Versão Inglês

Ano:  1943  Vol. 11   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 515 a 531

 

SOBRE DOIS CASOS DE OSTEOMIELITE DO SEIO FRONTAL E DO OSSO MALAR CURADOS PELO BACTERIÓFAGO.

Autor(es): DR. SILVIO MARONE (**)

É do conhecimento geral a grande discordância que existe entre os AA. e os médicos em relação à terapêutica da osteomielite.

Em todos os livros e demais trabalhos escritos sobre essa entidade mórbida são citadas as escolas terapêuticas conservadora e cirúrgica.

Desde PREVIOUS, em 1874, a osteomielite era tratada medicamente, retirando-se os sequestros e colocando-se na cavidade numerosos tipos de substâncias animadas ou inanimadas, vegetais ou animais. Ainda. em 1874 HOWES inicia unta terapêutica próxima da usada presentemente e que consistia na abertura da cavidade de extremo a extremo, com retirada de seqüestros e deixando que a ferida granulasse por si. Outros processos sobrevieram, os de HAMILTON e de KEETLING, (tendo este último causado mais dano que benefício).

Todas essas tentativas, porém, se relacionavam à osteomielite crônica, porquanto a forma aguda era deixada a sí própria e sob vigilância para se suster a abertura espontânea ou provocada dos abscessos que se formavam. A eliminação dos seqüestros ocorria espontaneamente e quando se dava para dentro de cavidades, a tendência era achar-se qualquer substância que enchesse essa cavidade (esponjas, fragmentos ósseos, pastas diversas, sangue extravasado e coagulado, etc.), ou se estimular a obliteração de por si. Esta obliteração devia preceder à cura da ferida.

As tentativas em esterilizar as cavidades ósseas e em oblitera-las com substâncias assépticas continuaram até 1904 quando NICHOLS, de Boston, demonstrou que a medula óssea e o endósteo eram tão importantes na regeneração óssea quanto o periósteo e que a raspagem completa e o uso de concentrados anti-sépticos retardavam a cura. Isto foi finalmente reconhecido pela maioria dos cirurgiões que tinham experiência bastante desalentadora com a esterilização da cavidade óssea e os métodos de enchimento, o que acarretou o afastamento de tal prática com ecepção do emprego do coágulo sanguíneo.

Passando por sobre todos os processos terapêuticos até hoje usados e do conhecimento geral, vamos deparar com uma substância que se tem mostrado de ação benéfica sobre o tecido infectado por mecanismo semelhante à esterilização. Trata-se do bacteriófago, de ação terapêutica tão excelente quanto rápida.

O bacteriófago, segundo os estudos de KRUEGER e SCRIBNER, é uma proteína de alto peso molecular, parecendo ser formada por um precursor que se origina dentro da bactéria. As suas propriedades terapêuticas são:

a) destruição das bactérias, dissociação dos germes em variantes menos virulentas;
b) aumento da eficiência fagocitária;
c) estímulo de imunidade anti-bacteriana específica pelas antigênicas provenientes dos germes lisados;
d) ativação das reações de imunidade específicas e não específicas do hospedeiro por elementos não específicos do lisado.

D'HERELLE, estudando as propriedades dos fagos, concluiu que os mesmos:

1 - destroem as bactérias;
2 - modificam-lhes a virulência;
3 - alteram-lhes os caractéres sorológicos ;
4 - tornam-os mais sensível à ação alexina do soro;
5 - as lisinas secretadas pelos bacteriófagos agem como opsoninas, tornando as bactérias mais facilmente fagocitáveis pelos leucócitos,
6 - as proteínas bacterianas dissolvidas pelas lisinas do fago apresentam-se sob um estado físico-químico especial que lhes confere alto valor antigênico.

Como se pode ver, o bacteriófago, ao atuar sobre um processo infecciosos não só destroem os germes como também, quer pelo produto proveniente da fagocitose das bactérias, quer pela sua presença ao nível do tecido infectado, produz por meio de um químiotactismo positivo uma chamada de leucocitos, ao mesmo tempo que estimula a ação fagocitária e produz uma vacinoterapia local.

Entretanto, nem todas as bactérias são fagocitadas pelo fago ; uma ou outra foge à sua ação; e, desta maneira, pode-se observar um retorno à infecção pela multiplicação daquela bactéria. É a chamada cultura secundária, que pode ser interpretada como sendo uma reação da bactéria contra o agente que a procura atacar. Tal cultura secundária pode-se observar quando da aplicação do bacteriófago nos tecidos. Daí um cuidado da técnica que será citado posteriormente. O fago, assim como a bactéria que lhe deu origem, tem a sua virulência.

Entretanto, por passagens ou repiques sucessivos pode-se aumentar gradativamente a virulência do fago e, deste modo, ter-se um fago com uma virulência superior à da bactéria que lhe deu origem.

TÉCNICA DA APLICAÇÃO DO BACTERIÓFAGO


Das ações terapêuticas do fago decorrem os princípios de sua aplicação:

1 - Para agir sobre uma bactéria, precisamos colocá-lo em contacto desta, cuja lise seja capaz de produzir. Portanto, o foco infecciosos deve ser atingido diretamente;

2 - Repetir a aplicação do fago sobre a bactéria várias vezes por dia, afim de destruí-la e esgotar a sua capacidade de multiplicação, isto é, evitar a formação das culturas secundárias;

3 - Evitar a aplicação no foco infeccioso de qualquer anti-séptico antes da introdução do fago, visto como este é sensível e facilmente destruído sob a ação daquelas.

DECHAUME aconselha, nos casos de supurações quando abertas na cavidade bucal, bochechos prévios com solução alcalina (bicarbonato de sódio, etc.) afim de neutralizar a acidez.

4 - Não ha necessidade, nem vantagens em se deixar no foco tampão embebido em bacteriófago.

Analisando a literatura nacional e estrangeira sobre a aplicação do bacteriófago nos processos de osteomielite, vemos simplesmente rápidas citações como possível arma de aplicação, quer local, quer geral (via endovenosa), principalmente nos casos de osteomielite acompanhada de bacteriemia estafilococicas, revelada pela hemocultura. Os A.A. mais modernos que estudam exaustivamente o assunto em qualquer localização do organismo, referem de passagem, assim como para á vacina e imunotransmissão, a ação benéfica do bacteriófago. Não encontramos nos tratados compulsados nenhuma referência de casos curados por essa arma. A causa de não se tentar a aplicação dessa terapêutica, a nosso ver, reside no relativo pequeno número de osteomielite nos setores da oto-rino-laringologia, como também no descaso ou desconhecimento das propriedades terapêuticas do fago.

Por isso chamamos a atenção para essas propriedades, afim de que seja o fago tentado em todos os casos dessa entidade mórbida; tanto mais porque a sua aplicação é inteiramente inócua
e os seus resultados, como se podem ver nas observações que se seguem, são imediatos. Mesmo nos casos em que essa terapêutica não der cem por cento de resultado, ainda se obtém uma imunidade local pela ação do caldo, motivo pelo qual também se deve usá-la.

OBSERVAÇÕES

J. M., 47 anos, casado, brasileiro, empregado no comércio.

Em Dezembro de 1939 apresentava cefaléia generalizada, mais intensa ao nível do seio frontal D. cefaléia que não cedia com banhos de luz e inalações comuns, mas intensificava-se sempre às 13 horas e se atenuava às 15 horas. Durante o resto do dia e à noite era menos intensa. Apresentava grande saída de pus do lado direito do nariz. Sem febre e sem manifestações na pálpebra superior D.

Em Novembro de 1940: Foi-lhe diagnosticado polipóse nasal D, sendo extirpados quatro grandes pólipos. A pedido do médico extraiu todos os dentes da arcada superior, embora radiograficamente fossem normais, A cefaléia, entretanto, persistia com o mesmo caráter e localização. Tomou, desde Dezembro de 1939 até Novembro de 1940, quarenta tubos de sulfamidas representados por Stopton, Septazine e Rubiazol. Fez ainda vacinoterapia. Persistência da purgação nasal D. Sem Febre.

Em Maio de 1941, amanheceu com ambas as pálpebras superiores completamente cerradas, intensamente hiperemiadas e dor nos ângulos súpero-internos das órbitas. Sem febre. Um oculista, pensando tratar-se de infecção blenorragia, receitou-lhe um colírio à base de prata, mas sem resultado. Purgação nasal D. persistente.



Radiografia n.º 1



Radiografia n.º 2



Radiografia n.º 3



Foto n.º 1 e 2



Em 25 de Julho de 1941, procurou-nos com a sintomatologia assinalada. Ao exame encontramos purgação nasal no meato médio D. Dor à pressão ao nível dos seios frontal e maxilar direitos. Tumefação da pálpebra superior semelhante a flegmão. Mandamos proceder a uma radiografia que revelou: "Pan-sinusite D. Opacidade do seio frontal E, Seios maxilar e etmoidal Es. de transparência normal". Depois de preparado com Cálcio e vacina antipiogena, operamos em 30 de Julho: - O ato cirúrgico consistiu na abertura do seio maxilar D. cuja mucosa se apresentou espessada, com aspecto de degeneração poliposas. Abertura dos etmóides anteriores Ds., onde a degeneração da mucosa era do mesmo aspecto. Ampliação do canal naso-frontal D. sem curetar o seio frontal.

No post-operatório foram feitos curativos comuns, vacinoterapia (Sto. mosina antipiogena), havendo desaparecimento completo da cefaléia, da febre e da secreção purulenta.

Em 12 de Setembro de 1941 (mês e meio depois de operado) voltou apresentando tumefação ao nível da pálpebra superior D. que não cedia com tratamento anti-infeccioso geral. Tratava-se de flegmão duro, circunscrito nessa pálpebra, determinando-lhe ptose e sensação de peso. A punção houve somente saída de sangue. Pensamos em neoplasia - o que foi confirmado por oculista - e em goma da pálpebra. Reações de Wassermann e Kahn negativas. Contudo, dada a possibilidade de, mesmo em lues terciária, termos, por vezes, reações soriológicas negativas, tomou Neosalvarsan 0,30 sem que melhorasse, vindo, ao contrário, a passar mal com essa terapêutica. A tumefação aumentava cada vez mais; esperávamos a formação de ponto de flutuação quando a 7 de Outubro se abriu sozinho, dando saída de pus amarelo cremoso. Curativos diários para esvasiar o suposto abscesso que não cedia de minar puz. Sem febre. Em vista disso procedemos à radiografia do seio frontal D: Verificou-se: "Opacidade intensa do seio maxilar D. e das células etmoidais anteriores desse lado e dos seios frontais. Nota-se que os contornos dos seios frontais são imprecisos e que ha uma reação de osteite no seio frontal D. com destruição dos contornos súpero-internos da órbita desse lado. Sinais radiológicos de pan-sinusite à D. com osteite e osteomielite da taboa externa do seio frontal D. Dr. Mazzilli". Radiog. n:º 1. Fizemos rápido preparo para ser a 20 de Outubro operado pelo Dr. Matos Barreto e auxiliado por nós, Técnica de Moulonguet, que consistiu na ressecção de toda a taboa externa do seio frontal D. e parte frontal E. Ressecção do septo intersinusal que se apresentava com focos destrutivos de osteomielite. A taboa interna do seio frontal D. apresentava numerosos focos superficiais e pequenos de osteomielite que foram eliminados, dando visão à dura-mater que se apresentava com caracteres nítidos de paquimeningite, o que agravava sobremodo o quadro.

Post-operatório: Durante os quatro primeiros dias o doente apresentou cefaléia intensa, seguindo-se estado de inconsciência e agitação, o que indicava comprometimento meningeos. Procedemos a vacinoterapia e imunotransfusão diária, de que se encarregou o Dr. Francisco da Silva Teles. No quinto dia, isto é, no dia 24 de Outubro fizemos a primeira aplicação do bacteriófago local (preparado gentilmente pelo Dr. José Macedo Leme) por meio de sonda frontal através do nariz aproveitando-se a ampliação do canal naso frontal; o bacteriófago foi também colocado diretamente sobre o seio frontal aproveitando-se a incisão externa, de cujos lábios entre uma sutura e outra ainda abertas, minava pus. Com essa primeira aplicação do bacteriófago, a febre que antes era muito elevada à tarde (chegando a atingir a 39 graus) subiu somente até 37,4. A purgação tornou-se mais escassa e o estado geral do doente melhorou acentuadamente, sem agitação nem cefaléia. Essa melhora se extendeu até o sexto dia.

No sétimo dia depois da operação, isto é a 26 de Outubro, exacerbação da febre que atingiu 39 graus de manhã, e 39,8 graus à tarde, vindo o doente a passar mal com tontura e dores na nuca. Curativos locais com água esterilizada e prosseguimento na aplicação do bacteriófago.

Nos dias seguintes aplicando-se sempre o bacteriófago depois de ligeiros curativos locais com água esterilizada, as melhoras locais e gerais foram rápidas e entusiasmadoras, com o desaparecimento de todo o mal estar anterior, vindo o paciente a comer e dormir bem e tendo a febre caído por crise (vide curva térmica).

A 31 de Outubro, depois de sete aplicações de bacteriófago teve o doente alta melhorada, sem purgação nasal, sem cefaléia, sem febre, com apetite e com grande vontade de retomar o trabalho. A ferida externa desde a primeira aplicação do bacteriófago entrou em granulação franca e evidente.

Continuamos a aplicação do bacteriófago local diariamente durante todo o mês de Novembro e parte de Dezembro. A seguir, em dias alternados, intercalando-se então lavagem local com água esterilizada, colargol e água oxigenada.

Desde 31 de Outubro ,a temperatura manteve-se normal. Boa disposição para o trabalho, bom apetite, dorme bem. Seu peso que antes da operação era de 68 quilos, atualmente é de 76 quilos.

A cura clínica e anatômica pode ser verificada pelas radiografias (radiografia nrs. 2 e 3), procedidas depois da alta, e cujo diagnóstico foi: Opacidade do seio maxilar direito. Seios frontais de transparência diminuída, notando-se do lado direito que os contornos do sinus são barrosos, e irregulares. Perda de substância na parede orbitária do seio frontal D. de causa operatória. Esses aspectos do seio frontal podem ser interpretados como conseqüências de intervenção cirúrgica. Atualmente não se notam sinais de osteomielite. Nota-se na parede do seio frontal direito, na sua porção supero-externa, indícios de regeneração óssea. 11 de Novembro de 1941. Dr. Mariano Leonel ".

Localmente, como se pode ver na fotografia efetuou-se ligeira queda da parede anterior do seio frontal D. sem que lhe prejudicasse a estética.





OBSERVAÇÃO II

J. R. 23 anos, solteiro, brasileiro, auxiliar de foguista.

No dia 4 de Fevereiro de 1942 começou a sentir dor ao nível do osso malar E, cujas partes moles suprajacentes se edemaciaram exageradamente. 11 dias depois, o edema atingia a pálpebra inferior E, na face E, até as proximidades do O. E., alcançando o tamanho de mais ou menos 1 laranja Baia das grandes.

Pode trabalhar até o dia 7 de Fevereiro. Depois
a doer muito, latejando, sem haver sinal de flutuação. Febre à noite.

No dia 13 de Fevereiro, procurou um Hospital da Capital, onde lhe disseram tratar-se de abscesso, tendo sido incisado na região malar E. Houve saída de grande quantidade de pus alcançando mais ou menos 3 litros, pus com cheiro fétido; não refere saída de seqüestro.

Depois da incisão fez curativos diários, tendo melhorado sensivelmente. A incisão fechou-se. Quando melhorou bem dessa lesão, o que

se deu 1 mês após a incisão, teve intumescimento da pálpebra inf. E, a qual atingiu dimensões aproximadamente de 1 ovo de galinha. A pálpebra tornou-se dolorosa, sem lhe prejudicar a visão E.

Foi nessa ocasião radiografado, verificando-se tratar-se de sinusite maxilar. Pequena febre à noite. Punção maxilar negativa, com saída de, somente, sangue puro. Foi aberto o flegmão palpebral nas proximidades do angulo externo, com saída de pus fétido, semelhante ao do osso malar. Entretanto, apesar dos curativos diários o pus continuava a sair.

Depois de uns 26 curativos na pálpebra afetada, sem que cessasse a purgação; foi operado de sinusite maxilar E. Internou-se, sendo-lhe feito somente o primeiro curativo.

Apesar dessa operação continuava franca a purgação da pálpebra inferior E. Nova radiografia, verificando-se tratar-se de osteomielite do osso malar. Foi indicada recessão desse osso, a que o paciente não se submeteu.

RW negativa.

Procurou-nos em 22 de Abril de 1942, relatando a história acima.

Ao exame, verificou-se tratar-se de indivíduo de feições abatidas, tendo na face esquerda (Fot. n.º 3) ao nível da metade do rebordo inferior do osso malar, uma fístula longitudinal de mais ou menos um centímetro de comprimento, de onde minava abundante pus amarelo cremoso, espesso. Por cima dessa fístula, notavam-se conglomerados de coloração vermelho-arroxeada de tecido reacionário, propagando-se os mesmos até o rebordo orbitário inferior. Radiografado revelou: Opacidade dos seios frontal direito e maxilar esquerdo. Nota-se processo destrutivo do osso malar esquerdo, por osteomielite. Dr. Mariano Leonel". Radiog. n.º 4.

Nesse mesmo dia, recolhemos material com o que o Dr. Macedo Lemos nos preparou o bacteriófago. O Dr. Macedo Lemos forneceu-nos, gentilmente o auto-bacteriófago, depois de alguns dias e a 30 de Abril tomados todos os cuidados prévios no sentido de não prejudicarmos a ação do bacteriófago sobre a lesão, fizemos a primeira aplicação. Tendo vindo essa substância terapêutica em ampolas de 4 cc. utilizamos 2 cc. para introduzir no seio maxilar E. pelo processo de Proetz e o restante foi aplicado sobre a lesão através da fístula técnica essa que usamos em todo o tratamento. Aplicamos também vacina antipiógena polivalente. I. B. M. 500 milhões de germes.

No dia 2 de Maio, ao fazermos a 2. aplicação notamos que a zona arroxeada perifistular se apresentava mais hiperemiada. O doente não acusou reação devido à vacina antipiogena. Continua a purgação na mesma intensidade.

No dia 4 foi feita a 3.º aplicação de bacteriófago. O doente diz estar se sentindo melhor.

Localmente o aspecto é mais hiperemiado; e a secreção purulenta menos intensa. Vacina antipiogena I. B. M. 1.000 milhões de germes.

No dia 5, 4. aplicação do bacteriófago. Notamos purgação local mais intensa; o doente diz ter tido bastante febre.

No dia 6, 5. a aplicação; a purgação diminuiu de intensidade e de aspecto, apresentando-se reais fluida.

No dia 7, 6." aplicação; a secreção diminuiu mais de intensidade e tornou-se mais fluida; da fístula retiramos pequeno seqüestro ósseo de 0,5 cmt. de comprimento e rebordos irregulares.

No dia 8, 7." aplicação. Nota-se saída de pequena quantidade de líquido aquoso, ligeiramente purulento.

No dia 9, nenhuma saída de secreção; à pressão sobre a fístula, pequena gota de pus de aspecto aquoso. Os rebordos da fístula mostram-se, à palpação, duros, indicando cicatrizando. Vacina antipiogena 1. 13. M. 500 milhões de germes.

No dia 11 não fizemos aplicação direta de bacteriófago, pois a fistula se apresenta cicatrizada: à pressão forte sobre a fístula não houve saída de nenhuma secreção; o doente refere estar passando bem tanto geral como localmente. Aplicação do bacteriófago pela prova de Proetz.

No dia 12, 9.º aplicação somente pelo Proetz pois a fístula continua cicatrizando-se. Pode-se tocar com força no local da lesão sela haver a menor dor.

No dia 13, 10.ª aplicação pelo Proetz. A fistula apresenta-se quasi completamente fechada.

N o dia 15, não foi feito aplicação de bacteriófago por se apresentar este contaminado.

No dia 16, 11.ª aplicação pelo prova de Proetz.

No dia 18, não foi aplicado o bacteriófago.

No dia 19, aplicação do bacteriófago pelo Proetz; foi hoje fotografa do, fot. n.º 4, onde se nota, comparando-se com a fotog. anterior que o paciente se apresenta com estado geral melhor, e que localmente os conglomerados de tecidos reacionários ao redor da fístula e propagando-se para o rebordo orbitário são menos nítidos tendendo a desaparecer. Notar que essas melhoras se apercebem mesmo na fotografia.

Desde o dia 20 de Maio até 15 de Junho fizemos mais 12 aplicações de bacteriófago pelo Proetz. Nesta data demos alta curada e procedemos à fotografia n." 5. Nesta, chama a atenção, si compararmos as várias fases da moléstia, que o paciente se apresenta muito melhor disposto, que a lesão está completamente cicatrizada, tendo ficado simplesmente sinal da fístula, bastante insignificante com a gravidade da moléstia, e que os conglomerados reacionários perifistulares e propagando-se para o rebordo orbitário estão praticamente desaparecidos.

Apesar dessa cura, temos acompanhado o doente até a presente data (17 de Agosto de 1942) estando o paciente sempre a passar bem, nunca mais se tendo voltado o processo patológico.
A 17 de Julho mandamos proceder a radiografia n." 5 e verificou-se: "Opacidade dos seios frontal direito e maxilar esquerdo. O osso malar E. não apresenta sinal de destruição, ao contrário nota-se condensação óssea (cicatricial). O bordo inferior apresenta-se com falha óssea, medindo aproximadamente 1 centímetro de extensão. Os rebordos dessa falha se apresenta espessado. Dr. Leonel Mariano".



Radiografia n.º 4



Radiografia n.º 5



CONCLUSÕES

Dos dois casos observados, pode-se concluir:

1.º) Também nos casos de osteomielite o bacteriófago tem ação terapêutica evidente e rápida: deve-se, pois, sempre tentar a sua aplicação nesses casos e mesmo quando já houve comprometimento meníngeo ;

2.º) O bacteriófago deve ser aplicado local e repetidamente;

3.º) O bacteriófago pode evitar, em casos de osteomielite, grandes operações de resultados nem sempre felizes e, no geral, muito traumatizante e deformantes;

4.º) Mesmo nos casos operados, pode-se, através da ferida operatória, fazer aplicações de bacteriófago, o que poderá acelerar a cura.

O nosso segundo observado apresenta interesse não só pelo processo de cura da osteomielite como também pela raridade da situação da entidade mórbida, isto é, no osso malar.



Foto n.º 1 - Em 22-4-42.
Foto n.º 2 - Em 19-5-42, depois da 12.ª aplicação de bacteriofago.
Foto n.º 3 - Em 10-6-42. Alta, curado.



COMENTÁRIOS

Na história de ambos os casos vamos verificar que, com certeza, foi não só o trauma operatório de uma sinusite o elemento desencadeados da osteomielite, como também a infecção que, por meio de ato operatório, se propagou.

Assim, tanto no primeiro como no segundo caso, existiram não só a infecção de um dos seios, como também nessa região afetada, se precedeu à operação: ambos esses elementos: infecção e trauma operatório são suficientes para desencadear a osteomielite.

De fato, a infecção entra sempre como elemento de primeira grandeza no aparecimento do processo em questão, pois é em territórios infectados que se opera. Alem disto, como não é possível tecnicamente remover-se todos os focos de infecção - uma ou outra zona de tecido infectado escapa à remoção cirúrgica e vai garantir a contaminação de novo tecido ósseo exposto. Ainda, a barreira à infecção representada pelo tecido de granulação no seio, é eliminada e nova porta é aberta para a fácil difusão dos germens.

O trauma é também de grande importância no aparecimento do processo de osteomielite, pois, e por meio dele que, ou por manobras intempestivas ou por grande desenvolvimento anatômico da díploe, esta é aberta pelo cisel ou cureta, estabelecendo-se a contaminação direta do contendo diploético. Daí ser o grande desenvolvimento da estrutura diploético da parede anterior do seio frontal, o motivo por que esse seio apresenta maior predisposição à osteomielite, predisposição esta mais acentuada ainda em jovens onde a díploe se apresenta formado de largas malhas irrigadas por vasos maiores que nos velhos.

É ainda pelo trauma e segundo a localização da infecção se pode obter uma osteomielite por tromboflebite - quando a infecção se estabelece no plexo venoso da díploe, ou por trombose secundária - quando num tronco arterial.

No nosso primeiro caso de osteomielite da taboa externa do seio frontal, achamos que devemos incriminar como causadoras do processo, as intervenções feitas para se eliminar os grandes pólipos nasais, pois, segundo a história vemos que alguns meses após a intervenção, teve o doente ambas as pálpebras superiores completamente cerradas e intensamente hiperemiadas e dor nos ângulos supero-internos.

Foi com esta sintomatologia que nos procurou; não pensamos, de fato, na possibilidade de uma osteomielite, pois partimos sempre do conceito de que é raro o raro, e feita a radiografia também a nós nos fugiram os sinais, que nela já se esboçavam.

Temos aí a confirmação de que em muitos casos de osteomielite do seio frontal, rotulados como de origem expontânea, nada mais são que conseqüentes a intervenções nasais.

A nosso ver, pois, o paciente era portador de sinusite frontal crônica D, de que resultou polipóse nasal. Pela extirpação esses pólipos houve degeneração do processo em osteomielite.
Vista degeneração já existia quando foi aberto, por nós, o seio maxilar e ampliado o canal vaso frontal. Certamente esta nossa manobra contribuiu para mais agravar o processo de osteomielite, já existente, e prejudicou o prognóstico.

Pela intervenção verificou-se que já havia uma tendência ao processo de se propagar para os demais ossos, pois foi encontrado estendido na parede anterior do seio frontal E. é também em numerosos focos na parede posterior, com comprometimento da dura mater e paquimeningite.

O comprometimento meníngeo estabeleceu-se nos primeiros dias subseqüentes à intervenção de Moulonguet, comprometimento esse que cedeu definitivamente, até a presente data, com as primeiras aplicações diretas de bacteriófago. Confirma este resultado uma das propriedades terapêuticas do bacteriófago; ser de ação rápida. De fato, através da ferida operatória externa e da abertura no interior do nariz, minava pus cremoso que em presença do fago, desaparecia como por encanto. Foram tais as melhoras que após a 7. aplicação do bacteriófago, nos era permitido fazer sair do Hospital com alta melhorada o doente para quem, uma semana antes, tínhamos firmado prognóstico bastante grave.

Acreditamos, mais, que essa alta melhorada teria sido dada com maior antecedência ainda, si, ao em vez de aplicarmos somente uma vez por dia o bacteriófago, o tivéssemos feito numerosas vezes, como ordena a sua técnica.

Vemos pela história do nosso segundo observado, que o processo infeccioso se transmitiu também por meio do trauma operatório de um seio maxilar infectado a um osso até então normal e neste estabeleceu-se o processo da osteomielite.

O interesse do caso reside não só na sua cura pelo bacteriófago, como também pela raridade da situação do processo ósseo malar.

De fato, em nenhum dos tratados por nós rebuscados, modernos e antigos, nacionais e estrangeiros, nos foi possível encontrar ao menos citação da infecção osteomieliticas nesse osso. Pensamos, pois, ser a nossa, a primeira apresentação da localização da osteomielite, exclusivamente no osso malar.

Si no primeiro caso se procedeu a uma intervenção, sendo a sua cura atribuída em parte a uma intervenção mas principalmente ao bacteriófago, já no segundo caso, não se procedeu a nenhuma tentativa cirúrgica sendo o bacteriófago empregado em terreno virgem de tratamento. O resultado foi que após 9 aplicações do bacteriófago (uma por dia), o paciente teve fechamento da fístula e daí em diante a cura se estabeleceu definitivamente até a presente data.

Ressalta ainda a importância desta cura pelo bacteriófago, porquanto se sabe que a osteomielite decorrente de trauma operatório ao nível do seio maxilar, embora raríssima, é de prognóstico reservadíssimo, tendo sido fatais todos os casos registrados na literatura nacional e estrangeira. Estamos certos de que si não tivéssemos procedido à terapêutica pelo bacteriófago na feliz ocasião em que o fizemos, a propagação da osteomielite se daria para os ossos do crânio por continuidade através dos canais de Harvers ou pela via venosa.


RESUMO

SOBRE DOIS CASOS DE OSTEOMIELITE DO SEIO FRONTAL E DO OSSO MALAR, TRATADOS PELO BACTERIÓFAGO - Dr. Sílvio Marone.

O A. depois de tecer comentários e chamar atenção sobre a ação terapêutica do bacteriófago nos processos infecciosos, passa a apresentar o primeiro caso de sua observação. Trata-se de um caso grave de osteomielite da parede interna e externa do seio frontal D. em indivíduo portador de pan-sinusite D. e que se submetera a todos os tratamentos, inclusive a sulfanilamido e vacino-terapias, sem resultados. Ressecadas a 9 porções atacadas de osteomielite, principiou o doente a apresentar comprometimento meningeo (cefaléia, inconsciência e agitação) contra o que nada valeram a vacinoterapia e imunotransfusão diária. Febre alta e abundante purgação quer pelo meato médio D como pela ferida operatória. Com a primeira aplicação do bacteriófago a febre cedeu e a purgação diminuiu. Com as seguintes aplicações, (uma por dia) as melhoras locais e gerais foram, rápidas e animadoras havendo o desaparecimento de todo o mal estar anterior e tendo a febre caído em "crise". Com a sétima aplicação de bacteriófago local teve o doente alta melhora, sem purgação nasal, sem cefaléia, sem febre, com bom apetite e com grande vontade de retomar o trabalho. A ferida operatória desde a aplicação do bacteriófago entrou em granulação franca. A cura clínica e anatômica foi confirmada por radiografias sucessivas. A cura do paciente se deve ao bacteriófago, pela extensão do processo (fócos de osteomielite nas paredes interna e externa do seio frontal) e pela evolução clínica e post-operatório o prognóstico sombrio se impunha e o êxito letal se evidenciava. A cura do paciente se processou com as primeiras aplicações do bacteriófago. O segundo caso trata-se de osteomielite de localização exclusiva do osso malar (localização raríssima), decorrente de manobras sobre o seio maxilar correspondente (o que mais compromete o prognóstico). Depois da sétima aplicação de bacteriófago, o paciente teve alta curado, mantida até o presente e confirmada por radiografias.

BIBLIOGRAFIA

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3) MAZZA ANGELO: "Considerações em torno de um caso de osteomielité craneana, secundária a, um processo de sinusite frontal" Separata da "Revista oto-laringologica S. Paulo" - Vol. IV - Set.-Out. 1936 n.º 5.
4) PORTO GABRIEL: Osteomielite do crânio conseqüente à operação de Caldwcll Luc" in "Primer Congreso Sud Americano de. Otorrinolaringologia" - Communicaciones Libres Tomo II Buenos-Aires 1440.
5) WILENSICl A. "Osteomyelitis. li;" symptomatology and traitement". The Macmillian Company - N. York 1934.




(*) "O tratamento cirúrgico das sinusites frontais crônicas"por Moulonguet e Demaldent.
(*) Trabalho apresentado na Sessão de Oto-rino-laringologia, da Associação Paulista de Medicina em 17-8-42.
(**) Adjunto da Clínica O. R. L. da Faculdade de Medicina; da Policlínica de São Paulo.

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