Versão Inglês

Ano:  1943  Vol. 11   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 97 a 112

 

DESTRUIÇÃO TOTAL DA LINGUA POR CARCINOMA (1)

Autor(es): DR. ERNESTO MOREIRA (2)

CLINICA DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE S. PAULO (Serviço do Dr. Mario Ottoni de Rezende).

A primeira vez que puz os olhos nos livros, revistas e jornais médicos para rebuscar algo do assunto estava certo que a fartura advogaria minha causa e a messe seria abundante. Ilusão concreta. Nem um só caso de destruição completa da língua por carcinoma.

Múltiplas formas, variadas localizações, porém, nenhum idêntico a observação presente. Nos assentamentos e fichários do Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa, de 1912 a 1942, apenas conseguimos encontrar 36 doentes diagnosticados na sua maioria pelo aspeto clínico. Todos com localizacões definidas. Predominou como ponto de preferência a ponta da língua e as bordas. A idade destes pacientes variou entre 28 e 60 anos, sendo que a maior percentagem foi assinalada entre 50 e 60.


OBSERVAÇÃO

Nome: - L. R . S
Idade: - 51 anos.
Nacionalidade: - brasileira.
Sexo: - masculino.
Naturalidade: - São Manoel.
Procedencia: - Canaã.
Côr: - branca.

Foi matriculado no Serviço do Ambulatório de O. R. L. da Santa Casa, ficha n.° 20.272 em 7-8-42.

Não se podendo compreender as palavras pronunciadas, sem língua, e, sendo o doente analfabeto, e, não tendo presente nenhuma pessoa que nos pudesse esclarecer sobre a doença, não era possível uma descrição perfeita dos sintomas pregressos. Entanto no fim de algum tempo nos familiarizarmos com a pronunciação do nosso doente de modo a poder colher os melhores informes do caso.

Ha 18 meses passados apareceu na ponta da língua , (face inferior), uma verruga que começou a comer a língua . (sic).

O doente notava que a ferida da língua aumentava, espalhando-se cada vez mais. Depois caíram pedaços que o paciente cuspia e teve por mais de uma vez hemorragias fortes, passageiras. Em uma delas ficou tão fraco que chegou a ter uma vertigem.

Como não sentia dôr, ele não dava muita importância ao fato e só procurou o médica muito mais tarde.

A primeira impressão que tivemos ao examinar o paciente, foi que se tratava positivamente de um tuberculoso. Tanto assim que ao solicitarmos ao paciente puzesse a língua para fóra com o fim de examinarmos a laringe, com grande surpresa e admiração nada encontramos. Agora então com mais atenção verificamos que sua voz não era nem nazalada e nem laringea, mas sim exclusivamente da faringe, daí a dificuldade de compreender sua pronunciação mas, felizmente, conversávamos bem com o nosso paciente, podendo conseguir as informações desta observação.

Ao exame da cavidade bucal notamos que seu conjunto harmônico anatômico havia desaparecido, e, o que se via era uma verdadeira cratera disforme cheia de reconcavos, dando-nos perfeita idéia de uma impressionante deformidade. A implantação dos dentes do maxilar superior assim como sua conservação eram ótimos, em contraste com os do maxilar inferior em precárias condições. A fetidez do hálito era muito pronunciada. A mucosa bucal recoberta de um enducto cremoso esbranquiçado facilmente destacável punha amostra sua superfície sangrenta e de coloração vinhosa. Da língua apenas restos na base do lado esquerdo conforme a fig. 1 nos mostra. A vuvula ausente, naturalmente destruída pelo processo canceroso. As amígdalas também já não existiam, aparecendo as lojas amigdalinas inteiramente vazias, atapetadas pelo mesmo enducto pardacento. Destacado este via-se de cada lado o espaço parafaringeo inteiramente descoberto e observando-se mesmo com certa atenção batimentos arteriais.

Exame Físico Geral: - Individuo em estado péssimo , mostrando extrema magreza, pele seca e com descarnação parcial, principalmente nos membros e no dorso, pelos escassos muito quebradiços. Esqueleto fraco. musculatura praticamente ausente, panículo adiposo ausente. Altura: 1,73 - Peso: - 29,5 Kg. Ver fotografia (Fig. 2).

Sistema linfatico: - Nada apresenta de anormal, sendo palpáveis os gânglios cervicais direito e esquerdo variando de tamanho de ervilha a azeitonas, os gânglios sub-maxilares de tamanho de pequenas ervilhas, gânglios sub-axilares de tamanho idêntico, e os gânglios inguinais indolores, não aderentes aos planos profundos.


Exame Fisico Especial: - Cabeça - Simetria, sem cicatrizes exostoses ou depressões. Não há pontos dolorosos.

Seios da Face: - Não dolorosos a palpação.



Olhos: - Conjuntivas fortemente anemicas. Cílios caidos na sua maioria. Reflexos à luz da acomodação e consensual presentes e normais.



Fig. 1



Nariz e Ouvidos: - Não foi descoberto nada de anormal no exame geral feito sem o auxílio do especialista, que já o tinha examinado anteriormente.

Tratamento: - Soro glicosado, soro fisiológico, alimentação liquida. Roentgenterapia não foi feita em vista do estado adiantado da moléstia. Neosalvarsan (0,30) , aos sábados.

Removido para enfermaria de cirurgia para ligadura na carótida externa direita.
Óbito do doente em 21-10-42.



Fig. 2



RELATORIO DA NECROPSIA
Nome: Lázaro Ramos da Silva Fº
Idade: 51 anos.
Óbito: 21-10-1942 (3hs)
Necropsia: 21-10-1942 (15hs)
Recebido às 14,40 hs de 21-10-42
Necropt: Dr. W. F. Maffei
Nº da necrópsia: SS-17.398/42
Sexo - Masculino
Brasileiro - São Manoel
Branco, casado, lavrador
Domc - Canaã
Proced. : Santa Casa (1ª M. H.)

CAQUEXIA

Doença: carcinoma da língua
Diagnósticos : destruição total da língua por carcinoma
Infiltração carcinomatosa da faringe
Enfisma Atrófico dos pulmões
Edema Hipostático do Pulmão Direito
Atrofia Fosca do coração e fígado.
Cistos Sebáceos do Escroto
Divertículo de Meckel do Ileon.

GENERALIDADES: Cadáver de adulto do sexo masculino, de cor branca, pesando 30 quilos e medindo 1,72 cm, em acentuado grau de miséria orgânica. Cabeça regularmente conformada. Olhos encovados, pálpebras cerradas, córneas embuçadas e pupilas igualmente dilatadas. Narinas e ouvidos nada apresentam externamente digno de nota. Dentes ótimamente conservados-no maxilar superior e ausentes no inferior, com presença de numerosas raízes. Pescoço fino. Clavículas salientes e espaços intercostais deprimidos. Abdômen escavado. Genitais externos: o pênis nada apresenta digno de nota. Escroto apresenta nódulos bem circunscritos e delimitados, situados na espessura da pele, cuja epiderme, na superfície, se apresenta lisa, brilhante e esbranquiçada. Esses nódulos são de consistência elástica e se, deslocam com muita facilidade sob a pele. Rigidez cadavérica ausente.

CABEÇA: Estojo ósseo, dura-máter e seios venosos, nada apresentam digno de mensão.

ENCÉFALO E MENINGES: Peso: 1.320 grs. Nada apresentam digno de mensão.

ORGÃOS: A língua já não existe, verificando-se apenas a base que está tomada por uma proliferação neoplásica de caráter destrutivo e infiltrativo que invade toda a faringe, destruindo as amígdalas e a úvula, mas, parando exatamente no limite com a laringe. Esta neoplasia é de côr esbranquiçada e aspecto vegetante, sobretudo as bordas. Os gânglios cervicais nada apresentam ao exame macroscópico, sendo todos eles de tamanho normal e, o maior deles, atinge o tamanho de um caroço de azeitona. Laringe, traquéia e esôfago de mucosa lisa e muito anemiada. Retirados os orgãos do pescoço, verifica-se que o ramo horizontal do maxilar direito se apresenta corroído na sua parte media, nunca extensão de 3 cms, constituindo uma depressão irregular eriçada de espículas ósseas que diminuem consideravelmente a espessura do osso neste ponto.

Tireóide anêmica somente.

CAVIDADE TORACICA: Arca cardíaca muito pequena. Coração se apresenta em gota, com o pericárdio atolado ao orgão e enrugado. Arca cardíaca completamente descoberta pelos pulmões, que se mostram retraídos em suas respectivas cavidades, sendo o pulmão esquerdo completamente livre de aderências e o pulmão direito apresentando fracas adesões na sua face posterior. As pleuras são lisas, brilhantes e tímidas, assim como o pericárdio.

PULMÃO ESQUERDO: Peso: 320 grs. Pleura fina e lisa. Cor róseo-acinzentada. Consistência mole, conservando a impressão dos dedos em todos os seus pontos. Crepitação aumentada. Ao corte a superfície é de cor rosco-acinzentada, sendo a expressão pobre em líquidos. Gânglios do hilo ligeiramente aumentados de volume e antracosades.

PULMÃO DIREITO: Peso: 600 grs. Pleura fina e lisa. Cor róseo-acinzentada nos lóbos superiores e metade superior do lobo inferior. A metade posterior do lobo inferior apresenta sua consciência aumentada e a crepitação diminuída. Ao corte, só nesta parte se obtém liquido espumoso esbranquiçado.

CORAÇÃO: Peso: 160 grs. Epicárdio fino e liso. Panículo adiposo sub-epicardial desaparecido. Ramos descendentes das coronárias tortuosos. Orifícios e válvulas nada apresentam digno de nota. Aortica 6,5 mitral 8, tricuspide 11 e pulmonar 6,5 cms de circunferencia. Altura do ventrículo esquerdo 7 cms. Espessura do miocárdio do ventrículo esquerdo 10 mms. O miocárdio é de cor castanho-escura em ambos os ventrículos.

AORTA: Nihil.

CAVIDADE ABDOMINAL: Parece muito delgada, com escasso panículo adiposo. Peritoneo liso, brilhante e irando. O fígado dista 4cms. do rebordo costal na linha mamilar direita. O baço está profundamente situado no hipocôndrio esquerdo e está livre de aderências. Alças intestinais retraídas. Bexiga distendida.

FIGADO: Pesa 860 grs. Mede 24x13x5 cms. Cápsula fina e lisa. Cor castanho escuro. Consistência firme. Ao corte a superfície é de cor castanho-escuro,vendo-se a lobulação muito diminuída de tamanho. A vesícula nada apresenta digno de nota.

BAÇO: Pesa 100 grs. Mede 9x 6,5 x 2 cm. Pequeno. Cápsula fina e enrugada. Consistência mole, porém elástica. Ao corte a superfície é de cor vermelho claro, distinguindo-se nitidamente os vasos e o estroma reticular do órgão.

PANCREAS E ESTOMAGO: Autolisados.

INTESTINOS: Na parte media do ileon encontra-se um pequeno divertículo sob a forma de um polipo do tamanho duma azeitona, sem comunicação com a luz intestinal. No restante nada.

MESENTERIO: Muito magro, com seus gânglios pequenos e nada apresentando digno de nota.

RINS: Pesam 100 grs. cada um mede 9.5 x 4.5 x 2,5 cms. Cápsula fina e lisa, destacando-se com muita facilidade deixando uma superfície lisa e de cor rosco-acinzentada. Ao corte a superfície é de cor róseo-acinzentada, distinguindo-se nitidamente a cortical que mede 5 mm da medular. No rim direito encontra-se um pequeno fibroma na medular.

CALICES, BACINETES, URETERES, BEXIGA E PROSTATA: Nada apresentam.

TESTICULOS: Idem:


LAUDO HISTOPATOLÓGICO


FARINGE: A superfície está coberta por uma faixa de tecido necrosado. No corion vêem-se as glândulas que nada apresentam histologicamente e, o tecido intersticial está infiltrado por blocos irregulares de células epiteliais atípicas, com aspecto malpighiano, em certos pontos exibindo a formação de perolas córneas; vários blocos parecem estar no interior de vasos.

Diagnóstico: Infiltração carcinomatosa.

GANGLIOS CERVICAIS: Parenquinia conservado, notando-se apenas hiperplasia histiocitária dos seis linfáticos.

PULMÃO: Lam. 1: Os alvéolos apresentam suas paredes atrofiadas e rompidas em vários pontos, dando-se a confluência de 2 ou mais num só.
A lam. 2 mostra os alvéolos com seus capilares dilatados e congestos e, na luz encontra-se serosidade. Também aqui vêm-se paredes alveolares rompidas confluindo dois ou mais num só.

Diagnósticos: Enfisema atrófico.
Edema.

MIOCÁRDIO: As fibras estão diminuídas de volume e com acúmulo de pigmento de cor castanha, sob a forma de granulos, situados nos pólos dos núcleos.

Diagnóstico: Atrofia fosca.

FIGADO: As células hepáticas estão diminuidas de volume e apresentam acúmulo de pigmento de cor castanha, em redor do núcleo.
.
Diagnostico: Atrofia fosca.

RIM: Nada apresenta histologicamente.

BAÇO: Idem.

ESCROTO: O corte histológico de um dos tumores assinalados macroscópicamente se apresenta sob a forma dum cisto, com revestimento epitelial pavimentoso pluriestratificado, cheio de laminulas de queratina dispostas concentricamente e outras desintegradas.

Diagnóstico: Cisto sebáceo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


O caso é notavel devido à destruição total da língua pelo carcinoma; deste, já havia biopsia anterior registrada sob o n.o 5-11-073.
É interessante notar-se também que o individuo apresentava se em caquexia, não havendo nenhum fóco metastático.
Os tumores assinalados no escroto eram cistos sebáceos.




C A N C E R

Historico - Pela deficiencia do conhecimento exato das texturas dos tecidos e dos elementos anatômicos, os antigos autores supunham os tumores de origem anais ou menos singular; mais tarde, observando-os, pelas simples analogias de aspecto exterior foram eles classificados como: vegetais. (tumores lapiformes), de animais, (polipos, câncer, lardiformes), de corpos brutos, (tumores colóides, esquirrosos, etc.).

O exame dos tecidos mórbidos com auxilio do microscópio, o estudo de sua composição elementar e de sua textura, quando fundada sobre o conhecimento e a comparação dos caracteres correspondentes dos tecidos normais, e, o modo de desenvolvimento destes, permitem dar logicamente aos tumores um nome correspondente aquele elemento donde eles derivam, em relação com sua estrutura.

Sob a denominação de Câncer, se reúnem todas as proliferações celulares malignas que possuem a propriedade de crescer de uma maneira autônoma e destruidora : estas proliferações tem que proceder das celular do mesmo órgão em que se desenvolve o tumor ou pelo menos, de celular de outras partes do corpo transplantadas para o dito órgão. Diz STERNBERG que não existe nenhuma qualidade que dê a estas células o caráter de tumorais, nem a produção de metástase nem o crescimento destruidor. Sem embargo em nenhuma outra proliferação celular se encontram estas propriedades tão marcadas como no câncer ainda que possam existir em grau diminuto.

Pelo que respeita ao crescimento autônomo diremos que é só uma propriedade aparente, porque é possível que um dia se descubra ser o tumor de origem infecciosa como sucede com o linfosarcoma que é também denominado hoje linfogranulomatose e deste modo reduzir-se-ia o capitulo dos tumores autônomos como diz LUBARSCK e se ampliaria o das neoplasias infecciosas.

Recentemente tens-se querido estabelecer características morfológicas especificas das células cancerosas, através de um estudo citológico mais fino. Porem estes estudos são ainda insuficientes para se estabelecer uma identidade cancerosa á célula tumoral.

Por fim, os autores são unanimes em considerar não só como tumores cancerosos aos epiteliomas malignos (carcinomas), como também aos sarcomas e cancroídes, ainda que não seja improvável ser a biologia destas neoplasias muitos mais diversa do que supomos atualmente. Se quisermos estabelecer uma distinção fundamental entre sarcoma e carcinoma teríamos que nos apoiar, ao menos no presente, somente na morfologia destes dois tumores que se parecem não poucas vezes; portanto não podemos nos basear na morfologia e nem na biologia, pesar disto continuam sendo todavia as qualidades morfológicas que nos indicam do modo mais simples as diferenças existentes entre uma e outra neoplasia, ainda que não absolutamente decisivas. Pois um tumor benigno sob o ponto de vista histológico tem a meude o caráter de malignidade e até um tecido de granulação poderá ser amanhã um blastoma maligno. Isto leva-nos a pensar que os autores não estão de acordo no modo de interpretar os dados morfológicos .

Porem, só devemos pedir a morfologia que nos diga o que é hoje um tumor, sem recrimina-la por não dizer o que seria amanhã. Para evitar confusões funestas necessitamos uma nomenclatura que sirva para a imensa maioria dos casos e por esta razão apesar dos seus defeitos a morfologia continua sendo a base dos estudos do carecer. Segundo as teorias de COHNHEIM e RIBBERT não é necessário que a célula cancerosa seja uma célula especial. COHNHEIM emitiu a hipótese de que estas células procedem de outras embrionárias que temiam permanecido latentes durante muito tempo e põem em jogo de repente todo seu poder congênito de crescimento.

Se existe com certeza, uma porção de neoplasias malignas que são devidas à proliferação de celular embrionárias, este fato não tem importância maior senão para a genese formal e não para a causal porque nos falta saber qual a razão deste crescimento repentinamente ser ás vezes benigno e às vezes maligno. Segundo RIBBERT, toda a célula separada do tecido de que faz parte pode converter-se em cancerosa, não existindo células malignas.

Pode-se dizer que a investigação experimental foi a primeira que trouxe esclarecimentos ao problema da genese sem que queiramos dizer com isto, que se tenha explicado tudo. A investigação experimental do carecer começou a dar frutos no ano de 1901, quando TENSEN de Compenhague publicou suas experiências nas quais ponde com êxito transplantar fragmentos tumorais de um rato a outro. Esta experiência se repetia com igual resultado em todo mundo iniciando-se assim o método de transplantação ou inoculação. Na Alemanha realizaram estas investigações com especial fortuna P. EHRLICH, WERNER L. MICHAELIS e C. LEWIN; na Inglaterra BASHFORD, e na França, BORREL. Resultou destas experiências que os tumores expontâneos são dificilmente inoculáveis enquanto que a capacidade de crescimento de fragmentos de tumor transplantadas aumenta de geração em geração; pareceu comprovar-se que, para que pegue um enxerto de tecido canceroso é condição necessária a integridade das células, alem do que á transplantação só será seguida de êxito em animais da mesma espécie ou seja de um rato a outro rato ou de uma rata a outra. As irritações mêcanicas influem também na genese do câncer tendo ORTH visto um câncer da mama que se desenvolveu em torno de uma agulha introduzida vinte anos antes e outro na pálpebra inferior produzido no sitio irritado por um olho artificial defeituoso.

Os cânceres da mucosa da bochecha estão relacionados com lesões pré-cancerosas ; com frequência procedem de leticoplasias porem podem igualmente se engendrar devido a ligeira influência traumática. É muito conhecida a relação que existe entre o câncer da língua e da bochecha e os dentes cariados sobre tudo ditando em atrito com arestas afiladas dos mesmos: porem nestes casos podem atuar ao mesmo tempo causas mecânicas traumáticas e químicas , como por exemplo o câncer do lábio dos fumadores de cachimbo. Neste caso intervem também influências térmicas. Recentemente LICKINT produziu proliferações epiteliais atípicas com o suco do tabaco, porem não carcinomatosas apesar de que, relaciona com o uso do tabaco o câncer dos lábios, da língua, da mucosa, da gengiva, da faringe do esôfago e do estomago. A influência das glândulas de secreção interna sobre o crescimento das células cancerosas parece regular-se pelo sistema nervoso simpático. Isto está demonstrado nas experiências de AULER e GOHRERANDT, nas quais secção dos filetes correspondentes do simpático, foi seguida pela desaparição do tumor em ratos e no homem. Também HEIM e TINOZZI obtiveram resultados positivos em animais. É admisível que as substancias ativas segregadas pelos órgãos e que influem sobre o simpático possam ser incluídas em qualquer grupo das vitaminas, porem este fato não prova de per si a importância causal do transtorno de equilíbrio vitamínico na alimentação, para a genese do câncer. As experiências de SAIKI, RHODA, ERDMANN e outros demonstram que mediante uma determinada troca na com-posição das vitaminas se apresentam alterações no estomago dos animais que se podem considerar corno pré-cancerosos e até em alguns casos, se produziram neoplasias análogas ao câncer-, porem estas experiências não provam que o carcinoma seja um transtorno geral do metabolismo. Ao contrário cremos que o carcinoma seja pelo menos a principio, uma enfermidade estritamente local.

Muito se tem escrito sobre as classificações dos tumores e varias forais sugeridas. O método mais útil é aquele que se baseia na origem embriológica. Este pode ser fácil; difícil ou impossível. De quatro tumores ósseos primários, reconhecemos o tipo celular em um e desconhecemos nos outros tres. Quanto mais indiferenciado e anaplasico o tumor, finais difícil o reconhecimento do tipo celular ex: sarcoma de celular redondas. Na a descrição das varias formas de tumores, algumas serão simplesmente mencionadas: estas são mais convenientemente consideradas em conexão com os órgãos de onde se originaram.

A classificação a ser usada será a seguinte:

1.- Tumores do tecido conectivo:

A - Benignos
Fibroma
Lipoma
Mixona
Condroma
Osteoma

B - Malignos
Cordoma
Sarcoma

2º. - Tumores do tecalo muscular
Leiomioma
Rabdomioma

3.° - Angioma
Hemangioma
Linfangioma

4.° - Endotelionia

5º - Tumores do tecido hemopoetico
A - Linfoma benigno

B - Linfomas malignos
Linfosarcoma
Molestia de Hodgkin
Leucemia
Mieloma múltiplo

6.- Tumores pigmentarios
Nevos
Melanomas

7° - Tumorcs do tecido nervoso
Glioma
Nenroblastoma
Retinoblastoma
Gangloneuroma

8º - Tumores epiteliais
Benignos
Papilomas
Adenomas
Malignos
Carcinoma

9. - Formas especiais de tumores epiteliais
Hipernefroma
Corionepitelioma
Adamantinoma

10.° - Teratomas

CARCINOMA -- Carcinoma é um tumor epitelial maligno que tende a invadir os espaços linfáticos do tecido conectivo circundante. É o mais comum dos tumores malignos, muito mais comum do que o sarcoma. As células se apresentam com a disposição epitelial característica; elas estão reunidas em grupos ou alvéolos com estroma fibroso entre os grupos, porem, não entre as células do grupo. O estroma varia grandemente em quantidade e claramente determina o caráter físico do tumor. Quando o tumor primário é seccionado pode parecer feito de largas massas separadas. Estas são realmente prolongamentos da massa central que no corte dá a fictícia aparência de multiplicidade.

Propagação:- O carcinoma pode estender-se de 4 maneiras.

l.a) - Invasão dos espaços tissulares. Este é o método fundamental de expansão. Os vocábulos câncer e carcinoma significam carangueijo e as extensões as suas garras.

2.a) - Penetração linfática. As células cancerosas invadem os linfáticos e desenvolvem-se ao longo deles. A disposição ao longo dos linfáticos perineural é de importância em alguns tumores, particularmente ao carcinoma da próstata.

3.ª) - Pela embolia linfática. As células tumorais são levadas para os nódulos linfáticos regionais c algumas vezes para nódulos mais distantes. Os nódulos vizinhos podem ser também atingidos pela penetração.

4.º) -Pela propagação sanguínea. As células tumorais são levadas a órgãos distantes.

O carcinoma expande-se primeiramente pelos espaços linfáticos e vasos linfáticos . O comprometimento dos nódulos é a regra. Um nódulo linfático pode conter célula s cancerosas e pode ainda parecer a olho nu normal e não mostrar hipertrofia ponto de grande importância cirúrgica. Assim que o processo se torna mais adiantado o gânglio alarga-se e a superfície cortada apresenta um pequeno nódulo branco leitoso. Finalmente o gânglio é inteiramente ocupado pelo tumor. Na forma de câncer com células escamosas ou carcinoma-epiderinoide, da pele, da língua, etc.. a expansão é quasi inteiramente pelos linfáticos, ainda que no ultimo estagio os vasos sanguíneos possam ser invadidos.
A propagação pela corrente sanguínea é comum ainda que não tanto como pela linfática. No câncer do ducto gastro intestinal e pâncreas as embolias tumorais são levadas pela veia porta ao fígado para formar metástases.

No Câ, de outros órgãos (tronco ext.) o pulmão é a sede da metástase secundaria. Os ossos são sujeitos ao comprometimento no câncer do tronco, próstata, rins e tireóide. O câncer do pulmão contribue para a metástase do cérebro.

Classificação.

O carcinoma pode ser dividido em 2 grandes grupos de acordo com o tipo de epitélio de onde se origina. Carcinoma de células escamosas e o carcinoma glandular.

O grupo glandular requer uma subdivisão: o adenocarcinoma e o carcinoma simples. No 1.° a disposição glandular do órgão é reproduzida com a formação de espaços glandulares. Como
o epitélio é usualmente colunar ele é também chamado carcinoma de células colunares. Os melhores exemplos são vistos no estomago e nos intestinos.

Carcinoma simples é o tumor cujas células são dispostas em sólidos cordões sem atingir a formação glandular. Está dividido em cirros e medulares. Cirro é um tumor duro. Sua dureza é devida á natureza de seu estroma. As células são dispostas em massas pequenas ou cordões separados pelo estroma fibroso ou as massas podem ser partidas e as células tão largamente separadas que se torna difícil o reconhecimento da natureza epitelial do tumor. No tronco e estomago aparecem com mais frequência.

O medular ou carcinoma encefaloide é um carcinoma de células simples com pequeno estroma. A distinção entre o cirro e o medular não é fundamental porque urna parte do tumor pode apresentar a disposição do cirro e a outra parte a disposição medular. Mesmo numa secção ambos os tipos podem ser vistos.

Carcinoma colóide ou melhor chamado gelatinoso, é um câncer no qual as células sofrem uma degeneração colóide ou gelatinosa.

É mais comum no estomago, no grosso intestino, mas ocorre também no tronco. Um grupo insuficientemente reconhecido é o do anaplasico ou de carcinoma indiferenciado. Estes tumores são passíveis de serem tomados como sarcomas e linfosarcomas.


Classificação.

Carcinoma
Escamoso celular
Adenocarcinoma
Glandular
cirros
Câ simples
medular ou encefalóide
Colóide
Anaplasico

C A N C E R D A L I N G U A


Não tão frequente como o do lábio, o cancro da língua é de grande importância, porque seu crescimento é rápido e a operação radical nenhum resultado dá, tornando-se portanto incurável. BUTLIN verificou que de 1901 à 1907 morreram anualmente na Inglaterra de cancro da língua, 750 pessoas (12 por 100.000 habitantes) sendo que apenas 70 foram operados anualmente com resultado. As localizações foram as mais variadas, assim é que
pelas estatísticas de WÖLFLARS em 48 pacientes foram encontrados nas bordas da língua e 13 a direita, 6 na ponta. 6 em baixo e 6 no freio, 2 do lado direito da base, 1 na parte média superior e 1 na porção posterior. Além disso foram encontrados no assoalho da boca.

Sobre a face superior da língua localizaram-se 17 dos l0 e os restantes na face inferior. Como sintomas o câncer apresenta flores irradiadas para os ouvidos, na porção anterior e posterior da língua. Apresenta também frequentes hemorragias espontâneas . Ao contrario da ulcera que se infiltra alastrando-se cada vez mais, progredindo devagar, o câncer limita-se exclusivamente a língua. Tanto assim é que segundo os dados de WÖLFLERS, os gânglios são isentos da proporção de 4 para 17. Todavia os primeiros afetados são os do assoalho da boca, sendo também observado que certos gânglios ficam isentos de metástases. Os movimentos da língua, da mastigação e da deglutição tornam-se limitados. Os sintomas são diferentes quando o câncer se localiza na face inferior da língua, porque neste caso o assoalho da boca é que fica comprometido. Na parte afetada forma-se uma invaginacão, os alimentos aí se depositam, e devido ao limitado movimento da língua ai permanecem entrando em decomposição produzindo mau hálito . Estando o assoalho da boca envolvido no processo patológico, os primeiros gânglios afetados são os submaxilares depois os gânglios cervicais inferiores. O doente torna-se debilitado, as dores aumentam principalmente no momento da deglutição. Os pacientes preferem alimentos líquidos e leves. Quando o câncer se localiza na base da língua novos obstáculos surgem. O doente não pode deglutir a saliva e nem rejeitá-la de maneira que pelos cantos da boca escorre tini liquido fétido que pode também se encaminhar para o trato respiratório, produzindo até pneumonia mortal. A inanição é a causa mais provável da morte, porem as metástases para os órgãos internos também se podem verificar.

O carcinoma da língua ocorre com freqüência , especialmente no homem, seja pela falta de higiene dentaria seja pelo tabaco. A leucoplasia, a sífilis e os tumores benignos são freqüentemente os precursores. Não lia dói nos primeiros estádios da moléstia . A doença pode começar sob a superfície da mucosa, permanecendo como um nódulo endurecido. À lesão começa com uma ulceração superficial, mais tarde ha uma escavação e destruição de uma área que vai aumentando e cujas bordas são elevadas e endurecidas. A localização no dorso da língua é rara; em geral se assesta lia ponta, base e superfície inferior. Apesar de tais
lesões serem visíveis aos olhos do paciente, o doente não se apresenta ao médico, enquanto a moléstia não avança consideravelmente.

Em conjunto os sintomas consistem em alteração da fala, imobilidade da língua, dificuldade na deglutição, dores como resultado das infecções secundarias e gânglios palpáveis. Tais gânglios são ocasionalmente devidos a infecções secundarias, mas, frequentemente são de origem metastatica. O tamanho de uma lesão não é um índice para a extensão metastatica, pois que uma pequena lesão maligna é geralmente acompanhada por grandes gânglios precoces.

Diagnostico. - O diagnostico precoce e a cirurgia a tempo podem aliviar estes doentes, que na maioria só suportam a molestia no máximo um ano. (WÖLFLERS). A localização do tumor dificulta as vezes o diagnostico. FOURNIER nos apresenta um quadro diferencial muito elucidativo.

1.°) - O câncer em geral aparece em idade avançada, isto é , depois de 50 anos.

2.°) - Em pacientes idosos, conforme a localização da moléstia pode-se pensar em câncer.

3.°) - No decorrer da moléstia pode aparecer uma leucoplasia, que fará também pensar em câncer, sobretudo em determinadas doenças da cavidade bucal.

4.°) - Uma rápida diminuição das forças físicas, a escassa alimentação, pronuncia-se geralmente por um carcinoma .

Diagnostico diferencial. - Outros sintomas entretanto se apresentam que nos levam a pensar em goma.

1.°) - A implantação da goma da face inferior da língua é rara, e, durante mesmo o seu evoluir ela se assesta quasi sempre no dorso.

2.°) - O aparecimento de hemorragias espontâneas ou provocadas por pequenos ferimentos pronuncia-se a favor da goma.

3.°)- As dores aumentam a medida que o processo gomoso progride, tanto pela apalpação como durante a deglutição.

4.º) - A infiltração ganglionar da região faz pensar também em goma.

5.°) - A multiplicidade de localizações, como no dorso e na base da língua: fala a favor da goma.

Ao lado desses fatores é sobretudo aconselhável observar-se a aparência dos focos. Na maioria dos casos esses fatores são dispensáveis pois o diagnóstico pode ser feito independente deles. O carcinoma apresenta-se apesar da ulceração adiantada, como tumor, não podendo se comparar com uma inflamação de infiltração gomosa. Na apalpação por meio dos dedos, pode-se diferençar tanto um tumor como uma inflamação carcirnomatosa. A goma forma ulteriormente um tumor cujas bordas são agudas e inclinadas para baixo. No carcinoma a borda tanto quanto fundo do tumor é formado por um leve tecido tumoral, a borda é ligeiramente compacta, irregular, e denteada. O fundo dum tumor gomoso é formado por uma massa pastosa, gordurosa que ao toque não sangra facilmente. Um tumor carcinomatoso mostra um fundo irregular, fino, e grosseiramente ondulado, com uma cor amarelada não uniforme. Constantemente aparece um salpicado de manchas, salientado-se mais as amarelas do que as vermelhas. Na tentativa de se limpar as manchas amarelas, estas se apresentam em forma de migalhas de queijo, e examinadas ao microscópio provam ser perolas cancroides da massa do epitélio pavimentoso. Todo e qualquer toque com a sonda. num carcinoma provoca hemorragia. É de importância para o diagnóstico as extensas cicatrizações que aparecem posteriormente, e que no carcinoma tratado sem operação raramente advem. No decorrer da infiltração, aparece um espessamento das partes circunvizinhas, que causam uma fixação das partes atacadas o maxilar inferior ou soalho da boca. O movimento da língua á então prejudicial, não acontecendo o mesmo na goma. Em casos mais difíceis havendo uma duvida, recorre-se a um tratamento antísifilitico , ou a um exame de um pedaço do foco. A dificuldade do diagnóstico diferencial entre o carcinoma e goma da língua , aumenta mais quando advem uma combinação do processo. Sãos ambos, na sua maneira de expansão bem separados um do outro não trazendo o diagnóstico neste caso, para os experimentados. nenhuma dificuldade. Em outros casos, pelo contrario, apesar de toda a perspicácia não se chega a nenhum resultado satisfatório , ou se constata um diagnóstico errado o que para o doente, torna-se fatal.


BIBLIOGRAFIA


KLEMPERER - Tratado Completo de Clinica.
W. BOYD - Classificação dos Tumores.
KUMEL e MUCKULICZ - Krankheiten des Mundes.
N. CLAUDE et CAMUS -- Patologie Generale.




(1) Trabalho apresentado à sessão de O .R .L. da Associação Paulista de Medicina em 17-1-43.
Recebido tecla Redação em 22-2-43.
(2) Adjunto da Clínica

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