Versão Inglês

Ano:  1942  Vol. 10   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 551 a 558

 

TRAQUEOTOMIA

Autor(es): Dr. Armínio Tavares

Florianópolis - Sta. Catarina

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Operação relativamente fácil, quando bem conhecida -e praticada em cadaver.

Difícil, dramática, sangrenta e cheia de perigos, quando feita pela primeira vez ou, apenas, estudada por alto.

Operação que, além de exigir maestria, habilidade e conhecimentos perfeitos da região, impõe ainda sangue frio, calma e contrôle-de-si-próprio, o que, encorajando o enfermo, fá-lo-á menos ansioso e mais paciente.

INDICAÇÕES DA TRAQUEOTOMIA

Na impossibilidade de todo e qualquer exame das vias respiratórias superiores, a tríade - cornagem, tiragem, bradipnéia - já é uma indicação clinica.

Não poucas são as indicações para a traqueotomia

1) Tuberculose laríngea adiantada (com fraca repercussão pulmonar) ;
2) sifilis e câncer da laringe;
3) prévia laringectomia ;
4) edema angio-neurótico da laringe; laringite diftérica;
6) laringoptose;
7) morte aparente por asfixia;
8) na impossibilidade de uma intubação ;
9) corpos estranhos (até que a chegada do endoscopistas resolva, com a técnica sabida do especialista, a sua extração) ;
10) rotura subcutânea da traquéia por traumatismo (rara) ;
11) estenose acromegálica da laringe (rara tambem)
12)finalmente, toda obstrução laríngea e traqueal;

CONTRA-INDICAÇÕES DA TRAQUEOTOMIA

Não as há.

MORTALIDADE POR TRAQUEOTOMIA

Quando não produzida pelo retardamento da sua indicação, é causada pela anestesia geral, se esta fôr feita.

INSTRUMENTÁRIO

Em caso de extrema urgência, um bisturi basta, quando se imobiliza o conduto laringeo-traqueal e a incisão se faz perpendicular e mediana, sem ir além de 1 centímetro e meio de profundidade na parede anterior da traquéia. O bisturi de Dubar, tem aqui inteira indicação.

A lista que segue arrola os instrumentos necessários a uma traqueotomia
fixador de traquéia;
2 bisturis ;
pinças hemostáticas ;
afastadores de Farabeuf ou de Volkmann ;
dilatadores de Laborde (2 ramos) ;
agulhas curvas;
porta-agulhas;
tentacânula;
tesouras;
seringa hipodérmica para anestesia local;
cânulas;
solução anestésica;
vaselina;
gaze;
fios de seda;
fios de crina;
fios de catgut;

CÂNULAS PARA TRAQUEOTOMIA

Todo o bons cirurgião deverá possuir uma coleção de cânulas, pois não poderá prever, nunca, as variadas distâncias a transpor, às vezes, tini edema reacional grande, como na Angina de Ludwig, outras vezes, anomalias traqueais. Não esquecer de que as dimensões da traquéia viva são menores que as da morta, segundo pesquisas de Lejars.

Múltiplas são as modalidades de cânulas existentes no mercado : Krishaber, Trousseau, Terrier e Schwartz, Verneuil, Luer, Poncet, Chappel, cânula tampão de Tredlemburg e muitas mais.

A correntemente empregada e que parece ser a melhor é a de Krishaber, que representa o tipo das cânulas em bico. Ela se compõe de uma cânula externa terminada em cima por uma lâmina larga com duas pequenas argolas laterais, para prender o fio fixador em torno do pescoço; em cima desta lâmina encontramos uni pequeno eixo móvel, que se prende à cânula interna.

Esta, tambem chamada cânula mandarim, termina em bico e por dois orifícios laterais. A cânula interna definitiva tem um pavilhão menor, que se adapta perfeitamente bem à externa.

Há duas séries de cânulas de Krishaber: urna para crianças e outra para adultos.

Hoffmann, em caso de falta de cânula, empregou, em 1897, uni simples tubo de drenagem com oito e meio centímetros de comprimento para um centímetro de diâmetro. Para êle, esta cânula improvisada seria facilmente suportada pelo doente, mais conveniente para os operados que devessem conservar por muito tempo a fístula traqueal, e por doentes de câncer na laringe.

Martin (de Boston, 1878) não usava cânulas, suturava os bordos da abertura traqueal, e da ferida com fios de ouro, que, depois, cruzava por trás do pescoço, fixando-os sôbre cada espádua. Dizia êle que, assim fazendo, não traumatizava os bordos da ferida e que a quantidade de ar era bastante, ao mesmo tempo que fácil a saída de secreções.
Podemos citar, ainda, cirurgiões refratários ao emprêgo de cânulas, tais como Robert (1885), Lee (1886) e Von Donkoff (1892).

ASEPSIA

Quando a vida do doente corre risco, atuar o mais depressa possível, pondo de lado a assepsia das mãos e a esterilização do bisturi.

Rigorosa asepsia quando pode esperar, pois dela depende grande êxito post-operatório Pincelar cota tintura de iodo, depois álcool e finalmente cone éter, desde o mento até o meio do externo.

Nas crianças em que é fina a pele, dever-se-á fazer com água e sabão e depois com álcool diluído.

Ultimamente tem-se empregado como desinfetante da pele a Tintura de Metafen. Contornar com campos esterilizados toda a zona a operar.

ANESTESIA PARA TRAQUEOTOMIA

Em caso de vida ou morte, lembrar-se de que "todo asfixiado já é um anestesiado".

Deve ser local. A anestesia geral nunca deve ser feita, pelo perigo gire corre de, ausentando o reflexo tussígeno(cão de guarda de Chevalier Jackson), cair sangue ou pús nos pulmões e trazer graves complicações pulmonares.

Tanto maior é a cianose quanto maior a asfixia Os músculos respiratórios claudicam e, se não é aberta, imediatamente, a traquéia, vai-se a vida do doente, porque o centro respiratório, paralisado, não reagiu.

Anestesia local: - Empregamos, cone resultados magníficos, soluções fracas de novocaina, a meio ou um por cento, associada a algumas gotas de adrenalina a tini por mil: 1 gota de adrenalina para um centímetro de novocaina.

Nunca ultrapassamos 10 centímetros cúbicos de solução anestésica. Quando se não tem uma seringa de Partcliet-Raigon, qualquer uma se presta muito bem. Infiltremos primeiro a futura linha de incisão e depois de cada lado do conduto laringo-tradueal. A injeção, deve ser sub-dérmica e depois sub-cutânea e profunda. Terminamos a nossa anestesia por uma imbibição larga e profunda do espaço supra-esternal. Na descoberta do plano profundo gotejamos através da membrana inter-crico-tiroidéia de 5 a 10 gotas de neotutocaina a dois por cento, que apresenta a vantagem de suprimir os reflexos tussígeno violentos, ao se abrir a traquéia.

POSIÇÃO DO DOENTE E DOS ASSISTENTES

O doente ficará em decúbito dorsal e com o pescoço em extensão. Dispnéico, em excesso, a sua cabeça será colocada horizontalmente ou ligeiramente flectida, de modo a facilitar a respiração. Um saco de areia será colocado sob as espáduas. cabeça, posta em extensão, será mantida em posição rigorosamente mediana, por terceiro auxiliar. O operador colocar-se-á à direita do paciente, o assistente à esquerda e um outro à cabeça. Se trata de uma criança, melhor é imobilizá-la nas dobras de um lençol, não muito apertado. Nunca esquecer de vigiar o pulso. Paralisada a respiração, praticar imediatamente as manobras de Silvestre e Laborde.

Okell (1888), em caso de tuberculose laríngea, fez reviver o seu doente após 5 horas e meia de respiração artificial.

TRAQUEOTOMIA ALTA E BAIXA. INTER-CRICO-TIROITOMIA
Entende-se por traqueotomia alta a abertura da traquéia abaixo do istmo da tireóide.

1) por inter-crivo-tiroitomia a abertura da membrana cricotiroidéia, que nunca se deverá fazer, a não ser em casos de extrema urgência ou quando o cirurgião não fôr hábil bastante para uma traqueotomia rápida abaixo da cricoide.

Traqueotomia alta - E' a melhor. Ela é desprovida de perigo, porque aí é superficial e separada da pele somente por_ um intervalo de 1 centímetro aproximadamente.

Na traqueotomia alta, o bisturi encontra apenas pele, tecido célulo-adiposo, aponeurose superficial e média, poucos ramos arteriais e pequeninas veias que vão ter às jugulares anteriores.

Traqueotomia baixa - Perigosa e andará mal o cirurgião que a escolher. O segmento aéreo, aí, é profundo (três e meio centímetros mais ou menos) e ricamente vascularizado, Suas indicações são raras, excepcionais até: - laringofissura, hemilaringectomia.

TÉCNICA

Fixada a laringe e a traquéia com a mão esquerda, (o polegar à direita, o médio à esquerda e o anular tomando a tireóide como ponto de reparo) a pele e o tecido celular subcutâneo deverão ser incisados ao primeiro golpe do bisturi (inervado pelo ramo cervical transverso cio plexo cervical superficial), desde a tireóide até a fúrcula esternal. Os tecidos profundos e vasos serão afastados, por meio de afastadores, para os lados e pinçados antes de seccionadas.

A dessecação poderá ser feita ou com o dorso do próprio bisturi ou com unia tentacânula. A traquéia será posta a nu, desde a cricoide até o quinto anel traqueal. A incisão traqueal deverá ser feita quando todo o campo estiver exangue; - evitar que o Teor da incisão serão suturadas, sem ir muito rente à cânula, para não ferir a parede posterior da traquéia. Não fazer tinia incisão dupla. Se a incisão feita não fôr suficiente, cuidadosamente, com o bisturi se a prolongará.

Se fazem duas incisões (refiro-me à parede anterior da ,traquéia) a porção que ficou entre elas se necrosará ou se estenosará. Donde a necessidade de uma boa imobilidade do conduto laringeo-traqueal e de unia imobilização absoluta da cabeça do doente em linha mediana.

Mais outro erro que procurará evitar, é ó de parar a incisão logo que -se ouve o sibilar aéreo da traquéia ou de colocar o dilatador em .uma ferida pequena, dilacerando a traquéia ou rotulando a membrana inter-anular. O melhor será rasgar 3 anéis e o dedo do cirurgião sentir unia sensação de vazio. assim fazendo, poupar-se-á a membrana inter-anular. Nunca lesar as cartilagens anulares ou a membrana inter-anular, pelo perigo de trazer a necrose da cartilagem, com estenose ulterior.

Se o doente fôr- excessivamente dispnéico fará tinia profunda inspiração, logo após a abertura da traquéia, deixando de respirar durante alguns segundos: - é, como diz Chevalier Jackson,

"o suspiro de alivio do traqueotomizado". Esta apnéia se diferencia da respiratória, da apnéia verdadeira, pela coloração da face. Depois de algumas inspirações profundas, colocar-se-á a cânula e a ferida será pensada. As extremidades superior e inferior da incisão serão suturadas, sem ir muito rente à cânula, para não fazer caminho falso quando se mudar ou evitar a produção de um enfisema. O melhor será deixar uma larga ferida aberta, não só para segurança do doente como também para prevenir o traumatismo das cartilagens. A literatura médica cita casos de traqueotomizado mortos pelo fato do interno colocar a cânula entre as camadas pretraqueais, pensando té-la deixado na traquéia. A introdução forçada da cânula poderá ser a causa de traumatismo das cartilagens ou do seu pericôndrio. Quando se traqueotomizar um intubado, é indicada a substituição do tubo por um broncoscópio.

ACIDENTES E COMPLICAÇÕES DA TRAQUEOTOMIA

Incisões mal feitas,. viciosas, curtas e laterais, que podem trazer estenoses completas ou não, e hemorragias graves, com complicações diversas. Schmiegenen (1892) cita um caso de estenose completa da laringe, por tecido cicatricial. resultante de uniatraqueotomia mal feita, praticada acima da cartilagem tireóide, que se tornou preciso uma outra traqueotomia e depois uma laringofissura.

Outro obstáculo que pode dificultar a traqueotomia é a presença de um corpo tireóide volumoso.

Mal formações congênitas; Haja vista um caso citado teor Schwartz (1891), de um homem de 50 anos, portador de uma cifose dorso-cervical, em que o cirurgião foi encontrar a cricoide a 1 centímetro da fúrcula esternal. Devemos chamar a atenção para a ossificação ou calcificação da cartilagem nos velhos. As vezes o bisturi escorrega, ferindo órgãos vizinhos, como o esôfago, e nele fazer penetrar a cânula. Calma, sangue frio, coragem, controle com a vista e cota o dedo e tudo será resolvido às mil maravilhas.

A hemorragias e a entrada de ar na veia, são complicações graves, que um bisturi inteligente, manejado com habilidade e presteza, tudo evita.

A hemorragia pode ser de origem arterial, venosa e capilar. Arterial, provém da tireóidea média; esta artéria varia muito de calibre, às vezes ela é tão volumosa como a tireoidéia inferior. Se o cirurgião é prudente, a ligadura dêste vaso já é raleio caminho andado.

A hemorragia venosa é perigosa, pela presença das tireóideas inferiores (beira estudadas por Kocher), que passam por diante da traquéia.

As hemorragias capilares cessam rapidamente com a compressão ou com a colocação da cânula.

ACIDENTES E COMPLICAÇÕES QUANDO DA INTRODUÇÃO DA CÂNULA

A cânula pode tomar caminho errado, após incisões mal feitas, indo até o espaço prelaringêo, podendo ferir a parede posterior da traquéia e alojar-se ainda em órgãos vizinhos. Cânulas muito grossas podem fraturar a cricoide.

Prudência extrema, quando o traqueotornizado é portador de uni aneurisma.

As vezes existem gânglios caseosos que obstruem a traquéia, nesses casos o melhor é não usar cânula e suturar a traquéia à pele, fazer a traqueotomia.

TRATAMENTO E CUIDADOS POST-OPERATÓRIO

Fixação da cânula: - A fixação se faz com o fio passando em redor do pescoço, bastante cerrado, para impedir que a cânula se desloque é perturbe a circulação venosa, traumatize a traquéia. Este fio será preso às duas pequenas argolas laterais existentes na cânula externa.
Pegue-se um pedaço de gaze de 10 centímetros quadrados, faça-se um orifício central e, depois de atravessada pela cânula, teremos a boa proteção da ferida, por isso que o pavilhão da cânula não fica em contacto com os labios da incisão.

Filtragem do ar: - Poderá ser feita passando uma gaze branca por diante do orifício externo da cânula, gaze que por sua vez será presa ao pescoço, porém frouxamente.

Medicação: - Depois da intervenção, em regra, a temperatura sóbe a 38° e 38 Y2.
Expectoração abundante, tosse mais ou menos frequente. E' a traqueite muco-purulenta; que se combate com injeções intratraqueais de óleo balsâmico e anticéptico e um ligeiro tratamento Tonico intra-cardíaco.

O prof. Sebileau diz que este tratamento deve ser capital e sistematicamente empregado, por que êle previne muitas complicações bronco-pulmonares post-operatorias.

Alimentação: - Nos primeiros dias, a alimentação será ligeira, líquida ou pastosa, pela disfagia de que se queixa o doente.

Posição do doente: - Deitada.

Lavagem da cânula: - A cânula interna será lavada uma ou duas vezes por dia ou mais vezes segundo a expectoração maior ou menor do doente, e a externa duas vezes por semana (cone água fervida alcalinizada com um pouco de bicarbonato de sodio).

Demora da cânula: - Varia de acôrdo com o critério médico e o estado do doente, sendo definitiva nos casos de lesões incuráveis. Nas mulheres grávidas, deve-se conservá-las até depois do parto, afim de evitar uma morte brusca no curso das dores.

Cicatrização: - Devida à elasticidade das cartilagens há uma grande tendência a se aproximarem, e a cicatrização se faz rapidamente.

Se a cicatrização não andar depressa, algumas cauterisações com nitrato de prata (pérola) resolverão o caso.

Raramente apelamos para a autoplástica.




Recebido pela Redação em 10-8-42

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