Versão Inglês

Ano:  1970  Vol. 36   Ed. 1  - Janeiro - Abril - (12º)

Seção: Noticiário

Páginas: 82 a 83

 

Patologia do Boato

Autor(es): Henrique Flanzer

''O meio médico é seguidamente afetado por boatos, daí estas pequenas considerações úteis."

Dentro das modernas técnicas de comunicação e informação, os rumores e boatos são tratados como uma doença da opinião.

As distorções causadas pelas comunicações informais, em especial os boatos, vêm sendo estudadas pelos sociólogos e psicólogos, de maneira sistemática, com vistas aos danos que podem causar à coletividade. Diversos estudos sôbre as características dos boatos provam que o seu conteúdo afetivo (capacidade de despertar ressonâncias afetivas profundas e necessidades remotas) é muito mais importante que o conteúdo cognitivo. O imaginário suplanta o real. Nesse sentido é que a luta contra os boatos é difícil. Sendo o boato essencialmente afetivo, não bastará métodos somente lógicos, tais como informações objetivas, desmentidos, comprovações matemáticas, para combatê-lo e vencê-lo. As origens profundas dos boatos, segundo os psicólogos, estão nas insatisfações e nas frustrações das pessoas que os transmitem. As rêdes de informações e comunicações débeis facilitam o seu desenvolvimento. O rumor aparece, então, como um tipo de compensação em resposta a uma carência de informações satisfatórias.

Recentemente Allport e Postman conduziram uma pesquisa, nos Estados Unidos, tomando por base imagens dramáticas que eram projetadas numa tela para um grupo de espectadores, que a seguir as descreviam verbalmente para outras pessoas, estas para um terceiro grupo, e assim por diante. Como é de se esperar, as informações chegavam ao seu destino com inúmeras distorções. Allport e Postman puderam tirar algumas conclusões sôbre o tipo de distorções ocorridas, que interessam ao estudo da "patologia do boato": o número de detalhes da notícia tende a diminuir, à medida que o boato se espalha, tornando-o mais consigo e permanecendo apenas os mais relevantes; alguns detalhes mais importantes são ampliados e exagerados, dependendo dos interêsses e sentimentos da pessoa que os recebe e transmite (por exemplo, uma das imagens projetadas, na experiência de Allport e Postman, era a de um negro enorme; depois de três versões, transformou-se em quatro negros enormes); por vêzes alguns detalhes são destorcidos para atender a uma seqüência mais lógica no sentido dos desejos e das necessidades profundas das pessoas que transmitem as informações (em uma das imagens apresentadas, um negro falava com um branco que segurava uma navalha; na versão final, é o negro que segurava a navalha e ameaçava o branco. A experiência ocorreu no Sul dos Estados Unidos, onde é agudo o racismo).

Outro estudo interessante sabre a psicosociologia do boato foi conduzido por Cantril, baseado em um famoso programa de rádio produzido por Orson Welles, em 1938, Na noite de 30 de outubro daquele ano o rádio transmitiu a invasão de nosso planeta pelos marcianos. Apesar dos anúncios prévios em diversos jornais e na própria emissora, prevenindo de que se tratava de uma brincadeira, milhares de pessoas foram presas de um pânico sem precedentes: procuraram postos de gasolina e mercearias, para se abastecerem, esconderam-se em porões, fugiram precipitademente com seus filhos, sem saber para onde sem fazer nenhum plano. Tefonaram para avisar, suplicar, orar, pedir socorro, etc.
O programa é uma obra-prima de realismo, pois atingiu justamente os padrões do julgamento da média dos espectadores, constituídos de pessoas de baixo nível de renda para quem o rádio constituía, mais que os jornais a principal fonte de informações. A reportagem transmitiu os acontecimento dramáticos relacionados com a invasão da Terra, inclusive ruidos; entrevistou personalidades políticas, militares e científicas (ficticias, porém verossímeis), que confirmaram as informações mais alarmantes; os próprios locutores; que na realidade eram artistas de rádio-teatro, transmitiram suas impressões: "é a coisa mais espantosa que já vi...", "não consigo encontrar", e assim por diante.

Cantril entrevistou, posteriormente, uma centena de pessoas que se destacaram pelo seu descontrôle na hora da emissão e verificou que muitas delas aceitaram integralmente a mensagem do programa, recebida diretamente ou, grandemente acrescidas através de informações de conhecidos e parentes verbalmente ou pelo telefone (essas transmissões de bôca em bôca constituem uma das características do boato), e nada fizeram para verificar sua autenticidade. Essas pessoas admitiram que não tiveram suficiente espírito crítico para duvidar dos fatos anunciados, achando que não podiam perder tempo verificando, e começaram a preparar sua fuga.

Analisando as diversas reações, concluiu o estudo de Cantril que o espírito crítico fica obnubilado pelas informações oficiais (o que diz o rádio, ou o jornal é forçosamente verdadeiro...). Todavia, uma vez operado o choque, os desmentidos, realmente oficiais agora, tem grande probabilidade de não serem acreditados, embora utilizados os mesmos veículos. Ocorre uma reestruturação mental que previlegia o imaginário e o irracional, e que tende a resistir a todos os desmentidas. Na incerteza sôbre os fatos, existe a tendência de se dar preferência às hipóteses mais pessimistas ou exageradas.

Felizmente uma das características do boato é, a sua efemeridade. Correspondendo a um estado de crise, tende a se dissolver por si só, mas em geral deixa um resíduo de opiniões e crenças que podem se desenvolver, se encontrarem campo favorável. Daí a necessidade de uma ação profilática permanente, contra o boato.

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