Versão Inglês

Ano:  1954  Vol. 22   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: -

Páginas: 20 a 25

 

A "PRIVINA" NA PRÁTICA OTORRINOLARINGOLÓGICA

Autor(es): Dr. PAULO MANGÁBEIRA ALBERNAZ

Desde que, em 1901, Takamine e Aldrich conseguiram isolar o hormônio das glândulas justa-renais, a que o primeiro deu o nome de adrenalina, substância que seria, pouco depois, em 1905, obtida por síntese por Stolz e por Dakin, a anestesia local tomou notável impulso. Não só a substância aumentava o poder analgésico da cocaína, na época quase exclusivamente empregada, como restringia muito a perda sanguínea.

Esta preciosidade, que os fisiologistas entregavam aos clínicos, seria a origem da criação dos chamados simpático-mimétícos, nome que receberam estas substâncias, graças a sua ação sobre o simpático.

A adrenalina, já então empregada sob a forma de cloreto ou lóridrato, juntar-se-iam vários outros simpático-miméticos, de ação variável em intensidade e seletividade.

O uso da adrenalina generalizou-se na prática cirúrgica, mormente na oftalmológica e na otorrinolaringológica. Sua ação geral sobre o organismo não deixou, porém, de ser sempre um óbice a seu emprego, pois os distúrbios do simpático e do pneumogástrico são extremamente freqüentes, de sorte que a ação da adrenalina não só se fazia sentir, em certos casos, de maneira violenta, como era extremamente variável e difícil de prever.

Em verdade, todos nós, oftalmologistas e otorrinolaringologistas, que temos larga experiência da anestesia local, sabemos não existir critério seguro para calcular a dose de adrenalina a ser usada. Se, em um indivíduo, a dose que, por exemplo, uso geralmente de 5 gotas para 20 cents. cúbs. de anestésico (novocaína a 0 gr. 50% ), produz isquemia satisfatória em certo número de pacientes, em outros a isquemia obtida com esta dose é insuficiente, e, em outros ainda, é excessiva, apresentado-se, o campo operatório, completamente pálido. Acresce ainda que a adrenalina, quer usada por via submucosa em anestesia por infiltração, quer usada em mechas ou pulverizações em anestesia de contacto, é absorvida, e, determina alterações imediatas do pulso, da pressão, etc., o que pode ser causa de acidentes.

Sabido é que uma das causas, e a principal, das hemorragias ditas "das cinco hora", observadas nas amigdalectomias, é devida à adrenalina, à sua ação vasodilatadora secundária. A dose de adrelina, que eu usava primitivamente nas amigdalectomias, nas ressecções do septo nasal, nas sinusectomias, etc. era de uma gota para dois cents. cúbs. de novocaína a Ogr. 50%, isto é 1.0. gotas para 20 cents. cúbs. na dose usual para a amigdalectomia, por exemplo. As hemorragias secundárias eram algo freqüentes, e foram reduzidas quando, seguindo o conselho de Canuyt, reduzia dose de adrenalina para metade - 5 gotas para 20 cents. cúbs. de anestésico. Ainda assim, a variabilidade de ação da droga é constante e inevitável, e não podem ser previstos e, por conseqüência, evitados, os acidentes causados pela droga.

Acresce que os simpático-miméticos possuem duas ações: uma vaso-constritora é outra vaso-dilatadora. Ora, a adrenalina determina estas ações de maneira algo enérgica e rápida, mormente a vaso-dilatação, que é a secundária.

No que diz respeito especialmente à mucosa nasal, sua vascularização é dupla: há uma rede sub-epitelial, é outra profunda. Estas duas redes são, de certo modo, independentes, e há simpáticomiméticos que atuam sobre uma apenas, ou sobre ambas. A efedrina, por exemplo, apenas exerce ação sobre a rede profunda; a adrenalina, sobre ambas (Burnham).

Tudo isso vem demonstrar a necessidade de substituir, definitivamente o emprego da adrenalina por outro simpático-mimético que: l.º tenha ação menos rápida, e, igualmente, menos enérgica; 2.º - que tenha ação geral sobre o organismo - aparelho cárdiovascular principalmente menos intensa e menos variável; 3.º cuja ação vaso-dilatadora secundária seja menor do que a ação vaso-constritora; 4.º - cuja ação vaso-constritora seja mais prolongada, e cuja ação vaso-dilatadora se processe lentamente; 5.º que possa ser facilmente esterilisável (por ebulição; por exemplo).

Dos simpático-miméticos atualmente em uso, um dos mais largamente - e erradamente - empregados é o cloridrato, de privina.

A droga foi descrita por Hild em 1941, como, um preparado para determinara retração da mucosa nasal. Hild afirmava que "uma grande vantagem da privina, em comparação com a adrenalina, era o fato de não causar, hiperemia, reacional e ter apenas relativa toxicidade, se é que tinha". A primeira asserção é exata; a segunda, não.

Lançada a privina no comércio sob a forma de soluto a 1 por mil (e, posteriormente, a 0,50 por mil), tornou-se um flagelo, .pelo seu uso abusivo. Era vendida nas farmácias aos litros, e até em maternidades acharam de usa-la em recém-nascidos, como gotas nasais. Daí, dessa generalização a reação necessária, como deixei, patente, assinalando vários casos de intoxicação mais ou menos grave, em meu trabalho "Os erros da medicação nasal", no item. "A mania da privina".

Esta droga, cujo emprego deve ficar adstrito ao médico, e só sob sua prescrição usado, tem seu valor quando usada na prática otorrinolaringológica, onde, pode substituir, em grande parte dos casos, a adrenalina.

A primeira indicação está na retração da mucosa nasal para a rinoscopia.

Como é sabido, em casos em que existe, ao exame da fossa nasal, congestão ou mesmo hipertrofia das conchas, mormente da inferior, é necessário usar mechas ou pulverizações com soluto anestésico, ao qual se junta pequena dose de adrenalina, para conseguir-se a retração da concha. Isto visa não só verificar o tipo de hipertrofia dá concha (mucoso ou ósseo), como obter, na congestão, que a concha se retraia para poder ser examinada a fossa, até a parte posterior.

Sempre se usou e ainda se usa para esse, fim exclusivamente a adrenalina. A sua ação é mais rápida do, que a dos substitutos, mas a verdade é que muitos especialistas deçonhecem que a adrenalina é absorvida rapidamente pela mucosa nasal, e que esta é hoje uma das vias de absorção empregadas em terapêutica.

É conhecida, há muito, a, absorção rápida e temível pela pituitária, por, exemplo do cianeto de potássio. Eu mesmo tive, há anos, de socorrer uma senhora de idade, seriamente intoxicada, porque tentara, com uma garrafa servindo de rôlo, reduzir a, pó certa quantidade de cianeto de potássio cristalizado. O pó foi absorvido pela pituitária e á senhora sentiu-se mal: Chamado a vê-la, encontrei-a sériamente intoxicada, e foi difícil vencer a crise.

Em estudo recente, Hyde, Tonndorf, Chinn e Field mostraram que a hioscina rifnistrada em gotas nasais é absorvida em pouco menor,intensidade que a ministrada por via subcutânea, e maior intensidade do que por via gástrica.

Em alguns doentes, apliquei numa fossa nasal uma mecha de algodão com 20 gotas de adrenalina milesimal; em outros, uma mecha com igual dose de privina milesimal. A pressão arterial era medida antes de ser, posta a mecha, e 1 e 5 minutos depois. Com a adrenalina, a pressão aumentava sempre antes dos 4 ininutos. Com a privina (e igualmente a tuamina a 1%) não havia em geral alteração.

Estes fatos me levaram a substituir definitivamente a adrenalina pela privina no exame nasal. Em meu, livro, "Otorrinolaringólogia Prática"; 5.º edição, já propunha para o exame, para retração e anestesia para o cateterismo da trompa, etc., a seguinte fórmula:

Neotutocaína...............................0 gr., 10
Privina a 0,50 por mil (ou tuamina a 1%)...20 ce

No momento atual tenho usado a privina a 1 por mil quando desejo retração maior. A privina retrai tanto quanto à adrenalina, mas não tem ação sobre a rede arterial superficial, de sorte que a mucosa não fica pálida. Sua ação é igualmente mais prolongada do que a da adrenalina.

Onde, porém, a privina substitui com vantagens particulares à adrenalina, é na cirurgia, mormente das amígdalas.

Quem primeiro estudou a questão foi Koch. Revendo o problema das substancias isquemiantes, assevera que a , privina deve substituir à adrenalina na isquemia nasal, "pois tem ação significativamente mais prolongada e não determina hiperemia". (Isso foi escrito em 1948, mas não vim a conhecer o trabalho de Koeh senão em, 1954, e já há anos tinha substituído, nesses casos, a adreralina pea privina). No entanto, Koch acha que a privina não pode substituir a adrenalina, quer nas amigdalectornias, quer nas operações do septo nasal, isto é na anestesia para infiltração, "pois a anemia obtida não é suficiente".

Em 1949, Kraus, porém, após 150 amigdalectomias com privina - 10 gotas em 20 cents. cúbs. de anestésico, novocaína a Ogr. 50% - na fóssula direita, e com, adrenalina - 1 gota em 20 cents. cúbs. de anestésico, novocaína a 0 gr. 50%, na fóssula esquerda, - verificava que a incidência da hemoragia secundária precoce era muito menor com a privina.

Hohlbrugger, em 1952, salientara que a Clínica ORLaringológica de Graz (Austria) já usava largamente a privina nas amigdalectomias, e que a porcentagem ótima era de 50 gotas de privina milesimal para 100 cents. cúbs. de novocaína a 0,50% (isto é 2,5% de privina). A isso, ele acrescentava 20.000 a 40.000 unidades de penicilina (para 100 cents. cútis. de anestésico). Acentua, neste trabalho, que a adrenalina é facilmente destruida, o que não, acontece com a privina, a qual pode ainda ser, esterilisada por ebulição.

O trabalho definitivo é o de Kraus, publicado igualmente em 1952. Baseia-se na observação de mil operados de amígdalas na Clínica de Graz. A amígdala direita foi injetada com novocaínaprivina, a esquerda, com novocaína-adrenalina (5 a 20 gotas, em média 10). Imediatamente após, a operação, foram feitas, à direita (privina) 116 ligaduras, à esquerda (adrenalina), 138. Isto prova, diz Kraus, que a anemia causada pela privina é absolutamente equivalente à da adrenalina, na concentração empregada.

No exame feito à, tarde, havia coágulos na fóssula direita em 38 pacientes; na esquerda (adrenalina) em 49.

É curioso assinalar que a hemorragia do ato operatório foi muito profusa em 16 casos à esquerda (adrenalina), e à direita (privina) em 7!

Acentua que a privina é facilmente esterilisável por ebulição, e é estável, ao passo que a adrenalina facilmente se decompõe.

Há cerca de um ano tenho substituido definitivamente a adrenalina pela privina na cirurgia das amígdalas. Tenho usado a dose de 10 gotas do soluto milesimal de privina para 20 cents. cúbs. de soluto de novocaína a 0 gr. 50% em adultos; e 8 gotas de privina milesimal para 15 cents. cúbs. de anestésico, em crianças.

A impressão que tenho, é de que, de modo geral, a ação anemiante da privina não é igual à da adrenalina; a desta é mais intensa. Mas, o que é indiscutível é que a reação local pouco vária de indivíduo a indivíduo, com a privina. Não vemos mucosas brancas, lesões operatórias lívidas, como acontece com a adrenalina. O efeito da privina é, pois, mais igual.

Ainda não tenho opinião formada sobre a ação tardia. Parece que, nos operados com privina, a perda sanguínea, após passagem do efeito da droga, é bem menor do, que quando se usa a adrenalina.

Já tive um caso de hemorragia secundária precoce em operado com privina. Mas a hemorragia repetiu-se por dois a três dias, sinal de que devia se tratar de alguma causa geral, que não consegui descobrir. Foi a única observação em 64 casos. A observação de Kraus é mais segura, pois, em um mesmo doente, foram empregadas as duas drogas, o que permitiu comparação segura.

CONCLUSÃO

1 - A adrenalina deve ser definitivamente eliminada da semiótica nasal. Deve ser substituída por outro simpatico-mimético. Por sua ação geral pouco pronunciada, acho aconselhável a privina, ou a tuamina, preferentemente a primeira que é de ação menos lenta.

2 - Nas amigdalectomias, dada a ação variável de doente a doente da adrenalina, e sua ação sobre o aparelho cárdio vascular, e ainda ação vaso-dilatadora secundária enérgica e rápida, devemos substituí-la pela privina, à razão de 8-10 gotas do soluto milesimal para 20 cc. do soluto anestésico (novocaína a Ogr. 50%), o que concorre a restringir a freqüência da hemorragia secundária precoce.

BIBLIOGRAFIA

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4 - KOCH, J. - Beitrag zum Wahl des gefaesseverengernden Mittels in der Oto-Rhinologie. Med. Klin, 1948, 143-145. Zentralbl. f.H.N. Ohrenheilk. 39 : 326 (H. 4) 1949.
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