A Amigdala na idade infantil
Autor(es): Azarias Andrade de Carvalho*
O problema da amígdala em relação à idade infantil tem aspectos múltiplos e nos últimos anos verificamos a preocupação crescente da classe médica e particularmente daqueles que têm o problema mais em mãos, os otorrinolagologistas e os pediatras.
O orofaringe é o local de entrada dos elementos essenciais à vida. Sendo o retentor de corpos estranhos e elemento de defesa contra as infecções.
A criança ao nascer, tem o tecido linfóide dessa região, pouco desenvolvido. Mas ràpidamente adquire bom desenvolvimento e verificamos um fato que demostra bem essa situação - quando comparamos com o desenvolvimento genital que é mínimo até chegar à puberdade e com o desenvolvimento geral nático que é rápido, após estaciona, para no período da puberdade aumenar novamente, ou com o desenvolvimento do sistema nervoso muito rápido primeiro e segundo ano e depois declina ràpidamente. O tecido linfóide que é de desenvolvimento relativamente muito pequeno na criança, ao nascer, desenvolve-se muito ràpidamente e continua a progredir atingindo hipertrofias ativamente grandes no período ainda escolar, para depois começar a declinar progressivamente no correr dos anos. É fato fisiológico a criança ter um apêndice grande, um baço proporcionalmente maior, gânglios maiores e um teo linfóide hipertrófico.
A criança ao nascer, vêm do organismo materno com certa quantidade de anticorpos transmitidos passivamente e que a defende contra numerosas bactéria e muitos vírus. Essa carga vai diminuindo, e, a partir do primeiro, segundo e terceiro mês, começa a produzir seus anticorpos. Entretanto, a criança em capacidade de produzir gamaglobulina desde os primeiros dias. Sabemos não recebe essa Gama-G do organismo materno. Ao nascer está completamente desprotegida neste sentido. Daí a menor resistência contra os germes gram-negativos.
A Academia Americana de Pediatria, há aproximadamente 10 anos, dizia: A criança nos primeiros quatro anos passa, pela experiência de mais de cem infecções diferentes contra as quais adquire imunidade.
Hoje em dia sabemos que ésse número é muito maior, deve andar em tôrno 300, 400 ou 500, basta dizer que de Estreptococos nós temos mais de 50 tipos: são vírus de tôda a natureza; são os adenovírus, mixovírus, etc., a criança vai adquirindo imunidade como quando sofre de sarampo.
Em relação aos micro-organismos, até os quatro anos, a criança passa por uma experiência muito grande. Se examinarmos, ainda, alguns aspectos patológicos, vamos verificar o seguinte: Em casos excepcionais devemos estar atentos para a má capacidade da formação de gamaglobulina. São aquelas crianças que apresentam acessos infecciosos repetidos e graves. Mas, em geral, elas não têm uma hipertrofia de tecidos linfóides, são crianças com hipogamaglobulinemia ou com disgamaglobulinemia.
Um aspecto para o qual devemos chamar a atenção é para o problema do terreno alérgico, seguramente 10% da população infantil, apresenta manifestações de natureza alérgica, e essas crianças produzem mais catarro, secreções, são mais exsudativas. Nessas crianças, as manifestações do orofaringe e das amígdalas são freqüentes. Em geral existem maior hipertrofia do tecido e maior quantidade de secreção.
Nos últimos anos, face a acentuação progressiva das tensões da vida moderna, existe uma verdadeira psiconeurose da família, em relação a múltiplos aspectos da criança, no sentido da educação, da alimentação, dos cuidados, e em relação às doenças. A família exige muitas vêzes do médico, solução para os problemas da criança de maneira imediata, utilizando os mais enérgicos recursos, como o emprêgo indiscriminado de antibióticos, o uso de gamaglobulina, de operações, etc., querendo ver seu filho livre de tantas coisas que são de evolução natural, da fisiologia da imunidade da criança.
Um fato que também tem sido chamado à atenção, é a não relação, entre o aspecto anátomo-patológico das amígdalas e o clínico. Epstein, fazendo um estudo amplo a êsse respeito, em mais de 300 crianças, chegou a conclusão que existe uma correlação anátomo-patológica e clínica. Entretanto em uma grande percentagem notou que o aspecto clínico, não corresponde ao anátomo-patológico e vice-versa. E muitas vêzes, o contrário, a amígdala menos atingida patològicamente é a que apresentava uma repercussão clínica maior.
Em relação ao problema etiologia, que será focalizada por um outro colega, devemos ressaltar a importância do estreptococo. Realmente, é aquêle para o qual devemos ter atenção primordial, pelo perigo, pelas repercussões que êle pode desencadear em relação a situações posteriores.
Outro aspecto que tenho observado, no decorrer da minha experiência, é o aspecto das amígdalas na fase pós-infecciosa aguda, sendo que pessoas desavisadas ficam impressionadas e aconselham cirurgia imediata, esquecendo que essa criança saiu de uma fase aguda. Raramente recomendo uma amigdalectomia baseado no aspecto, e prefiro esperar que essa criança passe 15 ou 20 dias depois de uma fase aguda.
Em relação ao problema da amigdalectomia na criança, sabemos que sua freqüência é elevada, sendo a intervenção cirúrgica mais popular. Hoje em dia, com a generalização do emprêgo da circuncisão, talvez haja concorrência dessas duas cirurgias. Não obstante isso, sentimos que a classe médica, nos últimos anos, está encarando o problema da intervenção cirúrgica em relação às amígdalas com mais critério, com mais bom senso, pensando mais, analisando melhor.
Em relação à estatística, a mais recente em relação ao Brasil, temos um trabalho de Pelotas, do Dr. Procianoy, em que realizando um inquérito para escolares e adolescentes na idade de 11 a 16 anos, para mil e tantas crianças, verificou que 9,2% já tinham sido amigdalectomizadas. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, êsse é um índice relativamente pequeno, para épocas anteriores, atualmente, eu não tenho conhecimento em que nível exatamente as crianças têm sido operadas nestes países, mas sei que, indiscutivelmente, é menor.
Em São Paulo, segundo uma investigação recente, aproximadamente 15% de crianças são amigdalectomizadas até a idade de 11 anos. Não se tem estatística anterior, pelo menos eu desconheço, mas provàvelmente era maior. Agora está tendendo a declinar discretamente.
Existe um estudo interessante a respeito do critério da indicação da amigdalectomia. Wolman distribuiu um questionário para um grupo grande de médicos e apurou 3441 respostas. A finalidade era verificar quais os critérios para indicação da amigdalectomia. As respostas podem ser agrupadas em três problemas principais: otites recurrentes, infecções agudas e freqüentes e respiração com dificuldade. Após estavam os abcessos periamigdalianos, crianças com terror noturno, crianças com aneroxia, crianças irritadas, crianças nervosas, crianças magras, etc.
Nestes últimos anos, os estudos mais apurados em relação aos aspectos emocionais da criança, foi verificado que a maior parte dos distúrbios de conduta, os problemas de recusa alimentar de ordem neuropata, o problema do mau dormir, ou da criança irritada, etc., na grande maioria nada tem a ver com o problema das infecções. Geralmente estão na dependência de fatôres do ambiente, da repulsa, da recusa e problemas de ordem psicológicos
Em relação ao problema das indicações a "American Child Association" há alguns anos fez um estudo em relação a mil crianças que entravam no secundário nos Estados Unidos. A grande maioria dessas crianças tinham 11 anos. Verificaram que 61% tinham sido amigdalectomizadas, sobravam 389 crianças. Essas 389 crianças foram submetidas a análise de um grupo de médicos escolares, pediatras, otorrinos, etc., e essa comissão indicou amigdalectomia a 45% dessas 389 crianças. A comissão tomou o mesmo restante e submeteu a uma segunda comissão que não tinha conhecimento da análise da primeira. Essa segunda comissão, dos restantes 211, indicou amigdalectomia a 46% das crianças. Os 54% restantes, que representavam 118 crianças, foram metidas a uma terceira comissão, depois de analisar, indicou amigdalectomia a a 44% das crianças. E, finalmente, as restantes 75 crianças não foram metidas a nôvo grupo de estudos, pela dificuldade que isso apresentava. Então - diz ainda o autor - provàvelmente teríamos ainda aqui algumas crianças com indicação de amigdalectomia, mostrando que, com pessoas afeitas ao problema, o critério falho, um critério difícil de ser estabelecido para a cação cirúrgica.
Quanto às infecções repetidas do orofaringe, incluindo as chamadas dores da garganta, faringite, amigdalites ou as rinofaringites, que muitos médicos englobam com amigdalites, em geral agudas, representam 3 a 5% da patologia de vias aéreas superiores.
Em relação as infecções freqüentes a amigdalectomia tem um resultado positivo. Em nosso meio existe um estudo interessante de Procianoy, de Pelotas, um colega de São Paulo. Êles verificaram que quando as indicações se restringem às amigdalites repetidas e não são indicadas para faringites, corizas, as nasais, etc., a família se aborrece e tenta forçar o médico para resolver aquêle problema, sugerindo a cirurgia.
Em relação as otites e as adenites cervicais, os resultados são duvidosos. Quanto aos problemas alérgicos, sobretudo a asma, há uniformidade em mosque os resultados não são favoráveis. Isto quer dizer, não há vantagem de operar uma criança com esperança de resolver o problema da alergia do aparelho respiratório. Em alguns casos a criança pode melhorar; outros, como a literatura tem mostrado, podem piorar, ou apresentarem asma logo após.
Orosco tem um trabalho muito bem feito, estudando 304 crianças com asma em que 106 foram submetidas a amigdalectomia nas quais verificaram o resultado negativo da cirurgia. Em relação a duas entidades em que havia uma indicação quase formal de amigdalectomia há alguns anos atrás: a febre reumática e a glomeronefrite aguda difusa, cuja etiopatogenia está relacionada ao problema do estreptococo beta-hemolítico do grupo A. Atualmente esta conduta não é mais aceita. Uma criança que teve uma dessas entidades deve ser estudada e analisada. Se as amígdalas estão em condições más, repetidamente infectadas, então existe a indicação por si e não porque teve aquelas doenças. E a literatura está cheia de casos de crianças que foram amigdalectomizadas e vieram a ter febre reumática ou glomeronefrite. A incidência não é diferente, neste sentido.
O trauma psicológico, isto é, a repercussão que a intervenção cirúrgica representa para a criança, sendo muitas vêzes o primeiro afastamento do convívio materno. A criança é retirada do mesmo e levada para um ambiente estranho e submetida a uma intervenção cirúrgica. Hoje em dia, indiscutivelmente, houve um progresso considerável no sentido da intervenção cirúrgica em si, que antigamente era extremamente traumatizante, sendo mais tolerada face aos cuidados de enfermagem e anestésicos.
Não se pode desprezar o problema do custo. Se é uma intervenção necessária, não tem dúvida. Mas intervenções em massa como eram feitas, isso representa um preço para a família, ou para o serviço previdenciário que a paga.
E como último comentário, a amigdalectomia não é uma intervenção isenta totalmente de perigo. Há alguns anos atrás calculavam a mortalidade em um por mil, o que não é para desprezar, numa doença que raramente mata. E isso deve ser considerado, ou pelo problema da anestesia, ou pelo problema de outra natureza, mas a mortalidade existia e existe, o que nos leva a pesar essa situação.
Em face dêsses comentários a minha conduta tem sido mais ou menos a seguinte:
Um obstáculo à respiração evidente por problema de adenóide; e abcesso periamigdalino, são indicações formais. As adenites cervicais, são um ponto de interrogação, sobretudo aquelas repetidas, cujo motivo, é difícil de localizar e por outro lado as crianças já amigdalectomizadas freqüentemente apresentam adenite cervical e otites recurrentes.
Com estes critérios analisamos primeiro a idade. Excepcionalmente indico uma amigdalectomia antes de 4 anos. E verifico que a maior parte dos doentes que eu consigo levar até essa idade, começam a melhorar, porque as infecções das vias aéreas superiores e sobretudo as amigdalites vão se espaçando, vão diminuindo graças, exatamente, a imunidade que a criança vai adquirindo a uma série de infecções.
Na criança com problema alérgico, pensar duplamente antes de indicar uma intervenção, pois os fracassos depois de extirpação das amígdalas e os surtos de faringites granulosas e de rinofaringites, podem continuar ou até se acentuar.
A pressão da família para que se execute a cirurgia é outro problema que o médico deve enfrentar, pois querem se ver livres da doença. Então ela força, insiste, achando que a intervenção vai livrar a criança daquele problema. O médico deve ser sincero com a família. Em relação a isto, devemos evitar o problema - classificando a cirurgia como intervenção urgente. Não existe intervenção de amigdalite urgente Eu, pelo menos, desconheço. Em segundo lugar, analisar com a família, que o doente deverá melhorar. Não dizer que vai melhorar de maneira segura, porque a família, muitas vêzes, fica iludida e o acompanhamento posterior dêsses doentes, mostra o desencantamento com a intervenção cirúrgica.
O principal, é não intervir numa criança sem individualizar. Isto é, analisar todos os fatores, porque, continuo achando que é uma intervenção cirúrgica realmente útil e extremamente boa. Entretanto, ela não deve ser desmerecida pelo uso indiscriminado de seu emprêgo.
*Prof de Pediatria da Fac. Paulista do Medicina - S. Paulo.