Versão Inglês

Ano:  1942  Vol. 10   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 701 a 721

 

CASOS CLÍNICOS

Autor(es): -

1) PERFURAÇÃO NECRÓTICA DA MEMBRANA DO TIMPANO

ARISTIDES MONTEIRO

Rio de Janeiro

Somos chamados pela manhã, cedo, para examinar cliente nosso, que se queixava de dor do ouvido desde ás 2 horas da manhã. As dores foram-se exacerbando, duas horas após houve ruptura da membrana do tímpano, dando saída a uma secreção sanguinolenta abundante. Chegamos a casa do paciente cerca de oito horas. Encontramo-lo abatido, queixando-se ainda de fortes dores, que se irardiavam para a região parieto-temporal. Temperatura 37,4. Resfriado ha dois dias. Secreção catarral pelo nariz. A otospia deixou-nos admirados pelo que observávamos Notava-se uma destruição quasi total do tímpano Secreção sanguinolenta no conduto auditivo. Mucosa da caixa edemaciada. Retiramos restos do esfacêlo do que deveria ter sido membrana do tímpano, depositado no conduto osseo, junto a inserção da orla de GERLACK. Não havia reação para a região da mastoide.

Ha anos que tratavamos da família do paciente e conhecíamos-lhe bem os ouvidos. Era portador duma surdez de transmissão, do tipo otosclerose, existente em mais de um membro da família. A perfuração que verificavamos era dessas que observamos em doentes portadores de otite média cronica, datando de anos e anos e originadas em seguida às doenças infecciosas graves da infancia, como sejam a escarlatina, raramente observada entre nós, o sarampo e as broncopneumonias, estas mais triviais. Nunca porem deparáramos com tal quadro timpánico e o que apresenta maior interesse, foi a destruição tímpanica observada dentro do praso de seis horas, contados entre a primeira dor de ouvido e o exame subsequente. Fica este registro justificado por esse fato anormal e raro no decurso das otites médias agudas.

Fizemos a colheita do material que fluia abundantemente pelo ouvido, tendo o laboratorio (Dr. Lacorte) verificado tratar-se de germes habituais na flora das otites médias: estreptococus estafilococus. Não havia predominancia deste ou daquele tipo de bacteria, sendo negativa a pesquiza para anaerobios.

NOTAS CLINICAS

Nunca observamos caso semelhante. A destruição quasi total da membrana do tímpano, só encontra explicação, si atentarmos para os fenomenos flogisticos no mais alto grau, de que foi vítima o conectivo tissular do tímpano. Só uma verdadeira fusão do tecido conjuntivo da membrana, poderia ocasionar o seu quasi desaparecimento em tão pequeno espaço de tempo. A anatomia patológica explica tanto quanto possível estes fenómenos. Por principio, devemos considerar como dotados de uma alta virulencia as bactérias causadoras da infecção.

Do ponto de vista geral a necrose é considerada a morte da célula e do tecido, desde que se quebre o equilíbrio do metabolismo celular de forma definitiva, acarretando uma série de transformações regressivas, presentes no citoplasma e no núcleo, consequêntes à atuação de diferentes causas morbígenas.

No nosso particular o tímpano, membrana tensa por excelencia, presta-se, devido a circunstancia especiais de sua morfologia, ao ataque de germes virulentos que ocasionam não raros processos inflamatorios violentissimos, terminando, às vezes, pelo seu esfacêlo.
É no citoplasma e no núcleo que vamos encontrar os processos mais intensos da necrose, característicos das alterações metabólicas locais, como sejam a autólise, a cariorexe e a pícnose.

O tipo de necrose que mais se presta para a interpretação do fato por nós verificado é a necrose por coagulação; a única que pode explicar o fenômeno observado, dentro do tempo que mediou entre a dor violenta do ouvido e a nossa chegada á casa do paciente. Coagulado o protoplasma, atingido o cortejo de fenômenos regressivos ao seu mais alto grau, sobrevem o que se chama a necrose aguda, observada já se vê toda a gama de regressões alternativas, dentro de todos os períodos distintos de tempo, necessários à produção da morte celular.

É comum encontrar-se na área da necrose de coagulação, fibrina ou sustancia fibrinóide; verificamos no esfacêlo do tímpano, colhido na parede inferior do conduto, um conglomerado que não se distinguia com segurança o que eram resíduos de tímpano, coagulo sanguineo, ou fibrina. O esfacêlo ou sequestro são as formas de eliminação mais comumente observadas nesta especie de necrose.

2) DOENÇA DE MIKULICZ

O doente pertencia à enfermaria do Dr. RAUL BATISTA passando depois para o nosso ambulatório onde o examinamos, a pedido daquele conhecido cirurgião, em 1924. Apresentava-se o paciente com um entumecimento simétrico das glandulas submaxilares, parótidas e lacrimais. Não se queixava de dores expontaneas, nem â pressão. Pulso e temperatura normais. A simetria da turgência glandular era manifesta. Nada verificamos ao terreno da O. R. L. que justificasse o que se observava no paciente. Os exames de sangue para leucometria e contagem global eram normais. A reação de WASSERMANN fracamente positiva. Estado geral do paciente bom. Tinha sido internado na enfermaria do Dr. Raul Batista para estudo do caso. Na sua maioria, esta afecção é sinal manifesto local de uma molestia do sistema mielóide ou linfóide, do grupo das leucemias ou linfomatoses. Nos tumores do pescoço do grupo dos linfoadenomas o siridrome tambem se observa.

Em 1888, MIKULICZ descreve pela primeira vês (Be rl. Klin. Woch. 25.759.1888) um quadro nosológico com as características já descritas, julgando tratar-se duma doença infecciosa. Centenas de casos já foram comunicados, sem contudo se esclarecer a sua etiopatogenia, o capitulo mais interessante dá doença. Teorias as mais variadas foram descritas, sem contudo satisfazerem aos que se ocupam do assunto.

TURSFIEL (Quart. J. Med. 7-237.1914) divide os casos de doença de Mikulicz em dois grandes grupos: a doença de Mikulicz propria e o síndrome. No primeiro grupo considera os casos simples, sem cooparticipação de outro sistema ou orgão afetado; no segundo, aqueles que se associam à doenças do sistema linfo ou hématopoiético.

Mais tarde SCHAFFER e JACOBSEN (Am: J. Des. Chil. 34.327.1927) propõem a seguinte classificação: 1) Doença de Mikulicz que se divide em tipo familiar e doença propria. 2) Síndrome de Mikulicz com os grupos seguintes: leucemia, t.b.c., sifile, linfosarcoma, tóxicas (causas), reumatismo e febre uveopá,rotídea subcronica.

QUINCKE deséreve (Münch. Med. Woch. 53.47.1906) numerosos casos observados numa mesma família, chamando a atenção para o fator hereditariedade, presumivelmente preponderante.

Depois dos sindromes do aparelho circulatório apontados corno causadores da doença, aparece a tuberculose como um dos seus maiores responsaveis os autores discutem ora pró ora contra. GRIFFITH (Am. J. A. Ass. 178.853.1929) depois de estudar seu caso, termina dizendo que nada se pode concluir em ter a t.b.c. ação manifesta e causa comum no aparecimento da doença que estudamos.

DIXON (Arch. of Otol. 15.438.1932) apresenta um caso desta doença, tratado e curado com o tratamento especifico pára sifile; causa única provavel na etiologia do nosso caso.


LEUCUTIA e PRICE (Am. J. Roentgen. 24.491.1930) descrevem o tratamento que fizera nos seus casos, com o emprego do raio X, aconselhando dózes menores e repetidas, à maiores e massiças. Duração de tres a oito semanas, duas a tres séries. Dóze 0,13 a 0,14 augstr. unid. 200.000 volts. 1 m.m. cp. l cn.in. alum. como filtros.

O prognóstico é reservado quando se apresenta sob a feição de um síndrome; mais favoravel quando se observa a forma pura, geralmente mais rara. Só conhecemos um caso fatal, o de HAECKELS, citado por MITTEEMAYER (Denker e Kahler, Bd. V. s. 634.1929). O tratamento deve ser conduzido conforme o tipo da doença, condições de saúde do paciente, sistemas e orgãos comprometidos. O raio X, o iodo e o arsênico têm sido empregados com êxito surpreendente

3) SINUSITE MAXILAR E NEFROSE
Homem de trinta anos, era portador de nefrose datando de seis mêses, com surtos mais ou menos graves. Os exames de urina mostravam, no sedimento, cilindros granulosos e hialinos, e pús. Albumina sempre presente. Densidade elevada, 1028, para um volume de 600 grs. mais ou menos. O rapaz, filho de funcionário do Instituto O. Cruz, verificava por contínuos exames de laboratório o estado do seu rim. Foram pesquisados todos os fócos existentes nos dentes e amígdalas. Extirpados aqueles e estas, o ataque ao rim continuava ha dois mêses, sem alternativas.

Nessa ocasião (1939) gripa-se fortemente e sente dores e sensação de peso para a região do maxilar direito. Fazemos uma punção maxilar que dá saída a abundante quantidade de pús fétido. Aliviam-se as dores e a secreção diminue. O estado geral melhora, porem não desaparece completamente a secreção purulenta. e o mão cheiro. Fazemos seis lavagens e em vista de não se modificar o conteúdo do que fluía do seio maxilar, aconselhamos a operação. Nesse momento informa-nos o pai do estado geral do seu filho, com nefrose ha seis mêses. Respondemos-lhe que talvez residisse no maxilar toda a chave do problema. Era um fóco que passara dos percebido e era o provavel desencadeador dos germes e toxinas que iam longe, lesar o rim. O post-operatorio confirmou nossa suposição.

Operação de abertura, curetagem e limpesa do maxilar superior técnica de CALDWELL-LUC modificada. Seio grande, cheio de pus e granulações em mucosa espessada. Contra-abertura nasal. Nem dreno, nem sutura. O exame histopatológico: processo inflamatorio agudo e cronico, infiltração celular por linfocitos e leucocitos polimorfonucleares, edema, hemorragias. Proliferação de fibroblastos e vasos sanguineos em area circunscritas. (Dr. MAGARINOS TORRES).

Pelo laudo do conhecido patologista de Manguinhos, verificamos que a mucosa do seio maxilar era séde de processo inflamatorio agudo e crônico. O agudo nos trouxe o doente e o crônico foi responsável pela nefrose.

No quarto dia de operado o exame de urina nada revelou de anormal, o que se repetiu nos três exames subsequêntes, efetuados cada setenta e duas horas. Alta curado da sinusite em unia semana.

WIMMER (Arch. of Otol. 13. 159.1931) apresenta quatro casos de sinusite maxilar e nefrose em crianças. Duas morreram e as outras salvaram-se. Numa criança de três anos e meio, audaciosamente, faz a trepanação dos maxilares. Dezesete dias após, broncopneumonia e morte. Nestes seus casos pensa o A. que a sinusite tenha sido não a causa mas o efeito da nefrose, dizendo que é frequênte complicação desta, agravando-lhe a marcha clínica.

CLAUSEN (Am. J. Dis. Child. 29.587.1925) ao contrário de WIMMER, acredita que a infecção cios seios paranasais tenha uma importancia capital na etiologia da nefrose. O autor americano acredita que a mais importante consequência da nefrose é a diminuição de resistência para todas as infecções; trazendo localisações no seio maxilar, as quais por sua -vez agravam a nefrose, creando um verdadeiro ciclo vicioso.

MARRIOT (Ann. of. Otol. Rhin. Laryng. 36.686.1927) escreve, que uma das mais importantes e claras manifestações da infecção do nariz e garganta das crianças é a nefrite tubular e glomerular. Acrescenta que a nefrite está sempre ligada à qualquer foco infeccioso, principalmente com as infecções do nariz e da garganta. Muita razão tem o autor americano. Não é raro vermos o rim atingido pelo germe nas rinites, sinusites e anginas agudas.

3)DORES DE CABEÇA DE ORIGEM NASAL

Homem de trinta e cinco anos vem a nossa consulta enviado pelo Prof. Brandão Filho, por sentir dores de cabeça violentas e persistentes. Italiano de origem, fez a grande guerra de 1914-1918 como aviador, nos dois ultimos anos. Depois dos primeiros vôos, começou a sentir a dor de cabeça que não mais o abandona. Nega passado de rinites e sinusites. WASSERMANN reativado negativo. O exame mostrou um grande desvio do septo nasal tocando em cheio o cartucho medio, bem no alto. As amígdalas tinham sido enucleadas na Italia, e os dentes não continham focos. Depois de. exames clínicos repetidos que não resolviam a situação, a conselho de seu medico assistente procurou um especialista. Não verificamos outra causa eficiente e apontamos o desvio do septo, como responsavel pelos disturbios observados, indicando a operação. Ressecamos o septo nasal, retificando-o de maneira a não mais tocar no cartucho medio. No segundo dia tinham desaparecido as dores de cabeça, para não mais voltarem. Revisto anos depois continuava sem nada acusar.

As dores de cabeça de origem nasal dividem-se em tres grupos quanto às suas localisações : o primeiro devido às perturbações que atingem exclusivamente as terminações nervosas na mucosa do nariz e cavidades anexas. O segundo grupo é que abrange todo o territorio do nervo, desde a sua saída do cerebro ; o terceiro, o cerebral, é o que compreende o cerebro e suas meningeas. No primeiro deles, temos que considerar atingidas as terminações finais do primeiro e segundo ramo do trigemeo e o ramo do ganglio esfenopalatino, tendo como causas predisponentes processos inflamatorios agudos rias cavidades anexas, surtos agudos de sinusites crônicos, alem dos originados pela presença de tumores desta região, exercendo uma ação compressora sobre as terminações nervosas acima descritas.

As sensações dolorosas nevrálgicas do segundo grupo, não tem em geral um ponto de eleição cínico, estendem-se por toda a região nasal, para terminarem localisando-se em qualquer das zonas craneanas frontal, parietal e ocipital. Apresentam-se cora tipos intermitentes com alguns momentos de remissão. Nas sinusites elas tem o carater de se manifestarem com exatidão, vindo a hora certa, num crescendo cada vez maior. A posição da cabeça tem importancia capital na sua exacerbação, por que o abaixar da cabeça, aumenta sobre modo a sua intensidade, por efeito congestivo consequênte.

A terceira forma elas cefaléias oriundas do nariz, distribue-se mais ou menos por toda a cabeça. Aparecem como urna sensação de compressão, verificando-se em todos sofrimentos nasais que se originam quer das perturbações de circulação, quer dos processos inflamatorios da cavidade nasal em consequência do entupimento da mesma (catarro agudo, polipos, rinite vasomotora, ozêna). Estas formas de dores de cabeça são ás vezes o prenúncio de complicações de excitações superficiais, partidas de uma hiperestesia da mucosa nasal.

U desvio do septo exercendo uma ação constante e contínua sobre a mucosa nasal correspondente ao cartucho médio, condicionou ao nosso ver todo o sofrimento do paciente que tratamos. Removida a causa, desapareceram os sintomas observados. SANGSTER (Int. Zbl. Hals. 4.33.1924) descreve observação identica de cefaléia originada pelo desvio do septo.

CASALI (Int. Zbl. Ohren. S. 404. 1907) comunica uni caso de dor de cabeça reflexa, devido a hipertrofia do cartucho médio, que desapareceu após a ressecção do mesmo.

A esse respeito temos a seguinte observação que passamos a relatar: Senhora de trinta anos, casada, alemã, procurou-nos em 1930, queixando-se de dores no frontal que se irradiavam para a região temporal, cerca de dois anos Ha algum tempo tratara-se com outro colega, que lhe aconselhara banhos de luz, medicação antinevralgica. Trazia uma radiografia, sem significação, para os seios da face. Examinamos o nariz da doente e deparamos com um cartucho médio de tamanho irregular, tocando o septo nasal. Propusemos à doente a intervenção cirurgica. Aceitado, fizemos a ressecção com a pinça de Brunings e verificamos grande celula ossea, que se continuava como etmoide; o cartucho medio nada mais era que uma bulia etmoidal em conexão intima com sistema celular daquele osso. No dia seguinte ao da operação a doente não mais se queixava das dores que antes a atormentavam.

Vezes ha em que o contato permanente do septo desviado com o cartucho médio ou simplesmente a hipertrofia deste, ocasiona um certo grau de entumescimento da mucosa nasal correspondente. Sinais subjetivos então aparecem como sejam: sensação de pressão sobre os olhos, dores estrelejantes no angulo interno do olho, ou na região do nervo supra ou infra-orbitário. Estas dores podem se estender ao frontal, região ocipital, irradiações que podem correr por conta de irritação no terreno do trigemio.

A simples retirada da cabeça do cartucho médio pode resolver casos nos quais a clínica médica anos e anos procurou em vão solucionar. Assim o nosso caso e mais o de SMURTHWAITE (Int. Zbl. f. Ohren. V. 417.1907) em que a simples retirada da cabeça do cartucho médio resolveu a questão.

WOLFE (Int. Zbl. Hals. 9.632.1926) refere um caso de papilite, dor de cabeça e depressão mental que durava 13 anos, tendo desaparecido com a ressecção do septo nasal.

Em sete casos de cefaléias persistentes, CORE (Int. Zbl. Hals. 9.485.1926) poude comprovar sua exclusiva origem nasal, porque obtinha exacêrbação tocando com uma sonda no local doloroso e seu desaparecimento cocainisando o mesmo lugar. O autor diz que. estas dores são mais frequêntes pela manhã em vista da congestão forte que se instala em consequência da posição da cabeça durante a noite. Todos os casos curaram com intervenções cirúrgicas.

GREEN (Int. Zbl. Hals. 7.156.1925) divide as dores de cabeça de origem nasal em dois grandes grupos, as devido a compressão e as de ação tóxica. Aconselha que não se use o cauterio no cartucho médio ou acima dele, pois "é frequênte a meningite em consequência disto". Nunca a vimos. Verdade é que tambem jamais usamos o cauterio para o cartucho médio. O que o A. americano diz é, forte demais.

Alguns autores dão extraordinaria importância ao sinal de MING, isto é, a sensação dolorosa que se obtem, comprimindo-se o angulo interno do rebordo orbitário. Vimos este sinal presente um caso recente que tivemos no Hosp. S. Francisco de Assis, numa moça que se queixava de cefaléia durando mêses, que zombara de todos os tratamentos e depois verificamos, consequência de uma hipertrofia do cartucho médio, coincidindo core crista alta do septo nasal. Raios X para seios da face normais. Wassermann normal. Operada, desapareceram os fenômenos dolorosos. TARNAUD (Int. Zbl. Hls. 7.906.1925) estuda aquele sinal com relação ás cefaléias de origem nasal; quando positivo, ele desaparece cocainisando-se a terminação anterior do cartucho médio. O A. francês pensa que estes fenômenos nevrálgicos estejam ligados á perturbações vaso-motoras na região do cartucho médio. Em dois casos que tivemos, sendo um o da moça acima citada, foram positivos na demonstração de TARNAUD. Um terceiro foi negativo. Todos os três eram do sexo feminino.


UM CASO DE SÍNDROME DE CHARLIN

DR. GUSTAVO DOS REIS

Adjunto da Clinica Oto-rino-laringologica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. (Serviço do Prof. Paula Santos)

OBSERVAÇAO - A 29 de janeiro do corrente ano, fomos procurados pelo Sr. J. D., de 45 anos, brasileiro, casado, comerciante, residente nesta Capital, o qual se queixava de dôr no canto interno do ôlho esquerdo e região frontal desse mesmo lado. A dôr manifestava-se por crises, quasi que diariamente, e atingia tal intensidade, que o paciente tinha a impressão de enlouquecer (sic). Ao fazer o seu relato, não escondia o receio de que se tratasse de sinusite.

Alguns dias atrás fôra acometido por forte resfriado, tendo os sintomas dolorosos começado nessa ocasião. A dôr surgia, mais ou menos, entre as 10 horas da manhã e as 2 da tarde, localizada, a principio, na face esquerda da pirâmide nasal, irradiando-se logo após para a região orbitária (canto interno) e frontal, onde atingia o maximo de intensidade. Concomitantemente havia grande lacrimejamento no ôlho esquerdo e corrimento aquoso abundante na fossa nasal do mesmo lado, fenômenos esses que desapareciam, apenas cessados os sintomas dolorosos. O doente não referia febre, nem corrimento nasal purulento.

Ao exame notamos, para o lado da fossa nasal, congestão da mucosa na região anterior e umidade acentuada de toda a cavidade. Ausencia de qualquer espinha irritativa nasal. Nenhuma secreção muco-purulenta no meato médio. A pressão digital moderada no canto interno do ôlho, região orbitária superior e frontal, exacerbava a dôr. O mesmo acontecia ao apertarmos a asa nasal entre os ramos de uma pinça (por ocasião do exame, os sintomas dolorosos espontâneos eram discretos). A fossa nasal'direita nada apresentava de anormal, não havendo tambem, nesse lado, pontos dolorosos cutaneos superficiais. A diáfanoscopia revelou seios frontais e maxilares de transparencia normal; sinal de Delobel ausente.

Receitámos um analgésico e pedimos ao paciente que se fizesse examinar por um oculista. No dia imediato volta ele com a noticia de que o exame dos olhos, feito pelo Dr. Durval Prado, nada revelára de importante, a não ser pequena congestão da conjuntiva, já por nós entrevista no primeiro exame.

Em virtude da dôr, nesse dia, estar praticamente ausente, pedimos ao doente que voltasse numa ocasião em que a crise se manifestasse de modo intenso, afim de podermos examina-lo melhor.

Dois dias depois, a 2 de Fevereiro, volta o paciente, acusando os sintomas já descritos, Como meio diagnostico, resolvemos então introduzir-lhe na fossa nasal, em contáto com a região da pituitaria anterior aos cornetos médio e inferior, uma mecha de algodão, embebida em solução de Neotutocaina a 2 %. Alguns instantes após, a dôr começou a abrandar, para desaparecer totalmente depois de 10 minutos.

Diante desse resultado, a-pesar-de não ter sido constatada nenhuma lesão ocular, firmámos o diagnostico de síndrome do nervo nasal ou síndrome de CHARLIN, de forma atípica, provavelmente de causa gripal.

O tratamento consistiu na aplicação local do anestésico em dias sucessivos e vitamina B1 por via parenteral, diariamente.

Ao fim da 4.ª aplicação, a dôr, o lacrimejamento e a hidrorréa, que iam decrescendo de curativo para curativo, não mais se manifestaram, tendo o doente recebido alta, alguns dias após, completamente curado.

Não fosse a raridade da síndrome de CHARLIN, não nos perdoaríamos o comodismo de apresentar apenas um caso. E isto porque, um caso só, isolado, de uma entidade clinica ainda
discutida por alguns, parece nada representar. Tão característico e sugestivo foi, porem, esse que se nos deparou e que acima descrevermos (embora não completo nos componentes da tríade sintomatica) e tão problemática a hipotese de depararmos outros casos identicos, que não nos furtamos ao desejo de trazer a observação ao conhecimento dos colegas especialistas.

Os estudos iniciais da síndrome do nervo nasal, corno se sabe, (levem-se a CHARLIN, que o descreveu em 1930, na Clinica Oftalmologica da Faculdade de Medicina de Buenos Aires, apresentando, nessa ocasião, 14 casos. Logo outros autores se interessaram por essa afeção, tendo surgido algumas publicações á respeito. No Brasil, MANGABEIRA-ALBERNAZ foi quem primeiro se ocupou com o assunto. Em seu magnifico e completo trabalho, apresentado ao I.° Congresso Brasileiro de O.R.L., relata 3 casos, colhidos em 7 anos de observação. GABRIEL PORTO, em 1941, apresenta tambem um caso, numa das sessões de oto-rino-laringologia da A.P.M. São esses, parece, os unicos relatados entre nós, Conversando com alguns colegas sobre o assunto, temos ouvido referencias a casos, que se podem considerar como sendo de síndrome de CHARLIN, rotulados, porem, como afeções oculares banais. IVO CORREIA MEYER, comentando o trabalho de MANGABEIRA-ALBERNAZ, por ocasião do citado Congresso, diz ter observado 2 casos em sua clinica. PEDRO FALCÃO teve tambem, aí, oportunidade de, referir alguns casos típicos por ele observados. Pelo exposto ficamos propensos a acreditar que a raridade da nevrite do nasal corre, em grande parte, pelo menos no Brasil, por conta da escassez das publicações.

Não pretendemos, com este trabalho, acrescentar nada de novo ao que já foi dito e estabelecido pelos diversos autores, sobre essa afeção. Desejamos apenas fazer um apanhado geral dó assunto, specialmente no tocante às formas clinicas e diagnostico diferencial, afim de poder justificar melhor o nosso caso, visto tratar-se de uma modalidade clinica atípica da síndrome.

A síndrome de CHARLIN é uma manifestação patológica autônoma, geralmente unilateral, e se caracteriza por uma tríade sintomática, cujos elementos são: I - processo inflamatório do segmento anterior do ôlho ; II - dôres intensas nas regiões ocular, orbitária e nasal; III - rinorréa.

O processo inflamatório do segmento anterior do ôlho, em geral, é discreto. Apresenta-se, mais comumente, sob a forma de ceratite superficial difusa; irites, irido-ciclites ligeiras e ulceras da córnea tambem têm sido observadas, sendo estas ultimas excepcionais. A lesão ocular é um elemento de grande valôr na tríade, porem pode faltar. CHARLIN, numa das suas primeiras publicações, afirma que "o exame ocular nunca é negativo a pesquiza minuciosa", principalmente quando feito com a lâmpada de fenda. Em duas de suas observações, porem, declara ele que não havia a menor lesão ocular, a-pesar-de exame cuidadoso. O mesmo sucedeu em um dos 3 casos apresentados por MANGABEIRA-ALBERNAZ. ALCAINO, numa das suas observações, nada constatou de anormal para o lado do ôlho e, em outra, apenas verificou ligeira congestão sub-conjuntival. Simples congestão da conjuntiva foi tambem o que constatou VILA ORTIZ no caso por ele relatado. Em trabalho posterior, diante do crescido numero de observações desse genero, CHARLIN considera as formas atípicas e frustas da síndrome bastante frequentes, mais, talvês, do que as formas ruidosas oculo-nasais.

O segundo elemento, a dôr, é o mais importante na síndrome de CHARLIN, sendo a sua característica principal a falta de relação entre ela e a lesão ocular. Daí haver dóres pungentíssimas, ligadas a lesões insignificantes da conjuntiva ou da córnea. Em geral, a dôr tem como ponto de partida a asa do nariz (território do filete raso-lobar), irradiando-se secundariamente para o ôlho, canto interno da orbita e região frontal. Em periodo de acalmia, a pressão sobre a asa do nariz desencadeia a crise prontamente. "Este é, no dizer de MANGABEIRA-ALBERNAZ, corroborando palavras de CHARLIN, - um sinal do maior valor diagnostico e uma prova fisiológica de que a síndrome do nervo nasal é uma manifestação patológica dotada de base segura, porque, em nenhuma outra afeção nasal ou ocular, pode ser verificado tal sintoma". E mais adiante: "Sua cessação súbita, quando se aplica um anestésico na pituitária, na parte anterior às conchas, é um sintoma indiscutível de nevrite do nasal".

CHARLIN chama a atenção, particularmente, para o fato de que, em grande parte das vezes, - e ai talvês resida o motivo maior do reduzido numero de casos relatados, - a dôr é atribuida erroneamente à lesão ocular e não à nevrite, que é a causa essencial e unica não só da nevralgia, corno tambem da rinite e da inflamação do segmento anterior do ôlho.

O terceiro elemento da síndrome, a rinorréa, parece não ter grande significação, visto como é sintoma encontradiço em inumeras lesões oculares inflamatórias. De muito maior importancia é a congestão e a hiperestesia da mucosa pituitária, no terço anterior da fossa, na zona de distribuição do nasal interno.

Alem desses 3 sintomas componentes da síndrome, alguns autores mencionam tambem, embora como ocorrencia rara, outras manifestações, tais como: vaso-dilatação cutânea na região inter-ciliar e metade da fronte, vesicular herpéticas na região fronto-palpebral e dorso do nariz, zonas de hiperestesia cutânea (CHARLIN) ; hipersecreção sudoripara frontal (FRANÇOIS) ; edema palpebral, lacrimejamento abundante, blefaroespasmo e fotofobia (VALLARINO). MANGABEIRA-ALBERNAZ chama a atenção para um disturbio ocular, que, segundo a sua impressão, deve ser frequente na síndrome de CHARLIN, sobretudo sob a forma de hipertonia. Infelizmente esse sinal não tem sido pesquisado sistematicamente pelos autores. Nos casos relatados na literatura, só ha referencia à tonometria em 8 e, desses, apenas em 2 foi verificado aumento da tensão ocular (casos de MANGABEIRA-ALBERNAZ e BONNET e PAUFIQUE, nos quais a tensão ocular éra de 30 mm. de Hg).

Segundo a síndrome se apresente com seus tres elementos ou falte um deles, temos formas típicas ou atípicas, estas podendo ser: oculares, nasais ou nevralgicas, segundo a predominancia dos sintomas. De acôrdo com MANGABEIRA-ALBERNAZ, devem-se admitir tambem formas completas e incompletas, as completas sendo aquelas que apresentam disturbios de todas as funções do trigêmeo.

Ha ainda as formas frustas, de sintomas objetivos e subjetivos fugaces, e que se agrupam tambem de acôrdo com a classificação acima.

O diagnostico, no comum dos casos, é facil. Basta considerar a dôr em crise, a sua localização e irradiação e a lesão ocular, muitas vezes presente. Adernais, a sedação completa dos sintomas, pela anestesia da porção anterior da mucosa nasal, é um sinal muito frequente na síndrome e fala, de modo quasi absoluto, em favor dessa afeção. Em certos casos, porem, pode haver confusão com certas afeções oculares comuns e, às vezes, o diagnostico torna-se algo dificil, mormente o diagnostico diferencial com uma sinusite frontal aguda ou uma síndrome de SLUDER (nevralgia do ganglio esfeno-palatino).

De uma afeção ocular comum a síndrome de CHARLIN diferencia-se porque: a) apresenta sintomas nasais concomitantes; b) não cura com a medicação habitual das afeções oculares, c) cura, frequentemente, com uma terapeutica exclusivamente nasal.

Os sintomas dolorosos da síndrome do nervo nasal podem trazer confusão com uma sinusite frontal aguda, não só pela localização, como tambem pelo fato da dôr se apresentar em crises, sujeita a exacerbações intensas. Um exame acurado, porem, a não verificação de sinais outros de sinusite, afastará essa hipotese. Visando o diagnostico diferencial entre essas duas entidades patológicas, ALCAINO elaborou um quadro muito elucidativo, que para aqui transcrevemos:


Síndrome do nervo nasal

Bilateralidade frequente.
Começo súbito; lesão primária.
Dôr nevralgica, com pontos localizados no globo ocular, nariz e dorso do nariz (pontos do nasal externo e naso-lobar).
Apirética.
Não muda com a posição.
Secreção serosa.
Congestão e hipersensibilidade da mucosa nasal e respetivo território.
Alterações oculares.
Raramente alterações da péle do rosto (erupções, eritemas, zonas de hiperestesia). Cede com pulverizações de cocaina-adrenalina.
Transiluminação dos seios e exames radiograficos sempre negativos.

Sinusite frontal aguda

Unilateralidade frequente.
Inicia-se secundariamente depois de gripe, coriza.
Dôr difusa, profunda, intra-cavitária, na região frontal e této-orbitária; dôr à pressão.
Febril.
Muda com a posição. Secreção muco-purulenta (meato-médio).
Não ha congestão nem hipersensibilidade do mesmo território.
Não existem essas alterações.
Não cede com essas pulverizações.
Transiluminação e exames radiograficos dos seios positivos.


O diagnostico diferencial entre a síndrome do nervo nasal e a do ganglio esfeno-palatino torna-se um tanto mais dificil, em virtude de haver em ambas, manifestações oculares e nasais. Na nelas, porem, certas particularidades que elucidam o diagnostico:

a) Quanto ao ôlho - Na síndrome de CHARLIN ha, quasi sempre, lesões anatômicas do globo ocular. Na síndrome de SLUDER os sintomas oculares não se acompanham de lesões anatômicas do globo, havendo alienas manifestações congestivas e secretárias da conjuntiva.

b) Quanto ao nariz - Na síndrome de CHARLIN ha congestão e hipersensibilidade permanentes da mucosa pituitária, na região antero-superior. Na síndrome de SLUDER essa alteração é intermitente e verifica-se nas regiões média e posterior.


c) Quanto aos sintomas dolorosos - Na síndrome de CHARI,IN são superficiais e prolongados, localizando-se na asa do nariz, globo ocular, região supero-interna da orbita e frontal. Na síndrome de SLUDER são profundos, difusos, periódicos e sem localização precisa.

No tocante às causas etiológicas da síndrome do nervo nasal, têm sido invocadas ás seguintes

a) Causas locais: - Espinhas irritativas nasais: hipertrofia dos cornetos; desvio, crista ou espessamento do septo; estreitamento da porção anterior da cavidade nasal. Rinite atrófica, vegetações adenoides (ALCAINO).

b) Causas focais: - Dentarias, sinusais, amidalianas, etc..

c) Causas gerais: - Gripe, sífilis, tuberculose, impaludismo, diabete, avitaminose.

CHARLIN relata um caso em que, tal como no nosso, o antecedente de uma forte gripe, pode ser incriminado. Na sua observação n.° 10 tratava-se de um caso rebelde num diabetico, melhorado com a administração de insulina. Em outros 2 casos a origem éra tuberculosa, tendo-se verificado a cara 24 e 48 horas após a reação de Mantoux. Em um caso de VALLARINO o fator causal éra a sífilis, verificando,-se a cura do doente logo após o inicio da terapeutica especifica.

O tratamento, naturalmente, consiste na remoção da causa, quando se trata de uma espinha irritativa nasal ou de uma infeção de foco. Terapeutica geral e especifica, quando necessaria. Maioria das vezes, no entanto, o tratamento sintomático, por anestesia repetida da mucosa, da porção anterior da fossa nasal, traz a cura completa.

A CASE OF CHARLIN'S SYNDROME

SUMMARY

The A. reports a case of neuritis of the nasal nerve or Charlin's syndrome of an atypic form, of grippal origin. Only the painful symptoms and profuse rhinorrhea at the monlent of the crisis were present. There was no lesion of the anterior segment of the eye. The cure developed by repeated anaestesia, in successive (lays, of the anterior portion of the nasal fossa mucous membrane.

Next, the A. refers to the rarity of this syndrome and makes a résumé of the subject, emphasizing that it is not bis intention to atld anything new thereto inasmuch as the affection has already been thoroughly studied. He substantiates the atypic forra of bis case, by quoting observations of CHARLIN, MANGABEIRA-ALBERNAZ, ALCAINO and VILA ORTIZ, wherein likewise no ocular lesion was present.

Fully in accordance with CHARLIN'S opinion, the A. further states that, oftentimes, the painful symptoms are erroneously attributed to the ocular lesion and not to the neuritis, which is the essential and sole cause of the symptoms. Perhaps this accounts for the reduced number of casereports presented. He points out the importance of the diagnosis, especially the differential diagnosis with the comnlon ocular lesions, acute frontal sinusitis and Sluder's syndrome.
In the event of an irritation cause or focal intention, surgical treatment is required. When it is caused by any general disease such as, grippe, syphilis, tuberculosis, nlalarla, diabetis, avitaxninosis a general and specific treatment is necessary. In the majority, as in the present case, cure is obtained by symptomatic treatment, i. e., by repeated /anaestesia of the anterior région of the nasal fossa mucous membrane.

BIBLIOGRAFIA

1) MANGABEIRA ALBERNAZ, P. - "Síndrome de Charlin" - Arquivos do 1." Congresso Brasileiro de O. R. L. - vol. 1, pag. 199.
2) MARONE, SILVIO - "Do trigêmeo e suas afeções. Estudo de síntese" - Prêmio internacional "Neurônio" de Neurologia - Saio Paulo, 1941.
3) CHARLIN, C. - "El sindrome del nervio nasal y sus formas larvadas" - El Dia Medico, vol. 4, Agosto 1931, pag. -35.
4) CHARLIN, C. - "Etiologie du syndrome du nerf nasal" - Annales d'Oculist., vol. 169, Avril 1932, pag. 257. ,
5) ALCAINO, A. - "Estudo clinico del síndrome del n. nasal. Formas atípicas" - Rev. Med. Latino-Americana, vol. 17, Nov. 1931, pag. 165.
6) FRANÇOIS, J. - "Nevrite du nerf nasal" - Arch. d'Ophtalm., vol. 48, Nov., 1931, pag. 766.
7) VILA ORTIZ, J. M. - "Sobre una nueva forma del síndrome del n. nasal" - Rev. de Oftalm. de São Paulo,vol. 3, Junho 1934, pag. 230.
8) VALLARINO, C. - "El sindrome del nervio nasal" - La Clinica, vol. 12, Enero 1935, pag. 13.
9) BONNET e PAUFIQUE - "Síndrome du nerf nasal" - Lyon Medical, vol. 151, Juin 1933, pag. 729.
10) DEJEAN, C. - "Le syndrome du nerf nasal" - in Terracol, J. "Les maladies des fosses nasales.", pag 516. Masson, Paris, 1936.


MASTOIDITE AGUDA PELO BACILO DE PEREZ

Pelos Drs. HOMERO CORDEIRO - DARIO PEDROSO - MAURO CANDIDO DE SOUZA. S. Paulo

Não ha a negar o interesse pratico e muita vez decisivo que adquire a pesquisa do agente etiologico nas otites medias agudas e suas complicações. Desde que a otologia tomou caracteristicas autonomas os AA. têm insistido sobre a variabilidade de evolução e prognostico das otites medias agudas tal seja o seu agente etiologico. É já bem classico o conceito da gravidade particular da otite a streptococcus mucosus (hoje pneumococcus tipo III) de marcha traiçoeira e insidiosa. Com o advento da era atual, dos compostos sulfamidados, esse interesse aumentou imensamente de valor pratico e nas clinicas americanas é trabalho de rotina a determinação imediata do agente etiologico em todo o caso de otite media aguda. Entre nós, por causas multiplas, tem sido esse ponto descurado. E mesmo atualmente. E é por isso que vem apêlo relembrar um pouco da tecnica para a colheita de material nas diversas eventualidades afim de que se possa no maximo possivel, obter cultura pura do germen ou germens responsaveis.

PAGE do Manhattan Eye, Ear and Throat Hospital de N. Y. realisou em 1934 notavel trabalho de estatistica dentro de um rigor cientifico apurado, em 300 casos de otite media aguda. Este autor realisava em cada caso de otite 5 culturas retirando material de 5 lugares diferentes

1) da membrana timpanica perfurada ou não, com especulo esterilisado e fino estilete montado esteril.

2) da membrana após previa esterilisação do canal com alcool a 95° nos casos imperfurados.

3) previa esterilisação do canal, feita a miringotomia e semeando a propria faca.

4) da incisão após a feitura da miringotomia.

5) da trompa de Eustaquio por estilete esteril passado através de sonda.

Tudo isso era feito com o doente sob anestesia pelo protoxido de azoto. Naturalmente que não se pode realisar essa tecnica no trabalho de rotina. Para tal julgamos que as seguintes regras são suficientes

1) Nas otites imperfuradas e nas quaes estiver indicada a miringotoma, praticar rigorosa asepsia do conduto com alcool a 95º e a seguir tendo sido feita a incisão repicar os diversos meios de cultura com a propria faca ou envial-a ao laboratorio para que o faça.

2) Nas otites perfuradas realisar a asepsia do conduto removendo todo o exutado com estilete fino abotoado o material que flue na perfuração ou introdusil-o mesmo dentro do ouvido medio si o tamanho da perfuração o permitir.

3) Nas mastoidites havendo abcesso sub-periostal retirar sempre o material por função com agulha esteril ; não havendo abcesso sub-periostal aspirar o material tão logo encontre a primeira celula ou o antro cheios de pús.

Esses cuidados permitirão com boa percentagem de casos a obtenção de cultura pura do agente agressor.

O caso clinico de que nos ocupamos tem o seu valor restrito a uma curiosidade etiologica : o bacilo de Perez, outrora incriminado como agente etiologico na ozena, determinando uma mastoidite aguda com iminencia de sepsis e abcesso extra-dural. É o que passaremos a relatar:

J-C. 18 anos, branco, brasileiro, solteiro, estudante, morador nesta Capital a 22 do Julho de 1939 compareceu a consulta no Hospital Humberto I.° queixando-se violenta otalgia direita com seis dias de duração após forte resfriado; queixava-se tambem de dôr irradiada por toda a cabeça do lado direito, febre, leves arrepios de frio e surdez. Como historia pregressa referia um surto menos intenso que o atual que o acometera ha um ano, tendo tudo cessado em 4 dias, achando que se restabelecera completamente. Refere tambem anginas de repetição de carater leve e resfriados frequentes.

Exame objectivo: a otoscopia revela um fundus hiperemico, membrana nitidamente abaulada, ausencia de detalhes e exudato purulento escasso e muito viscoso, de remoção muito dificil. Plano mastoideo reagindo a pressão. Ausencia de nistagmo. Vossas nasaes apresentavam-se normaes. Amigdalas cronicamente infectadas. O estado geral revelava apenas abatimento acentuado em virtude do sofrimento intenso e da falta de repouso noturno.

Realisamos imediatamente uma miringotomia larga, em curva no ponto de eleição. Chamou-nos a atenção a resistencia acentuada da membrana ao ser incisada. Receitamos efedrina nasal isotonica 1 %, vitamina C forte por via endovenosa e 3 gramas de sulfanilamida diariamente.

23/7/39: pela manhã forno, chamados a residencia do doente já que não se tinham manifestado as melhoras que prometeramos; antes peorara. O exame local revelou o mesmo achado da vespera. A drenagem não se estabelecera pelo conduto de modo satisfatorio. As dôres assumiam agora uni carater retro-ocular violento. Pela tarde refilemos a miringotomia. A febre era então de 39° mas sem calefrios.

24/7/39: o paciente peorou, sintomas agravados. Pela tarde fortissimo calefrio. Temperatura de 39,8° e dôr retro-ocular violentissima. Prevenimos a família de que seria necessario operar.

25/7/39: a febre a partir dessa madrugada apresentara-se com ocilações bruscas indo em poucas horas de 39,5 á 36 e de novo subindo. Os calefrios repetiam-se. As dores de carater violentissimo faziam com que o doente perdesse momentaneamente a consciencia. Nesse momento entrou em cena o nosso eminente mestre e amigo Dr. Homero Cordeiro que imediatamente sem hesitação decidiu intervir.

Operação: realisada nesse mesmo dia 25 por volta das 20 horas no Sanatorio Santa Catarina, praticada pelo Dr. Homero Cordeiro. Anestesia geral pelo balsoformio. Mastoidectomia classica. Mastoide de tipo eburneo, seio lateral superficial e muito proximo da parede posterior do conduto auditivo. Aberto o antro surgiu o pús em alta pressão exalando uma fetidez que impestou o ambiente. Nesse momento foi aspirado o pús por seringa hipodermica esteril e colocado em tubo de ensaio esteril. Tecto do antro muito delgado cedendo a cureta e dando entrada em abcesso extradural. Resecou-se parte desse tecto com o fito de melhorar as condições de drenagem do abcesso. Meninge lisa e brilhante. Como os sinaes clínicos denunciassem bacteremia resolvemos expor o seio lateral em busca de uma, flebite. O seio foi encontrado de paredes normaes: lisas e brilhantes pelo que desistiu-se de punção ou abertura. Drenagem com gaze iodoformada saindo pelo angulo inferior da ferida. Chaga operatoria fechada com agrafes nos seus 3/4 superiores.

O periodo posoperatorio decorreu sem incidentes tendo já no dia seguinte cedido a febre e os fenomenos dolorosos. Alta hospitalar em oito dias. Em 25 dias cicatrisação da incisão retro-auricular e alta curado.

O relatorio do exame bacteriologico é o seguinte:

"Material repicado em caldo glicosado dez horas após ter sido feita a colheita colocado na estufa a 37° durante 4 horas depois do que foi repicado em placas de agar-sangue desde que havia suspeita para cocos. No dia imediato após incubação conveniente verificamos logo o crescimento de um fanico tipo de colonial no meio semeado. Feito um Gram, reconhecemos formas em bastonetes, quasi sempre curtos, corados pela fucsina (gram negativos). Repicamos em serie habitual de assucares, porem pela fermentação, desenvolvida, verificamos que nos encontravamos deante de um germen pouco comun, ainda mais que um cheiro pronunciado e fetido já nos chamara a atenção desde a primeira semeadura em placa de agar sangue. Retomamos por isso o estudo móis detalhado do germen decidindo por fim identificar-o ao chamado bacilo de. Perez.

O bacilo de Perez não está decididamente classificado na terminologia bacteriologica. TOPLEY, que é talvez um dos mucos tratadistas a descrevel-o, incluiu-o em um capitulo ao lado das Pfeiferelas fazendo resalvas no entanto. Denomina-o Cocco-bacillus foetidus ozenae, de acordo com a descrição e nome dado por Perez em 1899 a um microorganismo isolado da mucosa nasal de pacientes com ozena. Seu trabalho quanto a existencia desses germens foi suficientemente comprovado por varios pesquisadores, porem nada ha de positivo quanto a ser ele o causador dessa afecção.

Devemos frisar que o bacilo de Perez não deve ser confundido com o bacilo da ozena descrito por LOWEMBERG em 1894 e por ABEL em 1896, que pertence sem duvida alguma ao grupo Friedländer (bacilos curtos imoveis, capsulados), fermentando os assucares comuns com produção de acido e gaz e dando abundante crescimento mucoso nos meios solidos). Este grupo é conhecido pela denominação geral de bacilos mucosus capsulatus. O bacilo de Perez não é capsulado e fermenta apenas a dextrose com produção de acido e gaz.

Outro germen que apresenta certas analogias com o referido bacilo é a Brucella Bronchispetica, mais ainda, dada a localisação desta no trato respiratorio. Bacteriologicamente a distinção não é dificil, uma vez que a referida Brucella não fermenta nenhum dos assucares habituaes, ao contrario do bacilo de PEREZ que como ficou dito fermenta a dextrose.

Cremos que a maior dificuldade em identifical-o está no fato do bacilo de PEREZ ser pouco conhecido. Não é mesmo descrito nos mais usuaes compendios de bacteriologia. f preciso por isso que nos lembremos da possibilidade da sua existencia em material dessa origem. O caracteristico cheiro fétido das culturas, especialmente em placas ou tubos lacrados, os seus caracteres culturaes e bioquimicos são suficientes para nos guiar com exatidão.

Fizemos prova de patogenicidade em cobaios. Injetamos intra peritonealmente 0,25 cc. de suspensão em solução fisiologica, de uma cultura em agar simples. Outros 0,25 cc. foram injetados sub-cutaneamente. Algumas gotas foram instiladas nas fossas nasaes. O animal morreu em 36 horas, apresentando peritonite hemorragica, abundante rinorrea fetida e edema gelatinoso no local da injeção sub-cutanea. Posteriormente conseguimos isolar o mesmo germen das fossas nasaes do paciente. Este bacilo apresentou como o isolado em material da mastoide os seguintes caracteres: coco-bacilo dando as vezes filamentos longos em culturas velhas. Pouco movel. Não capsulado. Gram-negativo. Fermenta a dextrose com acido e gaz. Não fermenta a lactose, sacarose, manita, maltose e xilose. Produz indol. Vira fracamente para o acido o leite tornesolado.

Ahi está pois a documentação bacteriologica nitida, realisada com o maximo do rigor cientifico e seguindo toda a gama de provas na identificação bacteriologica, desde o exame direto pelo Gram até a prova de patogenicidade na cobaia.

O caso clinico é extremamente raro seja por si mesmo seja por que o seu agente etiologico é pouco conhecido e omisso na maioria dos tratados. Na bibliografia e indices bibliograficos de que pudemos dispôr não encontramos caso igual. Existem referencias nas estatisticas sobre bacteriologia das otites medias agudas e complicações dos bacilos do grupo FRIEDLÃNDER cuja diferença com o de PEREZ já foi acima acentuada. Naturalmente nos casos de ozena as complicações para o lado do ouvido medio são freqüentes e o senso mais elementar está a indicar que sejam os germens da afecção nasal os responsaveis pelos fenomenos no ouvido medio. Mas a literatura por nós compulsada nesse sentido tambem silencia sobre o bacilo de PEREZ.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial