Versão Inglês

Ano:  1942  Vol. 10   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: -

Páginas: 425 a 430

 

CARCINOMA EPIDERMOIDE DO LÁBIO INFERIOR, OPERAÇÃO. CURA. SOBREVIVENCIA DE QUATORZE ANOS

Autor(es): ARISTIDES MONTEIRO (1)

CLINICA OTO-RINO-LARINGOLOGICA DA UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO. - CATEDRÁTICO: PROF. JOAO MARINHO

O cancer do labio é de percentagem pequena no computo geral das estatisticas de neoplasmas. Verificamos que YACOBIVICI dá-lhe um total de 10%, enquanto os americanos com WIDMANN á frente, mencionam somente 2%. Muito mais comum nos homens que nas mulheres e com predileção pelo labio inferior é frequente nos fumadores inveterados (LAMARQUE e BETOULIÈRES, YACOBIVICI, op. adiante cit.).

Em 1925, Novembro, no dia 12, procura o Hospital S. Francisco de Assis, H. B. homem, branco, casado, de cincoenta anos de idade, italiano, morador em Colatina, Espirito Santo. Apresentava um pequeno tumor, duro, vegetante, no labio inferior, não sangrando ao toque. A superficie é lobulada, de contornos nitidos, em couve-flor. Pequena secreção purulenta encontrava-se no fundo da vegetação, entre os intersticios do conglomerado lobular. A mucosa, em redor, achava-se nitidamente limitada, com ligeira elevação sobre a parte tumoral, circunscrevendo-a com precisão. A neoformação era do tamanho dum nikel de 100 réis dos pequenos. Ausencia de reação ganglionar.

Não tivemos duvida nenhuma em fazer o diagnostico de blastoma do labio inferior, e devido a sua frequencia quasi absoluta nessa região, pensamos no tipo epitelioma espinocelular, ou um epidermoide. Ambos pertencendo ao grupo dos carcinomas.





Uma biopsia confirmou a nossa suposição. Demos conhecimento ao homem do que se passava e propuzemos a operação que foi aceita. Fizemos uma cunha em V, abrangendo todo o bloco endurecido do tumor, deixando ainda um pequeno limite de tecido são a seu favor e com duas pinças de Kocher delimitamos a região que iamos operar, realisando o V acima descrito. Com uma tesoura, cortamos rente aos bordos internos das pinças que ainda nos faziam a hemostase da região. Nenhum sangue. Retirado o tumor, fizemos a sutura dos labios da ferida operatoria, cuja cicatrização se fez per primum. A estetica não podia ser perfeita, de modo que o doente ficou com o labio inferior bastante encurtado. Em quinze dias o paciente teve alta curado. Eis aí em resumo o que ocorreu com a observação que nos ocupamos neste trabalho.

Durante o tempo em que o doente esteve internado em a enfermaria do hospital, foi visto pelo Dr. ADOLPHO STARKE, medico então na localidade. residencia do nosso doente. Este simples fato, de nenhuma importancia aparente, é a unica razão de se publicar tantos anos depois a historia deste caso.

Perdemos de vista o doente; ha meia duzia de anos estivemos novamente com o Dr. Starke que se transportara para o Rio aqui clinicando, e que nos disse estar aquele paciente ainda vivo, gosando de boa saúde. Já havia decorrido dez anos de operado. Este ano, em outubro, encontramo-nos novamente com aquele citado colega, que então nos deu a noticia de que falecera o ano passado, em Colatina, o paciente que nós operáramos em 1925, de cancer de labio inferior. Sobrevivera cerca de quatorze anos e levara-o uma febre tifoide, endemica naquelas regiões. Um filho do paciente está nesta capital, disse-nos o Dr Starke, e foi quem lhe comunicou estes ultimos acontecimentos.

Nessa mesma palestra este citado colega, livre docente de Obstetricia da nossa Faculdade, dissera-nos que escrevendo em 1939, um trabalho sobre "Cancer e Gravidez", na Revista de Ginecologia e Obstetricia, (Ano XXXIII, n.° 1, Tomo II. Julho 1939) fizera alusão a sobrevida do nosso paciente, desde a época que o operaramos no Hospital S. Francisco de Assis. Ha porem um pequeno engano no excelente trabalho acima citado, é no que diz respeito a data da operação. A da biopsia é de 12 de Novembro de 1925, a operação foi realisada dias após. O nosso distinto amigo dá uma sobrevida de dez anos, quando ela é de quatorze.

A descrição que fizemos de um caso de neoplasma do labio inferior operado e curado durante quatorze anos, dá-nos ensejo a ligeiras considerações sobre o assunto. Impõe-se a classica pergunta: é curavel o câncer? Só quem não milita em cirurgia grossa da especialidade ou teta conhecimento da que se faz em outra, clínicas, pode negar que o cancer se cura em grande numero de casos. desde que o diagnostico seja precoce e a intervenção ou tratamento imediato, e bem conduzido.

Na nossa especialidade estamos habituados a ver a excelencia das estatisticas do cancer do laringe, quer com a cirurgia quer com os raios X. Das estatisticas de GLUCK e SOERENZEN na Europa, ás de CHEVALIER JACKSON na America e ás de CETRA e ALONSO, no Prata, de centenas e centenas de casos tratados pela cirurgia, antepõe-se tambern as de COUTARD, hoje nos E.E. U.U., e WOLFRED, de Frankfurt, que empregam os raios X.

Um bisturi bem manejado, uma ampoula de raio X bem dirigida ou certa porção de radium sabiamente dosado, tem conseguido muito e muito no cancer de diferentes localisações na nossa especialidade. Não é lugar aqui para discutirmos a excelencia deste ou daquele metodo, para não fasermos como HUNT (Nebraska M. J. 25.133. April. 1940) que chega ao extremo de dizer ,que mais vale a erradicação cirurgia dum carcinoma do labio em mãos inexperientes, que a radioterapia. Cada um tem a sua indicação, com maiores ou menores simpatias deste ou daquele espescialista.

O cirurgião deve considerar um aspeto importante do cancer do labio. Referimo-nos ao problema da plastica. No nosso paciente o resultado foi sofrivel, era homem, podia passar, mas quando se trata do sexo feminino o caso muda de figura. HORVATH Strahlenterapie, 65, 216, 1939) dá-lhe tamanha importancia, que divide o cancer do labio em quatro classes, incluindo como dado principal das duas primeiras, o lado cosmetico do problema.

DALAUD, (Surg. Ginec. Obst. 69.347, Sept. 1939) descreve uma operação de plastica, quando a remoção do bloco do tumor atinge quasi inteiramente o labio do doente. Ele faz uma incisão retangular para retirar o tumor. A vantagem da operação é ficar completamente intacta a musculatura do labio, porem com a desvantagem de encurtar o cumprimento da boca.

No nosso caso ainda temos que tecer comentarios em torno cio diagnostico diferencial, pois o tumor podia-se confundir principalmente com a sifile e a tuberculose, excluidas as micoses e a lepra tuberosa pela sua raridade de localização no labio, e prévia localização em outras regiões circunvizinhas.

Quanto a tuberculose, em geral são pequenos tumores, múltiplos, confluentes, irregulares, rasos. O limite com o tecido visinho, apresenta certo processo inflamatório, é esbranquiçado, escavando-se, com granulia intermitente. E' raro que se localise no labio, um processo tumoral tuberculoso sem lesão de vizinhança na boca, faringe e nariz. A sua evolução é longa, apresentando sempre reação ganglionar.

A sifile do labio inferior como lesão primaria, é em geral acompanhada pelo exantema. Apresenta-se sob o aspeto de uma formação tumoral solitaria, em geral circular, não é superficial como a t.p., e sim profunda a penetração do processo inflamatorio nos tecidos subjacentes. Os limites do tumor são um infiltrado duro, de bordos talhados a pique; um exudato seroso cobre toda a superfície. No limite do processo inflamatorio, nota-se como um halo de coloração vermelho-vinhoso, infiltrado. A turgencia ganglionar satelite é, às vezes, antecedente ao aparecimento do tumor; não é dolorosa a pressão, porem os ganglios são bem aumentados de volume, endurecidos.

O laboratorio é sempre soberano nestas duvidas, quando o espirito de observação do clinico não é avisado prontamente. Um esfregaço do material da superfície do tumor, uma biopsia de uma certa porção do mesmo, uma reação de Wassermann, tudo isto esclacerá diagnosticos hesitantes e levará a melhoras ou cura definitiva do paciente com uma terapeutica bem conduzida.

A predileção do cancer do labio pelo sexo masculino é manifesta e o atestam a maioria das estatísticas publicadas. LAMARQUE e BETOULIÈRES (Zbl. f. Hals Bd. 20. s.666. 1933) em 47 casos descritos encontram 8370 para a localização do labio inferior a 670 para o labio superior. Destes quarenta e sete pacientes, o sexo feminino entra somente com 870.

YACOBIVICI (Zbl. f. Hals. Bd. 26 s. 105.1936) descrevendo , a sua observação sobre 385 casos de carcinoma do labio, encontra a percentagem de 92,2% para os homens e somente 7,7% para as mulheres. O mais jovem doente tinha 16 anos. Cerca de oitenta por cento eram fumantes inveterados. A localização no labio inferior dava 90% dos casos. O tratamento empregado foi a cirurgia em 244 deles (63,62%) que se apresentavam como o nossa caso, logo no início da molestia, sem metástase ganglionar; os restantes 141 casos (36,12%), foram operados duas vezes. Depois de quatro anos, 89,66% dos casos estavam bem. Seis anote após a percentagem baixou a 43,33%. O raio X e o radium só foram empregados nos inoperaveis.

WELCHE NATHANSON, descrevendo (Zbl. f. Hals, 30 Bd. .231. 1938) numerosas estatisticas sobre cancer e sobrevivencia, entre outras citadas, dá para o cancer do labio inferior o tempo de 60 mezes ou sejam quasi cinco anos, para os casos tratados; os que ficam sem tratamento algum, 10 mezes em média. Mais tarde com TAYLOR (Surg. Ginec. Obst. 69.464. Oct. 1939), estuda exaustivamente o problema da metastase ganglionar cervical no cancer do labio, baseado em 616 casos, nos quais os ganglios foram retirados em 19% deles, dando um resultado de cura de 51%.

MONTPELLIER, DUBOCHER e CHIAPPONI descrevem (Zbl. f. Hals. 30 Bd. s. 443. 1930) um caso de epitelioma basocelular numa mulher de trinta anos e no labio superior, retirado cirurgicamente.

BODE, em artigo sobre o raio X no tratamento do cancer do labio (Zbl. f. Hals. Bd. 30. s. 663 1938), dá um total de 296 casos com uma ausencia de sintomatologia em 97%, num tempo de observação de 2 anos.

MORROW, MILLER e TAUSSING (Zbl. f. Halls. Bd. 316. 1937) apresentam um novo processo de tratamento com cinco anos de observação. Anestesia local. Curetagem do carcinoma e eletro-dissecção com corrente de alta frequencia. Os a.a. dizem chie a unica complicação é a hemorragia que se segue. De 139 casos tratados por este sistema, só ponderam acompanhar 80 deles. Dois morreram, tres outros não melhoraram, 67 curaram.

RICHARDS (Zbl. f. Hals. Bd. 29. s. 5. 1934) faz a publicação de uma estatistica de 335 casos tratados de 1929-1935. Daquele numero, 300 ficaram sob controle. Destes, 84% vivem e não apresentam sinal nenhum de recidiva. Dos que apresentavam o tumor como lesão primaria, com o emprego de raios X, mostravam até 1931 a percentagem de 95% e 100% de cura algum tempo depois.

FISCHEL (Zbl. f. Hals. Bd. 25. s. 189. 1935) estuda os metodos comparativamente cirurgicos e os de irradiação com raios X. Quando houver somente a lesão inicial sem ganglios satelites, diz que a cirurgia dá bom resultado, quando ha ganglios não palpaveis bastam tres sessões de roetgenterapia e, após a irradiação, opera-los.

STEWART-HARRISON (Zbl. f. Hals. Bd. 20. s. 756. 1933) na clinica de Zurick, trata 42 casos de carcinoma do labio. Controle tres anos depois, mostra 70-80% sem recidiva, livres de qualquer sintoma, com a aplicação do raio X. O tratamento cirurgico baixou a estatistica para 60%. Todos os casos tratavam-se de neoplasmas primitivos. O autor suiço termina o seu trabalho, aconselhando o raio X.

GOODALL (Zbl. f. Hals, Bd. 16. s. 416. 1931) descreve um caso interessante pela evolução da molestia e idade da paciente. Crianças de sete anos, com cancer no labio inferior, dá entrada no hospital com broncopneumonia e albuminuria. Quatro semanas depois é operada do cancer do labio com plastica. Passam-se oito anos e meio e volta a paciente, já mocinha, para nova plastica, inteiramente curada do cancer do labio.

WIDMANN, (Zbl. f. Hals. Bd. 24. s. 114. 1935) dá-nos conta da sua experiencia em 168 casos, tratados durante dez anos. Aplicou tanto o raio X como o radium, por vezes acompanhado da electrocirurgia. Em 125 pacientes, 74% não tinham nenhuma metastase ganglionar no inicio do tratamento. Destes, 78 ou 62%, e 47 deles ou 38%, foram dados como curados num praso de 3 a 10 anos de observação. Daqueles que tinham ganglios cervicais com metastase, somente seis foram considerados livres de sintomas isto é, clinicamente curados.

Pelo exposto, vemos que semelhante ao cancer do laringe e do utero, o do labio é talvez dos que melhores estatisticas apresentam quanto a sobrevivencia longa, uma vez feito o diagnostico precoce e tratamento imediato. Verdade é que bons resultados só podem ser obtidos, si se tiver aparelhagem indispensavel a tais terapeuticas. A cirurgia, atuando logo no inicio da molestia, o raio X e o radium, ajudando-o nesta fase para consolidar a cura, eu exercendo efeito curativo nos casos indicados, são as vigas mestras do tratamento anticanceroso que hoje dispomos.

EPIDERMOID CARCINOMA OF THE LOWER LIP

Summary

The A. makes references to the low percentage of lip cancer and quotes the case he himself observed in a 50-years-old man, with small, movable, localized lesions which had not metastasized. The A. make Vshaped incision. He deals with the differencial diagnosis of this kind of neoplasma and with the surgical treatment which should be made as early as possible. As to this case, the patient survived 14 years in good health, and died from typhoid fever.




(1) Livre docente e assistente da clinica

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