Versão Inglês

Ano:  1954  Vol. 22   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (12º)

Seção: -

Páginas: 63 a 74

 

GRANULOMA IDIOPÁTICO DA FACE E DA FARINGE (1)

Autor(es): ANTONIO CORREA (2) - MARCO ELISABETSY (3)

(1) Trabalho apresentado no.Departamento de O.R.L. da A.P.M. - Sessão do dia 17-9-1953
(2) Assistente da Clínica O.R.L. da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. (Serviço do Prof. Paula Santos). Hospital das Clínicas.
(8) Médico Voluntário da Clínica de O.R.L. da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. (Serviço do Prof. Paula Santos). Hospital das Clinicas.

O granuloma idiopático é uma afecção de aspecto inflamatório que surge nas vias aéreas e digestivas superiores, com caráter necrotico, terminando por destruir o esqueleto naco-facial, e eventualmente o palato e a faringe. A característica fundamental desta afecção é a presença no exame histo-patológico, de tecido de granulação banal.

É rotulado sob várias denominações, quais sejam: granuloma letal, granuloma idiopático, "granuloma gangraenescens"; isto já indica a falta de conhecimento que paira sôbre a sua etiologia.

O primeiro caso foi descrito por Mc Bride (1) em 1896, e já foram assinalados na literatura mundial cêrca de cinquenta observações. Na literatura nacional, ao que nos consta, não foi ainda registrado nenhum caso.

O granuloma maligno, apresenta-se sob duas formas:

1.º) - Forma facial, mais frequente, que se inicia com obstrução nasal, rinorréia purulenta, às vêzes fétida, dores locais e, em seguida, uma tumefação que se necrosa; a ulceração resultante progride incessantemente durante semanas ou meses, até a morte por hemorragia, caquexia, complicações endocranianas, etc.

2.º) - Forma faringea, em que as lesões se iniciam no palato, pilares amigdalianos ou parede faringea, sendo em tudo, semelhante aquelas descritas na forma facial.

Foi. J. P. Stewart (2), em 1933, quem forneceu o mais completo relato sobre o aparecimento e evolução da moléstia, dividindo a sintomatologia, em três fases: na primeira ou prodrômica, que dura de um a dois meses, até quatro a cinco anos, o paciente queixase de obstrução nasal, com rinorréia serosanguinolenta. A. rinoscopia anterior revela ulceração da mucosa do septo, assoalho ou corneto inferior. Na forma buco-faríngea essa ulceração pode se localizar no palato, sulco gengivo-labíal, pilares amigdalian.os ou parede da faringe.

Os pacientes com a forma, facial da molestia são tratados quase sistematicamente como portadores de sinusite. Na segunda fase ou ativa da molestia, o paciente apresenta uma ulceração de côr marron nas localizações acima mencionadas, recoberta por tecido gelatinoso que, removido, mostra uma superfície rasa. A rinorréia, na localização facial apresenta-se fétida e a tendência da ulceração é a de progredir para o palato ou para o exterior, atingindo a face.

Começam a ser eliminados sequestros dos ossos palatinos, nasais ou maxilares e, às vêzes formam-se abcessos nas bochechas, que necessitam drenagem. Também em alguns casos foram assinalados edema e infiltração das partes moles da face e das-pálpebras, com oclusão completa dos olhos. Podem surgir, concomitantemente, granulomas secundários nas regiões visinhas, independentes da localização primitiva. e seguindo a mesma evolução. Pode haver pouca febre, com temperatura irregular, leucocitose moderada ou, mesmo leucopenia e o estado geral do paciente nada apresenta de anormal, excepto pronunciada fraqueza.

Na terceira fase ou terminal, o quadro que predomina é o de exaustão do doente. Há completa alteração na face com mutilação das partes moles ou ósteo-cartilagineas, secreção purulenta recobrindo as lesões expostas e forte odor de necrose que tornam penosos os curativos a serem feitos. Na parte final da destruição necrótica, forma-se uma larga abertura na face através da qual se vêm a lingua, cavidade nasal seios maxilares, cavum e oro-faringe.

A molestia dura de alguns meses até cinco anos e o paciente termina morrendo por caquexia ou em consequência de hemorragia resultante da ulceração dos grandes vasos.

Sem dúvidas a característica frizante da moléstia, do ponto de vista clínico, é a completa falta de resistência do paciente, à progressão do processo necrótico.

A discussão surge quanto à natureza da afecção, que não pode ser enquadrada em nenhum quadro nosológico conhecido.

A hipótese mais simples é a de inflamação crônica banal, mas a falta de reação do doente não pode ser facilmente explicada, pois o hemograma não revela anemia, os exames sorológicos para lues são sistemáticamente negativos, as pesquisas diretas ou culturas de germes e cogumelos revelam somente saprófitas de infecção secundaria, com provas de patogenicidade negativas. Não se trata de osteomielite, porque esta atinge a parede craniana a qual é respeitada pelo granuloma.

Além disso a penicilina, ativa na osteomielite, é inútil no granuloma.

Finalmente os antibióticos associados à cirurgiá resolvem praticamente todos os casos de osteomielite; apenas houve cura cirúrgica em três casos que foram rotulados de granuloma é cuja documentação não foi muito convincente.

Grande número de autores, devido ao aspecto anatômico lembrar o sarcoma, aventaram a hipótese de sárcomatose de tipo especial. Outros baseados em fatos clínicos; comparam a moléstia ao noma, micose fungóide, lupus pernio, tumor inflamatório do tubo digestivo, (Braum), todos, porém, sem bases sólidas.

A hipótese de uma neoformação maligna da série conjuntiva tem aparecido em tôdas as discussões travadas sôbre o assunto: Os autores usam os termos: linfogranulomatose ou retículo-sarcoma.

Alguns histologistas encontraram, em porções de um mesmo corte, aspectos de sarcoma, enquanto outras porções lembram a lïnfogranulomatose. Os patologistas sempre falam em "não típico" ou "não característico" desta ou aquela afecção, estando sempre prontos a admitir, que se trata de um caso atípico de qualquer dos granúlomas específicos conhecidos.

Piquet (3), em estudos cuidadosos do aspecto anátomo-patólógico descrito dos vários casos publicados e do seu próprio caso, chegou à, conclusão de se tratar de um tumor maligno da série conjuntiva, um réticuloma, variando os elementos celulares caraéteristicos de caso para caso: fibrócitos volumosos (Sturm) células de dimensões variadas de tipo plasmócito ou fibroblasto (joisten, Heinerman, Krauss), elementos mesenquimatosos polimorfos de aspecto reticular (Bayer, Bergqvist, Koch, Sçhmalix) ou em estrutura de tipo reticular (Hesse).

Chega Piquet (3) a sugerir que não seria possível a identificação do processo com as atuais técnicas histológicas.

Teilum (4) acha que, no ponto de vista patogênico, baseado em observações morfológicas e estudos expeâmentais sôbre alterações vasculares e teciduais na alergias, as lesões são primariamente vasculares e de natureza alergica. De acordo com Klinge (5), o substrato morfológico dessas lesões, é o engurgitamento dos vasos envolvidos no processo, com edema, degeneração fibrinóide e inchaço das fibrilas colagénas, em todas as camadas das paredes dos vasos.

Acredita êste Autor ser o granuloma idiopático de natureza alérgica e patogenicamente relacionado com a febre reumática e com as lesões Vasculares da periarterite nedosa e do lupus eritematoso disseminado: 4.

Os tecidos da face constituem uma região em que a pele; tecido sub-cutâneo, mucosa e sub-mucosa se encontram em intima relação. Estes tecidos estão entre aquêles mais capases de desenvolver intensa imunidade e, consequentemente, hiperimunidade; sendo assim, é razoável supor que eles possam facilmente transformar-se em uma reação granulomatosa destrutiva de natureza alérgica.

Kahn (6) sugere que alergia é tão somente, uma expressão de hiperimunidade e que existem muitos, exemplos, na fisiologia, de hiperatividade de um mecanismo fisiológico.

Walsh, Sullivan e Cannon (7) demonstraram que a imunidade pode ser localizada ou estar aumentada em determinados tecidos.

Williams (8) afirma que os mecanismos fisiológicos de resistência orgânica ao "stress" consistem em uma reação estereotipada do leito vascular periférico. Esta reação pode reproduzir as manifestações clínicas dá alergia, sem a intervenção de uma reação antígeno-anticorpo.

Hoover (9) nos dá uma descrição patológica típica do granúloma idiopático; diz ele: "Na borda da lesão existe uma massa amorfa de necrose, abaixo da qual há infiltração de células inflamatórias, principalmente linfócitos e macrófagos, com poucos plasmócitos. Poucos leucócitos polimorfo-nucleares encontram-se presentes. Os grandes vasos mostram uma nítida camada perivascular de linfócitos e macrofagos, com degeneração das paredes arteriais em algumas regiões. Apesar da existência de células infiltrativas nos tecidos, a lesão não é característica, de tuberculose, sífilis ou lepra. 0 patologista concluiu que a lesão sugeriu o fenomeno de Arthus.

Weinberg (10), mostrou que a oidiomicose, tularemia, lepra rinoscleroma, blastomicose, e esporotricose, produzem um quadro histopatológico semelhante.

A evidencia acima apresentada nos faz ficar ao lado da escola americana, que considera o granuloma maligno da face como decorrente de um hiperimunidade localizada, resultando em um fenômeno de Arthus nos tecidos afetados. Os tratamentos tentados na grande maioria dos casos foram ineficazes.

Substâncias cicatrizantes ou ativadoras da circulação local, drenagem e curetagem das lesões; também nada produziram. Estimulantes orgânicos é transfusão de sangue repetidas, pouco adiantaram para a cura da lesão. A diatermo-coagulação ou o radium, produziram pouca melhora, e passageira. Os únicos sucessos registrados foram a radioterapia, profunda, (Mc. Arthur in Piquet) (3), e a radioterapia fracionada, que auxiliaram a cura de seis-casos. Em outros casos observa-se parada do processo durante a radioterapia seguida de recrudescência.

Em outros casos, enfim, houve piora do processo que se acelerava com a radioterapia. 0 tratamento cirurgico foi aplicado com sucesso. por Schwab (in Piquet) (3) em 2 casos com controle pós-operatório de quatro anos.

Foram observados dois casos de cura espontânea, um deles tendo durado após 19 anos - in Piquet (3).

Seguindo as ideias de Williams (8), Moore (11), Teilum (4), Klinge (5) e outros, a cortisona foi aplicada em três casos de granuloma idiopático de localisação facial: Williams e Hochfilzer em 1950 (8), Paul Moore em 1951 (11) e E. W. Hagens (12) em 1952. Os resultados foram brilhantes nos três casos, com controle posterior ainda em prosseguimento, demonstrando à parada e involução das lesões, com cicatrização das áreas afetadas.

No caso de Hagens (12), a localização do granuloma era facial, no canto interno do ôlho e pálpebra inferior. Houve destruição da parede nasal e, como cirurgia a ser feita, era de natureza radical, resolveu-se fechar a incisão. Dois meses após, tendo voltado os sinais da lesão em atividade, que progredia para o assoalho das fossas nasais, usou-se a cortisona nas doses normais de 100 mg, 75 mg, 50 mg, durante 25 dias; no fim da segunda semana, iniciou-se a melhora até a cicatrização total, sendo praticamente impossível, ao fim de 7 meses descobrir sinais de lesão externa.

0 caso de Moore (11) também foi de localização facial, iniciando-se com ulceração no septo, porém propagando-se para o nasofaringe até as coras vocais. 0 tratamento foi prolongado, devido a moléstias, intercorrentes apresentadas pelo paciente, mas o resultado final, depois de duas séries longas de tratamento com cortizona, foi notavel, com cura das lesões nasais e melhora das lesões faríngeas.

0 caso de Williams (8) repete, em linhas gerais, os precedentes, havendo também, cura com cicatrização das lesões presentes.

Apresentamos a seguir, o resumo das observações dos dois casos de granuloma ídiopatico por nós observados na Clinica O.R.L. do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

1.º CASO
I. R. A. - masculino, com 17 anos de idade, brasileiro, foi atendido na Clínica O.R.L. em 2-8-1949, enviado da Clínica Oftálmologica com celulite orbitaria. Relata que, estando em tratamento dentário há cêrca de 3 meses, teve uma complicação de que resultou a afecção ocular que apresentava na ocasião. Foi também acometido de sinusite na mesma época, tecido sido operado pela técnica de Caldwell Luc bilateral em dois tempos, 30 dias antes da consulta. Como resultado do tratamento dentário, apresentava perfuração do palato a E.

O exame O. R. L. realizado na ocasião revelou falta de dentes no hemimaxilar superior a E. e fistula antro-bucal ao nível do segundo pré-molar. No palato duro a D. notava-se uma formação gomosa, esbranquiçada, de superfície irregular, com 1,5 cm de diâmetro e com as bordas avermelhadas. A mucosa dos pilares e faringe apresenta-se com aspécto e coloração normais. A rinoscopia anterior revelou secreção purulenta nos meatos médios e inferiores a E, estando, corneto inferior edema-ciado e congesto. Uma radiografia feita, revelou, opacidade difusa de todos os seios paranasais e células etmoidais; os exames sorológicos para lues foram negativos. Uma semana após, novo exame revelou progressão do edema orbitário, e inicio de ulceração no campo interno, do ôlho esquerdo, interessando o osso nasal, recoberta por material esbranquiçada não fétido: O paciente foi submetido a medicação antibiótica (penicilina parenteral e local) sulfadiazina, vitaminas C e B e extrato epatico.

Uma hemocultura revelou Micrococus flavus, com provas de patogenicidade negativas; o hemograma mostrou 3.700.000, G. V.; 8.000 leucócitos; Hb-65%, com desvio a E.; a pesquisa local com esfregaço revelou dipoclocos grani-positivos, isolados e reunidos em cachos e em cadeias; o exame histopatológico da ulceração revelou processo inflamatório crónico não especifico. 0 doente passou a receber di-hidro-estreptomicina e bismuto, havendo progressão da lesão, com retirada de sequestros ósseas em limpeza feita na fossa nasal E. A fístula, antrobucal a E. passou a drenar material purulento proveniente do seio e a lesão do palato duro a D. mostrou ôsso exposto.

Foram feitos novos exames (radiografias do pulmão, reação de Mantoux e pesquisa de cogumelos no raspado da lesão) todos os resultados negativos. Novo hemograma não demonstrou qualquer alteração em relação precedente.

O paciente fazia curativos diários com água oxigenada, sulfa em pó, violeta de genciana, água de Alibour e estreptomicina alternadamente, porém a área de necrose prosseguia aumentando, com perdas das cartilagens e do osso nasal do lado E; pondo à mostra os cornetos dêsse lado. Uma consulta a Clínica Dermatológica, trouxe o seguinte resultado: "processo gomoso, com destruição dos ossos do nariz e infecção secundária; há lesões no palato duro muito características de sífilis III".

O paciente passou a receber soro anti-gangrenoso dissolvido em soro fisiológico gôta a gôta na veia, além de vitaminas, metionina, ácido nicotínico. Foram feitos novos exames (proteínas totais, glicemia, urina tipo 1, reação de TakataAra), cujos resultados foram todos normais, Alguns dias após, surgiu nova área de necrose ao nível da glabela, iniciando-se com edema e eritema e, em seguida, com ulceração recoberta por induto fibrinoso, abaixo do qual o ôsso estava exposto. (vide foto 1). O paciente passou a fazer aplicações diárias de radioterapia, usando-se, para o curativo local, pomada de insulina e ajuntando-se a medicação, adrenalina na dosagem de 1/4 de ampola adicionada ao sôro glico-fisiológico que o paciente tomava diariamente. Foram feitas novas séries de exames (radiografia, hemograma, urina, hemocultura) que não trouxeram, porém qualquer dado esclarecedor. A necrose prosseguiu na asa do nariz a D. e, já tomando o corpo adiposo de Bichat a E: motivo pela qual resolveu-se fazer a ressecção maxilo-nasal a E. é sinusotomia maxilo-etmoido-esfenoidal bilateral.
Feito exame hispatológico do material da região subcutânea da face retirado durante a operação, o diagnóstico foi "inflamação fibrinopurulenta".

No dia seguinte à operação, foi feito o exame de liquor, cujos dados, foram todos normais.

Pelo fato do paciente apresentar surtos febrís à noite, Foram feitos novos exames (radiografia do tórax, exame parasitológico de feses e hemogratna), cujo resultados, foram normais. A cavidade operatória passou a ser recoberta por tecido fibrinoso de mau cheiro e o paciente passou a se alimentar por sonda, com transfusão de sangue em dias alternados, atingindo um total de 9,5 litros até data de seu falecimento.


Foto I - Gratuloma idiopático da face: Lesão ulcero-necrótico da vertente esquerda e aza do nariz, com edema infra e supra-orbitário; na região da glabela nota-se pequena ulceração inicial. (Caso n.º 1).


Surgiu, após alguns dias, nova área de necrose na região infra-orbitrária a E., sendo retirados, diariamente, sequestros osseos, além de tecido trole, necrosado, também na porção posterior do palato duro a necrose prosseguiu e o estado do paciente tornou-se mau, apresentando-se o mesmo apático sem forças (vide fot. 2).

Nova série de exames realizada (glicemia, pesquisa e cultura de bacilo diftérico. exame de rasgado local, nada revelou de anormal.

Como a necrose prosseguisse em extensão, resolveu-se fazer ressecção mais ampla, com anestesia geral, sendo necessária a enucleação do olho E. devido a propagação da mesma ao esqueleto orbitrário.

Os exames de laboratório realizados após esta segunda intervenção (hemograma, hemossedimentação, urina, Weltmann) não trouxeram nenhum dado esclarecedor para o processo necrótico.


Foto 2 - Granuloma idiopático da face: Destruição de tóda a face lateral do nariz, septo e porção superior do labio; edema orbitário e lesão mais próxima na glabela. (Caso n.° 1).


Acrescentou-se, à medicação do paciente, adrenalina oleosa, testosterona e acido fólico, mas a temperatura continuou alta, apesar da medicação antibiótica e, em certos dias, com dissociação pulso-temperatura.

O paciente apresentou dispnéa e a zona de necrose da parede posterior da orofaringe progrediu muito, sendo o mesmo colocado em tenda de 0 2. A temperatura passou a atingir surtos de 40° e por estar o paciente extremamente dispneico, em tenda de 0 2, os, curativos tornaram-se extremamente difíceis não se podendo retirar tôdas as partes necrosadas fias poções mais inferiores da faringe. A respiração tornou-se cada vez mais difícil e ruidosa sem contudo aparecer tiragem.

No dia 25 de Dezembro de 1949, o paciente apresentou incontinência de fezes, aspecto cadaverico, ôlho D. em enoftalmo e faleceu no dia, seguinte, às 14,30 horas.

No dia seguinte ao óbito, foi feita necrópsia com os seguintes resultados: "causa-mortis: toxemia; doença; necrose da face; broncopneumonia bilateral.

Diagnósticos: ausencia do ôlho E. (op) Edema dos membros inferiores. Aderência pleuraís bilaterais. Congestão hipostática dos pulmões. Trombose recente na ponta do ventriculo E.

Congestão passiva crônica (2.° estadio) do fígado. Congestão, hemossiderose da polpa vermelha e hiperplasia da polpa branca do baço.

Congestão e inchação turva dos rins. Tuberculose caseosa produtiva de gânglios inter-tráqueo-brônquico. (Dr. João Lombardi) Assist. Patologia da Faculdade de Medicina de São Paulo.

2.º CASO
E. F. S. - Feminina com 27 anos de idade, parda, brasileira, foi atendida na Clinica O.R.L. pela 1.º vez em 14-12-1945, queixando-se há 6 anos de surdez, sem outros sintomas, que se iniciara três meses após o parto, com zoadas à direita e cefaléia matutina. Visão prejudicada à noite e leitura labial. A empregada da paciente informa que a mesma costuma ter crises convulsivas dos membros superiores, sem perda de conciência.

Ao exame foi verificado somente, secreção catarral na fossa nasal D.

A paciente só voltou ao Ambulatório 1 anos após, em 19-11-1946. Exame: há 1 mês, resfriado, cefáleia, febre, rinorréia purulenta fétida e obstrução nasal. Edema inflamatório supra e infra-orbitrário a D. A rinoscopia anterior revelou reação edemato-inflamatória e exsudato muco-purulento na fossa nasal D, com temperatura 37,3º.

Não se conseguiu fazer punção maxilar. Foi feita internação da paciente, a qual passou a ser medicada com penicilina, sulfadiazina, vitaminas, extrato hepático, desinfecção do nasofaringe e ferro reduzido por via oral.

Um hemograma revelou 3.100.000 G. V. 6.400 leucócitos e 61% de Hb, com desvio a E. Uma radiografia revelou pansinusite a D., e transparencia normal das cavidades paranasais a E.

Nova rinoscopia, feita ao fim de 10 dias de internação, revelou abaulamento ao nível do ramo montante á D. e do agger-nasi e ulceração próxima á cabeça do corneto médio, com fundo necrotíco e exposição do plano ósseo.

Devido a suposição de goma sifilítica, foram feitos exames sorológicos para lues e líquor completo, todos os resultados negativos.

Apesar disto, foram adicionadas à medicação o xarope de Gilbert e Bismuto parenteralmente.

Um novo exame de controle mostrou destruição de tôda a mucosa do corneto inferior, agger-nasi e cabeça do corneto médio á D., com exposição e sequestração dos respectivos planos ósseos.

Os exames de laboratórios (pesquisas) de bacilo ácido-álcool resistente, pesquisas de treponema, urina, hemograma, fezes) e radiografia do torax, não trouxeram nenhum dado esclarecedor. A paciente passou a apresentar epistaxes frequentes, necessitando, às vêzes, de tamponamento anterior e posterior, sendo, em uma das ocasiões extirpada parte da parede naso-sinusal D, exposta e necrosada.


Foto 3 - Granuloma idiopático da face: Extensa ulceração necrótica da região maxilo-etmoidal e septo, da lado D. (Caso n.º 2).


Alguns dias depois a necrose já se extendera à pele da região infra-orbitária D. e palato e, ao se retirar o tecido necrótico, produziu-se nova hemorragia da palatina descendente, obrigando a ligadura da cárotida externa D.

Foram realizados, nessa ocasião, outros exames de laboratório (pesquisa de B. K. nas fez, cultura de fezes, hemocultura para Brucella, prova de aglutinação para Brucella e pesquisa de hematozoários), quê nada; revelaram de particular.

Dezessete dias após a intervenção cirurgica, teve hemorragia difusa do palato, apresentando, então, extensa lesão destrutiva, tomando a região máxilo-etmóido esfenoidal D, pele da região, palato duro e mole mucosa do septo a D, naso-faringe e estendendo-se pela parede lateral D. do rinofaringe. (Vide-foto. 3).

O estado geral da paciente piorou considerávelmente, passando os ultimos 10 dias com 2 ampolas de Sedol diárias, tendo o óbito sido registrado como sinusite maxilar, gangrena da face, e a causa mortis: toxemia.

Trata-se de dois casos semelhantes nos seus aspectos clínicos e histopatológicos. Os pacientes se apresentaram com uma afecção sinusal, de início rotulada como sinusite aguda supurada e desta maneira tratada, por metodos cirúrgicos ou conservadores.

A evolução do processo inflamatório sinusal não respondeu à terapêutica inicial e mostrou caráter úlcero-necrótico progressivo, que levou à destruição das partes moles e do esqueleto da face.

Todos os exames clínicos e de laboratório (hematológicos, culturas, bacteriológicos, sorológicos) não conseguiram relacionar a doença a uma entidade clínica definida. 0 exame histopatológico, praticado regularmente mostrou tratar-se de processo inflamatório crônico sem especificidade e sem caráter neoplásico. A falta de orientação naquela ocasião, quanto à moléstia, não nos alertou sobre o uso de técnica histopatológica especializada, conforme lembra Piquet. O caráter necrótico da ulceração, progredindo, apesar, de tôdas as terapêuticas lembradas para casos semelhantes, tais como antibióticos; sulfamidoterapia, sôro antigangrenoso, transfusão, antissiflíticos, radioterapia, cirurgia, mostrou a falta de elementos orgânicos contra a lesão localizada na face.

0 uso da adrenalina injetável, naquela ocasião (1949), teve por objetivo o estímulo do conjunto hipófise-supra-renal, como tentativa de favorecer a resistência à progressão da doença.

Tivemos a impressão de algum efeito temporário desta terapeutica. Foi baseado neste aspecto clínico da doença apresentado por estes dois pacientes, em tudo semelhantes ao dos casos descritos na literatura, que rotulamos a moléstia como granuloma idiopático da face.

Antes de conhecer a literatura, tínhamos a idéia de designar êstes casos como sendo de gangrena da face, de causa desconhecida, porque os casos de gangrena que até então tínhamos tratado estavam sempre relacionados a afecção conhecida, tais como, anemia, hemopatia, estafa, caquexia, diabetes, perturbações circulatórias, etc.

Infelizmente, não contavamos, na ocasião, com a corticotropina e a cortisona, que tão bons resultados deram nos três casos de granuloma idiopático relatados na literatura norte-americana.

SUMÁRIO

São apresentados dois casos de granulorna idiopático da face e da faringe, os primeiros descritas na literatura nacional. É feita uma descrição dos sintomas e aspectos clínicos da moléstia. Discute-se, a natureza da afecção, estando os autores inclinados a acreditar em uma etiologia alergica.

SUMMARY

Two cases of idiopathic granuloma of the face and pharynx, the first ones described in the national literature, are presented.

A description of the symptoms anu clinical aspects of the, disease is made, its nature being discussed.

BIBLIOGRAFIA

1 - MC BRIDE - citado por Piquet (3).
2 - STEWART, J: P. - Progressive Lethal Granulomatous Ulceration o: the Nose. Jour. Laryngol. and Otol. 48: 657-701. Oct. 1933.
3 - PIQUET, J. et TUPIN M. - Le Granuloma malin de la face e du pharynx. Les Annales D'Oto-Laryngologia, 68, 451, 1951:
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13 - PIQUET, DRIESSENS et CLAY - Le "Granuloma malin de la face". Inflamation ou néoplasie ulcéreuse. Les Annales D'Oto-Laryngologie, 69: 468 - 1952.

End.: Clinica O.R.L. - Hospital das Clinicas - São Paulo.

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