Ano: 1943 Vol. 11 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (6º)
Seção: Notas Clínicas
Páginas: 89 a 96
OTO-ANTRITE E ABCESSO RETRO - AURICULAR. OSTEITE DO CONDUTO
Autor(es): DR. ENIO D'ALÓ SALERNO
S. Paulo
Traz-nos a vossa presença dois casos raros e interessantes no domínio das infecções antrais. O 1º, que poderá ser chamado de Oto-antrite de Duplay está com observação e documentação mais ou menos completa, devido a permanência relativa longa do doente no hospital.
O 2º caso, osteite do conduto, infelismente não pode ser comprovado por radiografia ou ato operatório em vista de ter sido em doente ambulante, que, não tendo vindo à conseqüente consulta, impossibilitou-nos acrescentar maiores e detalhados por menores.
Apresentou-se a Clinica Pediátrica AMELIA DE CAMILIS na seção de laringologia, no dia 13 de Fevereiro, o menino Lauro Gonçalves, de 6 anos de idade, cor branca, domicialiado em Monte Alto de cuja anamnese ressalta apenas a convivência de uma avó paterna tuberculosa e acusa como moléstia anterior, desinteria.
O pediatra que subscreveu a ficha, frizou " reação inflamatória na região mastóidea com dor a palpação, rubor, edemaciada toda a região circunvisinha".
De fato o doentinho apresentava a região retro-auricular direita abaulada, rubra, quente e cujo edema propagava-se à região orbitária do mesmo lado, apagando o sulco; o conduto auditivo direito com secreção mucopurulenta e queda pronunciada da parede superior.
Pelo histórico conta-nos o progenitor que aquele ouvido já purgava há muito tempo e instalo para que definisse, declarou ser mais de um ano e que nos últimos dias a secreção tinha diminuído porem formara-se um tumor que crescia cada vez mais, tendo tido "um pouco de febre" ultimamente.
A criança foi internada e pedida uma radiografia das mastóides apesar de já ter sido colocado na ficha o diagnóstico de mastoidite aguda.
A radiografia, como podem ver, foi negativa conforme relatório do Dr. Walter Pontes: "Ausência de lesões nos seios mastóides."
Entre o internamento e a espectatica da radiografia passaram-se dois dias, nos quais o pacientezinho acusou peoras para o estado geral e local, obrigando-nos a intervir. nem que fosse para uma simples incisão de WILDE.
OPERAÇÃO: Anestesia geral pela cloretila: foi feita a incisão retroauricular acompanhando o sulco a 1 mm. de distância; da ferida operatória manou grande quantidade de pus e sangue: pinçados os vasos e enxuta a região, verificamos que o acesso tinha-se coletado entre o periosteo e o osso, que apresentava aspecto branco, integro, apenas ligeiramente descamado; neste ponto procuramos com cureta ataca-lo mas seguimos com trépano e martelo.
A descamação parecia ser apenas a irritação provocada pelo pus coletado repousando naquele ponto.
Continuou-se a trepanação com dificuldade pois o osso continuar, a não dar mostras de ter sido atacado, por qualquer outro processo, apareceram as primeiras células sem sinal de infecção, completamente limpas, sem secreção procuramos então o antro mais para o alto e aí apareceu ligeiros catarro amarelado.
Curetamos vagarosamente e verificamos com estilete curvo que estávamos em pleno antro a caminho da caixa ou ático.
Preciso ressaltar agora que antes de iniciarmos a trepanação, verificamos que a parte da concha e conduto normalmente aderente a mastóide, achava-se descolada até quase ao timpano como si nós o tivessemos feito com o intuito de praticar radical.
E esta não foi feita unicamente porque vimos que a drenagem pelo conduto e pelo antro era ampla e acreditamos então que isto seria suficiente para a cura completa, vindo esta a verificar-se no dia 3 de Março, l7 dias após a intervenção.
Não me atrevi a insistir no diagnóstico de mastoidite aguda em vista do acontecido, si bem que a infecção na caixa não encontrando a parede do conduto tão flácida, e não contrariasse a lei da gravidade (na posição do pé) ascendendo e coletando-se na parte alta da mastóide formando o abscesso retro-auricular, teria atingido as células e provocaria a mastoidite do tipo mais conhecido, ou seja a mastoidite latente, ama seca das otites médias crônicas supuradas, não as concebe mas alimenta-as.
Caso idêntico ao nosso apresentou GAVELLO aos Archivos italianos de otologia e do qual transcrevemos um resumo publi
cado em seu livro: - "Temos chamado a atenção dos otologistas sobre uma outra possível via de difusão dos processos supurativos timpânicos e especialmente epitimpânicos. Essa é constítuida de um sistema de cavidades ósseas, descrito detalhadamente por SIEBENMAN, escavado no interior da escama temporal, correspondendo a parede superior do conduto. Estas células podem estar desenvolvidas exageradamente e comunicar com o epitimpano ; em raros casos acontece que o pus caminha por ai e dirige-se para o exterior por cima do conduto e quasi ao nível da inserção superior do pavilhão; dai forma-se então um abcesso subperiostal de todo independente da mastóide, a qual pode estar indene".
DUPLAY citado por "TESTUT-JACOB explica a possibilidade desta via por ser o periósteo que recobre a face lateral mastóide o mesmo do conduto: é muito raro e especial às criança.
A possibilidade de uma periostite apofisaria (seria o nisso caso em estágio mais avançado) sem mastoidite intermediaria. é admitida por BRULL-POLITZER-LAURENS.
Procurou o ambulatório de otorino do hospital, um doente ele 67 anos, cor branca, queixando-se de corrimento mais ou menos abundante, de um dos ouvidos, informando ser moléstia muito antiga, cuja fase inicial apagou-se na memória.
Focalizando o ouvido afetado, notamos uma quantidade apreciável de secreção amarelo-purulenta ocupando o canal auditivo externo; com a retirada desta, e pelo otoscopio procuramos localizar a perfuração timpânica, imaginando sua destruição completa e com surpresa encontramos um timpano normal, absolutamente integro; insistimos nas margens ou rebordos, principalmente superiores, sem notar nem mesmo - sinal de lesão cicatrizada.
Passamo-lo então à mãos bem mais competentes e Dr. Homero Cordeiro com o auxilio de um estilete curvo e botonado, explorando o teto do conduto, notou uma solução de continuidade do revestimento cutâneo conseqüente a carie ossea na parede postero-superior.
A explicação deste fato é dada pela descrição anatomotopografra da região si lembrarmos a disposição das células limitrofes do meato acústico que ocupam a parede antero superior, que quando invadidas por infecção dão na maioria dos casos, o sinal clínico-cirúrgico das mastoidites, a queda do conduto.
Transcrevemos na integra, trechos clássicos, que nos pareceram mais preciosos e elucidativos:
- "As inflamações partidas do ático podem estender-se a estas células (osteite do muro da logeta) e as relações das mesmas com o meato acústico externo explicam porque a lesão destas células estejam associadas a tumefação, a fistula da parede superior do meato. Por meio destas fistulas o pus contido no ático purga no meato e em tal caso a membrana do tímpano pode ficar intacta; daí um possível erro de diagnóstico, porque a afecção, em vez de ser localizada na caixa, pode ser considerada como simples otite externa". (TESTUT-JACOB).
-"No alto, mais acima da membrana, a parede externa é formada por uma lâmina óssea do temporal que apresenta uma larga escavação alojando a cabeça do martelo e da bigorna. Ao
nível desta escavação, a caixa alarga-se e invade por cima parede superior do conduto auditivo externo; isto nos explica que os abscessos da caixa podem ir abrir-se sobre esta parede superior sem atravessar a membrana do tímpano. Esta lâmina óssea dura como marfim, constitue o muro da logeta" - GUIBÉ - Fac. de -Medicina de Paris).
Falta apenas lembrar que a porta de entrada da infecção deve ter sido a trompa de Eustachio e a porta de saída, no "locus minor resistencie" admitido por TESTUT, onde derma, pericondrio e periosteo formam uma só camada recobrindo a parede óssea.
Idênticos casos, um de artrite, outro de mastoidite com fistula na parede superior são citados por GASTON na literatura Francesa que apresenta outros casos atípicos: DARNAUD, um caso de mastoidite aguda num doente de 16 anos em sub-coma diabético; operou 4 dias após um tratamento insulínico e regime rico em glucídios. Post-operatório normal.
RICHIER e DEBAIN, um caso de otomastoidite que apresentou em 48 horas, sintomas meningeos sendo agente o streptococo hémolitico; cirurgia e sulfamida.
BLEICHER, cita um caso de otomastoidite após furúnculo do conduto; rompendo-se este para o tímpano e a caixa devido a uma exostose congênita, provocou a osteite .
UMBERT e PERTUS, citam caso idêntico, em doente de 41 anos, ao de CALVET, LO e
DASTE, de uma otite supurada com temperatura alta e reação meningea. Á intervenção encontraram massa colesteamatosa enchendo a caixa; punção raquidiana purulenta e aséptica. Oito dias depois a criança apresentou artrite tibio tarsica, e pleuriz purulento e pneumococo, falecendo um mês após a otite.
Encerrando a série franceza recordaremos CANUYT com seu caso de fistula mastóidea na parede postero inferior do conduto.
Outros são apresentados pela literatura americana:
WATKINS, de Boston apresenta uma observação de paciente de 21 anos com distúrbios crônicos para o ouvido há 2 anos e exacerbação de 2 semanas. Feito o diagnóstico de mastoidite, colesteatoma e abscesso de Bezold, praticou-se a radical. Apareceram, trismus, contração do músculo trapézio direito, reflexos tendinosos ativados, rigidez de nuca e a suspeita de tétano que foi confirmada pelo eletro miograma.
Outro caso de tétano, após semi-radical (conservação dos ossículos e tímpano) é citado por um colega de New York que não conseguiu fazer ceder os distúrbios auditivos, mas sim a moléstia.
DIXON, relata 6 casos em 3 meses, de mastoidites atípicas com ligeiros sinaes para o conduto que apresentou-se em 3 casos com estreitamento na porção antero-superior e em 2 com elevação do soalho, queixando-se todos de dôr profunda nos ossos.
Fez paracentese que foram negativas. Um dos casos de êxito letal, apresentava apenas dor persistente e desvinelamento do canal na 1.° visita, sendo que 10 dias depois novamente examinado, nada apresentou.
Na mesma noite apareceram sintomas de irritação cerebelar e a operação revelou abscesso rompido para a fossa posterior que provocou o desenlace em 48 horas.
E para concluir, apresentamos uma classificação alemã admitida por LAURENS, das diferentes vias seguidas pela infecção e na qual não se acha a hipótese da nossa 1.ª observação mas sim outros cinco pontos cardiais:
1.°) Para fora, através a pele: é a rota frequente, a osteite atacando a cortical, forma um abscesso sub-periostal e consecutivamente um abscesso sub-cutâneo com ou sem fistula; algumas vezes apesar da carie óssea o periósteo permanece intacto.
2.") Da parte de dentro, através a taboa interna da apófise e por conseguinte através a dura mater e o seio. (isto explica caso RICHIER e DEBAIN).
3.°) Para cima, através a taboa mediana do crâneo e cérebro (1 caso citado por TOYNBEE).
4.°) Para baixo, através o lado interno da ponta da mastóide o pus descola as inserções do músculo digastrico e funde-se na loja parotidiana, na direção da nuca ou pescoço. (BEZOLD).
5.°) Para frente, através a parede postero superior do conduto auditivo ósseo, determinando a formação de fistula. - (GASTON - CORDEIRO).
RESUMO
O autor relata 2 casos raros em oto-mastoidites.
O 1.° em criança, onde a infecção, descolando a pele do conduto caminhou da caixa para a face lateral da mastóide formando abscesso retro-auricular. Radiografia e ato operatório nada revelaram no osso mastóideo, apenas o antro acusou secreção.
O 2. º em ancião, também sem romper a membrana, a infecção apareceu no conduto através sua parede superior, formando uma fistula no muro da logeta. Apresenta uma radiografia, 2 desenhos demonstrativos e outras casos raros da literatura.
RÉSUMÉ
L'auteur relate deux cas, curieux dans les oto-mastoidites.
Le premier un enfant, oú 1'infetion ayant decolé la peau a fait un course dela caisse a la face lateral de la mastoide docalisant un abcés retro auriculaire. Radiografie et acte operatoire on revelé rien dans l'os de la mastoide, seulement l'antrum a acusé secretion.
Lê seconde, um vieux homme, l`ínfetion n`ayant la membrane apparût dans le conduit, dans lá paroi superieure par une fistule.
SUMMARY
The A. reports two curious cases in oto-mastoidites.
The first in child, where the infection impasted the conduit skin's followed from the box for lateral face of mastoid making abcess hehind auricular. Radiografie and operation say nothing to the processos mastoideo, only acused secretion in the antrum.
The second, in old man, also without perforation timpani, the infection appears in the canal in the superior, wall making a fistula. Presents one radiógrafie, two drawings projects and recount another cases of literature.
BIBLIOGRAFIA
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Idem Testut -- JACOB, -- pag. 73 - 306 - 332.
Atlas manuel des maladies ele l'oreille. BRUHL - POLITZER - LAURENS - pág 203 - 204.
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Cumpendio di Patologia e terapia dell'orechin - GAVELLO -- pg. 92.
LA PRESSE MEDICALE
Ano 1939.
Nº 4 pag 70. - - Societé d oto-rhino-laryngologie de Paris.
Un cas de meningite post-otitique à pneumocoque ameliorée mas non guérie par le traitment sulfamidé (1 em criança e 1 em adulto).
Nº 41. pag. 798 - Societé de cirurgie et farmacie de Tolouse. Mastoidite aigué et sub-coma diabetique, trepanation, guérison.
Nº 43. pag . 867 - Societé de laryngologie des hospitaux de Paris. Meningites à streptocoques hémolitiques guérie par lês sulfamides.
N.68. pag . 1288 - Societé d`oto-rhino-laryngologie de Paris. Sur un curieux cãs de mastoidite consecutive à um furuncle du conduit externe.
N.69. pág. 1304 - Societé de laryngologie des hospitaux de Paris.
Deux cãs d`otorrhée cronuque de l`enfance traitée par evidement partiel.
THE JOURNAL OF THE AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION.
Vol. 116 - nº 12 - pg. 1.388- Tetanus from midle ear infection.
Vol. 118 - nº 2 - pag 173 - Mastoidites Whithout classic symptomes.
Idem - nº 15 - pg. 1330 - Otite bacterial maningitis.
Vol. 119 - nº 3 - pág 261 - Electromyograms in diagnosis and prognosis of tetanus.
Recebido pela Redação em 29-10-42