prof. João Marinho, no, Rio de Janeiro, eram na época os expoentes máximos da oto-nino-laringologia no Brasil. Vinham das famosas escolas de Berlim e Viena, trazendo preciosos ensinamentos que transmitiam aos seus alunos, através de suas respectivas cátedras.
Empolgado com a especialidade que abraçára, resolveu Mario Ottoni fazer, em 1921, nova viagem à Europa, com o fim de aperfeiçoar os seus conhecimentos e observar de perto os grandes progressos da O.R.L. que, de 1910 a 1921, teve seu período áureo.
Em Setembro de 1921; tivemos o prazer deser apresentados a Mario Ottoni, por intermédio do saudoso colega e prezado amigo Paulo de Faria. E essa época marca o início da nossa amizade, que foi sempre crescendo com o decorrer dos anos.
Tanto Ottoni como Faria acabavam de chegar à capital alemã, para logo darem início aos cursos de aperfeiçoamento da especialidade por eles já previamente planejados.
Aconselhamos que procurassem Seiffert, 1.º assistente do grande Prof. Killian, (pouco antes falecido), no Hospital "Charité", especialista de grande valor e renome. Há 8 meses que já eramos, juntamente com Estevam de Rezende, seus alunos, em cursos diários com operações in vivo todas as tardes, e onde estavamos aproveitando enormemente, pois Seiffert, além de tudo tornara-se nosso bom amigo, e tinha o maximo empenho de tudo nos ensinar, com muita paciência e grande dedicação.
E assim com Seiffert, Mario Ottoni fer completa revisão da especialidade, ficando a par de tudo, num perfeito "mise au point."
Frequentou ainda os cursos dos Prof. Passow, Beyer e Brühl, onde aprimorou seus conhecimentos otológicos; com o Prof. Weingártner, aprendeu a manejar com maestria o broncoscopio de Brünnings para os exames e intervenções nas árvores respiratória e digestiva; com Halle, o afamado rinologista, ficou conhecendo seus métodos próprios nas intervenções endo-nasais.
Terminado o proveitoso estagio de Berlim, dirigiu-se para Viena, afim de conhecer de perto os grandes mestres da Otologia. Assim, na "Allgemein Krankenhaus" frequentou a celebre clinica do grande rrlestre Prof. Neumann, que tinha como auxiliares, assistentes de renome como Puttin, Beck, Fremmel, Schlander. Esteve tambem na "Altallgemein Krankenhaus", com os Prof. Hajek, Hirsch e Schüller, completando assim os seus conhecimentos no domínio da otologia.
Em Maio' de 1922, de volta a São Paulo, reassumiu- seu posto no Serviço de O.R.L: da Santa Casa de São Paulo, com Lindenberg, e logo tratou de pôr em prática tudo que aprendêra no Velho Mundo; pois nunca foi de seu feitio moral, ocultar os seus conhecimentos médicos. Ensinava com prazer a todos que se mostravam desejosos de aprender.
"Em 1939, com a morte de Schmidt Sarmento, que fora sucessor de Lindenberg em 1928; assumiu Mario Ottoni a chefia do Serviço de O.R.L., da Santa Casa, em cujo posto permanece até hoje.
Era seu desejo dar ao serviço uma instalação condigna e não demorou muito para vê-lo realizado, com a sua mudança para amplo andar do Pavilhão Conde de Lara, e tornando-se um dos melhores do país, pois além de amplo ambulatório, possue salas de operações, salas de fisioterapia e radiologia, gabinete dentario, serviço de bronco-esofagologia, camara silenciosa para exames audiometricos, salão para conferências, biblioteca etc. Em 1950 esse serviço foi melhorado com á incorporação de enfermarias de mulheres, homens e crianças, tornando-se então unra completa e perfeita clinica oto-rino-laringologica graças ao esforço e iniciativa de Mario Ottoni, e, tambem do seu alto conceito e prestigio junto à Mesa Administrativa da Santa Casa.
Com seu feito moral franco e sincero, procurou ele sempre dar na sua clinica, maior divulgação possível da especialidade, tornando-a acessível a todos, e desse modo foi atraindo junto de si jovens discípulos, que aos poucos iam se, tornando seus colaboradoxes e amigos. Ensinava com prazer mas exigia frequencia e pontualidade dos seus auxiliares no horário, e, para dar exemplo, era ele quase sempre o primeiro a chegar na clínica.
Ficava por vezes irritado, usando, de franqueza rude. Quando alguém fazia diagnóstico intempestivo, sem perfeito exame do doente, ou si durante uma intervenção qualquer observava a prática de técnica defeituosa. Mas, todos sabiam que essa franqueza rude era para despertar o brio profissioval, sem intenção de ofender ou de deprimir, porque pulsava dentro do mestre um coração sempre bom e generoso.
Sempre teve ao seu lado um grupo de dedicados assistentes como Roberto Oliva, Francisco Hartung; Ernesto Moreira, Antonio Vicente de Azevedo, Afonso Camargo Penteado, J. E. de Parola Assis, J. Rebelo Neto e outros, além de, seus discípulos, que depois permaneceram na clínica como assistentes, como Paulo Sáes, Silvio Ognibene, Angelo Mazza, Arnaldo Bacelar, Othoniel Bueno Galvão, José Eugenio Rezende Barbosa, Eduardo Cotrim, Caiubi de Castro Sá, J. Fairbanks Barbosa, F. P. de Aquino, Mauro Condido de Souza Dias, Haroldq Bastos, apenas citando os mais antigos.
Obrigava seus discípulos estudarem, pondo à disposição deles, sua esplendida biblioteca particular, talvez uma das mais completas do pais, e promovia frequentes reuniões na clínica, nas quais fazia todos tomarem parte nas discussões dos casos apresentados.
Para dar maior prestígio e destaque à oto-rino-laringología, foi ele um dos que mais se bateram para a criação junto à Associação Paulista de Medicina, do Departamento de Oto-rino-laringologia, onde uma vez por mês se reunem os especialistas daqui e do interior. Foi seu 1.º presidente, e novamente eleito alguns anos mais tarde.
Apesar do progresso evidente da O.R.L. nacional, estavamos em condição de, inferioridade perante as principais nações sul-americanas, porque o Brasil era o único pais que não possuía revista especialisada. E foi procurando sanar essa falha que em 1933 Mario Ottoni acertou conosco a fundação da "Revista "Oto-Laringologica de São Paulo", transformada em 1940 em "Revista Brasileira de Oto-ripo-laringologia", que está atualmente no seu 22.º ano de circulação ininterrupta, e é a mensageira que leva o resultado das nossas atividades oto-ripo-laringológicas aos principais centros médicos mundiais.
Em 1926, foi ele o organisador da "Primeira Semana Paulista de Otorrinolaringología e Neuro-oculistica", aliás, muito concorrida e de resultados práticos de grande alcance, reunindo também especialistas de outros Estados. Em 1936, estando Mario Ottoni na presidência da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, tornou a organizar a "Segunda Semana de Otorrinolaringologia", desta vez mais ampla, pois compareceram especialistas do estrangeiro, como o grande amigo uruguaio, Prof. Justo Alonso, reunião essa cujo brilho e grandeza resultou o l.º Congresso Brasileiro de O.R.L., realizado em 1939 no Rio de janeiro, sob a presidência do Prof. João Marinho, que conseguiu a presença dos Profs. Justo Alonso, Eliseu Segura e Juan Tato. Foi desses congressos pioneiros que resultaram os seus congeneres posteriores sul-americanos, latinoamericanos e pan-americanos.
Orador fluente e elegante, Mario Ottoni tem brilhado sempre em todos certames científicos que comparece, principalmente pela maneira erudita e clara pela qual sabe expôr seu pensamento e que a todos cativa. Nas discussões sabe defender com ardor seus argumentos, mas com linha e sinceridade.
Pertence à muitas sociedades científicas nacionais e estrangeiras, sendo membro do "American College of Surgeons".
Inúmeros são os trabalhos de sua autoria publicados nas principais revistas médicas do país. Em 1922 apareceu o seu livro sobre a "Fisio-patologia do aparelho vestibular"; no qual expõe, de modo acessível a todos, os estudos e experiências de Barany sobre o nistagmo e canais semi-circulares, de grande atualidade na época.
Ao terminarmos estas nossas apreciações sobre a vida científica de Mario Ottoni e analisando sem paixão as suas várias etapas, achamos que os seus discípulos e amigos prestam-lhe uma homenagem mais que justa, pois ele foi realmente o pioneiro, o grande incentivador da moderna especialidade entre nós, transformando, como já dissemos, a sua clínica da Santa Casa numa das mais famosas escolas de especialistas do país.
É um, valoroso professor sem cátedra que muito contribuiu para que nossa especialidade alcançasse em São Paulo o grande prestigio que tem e que se irradia dentro do nosso território e mesmo para o exterior.
Agora, que ele vai afastar-se da sua longa e proveitósa atividade profissional, em plena integridade física e intelectual, que faz inveja a muitos mais moços - estamos certo que ele receberá esta, homenagem, não como uma despedida, mas como um preito de rande admiração e estima por parte dos seus discípulos e amigos, que aguardaram a passagem do seu 70.º aniversario natalício para poder manifestá-la com amizade e gratidão.
E estamos certo que, na paz bucólica que irá desfrutar na sua propriedade rural, no convívio de um lar feliz, ele guardará da medicina a melhor das recordações, pois conseguiu nela tudo quanto quiz, porque soube dignificá-la como poucos.