Versão Inglês

Ano:  1943  Vol. 11   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 167 a 172

 

SINUSITE MAXILAR - SPOROTRICOSE

Autor(es): DR. PAULO PASSOS

Bagé - Rio Grande do Sul

A ficha n.º 1.175 - P.M., casada, 58 anos, s. d., apresentou-se á consulta em 25/3/942, queixando-se do seguinte:

Há muitos anos sofre da cabeça, com dores na face esquerda que se irradiam para toda a cabeça. Põe bastante secreção purulenta pela narina esquerda. Tem época de acalmia que pensa estar bôa (sic).

Ant. pessoais - Teve 11 filhos. Um morreu aos 4 anos de doença da cabeça (sic). Teve 2 abortos, de 2 a 5 mêses. A única moléstia grave que sofreu foi pneumonia.

Ant. familiares - Pais mortos. A mãe morreu de tumor maligno (sic).
EXAME. Nariz: Secreção purulenta ocupando o meato médio da narina esquerda, recobrindo o cartucho inferior, reproduzindo-se rapidamente apôs a doente assoar-se. Degeneração edematosa da mucosa.

Narina direita: Não se observa pús, porém reação edematosa da mucosa.
A rinoscopia posterior revela pús na cauda do cartucho inferior da narina esquerda.

Boca: Ausência total de dentes. Faringe: amígdalas normais. Parede posterior granulosa e recoberta de secreção que desce do cavum.

Díafanoscopia: Obscurecimento dos seios maxilares, como também da pupila (sinal de Vohsen e Davidson).

Feito estes exames, aconselhamos a doente a submeter-se a um exame radiológico, muito embora o diagnóstico estivesse claro, mas com o intuito de nos orientar no ato cirúrgico. Como acontece muitas vezes na clínica, a doente saiu do consultório convencida que devia submeter-se a este exame porém, logo depois muda de idéia, entra naturalmente numa fase de acalmia e julga-se bôa.

Reaparece à nossa presença em 11/8/942. Há 1 mês mais ou menos que está com ô lado esquerdo do rosto inchado e arrebentou por onde sai pús (sic). Tem sentido muitas dores que se irradiam para a cabeça. Acredita que arrebentou o rosto por ter usado cataplasma de antiflogistine (sic). Tem saído bastante pús pela narina esquerda (sic).

Exame: Reação edematosa da face esquerda, com fístula anterior dando saída a secreção purulenta, Exarcebação das dores pela pressão.

Insistimos com a doente para tirar a radiografia, o que ela se prontificou a fazer. A radiografia foi feita, sendo previamente introduzido um estilete pelo orifício da fístula (fig. 1 e 2).



Fig. 1



- Laudo do radiologista -

Casa de Saúde Dr. Mário Araujo - Bagé, Rio Grande do Sul, Brasil

Secção de Radiologia e eletricidade médica e cargo do Dr. Sérgio
Moreira - Bagé, 12 de Agosto de 1942.

Exame nº 12.267

Nome: Exma. Sra. P. M.

Clinica do: Dr. Paulo Passos

Radiografia: dos seios da face.



Fig. 2



O exame radiografico mostra que os seios frontais são de conformação e desenvolvimento normais e de transparência homogênea. Os seios maxilares aparecem de transparência bastante reduzida, notadamente o esquerdo.

O estilete introduzido atravez da fístula existente na face esquerda atinge a parede posterior do antro conforme mostra a radiografia em posição lateral.

(ass.) Dr. Sérgio Moreira,

Indicamos o tratamento cirúrgico, o qual foi aceito a realizado em 20/9/42.

Ato cirúrgico - Trepanação do seio esquerdo, pelo processo clássico, com contra abertura e esvasiamento do etmoide pelo processo de Ermiro Lima. Grande parte da parede anterior destruída, cavidade maxilar cheia de pús, com fungosidades da mucosa. Curetagem ampla da fístula.

Curativos secundários: lavagens do seio com sôro fisiológico e Prontosil.

Post-operatório: lento, a fístula com tendencia a cicatrisação.



Fig. 3



Depois de um intervalo de 8 dias sem ir ao consultório submeter-se aos curativos, ela apresenta-se com a sintomatologia modificada. O edema que tinha regredido, aumentou. A fístula inicial tinha cicatrisado, porém próximo a ela uma outra apareceu. A cor da face (lado esquerdo) apresenta um tom violáceo. As dores aumentaram. Diante dêste quadro o nosso pensamento modificou-se. Pensamos numa micose. Pedimos um exaure de laboratório que veiu com a seguinte resultado:

Laboratório Salomoni.

Nome da doente: P. M.

Qualidade do exame: pús

Indicado pelo: Dr. Paulo Passos.

Cultura: Meio Gougerot.

Observam-se raras colônias de sporotrichum.

(ass.) Hector Salomoni.

Bagé, 10 de Novembro de 1942.


Iniciamos uma nova fase de tratamento. Internamente, ingestão de iodeto de potassio nunca dose de 8,0 diárias. Localmente, lavagens e instilações dentro da fístula de uma solução de Lugol e hiposulfito de sódio a 20%. Insistimos nesta terapêutica durane 20 dias, a qual não deu o resultado desejado. O processo se extendeu, as dores não cessavam o que obrigava a doente usar intorpecentes diariamente.

Diante dêste quadro, e que no nosso modo de ver, a terapêutica clássica havia falhado, indicamos a radioterapia. Encaminhamos a doente ao centro de cancerologia desta cidade, instalado na Casa de Saúde Dr. Mário Araujo, sob a direção do Dr. Joaquim Medeiros. Aqui juntamos os dados fornecidos por este distinto colega.

Localisador 6 x 8. D. F. P. 30 cm.

KV: 120 - 10 MA.

Dose diária: 114r. Dose total: 1586r.

Depois desta dose o processo apresentava aparentemente melhoras e o radioterapeuta aconselhou um intervalo.

28/12/942. O filho da paciente nos procurou pela manhã (muito cedo), contando que a doente havia amanhecido com a ferida cheia de bicho. Sai bicho pela ferida, pela boca e pelo nariz (sic). Pelas informações, pensamos logo na larva da mosca, e vendo a doente é confirmada; nossa suspeita. Não quizemos imediatamente fazer uma terapêutica contra a miíase, o que mais adiante procuramos justificar.

A tarde dêste dia revemos a doente. A ferida apresenta uma larga destruição dos tecidos doentes. As dores diminuiram bastante à tal ponto de passar sem intorpecente.

29/12/942. As dores cederam, o edema regride. A ferida apresenta-se mais ampla devido a destruição do tecido doente pelas larvas.

30/12/942. O edema que antes era extenso a tal ponto de impossibilitar a abertura das pálpebras, desapareceu por completo. Não existe mais larvas.

31/12/942. A ferida apresenta um orifício amplo por onde se descortina o seio maxilar, observando-se a destruição de grande parte da parede inferior do seio. O estado geral da doente não é bom e está sendo medicada nêste sentido.

Infelizmente toda a terapêutica falhou e a nossa doente veiu a falecer em 12/1/943.


SPOROTRICOSE

Consultando a bibliografia vemos que a Sporotricose é uma moléstia clinicamente e histopatológicamente definida há pouco tempo. Ela é produzida por uma parasita, o Sporotrichum Schenki-Beurmannim em homenagem ao autor da Sporótricose (Schenk) e àquele que mais contribuiu ao seu estudo (Beurmanni).

As primeiras observações foram feitas na América, por Schenk (1898), Brayton (1899), Hektott e Perkins (1900). Na França, o primeiro caso observado é de Beurmanni e Ramond (1903). Em 1906 Beurmanni e Gogerot, publicaram novos trabalhos nêste sentido. Aqui entre nós Lutz e Splendore observaram cinco casos. Da bibliografia computada, que aliás não foi extensa, só estes casos encontramos observados entre nós.

Nicolas V. Greco, em seu livro "Origine des Tumeurs et observations des Mycoses Argentines" onde faz um estudo interessante e profundo do assunto, apresenta dois casos. Ele caracterisa histológicamente e clinicamente a Sporotricose, por formações elementares de abscessos (Sporotricoma), de dimensões diversas, desde o abscesso microscópico (micro-abcesso-sporotricósico), o abscesso médio (goma-Sporotricósica), até o grande abscesso (tumor Sporotricósico).

O aspecto clínico da lesão pode ser confundida com a sífilis e a tuberculose. E por esta semelhança, querem alguns autores ter sido a causa da Sporotricose ser ignorada por muito tempo.

Nesta nossa doente acreditamos que a infecção parasitária foi feita tempos depois do ato cirúrgico. Não procuramos desta maneira encobertar um erro diagnóstico, mas é que a sintomatologia se modificou por completo.

Outro ponto desta nossa observação que queremos por em relevo é em relação a miiase produzida pelas larvas de moscas Calliphoridae do gênero Cocliomya.

Quando interno do prof. Moraes, e aproveito a oportunidade para render homenagem ao grande mestre e formador da escola oto-rino-laringologia da Bahia, fomos chamados a atenção em mais de um caso na limpeza feita pelas larvas nas feridas cancerosas. Uma vez limpa a ferida, respeitando o tecido são, elas se retiram sem necessidade de terapêutica. Foi o que aconteceu no caso presente.

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