Versão Inglês

Ano:  1970  Vol. 36   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: -

Páginas: 08 a 13

 

Tuba de Eustáquio Artificial. "Shunt:" Antro Mastoídeo ao Seio Maxilar

Autor(es): Antonio J. Maniglia, M.D.*
Richard J. Bellucci, M.D.**

Embora a tuba de Eustáquío preporcíone drenagem da orelha média, a função principal da tuba auditiva é servir como um canal para transmissão de ar, da nasofaringe à orelha média, ventilando-a e mantendo o equilíbrio de pressão entre a parte interna e a parte externa da membrana do tímpano. Disfunção ou obstrução da tuba faringotimpânica, produz imprópria aeração da orelha média, freqüentemente resultando na produção de enfermidade crônica da orelha. É também a causa de insucesso funcional em casos de cirurgia timpanoplástica.

A tuba de Eustáquio pode ser afetada por várias enfermidades. A maioria dos processos patológicos são secundários à doença crônica de ouvido, manifestando-se por fibrose, membrana, neoformação óssea. Também, neoplasmas da base do crânio invadem esta porção da tuba.

A parte cartilaginosa pode ser afetada por processos infecciosos, neoplasias (benignas e malignas), alergias que tem como localização inicial a nasofaringe, nariz e seios paranasais. Malformações congênitas são raras. Síndrome de Treacher Collins (1.ª arco branquial) pode resultar em estenose, atresia ou agenesia da tuba de Eustáquio. Uranoschisis é outra malformação congênita causando disfunção neuromuscular da tuba, produzindo enfermidade crônica de ouvido.

A revisão da literatura Otorrinolaringológica nos fornece os seguintes dados como tratamento propostos, para a obstrução ou disfunção da tuba faringotimpânica: Após resultados insatisfatórios com o uso de miringotomia, Armstrong (1) (1954) iniciou o uso de tubo plástico (políetileno) introduzido através de uma miringotomia, assim estabelecendo um método simples de ventilação e drenagem da orelha média. Silverstein (2). Sheehy, Donaldson e outros modificaram o tubo, de ventilação de várias maneiras, no sentido de obter melhor fixação do mesmo. O efeito dêstes diferentes tubos é temporário, geralmente são expelidos, deixando uma perfuração na membrana timpânica que ao cicatrizar, em caso de persistência da dísfunção tubárica, reproduzem-se tôdas as condições prèviamente existentes, acrescidas da possibilidade de formação de celesteatoma primário adquirido.

Devido às relações anatomo-topográficas da tuba faringotimpânica, com a base do crânio, artéria carótida interna, nervos cranianos, direto acesso é difícil e mesmo perigoso para a vida do paciente.

Zollner (3) (1963) tentou ataque direto ao tubo faringotimpânico, com resultados insatisfatórios, desaconselhando o uso dêste método.

William House e Glasscock descreveram um método de tratamento usando como via de acesso uma craniotemia temporal e dissecção do tubo faringotimpânico (parte óssea), na fossa craniana média. Esta operação envolve uma craniostomia, com retração do lobo temperal, com tôdas as complicações inerentes e possibilidades de grande limitação de difusão dêste método entre os otorrinolaringologistas.

Radioterapia para a cura de patologia da tuba auditiva, com algumas exceções de neoplasías malígnas, não produz resultados encorajadores, acrescido do perigo potencial de desenvolvimento futuro de tumores na cabeça e pescoço.

Lapidot e Kapila (4) (1967) tentaram em cadáveres e dois pacientes, sem prévia experimentação animal, um método de construção de uma nova tuba de Eustáquio. A técnica consiste na criação de um tubo feito de retalho pediculado de mucosa bucal (que é revestida de epitélio pavimentoso estratificado), ou um enxêrto livre de dueto de Wharton, comunicando a cavidade oral com a orelha média. Êste método parece ser desenhado para facilitar drenagem sòmente. A função principal da tuba auditiva é aeração e equilíbrio de pressão na orelha média. Êste fator não foi considerado nesta operação. A cavidade oral, provida de rica flora bacteriana, saliva e sendo o sítio de preparação do bôlo alimentar, apresenta-se como cavidade indesejável para ser conectada, de qualquer forma, a delicada e estéril orelha média.

A orelha média e externa são derivadas do 1.° e 2.° arcos branquiais. Há bilhões e bilhões de anos atrás, a vida começou no mar. Os peixes foram os primeiros sêres a utilizarem as brânquias como um sistema evoluído de respiração, extraindo o oxigênio, dissolvido na água. Milhões e milhões de anos atrás, o processo evolutivo, desenvolveu um tipo de pulmão vesicular, com máximo desenvolvimento nos anfíbios, protegido por um esfincter primitivo (a laringe), possibilitando a saída do animal do mar e conquista da terra. Êste animal que era provido de audição por condução óssea, ideal para o meio líquido, encontrou-se em situação desfavorável para sobrevida no nôvo ambiente, com a surdez de condução no meio aéreo. Isto sucedeu porque a onda sonora quando passa do meio aéreo para o líquido sofre reflexão de 99,9%. Para compensar a perda sonora de aproximadamente 30 dB houve a necessidade de criação da orelha média, provida de um sistema de alavancas, associadas com a diferença de superfície entre a membrana timpânica e a janela oval, para magnificação do som. Com a aquisição do pulmão, o aparelho branquial com a perda da função respiratória foi utilizado para a criação da orelha média. Note-se que filogenèticamente a orelha média é derivada do aparelho respiratório dos animais primitivos. A tuba de Eustáquio, remanescente do recesso faringo-timpânico, é a demonstração a na tomo-fisiológica da conexão da orelha média e mastoide com o sistema respiratório, através da nasofarínge. Qualquer tratamento cirúrgico de correção de dísfunção do tubo faringo-timpânico deveria considerar êstes conhecimentos de anatomia comparada e filogênese.

Baseado neste princípio e também no fato de que os seios paranasais são revestidos por epitélio respiratório, tendo uma taxa bacteriana mais baixa que do nasofaringe e com mínima participação no acondicionamento do ar inspirado e fisiologia respiratória, desenvolvemos uma técnica cirúrgica para reproduzir a função principal da tuba faringo-timpânica, que é ventilação e equilíbrio de pressão na orelha média.

Depois de dois anos de trabalho, consistindo de dissecções anatômicas e considerações fisiológicas estabelecemos no cadáver uma técnica criando uma tuba de Eustáquio artificial, ventilando a orelha média através de uma conexão ou "shunt", do seio maxilar ao antro mastoídeo. Baseado no princípio de aeracão do osso temporal através de uma comunicação com os seíos paranasais, prosseguimos com uma série de experimentação animal.

Descrição da técnica
A operação consiste em um acesso combinado, da orelha e seio maxilar. Via de acesso auricular

Incisão

Uma incisão post-auricular é feita na pele incluindo tecido subcutâneo.

Retração do periósteo e exposição

A incisão é completada envolvendo o periósteo da mastoide. Retração do periósteo expõe osso e os marcos de reparo do temporal: linea temporalis, espinha supra meatal de Henle, McEwens (triângulo), meato acústico externo. Mais dissecção de periósteo, iniciada medialmente ao músculo temporal, expõe a porção zigomática do osso temporal, o aspecto superior medial do arco zigomático, até alcançar a parte superior lateral do seio maxilar. Isto é semelhante à técnica de Gilles (fratura arco zigom).

Antrotomia

No triângulo de McEwens ou postero-superior à espinha de Henle uma antrotomia é levada a efeito, medindo 0,5 cm de diâmetro.

Recesso Mastoide-zigomático

Um recesso é feito, usando broca cortante, removendo o osso cortical da área anterior da antrotomia, estendendo-se antero-horizontalmente na parede lateral do ático e porção zígomática do osso temporal. Êste recesso mediria, mais ou menos, 15 mm de comprimento X 1 mm de largura X 4 mm de profundidade.

Via de acesso do Seio Maxilar

A técnica de Caldwell-Luc para antrotomía é usada. Uma incisão é feita na mucosa buço-gengival, envolvendo o periósteo. O periósteo é dissecado até identificação do nervo infra-orbítário. Usando osteótomo a antrotomia é levada a efeito através da fossa canina, prolongando-a latero-superiormente.

Com o auxílio de luz frontal, caneta angulada e broca cortante um orifício de mais ou menos 0,5 cm de diâmetro, é criado na face latero-superior do seio maxilar, entre o osso malar e o osso maxilar, mais ou menos 1,5 cm da parede anterior do seio. A introdução de um estilete longo, com ponta arredondada, disseca o tecido mole até alcançar o espaço criado, prèviamente, pela dissecção entre o periósteo e osso do arco zígemático e zigoma. Êste estilete é introduzido até na altura da incisão post-auricular. Neste ponto, uma sêda grossa é amarrada na ponta do estilete, sendo êste puxado em direção ao seio maxilar até se ter a sêda saindo através da antrotomia. O tubo de silicone médico (silastic) é amarrado na sêda, sendo dirigido através do orifício da antrotomia, do orifício na parede supero-lateral do seio maxilar, passando no espaço entre o periósteo e arco zigomático, até atingir a mastóide, quando o tubo de silicone é colocado dentro da antrotomia mastoídea, mais ou menos 10 mm dentro do orifício. Éste tubo é fixado ao periósteo usando suturas de 4-0 nylon ou 4-0 dacron.

Uma contra-abertura vaso-antral é criada no meato inferior do nariz, para assegurar boa ventilação e drenagem do seio maxilar. Isto também permite a introdução de um nasofaringoscópio para inspecção e manipulação do tubo de silicone.

O tubo de silicone mede 2,5 mm (diâmetro interno) e 3,5 mm (diâmetro externo). É flexível mas apresenta certa rigidez.

Prova experimental

Usamos como animal de experimentação o gato. Como o gato pràticamente não tem seio maxilar, devido ao desenvolvimento acentuado da pre-maxila, escolhemos o seio frontal por ser de tamanho bem grande. Através de uma incisão post-auricular a bulla mastoídea foi exposta. Usando broca, um orifício foi feito na porção latero-inferior da mesma. A incisão post-auricular foi estendida anteriormente. Com o auxílio do elevador de periósteo e retração a porção antero-lateral do seio frontal é exposta e outro orifício é feito nesta região, também usando a broca. Um tubo de silicone medindo 2,5 mm (diâmetro interno) é usado para conectar o seio frontal à bulla mastoídea.

O tubo é fixado ao periósteo através de suturas de 4-0 nylon ou 4-0 dacron.

Através de uma incisão transpalatina a tuba faringotimpânica, do mesmo lado da orelha operada, é cauterizada extensivamente (eletrocoagulação), para provocar obstrução completa por cicatrização e fibrose. Senturia et al. (1962) descreveram êste método para provocação de otite serosa média (ex-vácuo hidropsia). Oito animais foram submetidos à nossa experimentação. Divididos em grupos, foram sacrificados, um mês, dois meses, três meses post-operatório. Os tubos ("Shunt") foram encontrados patentes, sem o menor grau de obstrução, ou acumulação de fluido. A mucosa do seio frontal foi achada normal. Tanto a bulla timpânica, como a cadeia ossicular e membrana do tímpano à inspeção revelaram ausência de fluido, tecido de granulação, ou fibrose. Estudo histopatológico do orifício faríngico da tuba de Eustáquio, prèviamente eletrocauterizado, revelou completa obstrução do lumem, com exceção de um animal.

Esta ausência de reação de corpo estranho no seio frontal, bulla timpânica e ouvido médio é devido ao fato de que silícone é o mais inerte dos materiais sintéticos conhecidos até hoje. Êste material é usado em cirurgia cardiovascular, círúrgia plástica, cirurgia otológica, oftalmológica e outros ramos da medicina moderna.

Esta é uma técnica nova, original, cem base experimental. Drettner e Ekval (5) (agôsto de 1969) na Suécia, independentemente e concomitantemente usando o mesmo princípio, descreveram outra técnica, conectando a parte antero-superior da orelha média com o seio maxilar, usando um tubo de 1 mm de diâmetro interno. O tubo é introduzido no seio maxilar através de um trocáter que perfura a fossa infratemporal. Êste método não é isento de riscos, pois nesta região há vasos importantes, como a artéria maxilar interna e nervos cranianos. Há também possibilidade do tubo no ouvido médio ser expelido através da membrana timpânica. O diâmetro do tubo não é mais de um milímetro devido às limitações de espaço do ouvido médio.

Nossa técnica, pode usar um tubo de adequado calibre, permite visão direta das estruturas anatômicas, não compromete a orelha média e cadeia ossicular, articulação temporo-mandibular, nervo facial, ramos do nervo trigêmio ou vasos de grande calibre corno artéria maxilar interna.

Como caso inicial para aplicação desta técnica, um dos melhores candidatos seria um paciente com uma neoplasia maligna da tuba faringo-timpânica e nasofaringe, prèviamente tratado, sem evidência de recorrência, mas com obstrução da trompa de Eustáquio.

Sumário

Esta é uma técnica nova, para tratamento de disfunção ou obstrução permanente da tuba faringotimpánica; sem precedentes na literatura, pois permite preservação de membrana do tímpano ou enxertos timpanoplásticos intatos. Já temos limitada pesquisa experimental provando que a técnica funciona. Estamos continuando com projetos mais extensivos de experimentação e iniciando aplicação clínica.

Bibliografia

1 - Armstrong, B. W.: A new Treatment for Chronic Secretory Otitis Media, Arch Otolaryng 59:653-654 (June) 1954.
2 - Silverstein, H.: Malleus Clip Tube for Long'term Equalization of Middle Ear Pressare. Trans Amer. Acad. Ophtal. Otolaryng 70: 640-642 (July-Aug.) 1966.
3 - Zollner, F.: Horverbessernde Operationen bei entzundlich bedingten Mittelohrveranderugen, Arch Ohr Nas Kehllzopfheilk, 171.: 1-62 (May) 1957.
4 - Lapidot, A., and. Kapila, B.: Experimental Construction of a New Eustachian Tube, Arch Otolaryng 86: 490-496 (Nov) 1967.
5 - Drettner, B and Ekvall: Tympanomaxillary Shunt: A New Method of Middle Ear Ventilation, Arch Otolaryng 911: 122-128 (Aug) 1969.
6 - Mullison, E. G.: Silicones in Head aud Neck Surgery. Arch Otolaryng 84: 91-95 (July) 1966.
7 - Linton, C. S.: A Comparative Study of Bacteria Flora of Clinically Normal Nasal Sinuses. Ann Otol 39: 779-791 (Sept) 1930.
8 - Schuknecht, H. F. and, Kerr, A.: Pathology of the Eustachian Tube, Arch Otolaryng 86: 497-502 (Nov) 1967.
9 - Proctor, B.: Embriology and Anatomy of Eustachian Tube. Arch Otolaryng 86: 503-514 (Nov) 1967.
10 - Drettner, B.: The Permeability of the Maxillary Ostium. Acta Otolaryng, 60: 304-314 (Oct) 1965.

* A. J. Maniglia, M. D., Dept. of Otolaryngology, New York Medical College, New York, N. Y.
** Richard J. Bellucci, Manhattan Eye, Ear and Throat Hospital.

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