Ano: 1943 Vol. 11 Ed. 4 - Julho - Outubro - (8º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 444 a 463
DIRETRIZES MÉDICAS AOS PROFISSIONAIS DA VÓZ CANTADA (*) - VARIA E CONCLUSÃO
Autor(es): J. G. WHITAKER (**)
VARIA
(Notas clínicas)
Uma das queixas mais freqüêntes com que os profissionais da vóz se apresentam ao laringologista é a necessidade em que se vêm, nas pequenas pausas do canto, de remover pequenas quantidades de secreção que se lhes acumula na laringe e que os estorva como si sentissem "um fio" sobre a vóz. Nesses doentes com "pigarro" o exame laringoscópico mostra, em alguns casos, leve hiperemia das cordas vocais, e, sobre elas, pequenas quantidades de muco pegajoso que passa como um fio de uma para outra quando as cordas se movem, justificando a queixa apresentada. Em outros casos as cordas mostram cor normal, mas apresentando, na união do terço anterior com o terço médio do bordo livre, o conhecido nódulo vocal ou nódulo dos cantores, em geral pouco desenvolvido e simétrico. O que se encontra, porém, com constância quasi infalível é uma amidalíte crônica. A relação desta com o pigarro impoz-se à nossa atenção, sobretudo depois que a experiência mostrou-nos que, em casos curados de amidalíte ou sinusite crônicas, um dos sintomas, cujo desaparecimento os pacientes acusavam com mais satisfação era a azia, de que haviam sofrido por muito tempo. A contaminação "decendente" do estômago, comprovada pelo desaparecimento do sintoma com o afastamento da infecção na garganta ou no nariz, sugere a mesma explicação para o aparecimento do pigarro laringeano, nos casos de inflamação crônica da amídala palatina. Entretanto, si, no caso do estômago é muito plausível a hipótese de irritação por secreções patológicas amidalianas deglutidas, no caso da laringe, cuja função é justamente impedir a penetração na traquéia e nos pulmões, de qualquer substância exceto o ar, não se pode admitir que secreções patológicas da amígdala escorram para as cordas; tanto mais que a parede posterior da laringe, na parte superior, que sobrepuja as cordas de alguns milímetros, é provida de uma inervação especial destinada a repelir, com violenta tosse, líquidos ou sólidos que com ela entrem em contáto. (É o "goto" a que nos referimos na pág. 373).
É pela via linfática que as inflamações tonsilares repercutem sobre a laringe. Embora a experiência clínica indique que essa seja até uma via direta, os tratados de Anatômia e Histologia silênciam sobre as comunicações linfáticas da laringe. Os estudos histológicos de Rossi (38) confirmaram anatomicamente os dados clínicos e experimentais relativos às comunicações vasculares da amígdala com os linfáticos da mucosa naso-bucofaringéa. Pelas melhoras rápidas que se conseguem sobre os sintomas laringeanos com tratamento à distância, aplicado somente às amígdalas, tem-se a prova clínica da conexão destas com os nódulos linfáticos da laringe, os quais chegam a formar, no ventrículo de Morgani, um aglomerado bastante importante para ser denominado "Tonsila laryngéa" (39).
Os sintômas laringeanos, que se manifestam em conseqüência de uma amigdalíte crônica não se limitam ao pigarro - sem dúvida, o mais comum, e, individualmente tão caraterísticos, que pode molestar o paciente de maneira original pela possibilidade, quasi segura, de identificação e localização em lugares de reunião - mas abrangem outros, também ocorrendo freqüêntemente rouquidão, que aparece depois de algum tempo de fonação e acentuando-se progressivamente; tosse, seca e em pequenos acessos, "tossinha de garganta", produzindo-se em certas ocasiões ou em determinados momentos, como no riso ou na hora de deitar-se. Emfim, nos cantores, a amigdalite crônica influe desfavoravelmente sobre a vóz, fazendo-a sair esprimida, engolada, sobretudo no registro médio.
Pigarro (40), rouquidão e tosse, tais como os descrevemos, acompanham com tanta constância as tonsilites crônicas, que os colocamos ao lado de outros sintômas clínicos subjetivos, que VOGEL (40) foi o primeiro a designar como característicos de uma infecção focal: contrações fibrilares, sobretudo dos músculos da face (palpebras); palpitações, mais comuns em repouso, no leito; cansaço, ao levantar-se pela manhã; nervosismo e irritabilidade; preguiça mental; febrícula. Além disso observam-se dores reumáticas sobretudo nas costas e região renal (distinguem-se das dores renais, porque estas se irradiam para as virilhas e partes genitais) ; o sinal de Cardarelli (dôr na articulação atlanto-ocipital) está presente em muitos casos.
A azia também se encontra em bom número de casos de inflamação crônica da garganta (e dos sinus esfenoidais e etmoidais), mas não constantemente como os sinais anteriores. Com menor freqüência, mas não raramente, queixam-se os doentes, ainda, de sensações fugazes de calor no lado do pescoço, ou, então, de zoadas nos ouvidos. (41)
A inflamação da amígdala lingual em geral provoca apenas o pigarro e a tosse seca, por irritação do nervo laringeu superior (ramo superior, ou interno) que lhe passa nas proximidades, imediatamente sob a mucosa do sinus piriformis cuja mucosa levanta formando a "Plica nervi laryngei superioris" (ver pg. 373).
Para tratamento lançamos mão aqui, do mesmo método de aumento da defesa local, pela provocação de afluxo de fagócitos, sobretudo macrófagos, que tem provado bem no tratamento das sinusites crônicas. (42)
O nitrato de prata presta aqui melhores serviços do que o iodureto de potássio, na provocação do afluxo dos leucócitos. Empregamo-lo em solução a 3070 e pelo processo de ionisação : o porta-algodão ligado ao polo positivo; sobre a pele do angulo da maxila, o eletrodo negativo; corrente de 3 mA, durante 15 segundos no máximo, procurando atingir bem os dois pólos da amígdala e, ainda, o espaço entre a amigdala e os dois pilares, (evitar embeber demasiado o algodão, para que o medicamento não escorra para a laringe (espasmo). Em seguida aplicar um banho de luz de 10' no pescoço para facilitar a fagocitose que se faz melhor a 37° (Bordet).
Os macrofágos mobilizados pelo estímulo do sal de prata provem do núcleo dos folículos linfáticos, saídos não tanto da própria linfa, como, sobretudo, atravessando por diapedese as paredes dos capilares sanguíneos, que penetram até aquele núcleo. A rapidez do processo reparador (melhora dos sintomas) é um forte argumento clínico a favor da origem sanguínea dos macrófagos, tanto mais que os vasos linfáticos circundam o folículo sem nele penetrarem.
No nosso clima incerto as afecções catarrais agúdas surgem com freqüência nas vesperas das temporadas líricas, que, aliás, são geralmente inauguradas em épocas de transição de estação
em mais de uma ocasião, por causa disso, estréias importantes tem sido marcadas não pelo empresário, mas pelo médico.
Como acudir ao artista que se vê atacado por uma afecção catarral das suas vias aéreas, na véspera ou poucas horas antes de se desempenhar de uma obrigação contratual? Nas primeiras horas de um resfriado, apesar da vóz já se mostrar resentida, é freqüênte apresentarem-se as cordas vocais ainda com aspécto normal, a infecção iniciando-se muito provavelmente na parte superior da traquéia e na parte superior da laringe, cujas respectivas mucosas apresentam hiperemía de intensidade vária. As amídalas também participam sempre dessa discreta inflamação, não causando geralmente sintoma subjetivo de dor. Começar por toca-las levemente (não ionisar) com o nitrato de prata a 30% e esperar alguns minutos para iniciar o tratamento da laringe e traquéia ; este se resume na instilação de algumas gotas da solução milesimal de clorureto de adrenalina (Parke, Davis & Cia.). Os resultados são satisfatórios, e o efeito pode perdurar até quatro horas si a afecção não é intensa.
Em 1910 Ninian Bruce verificou que os processos inflamatórios se propagavam pelos nervos sensitivos periféricos: a anestesia desses nervos, feita por imbibição ou por injeção, impede que a região mucosa ou cutânea correspondente apresente os sinais típicos de inflamação quando submetida a ação de agentes causadores dessa reação biológica. "Por isso é que a cocaina tem ação não só sintomatica como até curativa, nas rinites agúdas (43). Na laringe, que tem inervação especial pelo vago e pelo simpático, os processos inflamatórios podem ser influenciados pela adrenalina de modo especial também, e com mais eficácia do que o emprego da cocaina. A grande predominancia que o vago tem sobre o simpático, nessa inervação, não interfere com a harmônia que é o caracteristico fundamental de qualquer função laringeana. Toda inflamação, seja ela um processo útil ou não à defesa do território atingido, é evidentemente um desiquilibrio em relação às condições normais. Na laringe esse desiquilibrio é rompido em favor do vago, que tem a seu cargo maior extensão de territorio : pelas suas fibras sensitivas é que se propaga, em maior proporção, a inflamação da qual resutla a laringite. O vago age por meio de uma substância de efeitos vaso-dilatadores semelhante a acetilcolina ; por seu lado as fibras do simpático libertam uma substância ativa (a simpatina) cujas propriedades muito se assemelham às da adrenalina, afirmando alguns autores que seja adrenalina. Na laringite, pois, o equilibrio hormonal se acha rompido com a produção de um excesso de substância vagal, que é a causa direta dos sintomas inflamatórios. A instilação de adrenalina deve, então, reestabelecer o equilibrio normal com o conseqüênte desaparecimento da congestão da mucosa, da rouquidão, etc. De fato isso se dá na prática, não precisando a adrenalina ser misturada com cocaína, como era uso fazer e como o fizemos também. Melhores resultados se conseguem, porém, si asociarmos a atropina, que goza da propriedade de impedir o aproveitamento da substância vagal (vêr pag. 376). O efeito dessa mistura medicamentosa (uma parte de solução milesimal de sulfato neutro de atropina e duas partes de solução milesimal de adrenalina, Parke, Davis & Cia.) é notavel nos casos de inflamação não muito intensa da laringe, durando sua ação cerca de 4 horas. Nos casos graves é preciso lançar mão de outros recursos até moderar a inflamação ao estado que acabamos de descrever.
O CALO DAS CORDAS VOCAIS (NÓDULO DOS CANTORES) é um pequeno tumor arredondado, não maior que a cabeça de um alfinete, de superfície lisa e da mesma côr que a corda vocal sobre cujo bordo livre se assenta. Encontra-se em pessoas de todos os ofícios, mas sobretudo atinge os atores, oradores e de módo especial os cantores. Entre estes particularmente os de vózes agúdas, tenores e sopranos. Pode ser bilateral ou não; no primeiro caso ha simetria.
No seu estado inicial o calo é comprimido, apagado, durante a fonação e por isso nenhum sintôma ocasiona, sendo descoberto ocasionalmente quando o paciente procura o especialista por diferente motivo. Melhor é, então, não chamar a atenção para o fato, fonte rica de apreensões para os cantores. Não são raros, aliás os casos de nódulos antigos não impedindo o bom funcionamento da vóz. Na maioria dos casos, porém, o calo da corda vocal torna a vóz velada, e si é bilateral, impede o fechamento da glóte e ocasiona a diplofonía (vóz rachada) ; dificulta ou impossibilita de cantar em "piano"; si o calo é bastante grande nem mesmo em "forte" é possivel cantar.
Quanto ao modo de formação do calo vocal ainda hoje as opiniões se dividem em dois grupos. Os que lhe atribuem uma origem epitelial afirmam que se trata de um espessamento proveniente das batidas de uma corda na outra (staccato) ; seria um verdadeiro calo. Os do outro grupo afirmam tratar-se de um processo inflamatório. A literatura da especialidade está cheia das discussões a respeito. (Alexander : Archiv f. Laryng. Band VII Heft 2-3; Chiari : Archiv f. Lar. XI - 3 ; Fraenkel : Virchów-'s Archiv, Band XVIII; Chiari : seu tratado. Relatório do Congresso de O. R. L. em München, 1925, no Zeitschrift.) Pela experiência no tratamento das amídalas para a cura das afecções catarrais da laringe, parece-nos termos razões para afirmar que os nódulos dos cantores são quasi sempre de origem inflamatória: mesmo os de aspécto cornificado desaparecem com a ionisação das amídalas pela forma que atrás referimos. Contudo o fato do calo aparecer com mais freqüência nas pessoas que fazem uso profissional da vóz mostra que o atrito deve desempenhar algum papel na etiologia do nódulo dos cantores.
Nos casos raros em que não se consegue uma restitutio ad integrum com o tratamento pela fagocitóse estimulada e dirigida, opera-se o nódulo empregando-se para isso instrumentos especializados : é uma pequena operação de execução difícil, que, executada com receio, é ineficaz, e, levada a efeito com exagero de remoção de tecidos, é suscetível de trazer danos irreparáveis. Depois da operação, deve o paciente guardar cinco dias de silêncio rigoroso; a conversação livre só lhe será permitida depois de duas semanas. Cuidado deve haver com o funcionamento do intestino, evitando-se a prisão de ventre, pois já referimos as relações entre cordas vocais e prensa abdominal e defecação. A dieta deve ser sem temperos, para evitar a ação vaso-dilatadora destes sobre os capilares. Não se deve operar dos dois lados ao mesmo tempo. Decorridos cerca de dez dias da operação, quando tiverem desaparecido os sinais de reação local, poderão ser iniciados, de modo progressivo, os exercícios vocais. Deve-se começar cantando, de boca fechada, a nota fá, subindo de meio tom até atingir o dó l. Não se deve passar deste exercício nos dois primeiros dias. A partir do terceiro ao som nasal devem-se acrescentar as vogais (m. . a-m. . e-m. . i-m. . o-m. . u) ao mesmo tempo que se descerá a escala graduando de modo a que no oitavo dia se tenha alcançado o LA ; para os agúdos não se deve ultrapassar, nesse período, o mil. Para as vozes femininas serve o mesmo exercício, transposto uma oitava acima.
A FONASTENIA é urna perturbação que se caracteriza pelo cansaço progressivo no cantar, ou no falar, acompanhado de sensações dolorosas e terminando, às vezes, por um colapso da vóz. Quasi sempre o exame da laringe nada revela, verificando-se apenas, em alguns casos, uma paresia da M. internus, dando à glóte a forma de fuso alongado. Com muita freqüência, porém, encontram-se os pilares anteriores e as amídalas com a cor vinhosa característica da inflamações crônicas. Os sintômas subjetivos são muito variados, sendo mais comuns o cansaço rápido é uma dor mal definida, acompanhando a fonação, pigarro laringeano, tosse seca e rouquidão, que pode ser discreta ou chegar à afonia. Na vóz cantada, o paciente, ao procurar atingir um tom só o consegue começando um pouco abaixo para depois atingilo (cala a vóz) ; quando atingem a nota, perde-a logo em seguida, descendo ao meio tom mais grave, ou então, procurando corrigir-se desafina para o tom acima.
A vóz tremula resulta das tentativas para atingir o tom certo; é um sintoma da fonastenia, mas também pode ser o resultado de técnica viciada na respiração (diafragma), ou, ainda, um sinal vanguardeiro de senilidade, ou ainda uma má classificação inicial da vóz. No começo, a perturbação atinge, apenas, a um ou dois tons, sempre do registro médio; mesmo assim, o defeito, inicialmente, se faz sentir apenas numa ou noutra vogal, não em todas: por ex. um tenor pode cantar muito bem o mil na vogal O ou U, ao passo que o mesmo tom cantado em A ou E se apresenta com o defeito. No começo existem, pois, "ilhotas" de tons danificados e só aos poucos, se a fonastenia não for tratada, o mal se alastra a vários tons e até pode tomar a tessitura.
Não é só a extensão da vóz que sofre com a fonastenia, senão também a sua intensidade, sendo uma das primeiras manifestações a dificuldade em cantar "piano"; mais tarde, mesmo o "forte" não sai bem, a vóz torna-se apagada e cansada, "não anda" e obriga, por isso, a um esforço crescente para sua propagação. O colapso da vóz pode dar-se e na literatura são referidos casos de orador ou cantor ficar de boca aberta e sem voz, na situação redicula de um pesadelo realizado.
Finalmente, nota-se ainda na vóz do fonastênico que ela é engolada (técnica defeituosa também dá essa má qualidade), acompanhada de ruido acessórios (escape de ar) e deixa sobretudo no ouvinte, a impressão da impotência tal qual que se tem, quando, finalizando, cansado, um exercício na barra-fixa, os dedos vão escorregando impotentes da barra até deixar cair o corpo. Efetivamente a vóz acontece "quebrar" em meio a um tom.
A grande discordância entre os sintômas ocasionados pela fonastenia, e o pouco, ou nada, que se verifica pelo exame laringoscópico, faz com que aquela moléstia ainda seja considerada como funcional, si bem que Imhofer (44) tenha insistido, desde ha muitos anos, na freqüência com que ela é acompanhada pela amidalite crônica. Pela experiência clínica e terapeutica ficamos com a convicção firmada de que a fonastenia é ou sintoma de carência em vitamina B1, e neste caso ela se acompanha de vários dos numerosos sinais que caracterisam aquela hipovitaminose, ou então é a conseqüência de uma tonsilite crônica e, também nesse caso, ela não passa de um sintoma a mais no conjunto dos que são produzidos pelo fóco infeccioso amidaliano. Na literatura de anos atraz fomos, igualmente, encontrar referências repetidas de Imhofer à freqüência com que as tonsilites crônicas estão presentes nos casos de fonastenia.
Outro fato interessante, que colhemos das observações clínicas, e terapêuticas, é que a carência da vitamina B1 e as infecções focais sobretudo si a sede é nas amídalas têm vários de seus pequenos mas molestos sintômas em comum ou em equivalência: preguiça mental, ou memória diminuída sobretudo para nomes comuns; dores de cabeça e nevralgias, que podem simular sinusites; parestesias, como o pigarro na tonsilite e os pruridos e formigamentos na carência; dores reumáticas causadas pelos fócos e caimbras pela hipovitaminose. Fomos asim levados a considerar como de causa a efeito a correlação entre a falta ou deficiência da vitamina BI e o aparecimento de fócos de infecção em O. R. L. Efetivamente com a administração persistente, por via bucal, da vitamina B1 temos tido em mão um dos recursos mais eficazes na profilaxia das afecções recidivantes do nariz e da garganta.
A vitamina B1, dos músculos e dos nervos, como a designam os experimentadores, é realmente a vitamina do vigôr pelos seus efeitos terapêuticos. Na fonastenia sua ação é a de restaurar o ,- ônus dos músculos vocais, provavelmente por aumento do estímulo nervoso e da facilidade da sua receptação pela célula muscular.
Uma das etiologias da fonastenia, desde há tempos, admitida por Flatau e Gutzmann (45), era o excesso funcional (cantar por tempo demasiado, cantar fora da tessitura ou durante uma laringite, etc.) trazendo o cansaço da vóz. O primeiro desses autores, introduziu, e o segundo divulgou, o emprego da corrente farádica para o diagnóstico da fonastenia e para o seu tratamento: quando ha dificuldade em cantar "piano" determinado tom a aplicação externa sobre a laringe de uma corrente farádica fraca, completando o déficit de tonus dos músculos vocais, fará com que o tom sáia com facilidade cessando, porem, o efeito com a corrente. Preferimos, porém, a corrente galvanica : no "forte" e nos agúdos não dá o tremido da corrente farádica ; não produz (até 3 mA) a sensação desagradável desta; sua ação contínua se aproxima mais do estímulo natural e, provavelmente, devido a isso é que perdura ainda cerca de 15 minutos depois de sua intervenção.
Essa prova pela eletricidade, além de sua utilidade para o diagnóstico exerce grande efeito psicológico sobre o paciente, que testemunha, ele mesmo, a correção de seu defeito vocal, e, sente além disso, a facilidade com que emitiu corretamente o tom.
Como método de tratamento não empregamos mais nem corrente elétrica, nem massagens vibratórias locais, introduzidas também por Flatau. Como dissemos, o tratamento da fonastenia resume-se no afastamento do fóco amidaliano (ver adeante as indicações operatórias) e na administração da vitamina 131, restaurador biológico, e não apenas, substituto temporario do tônus muscular.
É geral entre os cantores o receio da operação das amidalas, pelas possíveis repercussões sobre a vóz. Só em época relativamente recente é que se conseguiu demonstrar a função defensiva das amidalas. (F. Rosi, 1935) (trabalho citado). Quais sejam porém, no estado normal, suas relações com a vóz não se conhece. Por outro lado sabemos que amidalas que facilmente se inflamam, tornam-se, por sua vez, fócos de infecção com repercussões longínquas no organismo. Acabamos de ver (pág. 444) as que interessam diretamente à vóz; com poucas exceções não são suficiente indicação para operar a garganta, não só porque costumam regridir com o tratamento, como porque suas recidivas podem ser evitadas com as medidas empregadas na profilaxia de resfriados e sinusites: curas de enrijecimento e alimentação adequada. O arroz polido, as massas, o pão branco desprovidos sobretudo da vitamina B1, ocupam lugar inutilmente; o açúcar e o sal em excesso, pelas alterações que trazem aos capilares, são causas predisponentes para as infecções recidivantes das mucosas das vias aéreas superiores (46). Nossa regra na indicação da operação das amídalas, tanto para os cantores, como para os que não são, é só faze-la diante de uma anamnése que revéla não somente freqüência de anginas, sobretudo se acompanhadas de reumatismo ou nefrite, como ainda a existência de sintomas clínicos de infecção focal. Apenas tratando-se de cantores durante certo tempo depois da intervenção, é preciso ter a cautela de não deixar o delicado equilíbrio muscular do palato mole abandonado a si próprio, guiando-se-o apropriadamente por meio de exercícios vocais progressivos e determinados:
1) Começar no registro médio. Fazer cantar a nota fá (um tenor por ex.) com a boca fechada (zunido) ; pequeno intervalo antes de proceder para o meio tom acima. Novo intervalo. Chegar até ao dó 1, desse modo, para depois voltar. A vóz (zunido) deve estar colocada em cima, não na garganta; observar bem os intervalos.
2) Começar com o zunido e acabar coro uma sílaba. Pequeno intervalo, etc. até o dó 1 e depois voltar como acima. Qual a razão? O véu do paladar não fecha a passagem para o nariz, quando da emissão de m, n, ng, (rinófonas ou resonantes) ; não se contrái, conserva-se pelo contrário em relaxamento e pendente. No exercício n.° 1 o véu do paladar está relaxado, no exercício n.° 2 fica alternadamente em contração e relaxamento. Nas vogais i e u o palato móle levanta-se com muita energia de contração.
3) O mesmo como em 2, com as diferentes vogais: m-bo, m-bu, sempre observando os intervalos.
4) Cantar de boca fechada a escala cromática para cima, terminando em ba.
Os exercícios servem para todas as vozes masculinas; para o baixo profundo um ou dois tons abaixo. Para as vozes femininas uma oitava acima. Devem ser iniciados duas semanas depois da operação; os exercícios 1 e 2 durante 4 dias e só cada dois dias subir e descer de meio tom, até aos limites da tessitura. Não se devem fazer os exercícios em "piano", para evitar que o paciente se acostume com jogo errado de músculos, e fazendo-os sempre em "legato" evitando os "stacattos". No começo, i.é. nos 8 primeiros dias, deve o exercício ser moderado, depois mezzo-forte e forte, 6 a 8 vezes para principiar, três minutos cada vez; no 4.° dia e no 5.°, seis vezes cinco minutos, por dia, e assim aumentarem, de modo que uma semana depois (i. é. tres semanas depois da operação, o exercício deverá ser feito durante uma hora em cada dia e na semana seguinte hora e meia. Com os agúdos é preciso ter sempre muito cuidado.
Ha muitos casos em que mesmo sem exercícios post-operatórios, tudo corre bem. Nesses casos foi suficiente a conversação. Como porém, a extensão da vóz cantada é muito maior que
a da vóz falada, é claro que, para os cantores, falar somente não basta como exercício post-operatório. É um erro esperar pela sexta semana depois da operação para iniciar os exercícios vocais: o cantor se adaptará então mais dificilmente às novas condições; o prazo conveniente é, como vimos, quinze dias depois da operação.
Quando a vóz é influenciada pela operação sempre o é no bom sentido: ha aumento de volume e deixa de ser abafada, porque, dentro do resoador bucal, as amídalas inflamadas terão o efeito amortecedor de reposteiros e tapetes espessos numa sala de audição.
Vejamos o caso de um cantor que se apresenta com deficiência na resonância de cabeça, atribuída a uma obstrução nasal. Obterá melhoras com operação no nariz? A primeira coisa a
fazer à examinar a vóz e verificar se o registro de peito é emitido em "voix mixte", a qual denúncia a existência natural de uma resonância de cabeça. Como a "voix mixte" no registro de cabeça exige maior proporção de resonância de cabeça do que no registro de peito, se o paciente é possuidor de uma "voix mixte" no seu registro de peito, é muito provável que a obstrução nasal seja a causa da imperfeição da resonância de cabeça. A precaução seguinte deverá ser verificada a existência de alguma sinusite crônica, causa freqüênte de obstrução nasal sobretudo se localizada no etmoide (47). Só então poder-se-á aconselhar a operação do desvio do sépto para o fim de desobstruir o nariz.
ESCLARECIDAS as causas que determinam o aparecimento da fonastenia, reduziu-se bastante o número das moléstias funcionais da vóz que pódem ser classificadas em três grupos: 1) Aquelas que tem sua origem em uma técnica mal orientada ou errada: são freqüêntes e trazem grandes malefícios. 2) Casos em que o cantor, profissional de teatro ou amador, queixa-se do aparecimento brusco de perturbações variadas na vóz, que lhe trazem tanto maior preocupação quanto mais dificuldade tem em especificar no que consistem. O exame destas perturbações demonstra que outra causa não existe alem de uma incompatibilidade: ou trata-se de um papel que o cantor julga que "não lhe vai bem", ou então de determinados trechos de que "não gosta". Quasi sempre, porém, razão profunda da incompatibilidade são as notas agúdas exigidas ou então alguma irregularidade na distribuição, dos intervalos (Wagner, Strauss e autores modernos), ou, ainda, o caráter nitidamente lírico ou dramático de certos trechos ou papéis. Aikin teve a idéia de procurar a média arimética das notas agúdas de uma determinada composição, verificando que essa média, quando muito alta, é o embaraço oculto no qual se perde o cantor . Este fato não é raro, e deve ser tomado em consideração para confirmar o diagnóstico por exclusão. Abandonadas as tentativas de cantar tais composições, desaparecem rapidamente as perturbações vocais, o que não impede que, meses ou anos depois, quando a técnica tiver melhorado, ou quando as antipatías diminuírem, possa o cantor incorporar a seu repertório as músicas que fôra obrigado a abandonar porque "não lhe iam". 3) A imitação causa perturbações funcionais interessantes e com características tais que não se pode fugir à comparação de "uma vóz estar cavalgando a outra". Esse defeito é facilmente reconhecível na maioría dos casos e as suas conseqüências anti-estéticas e ruinosas resaltam claras do que expusemos nas págs. 385 e 406 e seguintes.
Com relação ao grupo 1, achamos necessárias algumas referências a métodos errôneos de ensinar o canto.
Em primeiro lugar mencionaremos os que procuram desenvolver sistematicamente os agúdos, procurando transformar meio-sopranos em sopranos e barítonos em tenores. O erro des
sa tendência torna-se patente quando sabemos que as vozes agúdas são menos estaveis. Aliás exemplos de todos os dias ilustram melhor os inconvenientes do emprego inadequado dos agúdos. Sabemos que oradores inexperientes costumam iniciar seus discursos em tonalidade elevada e quando chegam aos trechos em que ha necessidade de veemencia, a vóz não dispõe de mais recursos, apesar de esforços empregados. Com a repetição freqüênte dessa imprevidência, a função da laringe se resente, e aparecem sintomas de cansaço vocal, como na fonastenia. Na mesma falha podem incidir os próprios atores profissionais, chegando os mais avisados (citam-se os nomes de Telman e Sonnenthal, na Europa Central) a adotar a cautela de, antes de entrarem em cena, travar uma pequena conversação com um coléga ou mesmo com um operário dos bastidores, usando o tom normal da conversação afim de iniciarem o canto no mesmo tom não elevado, de modo a não terem mais estorvo para o resto da representação.
Outro método errado é o que exige determinadas posições da laringe. Numerosas pesquisas foram feitas acerca da posição da laringe no canto (Gutzmann, Flatau, E. Barth) chegando-se à conclusão de que: no cantor sem escola ela muda constantemente de posição, executando verdadeira dança de cima para baixo, subindo bastante nos agúdos. Nos cantores profissionais e de escola a laringe conserva-se todo tempo em posição baixa e quasi fixa, com deslocamentos discretos para cima e para baixo nos diferentes tons. Na Europa Central essa observação serviu, durante todo o começo deste século, de base a muitos professores de canto, que exigiam de seus alunos que procurassem conservar suas laringes em posição baixa; em breve o método degenerou no emprego de manobras diretas sobre a laringe, que era fixada pelas mãos, e com isso as vózes evidentemente somente peioravam, tornando-se engoladas, esprimidas, etc.
Na pág. 383 vimos que na emissão da vogal u a posição da laringe é a mais baixa que possa atingir, o que faz com que o cône resoador tenha o máximo de seu comprimento. Como se sabe que esse alongamento do aparelho resoador é favoravel à emissão da vóz, foi tal fato erigido em método exclusivo de certas escolas, que fazem cantar, na vogal u durante meses a fio. A vóz, com tal método, adquire um timbre escuro e ôco, que pode convir em certos casos, mas que em geral não agrada. Entretanto a vogal u é a que menos esforços exige da sua emissão, e essa circunstância, junta às duas outras (posição baixa da laringe e máximo de comprimento para o cône resoador), mostra que sua utilidade é real. E preciso, porém saber conservar o meio termo, não exagerando nem demorando excessivamente o seu emprego.
Outro hábito condenável é o de abaixar a língua com uma colher ou outro objeto, achatando-a de encontro ao assoalho da boca, para que não ofereça obstáculo algum à propagação das ondas sonoras. A idéia tem fundamento, mas a execução é contraproducente, porque além de interferir com o sentido muscular profundo e seus reflexos naturais, a língua, empurrada para trás, desloca a epiglóte para uma posição que não condiz com a influência que ela deve exercer normalmente (pág. 404) e comprime a entrada da laringe, e esta por sua vez transmite a compressão ao ventrículo de Morgani e às próprias cordas vocais - determinando, assim, uma série longa de conseqüências nocivas. Do mesmo módo é de regeitar o recurso de manter os dentes afastados mediante a inserção de uma rolha, com a intensão de tirar o "queixo duro".
O gólpe de glóte (coup de glotte ; ataque duro de voz) quando não muito enérgico, ou melhor quando não brutaliza as cordas com embates excessivos (congestão das cordas e momento ocasional para a formação dos calos ou nódulos) tem seu emprego útil na técnica do canto (pág. 381), podendo servir, ainda, corno uma massagem para as cordas.
Finalmente, existem métodos de ensino que regulam a posição do queixo e a expressão da boca, fazendo por ex. pender demasiadamente o queixo, ajuntar os lábios para a frente, entortar boca para o lado ou forçando-a ao sorriso; etc. Todos esses gestos e expressões de mímica, são absurdamente impostos aos alunos, por terem sido observados em cantores célebres. De Caruso, sobretudo, é que se imitam esses ínfimos matizes, que são intransmissívelmente individuais. Nas biografias do grande tenor menciona-se o fato não só dele sorrir quando cantava, como também de se lhe levantarem as bochechas como as fotografias realmente registraram. O próprio artista afirmava que, com o correr do tempo, de tanto imaginar que o tom se lhe concentrava entre os olhos, essa parte da testa acabou por se tornar mais larga a adquirir músculos fortes, o que lhe tinha proporcionado certas rugas características naquela mesma região. Seus biógrafos chamam a atenção para fotografias de épocas distanciadas, confirmando aquelas afirmativas. Todas essas observações podem ser rigorosamente exatas, mas nunca poderão ser erigidas em método de ensino de canto.
No ensino do canto deve haver individualização, tanto quanto possível. Para isso é indispensável o conhecimento da fisiologia da vóz.
É experiência antiga entre os cantores que as bebidas geladas facilmente lhes ocasionam rouquidão. A explicação desse foto, que pode ocorrer com qualquer pessoa, encontra-se na anatômia topográfica da laringe e em dados da patologia experimental.
Os músculos crico-aritenoideu posterior e aritenoideu transverso, que revestem a parede posterior da laringe (Fig. X, pag. 369), estão em contáto imediato com a parede anterior do esôfago, em sua porção mais superior, onde os líquidos transitam conservando quasi a mesma temperatura com,que são servidos. A ação local do frio, sobretudo em regiões do corpo habitualmente protegidas, pode não só constituir um fator predisponente para infecções, também locais, como provocar alterações coloidais nos tecidos, que perdem a elastícidade e se tornam endurecidos, como acontece, por exemplo, nos "dedos duros" em dias frios (Otto Frese no seu artigo "Allgemeine Aetiologie", no vol. II do Tratado de Denker & Kahler, traz interessantes dados experimentais e clínicos sobre a ação local do frio).
Razões de contiguidade, podem, assim, permitir às bebidas geladas agir sobre a laringe, perturbando a elastícidade de seus sensiveis músculos, quando não ocasionando diretamente um processo inflamatório, influências essas muito mais sentidas pelos cantores, que tem na laringe um instrumento de trabalho.
Entretanto o agasalho excessivo da garganta, sobretudo o emprego de cache-col, é um inconveniente grave, porque tira à péle dessa região* a capacidade de se enrijecer contra as intempéries e portanto de se proteger a si mesma.
Uma senhora de mais de 50 anos, cega, dispõe ainda de agradável vóz de soprano lírico, que é um dos seus lenitivos. Os que lhe são proximos notam, ultimamente, alguma coisa que empana o timbre, antes muito agradável, e conformam-se pensando tratar-se de obra do tempo. Ouvindo-a, verificamos que sua tessitura superior, logo acima dos médios, era toda gritada mesmo nos pp; e apesar de não ter tido aprendisagem de canto, nada reais notamos na vóz, que realmente era afinada e de timbre agradável. Atribuimos o gritado a predominio funcional do músculo crico-tireoideu, devido ao pouco desenvolvimento do seu antagonista, o músculo vocal (tireo-aritenoideu), em relação, por sua vez, com a inatividade a que a cecidade forçava a paciente. Aconselhados exercícios, para os braços e cintura escapelar, compatíveis com sua inválidez, os efeitos tornaram-se visíveis menos de três meses depois, quando a paciente se nos apresentou novamente com o defeito de gritar nos agúdos consideravelmente diminuido.
Os exercícios para os braços e cintura escapelar devem ser sempre muito moderados, sobretudo para senhoras, e mesmo para os tenores que os devem fazer com cautela. Melhor será que estes se abstenham de barra-fixa e do remo, (pág. 357). Uma soprano liríca informa-nos que sempre que se ocupa em seus trabalhos caseiros, sente-se de voz indisposta. Um tenor liríco de belissimo timbre; tem sua carreira artística prejudicada porque, em curioso contraste com o físico vigoroso, sua voz absolutamente "não anda". Foi um atleta remador, e, provavelmente, o forte desenvolvimento dos músculos dos braços e ombros, repercutindo sobre o m. vocal, com exclusão do cricotireoideu, perturba-lhe o equilíbrio funcional dos músculos da laringe. Um baritono, apaixonado pelas orquideas, refere que depois do trato matinal que pessoalmente dá a suas plantas, sente ter desejo de cantar: sua coleção é grande e como as plantas estejam colocadas no alto, o exercício que faz insensivelmente com os, braços, seja elevando o regador, seja manipulando as plantas, é a causa direta daquele estimulo, que no seu caso é o adequado.
Assim os exercícios musculares a que nos referimos na pág. 364, devem ser aplicados com moderação e com o fim de reforçar os graves (maior superfície vibrante por parte do músculo tireoaritenoideu) ou de restabelecer equilíbrio funcional entre os dois músculos laringeanos mais diretamente envolvidos no canto (crico-tireoideu e tireo-aritenoideu). As figuras da pág. 356 (suspensão sobre paralelas) destinam-se mais a ilustrar a ação dos tres músculos mais importantes da cintura escapulas (romboide, angular do omoplata e, sobretudo o trapézio), do que propriamente uma sugestão para exercício. Tenhamos em vista que o esforço para subir na sela não deva ser tal que faça o cavaleiro imprudente cair do outro lado da montaria.
A alimentação, a que os cantores instintivamente dão grande importância, é freqüêntemente mal orientada. Muitos insistem nas massas, especialmente o macarrão, imitando apenas superficialmente seus colegas da Itália, os quais nunca porém deixam de acompanha-las fartamente de vegetais freqüêntemente crus. Além disso o macarrão que entre nós é vendido no comércio, quasi não contem ovos, diversamente do que é tradicional na Europa.
O arroz polido, o pão branco, as massas e os doces ocupam inutilmente um lugar na nossa alimentação: da sua predominancia exclusiva advem a tendência às infecções reincidentes do nariz e da garganta po ralterações trazidas à permeabilidade da parede dos capilares (*) e as moléstias chamadas de carência, pela falta ou insuficiência da vitamina B1. Cowgill mostrou experimentalmente a relação entre a vitamina B 1 e ó consumo de hidratos de carbono na alimentação (constante de Cowgill). Ficou também averiguado que as gorduras contribuem para a econõmia no aproveitamento da vitamina B1.
Os cereais, (trigo, aveia), devem tomar o lugar indevidamente ocupado pelo arroz e massas; deve haver maior consumo de vegetais e frutas cruas, em quantidade pelo menos dupla daquela da carne ingerida. Deve ser feito uso moderado de sal e sobretudo de açúcar. Claro está que a alimentação deve ter de tudo; o problema consiste, apenas, em não dar preferência, como é nosso costume, a generos desprovidos de valor alimenticio, como os referidos acima.
A modificação da dieta alimentar, porém, não é suficiente. Para o combate inicial á avitaminose B1 é preciso não esquecer certos dados da clínica, confirmados recentemente pelas experiências do Prof. Franklin de Moura Campos, da nossa Faculdade de Medicina (Avitaminose B1 experimental "O Hospital", de junho de 1943): 1) as doses grandes de vitamina B1 não protegem contra a recidiva da hipovitaminose Bl. 2) A vitamina B1 não se armazena no organismo, esgotando-se em tempo relativamente curto. Na prática, já ha muito que adotámos a seguinte regra: Inicialmente tres doses fortes de vitamina B1, em injeções intramusculares em dias alternados. Continuar a administração por via oral e praticamente o ano todo, tolerando intervalos de não mais de 10 dias; intervalos de três semanas já expõem a recidivas de anginas e rinites. Assim administrada a vitamina B1, não é uma medicação mas uma alimentação, pois que ausente, quasi, nos nossos alimentos mais comuns. Usamos as marcas: Merck, Abbott e a nacional Dutra.
RESUMO-ÍNDICE
A experiência nos tem demonstrado constantemente, que as doenças funcionais da vóz, isto é, aquelas que não são conseqüência imediata de uma lesão orgânica, têm como causa principal uma técnica defeituosa, oriunda de conhecimento imperfeito das funções dos orgãos emissores da vóz. Além de música o educador de vózes deve conhecer bem a anatômia e a fisiologia da laringe, tendo deante dos olhos o exemplo dado pelo grande professor de canto do século passado, Manoel Garcia, cuja curiosidade bem orientada foi de grande beneficio não só para o Canto, como para a própria Medicina, que lhe ficou sendo devedora de um de seus ramos especializados - a Laringologia. Pgs. 349-350.
A RESPIRAÇÃO, assunto prediléto de dissenções entre os professores de canto, é um fenômeno fisiológico de funcionamento automático e apenas parcialmente sujeito à ação da vontade. Nela tomam parte grande número de articulações e de músculos. Entre estes desempenham papel preponderante os músculos intercostais. Pgs. 350-353.
O DIAFRAGMA desempenha papel importante no canto como modulador da vóz. Pgs. 358-360.
É possível aprender a contrair isoladamente o diafragma por meio do exercício proposto por Petrowsky : respirando sentado e com a coluna em extensão máxima, braços levantados de modo a suprimir a ação dos intercostais. É comum mandar contrair os músculos da parede abdominal com o fim de exercitar o diafragma, mas aqueles músculos fazem parte da "prensa abdominal" cuja ação tem por efeito o esvasiamento do ventre (como na defecação e no parto). Pgs. 361-365.
Interessante é a correlação, notada por Negus, entre músculos dos membros superiores e cordas vocais: estas são tanto mais desenvolvidas quando aqueles músculos são mais possantes. Pg.. 358.
O tonus dos músculos da cintura escapular impede que os braços caiam inertes sobre as paredes do tórax, o que dificultaria a emissão da vóz. O habito de manter os cantores as mãos postas, ou de segurarem a música, ou ainda de se apoiarem sobre o piano, tem o mesmo fim de aliviar o tórax da pressão dos braços. Razões semelhantes, mas não idênticas, explicam porque canções ritmadas suavisam os trabalhos manuais pesados. Pág 357.
Três músculos são a CHAVE DO CANTO: na laringe, o crico-tireoideu e o tireo-aritenoideu - o primeiro como fonte principal dos tons agúdos e o segundo dos tons graves e médios; e, como modulador da vóz - o diafrágma Pg. 366-370 e 385.
O APOIO DA VÓZ, outro ponto em que ha tanto desacordo, não é mais do que uma sensação percebida, ao mesmo tempo subjetivamente e objetivamente: o cantor por intermédio do sentido muscular profundo sente que tem a vóz com apoio, quando seus orgãos funcionam normalmente orientados por boa técnica. Esse funcionamento normal e harmonioso, por sua vez, faz com que o ouvinte tenha a impressão de vóz facil e de boa transmissibilidade, que é o mesmo que dizer vóz bem apoiada. Pg. 386.
AS TESSITURAS de vóz são entre nos menores do que as que se encontram na Europa. Em média: não alcançam uma oitava Pg. 387.
A MUTAÇÃO entre nós. Parques infantis. Pg. 392.
O modo pelo qual se comporta a laringe na emissão dos sons agúdos e dos sons graves justifica plenamente a distinção, pelo menos, de dois registros: REGISTRO DE CABEÇA, para os agúdos e REGISTRO DE PEITO, para os graves. Pg.394-400.
Quanto ao critério a seguir quanto à idade em que deve ser INICIADO O ENSINO do canto, ou no JULGAR E CLASSIFICAR UMA VÓZ, devemos ter presentes os ensinamentos da Endocrinologia (Maranon) como complemento ao exame da laringe e à audição da vóz em questão. Entre nós são muito comuns as vozes que não podem ser classificadas positivamente nesta ou naquela categoria: talvez para isso concorram as freqüêntes anomálias observadas na constituição da laringe. Pgs. 401-411.
TRECHOS de óperas utilizáveis no exame de vózes. Pgs. 412-416.
PUCCINI pg. 417
VERDI pg. 421
BIZET pg. 430
WAGNER pg. 433
SCHUBERT pg. 440
CARLOS GOMES e música brasileira. Pg. 441.
NOTAS CLINICAS
As LARINGITES são bem influênciadas pela mistura adrenalina-atropina. Pág. 444.
O PIGARRO laringeano tão conhecido quanto temido, dos cantores é uma das numerosas conseqüências da inflamação crônica das amídalas. Os calos das cordas vocais (nódulos dos cantores) têm como etiologia, igualmente, a tonsilite crônica, associada a traumatismos vocais. O tratamento das amídalas consiste, nesses casos, no estímulo da fagocitose local, que permite alcançar os mesmos resultados favoráveis que vimos conseguindo com processo semelhante para o tratamento das sinusites. Pág. 445.
A FONASTENIA - exgotamento vocal progressivo - é uma hipovitaminose B1, mas aqui, ainda, a presença da tonsilite crônica é muito freqüênte. É muito comum a presença dos sintomas da carência em vitamina B1 nos casos de inflamações crônicas do nariz e da garganta: a hipovitaminose B 1 e as moléstias causadas por infecção focal chegam a ter alguns sintomas comuns. Interessante é que a administração da vitamina B1, com persistência e pela via bucal, é um dos melhores preventivos para as moléstias de nariz e garganta. Pg. 449.
PROVA GALVANICA DE COMPENSAÇÃO pg. 451
A indicação para a OPERAÇÃO DAS AMIDALAS só deverá ser feita quando estiverem presentes os sinais clínicos, da infecção focal. São injustificados os receios acerca das conseqüências dessa operação sobre a vóz, pois quando esta é influenciada, sempre o é favoravelmente. Depois da operação recomendam-se certos exercícios especiais, de complexidade crescente, para a vóz. Pg. 452.
As más escolas de canto pg. 455
A importância da ALIMENTAÇÃO, em geral, está na influência que as substâncias ingeridas possam ter na constituição e nas funções das paredes dos pequenos vasos capilares, por onde se efetuam as trocas vitais para a manutenção dos tecidos e por onde passam os elementos do sangue (fagócitos) encarregados da defesa desses tecidos contra as infecções Pg. 459.
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Notas
(1) J. G. Whitaker - Sinusites e defesas naturais.
(2) J. G. Whitaker - Sinusites e defesas naturais.
(3)J. G. Whitaker - Sinusites e defesas naturais.
(4) H. Gutzmam - Sprachheilkunde - 1924.
(5) H. Gutzmann - Sprachheilkunde - 1924.
(6) J. G. Whitaker - Sinusites e defesas naturais. Rev. Bras. O. R. L. Vol. X n.º 5 - Setembro-Outubro 1942, pág. 518.
(7) S. G. Whitaker - Surdez e zoadas. Rev. Brasil. de O. R. L. (Revista Oto-Laringologica de S Paulo), vol. V n.° 2 - Março-Abril 1937.
(8) J. G. Whitaker - Sinusites e defesas naturais. Rev. Bras. de O. R. L. Vol. X n.° 5-- Setembro-Outubro 1942.
(9) S. Schumacher - Histologie der Luftwege un der Mundhole. na 1. Seção do I vol. do tratado de D. Denker & O. Kahler.
(10) Nas etmoidites e esfenoidites crônicas, com secreção pegajosa e geralmente escassa, o doente é obrigado a "puxar o pigarro, de cima" com ruido e mímica característica. J. G. Whitaker - Sinusites e defesas naturais. Rev. Br. O. R. L. Vol. X, n.° 5, Set-Out. 1942.
(11) Klaus Vogel - Die Herdinfektion im Gibiet der Hals - Nasen - Ohrenheilkunde - 1940.
(12) Dott. Ferdinando Rossi. Tonsille e loro relazioni col sistema linfatico. Monitore Zoologico Italiano. Vol. 46. Fase. 8 - 1935.
(13) Composição para vóz acompanhada de um ou mais instrumentos; em geral o seu caráter é de uma canção popular ou o de uma romanza sentimental, mas pode também ser fortemente dramático (Erlkonig).
(14) Dó agúdo; a expressão "dó de peito" não podemos sancionar.
(15) André Fostes - La membrana ary-epiglottique Archives d'anatomie, d'Histologie et d'Embryologie - Strasburg - 1928 - Tomo VIII.
(16) Quimicamente o hormônio sexual feminino é um produto de decomposições do hormônio sexual masculino. No homem pode haver perturbações de reações biológicas, que trazem como resultado o aparecimento de sintomas ligados a efeitos do hormônio sexual feminino.
(17) Dados referentes a cantores da Europa Central.
(18) Pelo número e disposição em rede finíssima dos filetes nervosos; pelo numero e forma das plaquetas terminais. Arione e Rubaltelli. Ver pág. 374 e 375.
(19) Denker & Kahler Vol. 1 pág. 645.
(20) Enumerados um a um por Negus - "The mechanism of the Larynx - 1924 - pg. 435.
(21) Hermann Braus - obr. e pág. citados.
(22) Como exercício para a pequena musculatura do palato móle é muito bom o "zumbido cantado".
(23) Nos casos de extirpação total da laringe, os doentes aprendem a formar um reservatório de ar em substituição ao fóle dos pulmões: o ar é engulido e acumulado seja no estômago ou no esôfago, que se dilata, e, de onde é expelido sob pressão, no momento de falar; a vóz é articulada sobre o arroto. Um cliente nosso, que sobreviveu seis anos aquela operação aprendeu tão bem esse novo método de falar que chegou a administrar sua fazenda no interior dando ordens pelo telefone em S. Paulo.
(24) Os principiantes sentem até tonturas. A sensação subjetiva de vibrações localizadas em diversas partes da cabeça (cantar na mascara, por ex., é uma expressão usada com freqüência) é um sinal de que o som foi bem emitido, e não de que foi a causa disso; foi uma conseqüência do funcionamento normal do aparelho emissor da vóz. Negus (obr. cit. pg. 413) em seus estudos de anatômia comparada, também empresta ao palato grande importância na emissão da vóz.
Entretanto da forma do palato não se póde concluir da qualidade da vóz. A forma interior do nariz tem alguma importância, como é fácil ver na vóz anasalada que caracterisa um defluxo.
(25) Glóte cartilaginosa e glóte ligamentosa: a primeira é a porção mais posterior da glóte, fica compreendida entre as paredes posterior da laringe e a apófise vocal da aritenoide; a segunda, muito mais extensa, vai dessa apófise á extremidade anterior das cordas (ligamentos) vocais.
(26) Como muitos autores, Braus usa a expressão "falsete" como sinônimo do registro de cabeça. Neste trecho ele descreve movimentos extremos e quer sem dúvida significar os agudos mais extensos e nesse sentido também compreendemos a palavra falsete, como veremos adiante.
(27) Hermann Braus - Anat. des Menschen - 1924 - Vol. II (Eingeweide) pgs. 161-169.
(28) Curt Elze em Denker & Kahler. Vol. I, pag. 237
(29) Hermann Braus - Anat. Vol. II pag. 158.
(30) Acerca dos métodos e técnicas no emprego de Laringes artificiais (Ludwig, Ewald, Nagel) ou de laringes de cadaveres (Johannes Müller) ou ainda de vivisecção (Dr. Bois Raymond) ver J. Katzenstein no Hanbd. D. biol. Arbeitsmethoben Vol. 7H os. 320-325.
(31) Roy R. Grinker - Neurology - 1937 (Charles C. Thomsd, ed.).
Orlando J. Aidar - Sistema nervoso simpático. Dados sobre sua anatomia - Arquivos de Cirurgia Clinica e Experimental. Vol. V - Nº 1. Fevereiro de 1941.
(32) Dott Lazzaro Arione - Ricerche istologiche sulle spansioni nervose inotrici dei muscoli laringei dei Mamiferi Archivio Italiano di Anatomia e di Embriologia Vol XXI - 1924.
(33) Shadolini - Fisiologia generale dei sistema nervoso autonomo - Bolletino della Soc. Ital. di Biologia Sperimentale. Vol. X - Fase. XI - 1935.
(34) Enrico Rubaltelli - Contributo alla conoscenza dell'Innervazione della laringe nell'uomo. Scritti mediei in Onore del Prof. L. Calamida. In Archivio ital. di O.R.L. Vol. XLV - 1933.
(35) Comunicações verbais.
(36) Outro efeito é sobre a posição da coluna vertebral.
(37) Hitzenberger-Das Zwerchfell im gesundem und Kranken Zustand.
(38) Citado em R. Fick.
(39) S. Mollier é do mesmo parecer (Plastische Anatomie, pg. 157).
(40) Em especial do crico-tiroideu, como veremos adiante.
(41) O diafragma move-se para baixo na inspiração e para cima na expiração.
(42) S. MOLLIER - PLASTICHE ANATOMIE - 1924.
(43) Ver adiante a resalva relativa á manutenção do estado de semi-esvasiamento do tórax, necessário ao esforço muscular dos membros superiores.
(44) M. Nadoleczny, no Tratado de A. Denker & O. Kahler, vol. I.
(45) Apresentado á Academia Nacional de Medicina em 16-9-1943.
(**) Medico. Especialista em Oto-rino-laringologia. Da Acadêmia Nacional de Medicina (Rio de Janeiro)