Versão Inglês

Ano:  1942  Vol. 10   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: -

Páginas: 396 a 413

 

DO CONCEITO GERAL DA ALERGIA Em OTORRINOLARINGOLOGIA - parte 1

Autor(es): Prof. João Marinho

Sem embargo da extensão que para o biologista vai tomando o conceito de alergia, para o clinico só o é o que não devendo acontecer acontece, máxime quando sucede como manifestação contrária da esperada. Receita quinina, poção de salicilato de sódio e, daí há dias, queixa-se o doente de surdez e zoadas: não é nada, dado o conhecida efeito do medicamento sobre o nervo. Sobrevêm em outro, após trivial cápsula de aspirina, considerável edema do lábio, crescido como, tromba de tapir, ou acesso de asma, edema da glote sem causa apreciável, capitula-se o inesperado como entrado no conceito de alergia. O ponto digno de reflexão acerca de alergia, não está, rematei, na sintomatologia, pobre e monótona, sim na sua patogenia. Recusei. Insistiu. Fui-me a estudar. Aqui me tendes.

Ao otorrinolaringologista que não se contenta cota ser mero experimentador dos clínicos, operando-lhes septos e amígdalas, não, parece descabida pretenção tentar alcançar o entendimento íntimo da fenômeno alérgico, procurando distinguir nas lições correntes a êsse respeito, os dados reais, isto é, demonstráveis, dos supostos, íntrometidos na construção de hipóteses de todo em todo subjetivas. Admitido que o melhor meio de entender qualquer teoria é sujeitá-la ao, método histórico, ou, o de verificar a marcha progressiva da inteligência até ao modo de concebê-la atualmente, a da alergia presta-se com relativa facilidade à tentativa, pois pouco mais conta que quarenta anos.

No meu tempo de estudante de Patologia Geral, ninguém, em parte alguma do mundo, fazia idéia de anafilaxia nem de alergia. Os mesmos nomes nem existiam. Precisamente no ano em que a turma, a que pertenci colava grau, foi que Richet e Hericourt (1898) estranharam o que daí a quatro o primeiro chamaria de anafilaxia, isto é uma primeira injeção de dada substância, em vez de habituar o organismo preparando-o para a imunidade, ao contrário, predispunha-o para adoecer gravemente e até morrer, logo depois de receber- outra da mesma substância. Não sabendo coma explicar o que não lhe passava da pura observação, deu-lhe sugestivo nome, indicativo de situação contrária ao de profilaxia: anafilaxia ou, com mais propriedade de derivação etimológica afila-ria, conforme o demonstra o professor Pedro Pinto, em seu seguro e utilíssimo dicionário de termos médicos: a - partícula privativa e philaxis - proteção, O n sã aparece como enxerto eufônico, quando a palavra principal começa por vogal.

Como quer que se fale, não" adianta nada ao que antes se conhecia por Idiossincrasia: idos - próprio, sun - com, crasis - temperamento, ou "conjunto de disposições particulares a cada indivíduo que o leva a reagir de modo diferente do comum à influência de uma mesma substância." A equivalência do conceito estende-se mesmo ao de especificidade, pois ter idiossincrasia por certos alimentos ou medicamentos, pressupõe experiência de acidente semelhante já sobrevindo ao uso da mesma substância mal tolerada da primeira vez. A Intolerância dizia a mesma coisa: "disposição do organismo a não admitir determinado alimento ou remédio sem perturbações graves da harmonia vital."

Enquanto Richet, pouco depois seguido por Nolf e Arthus (1) multiplicavam as experimentações que outros complicavam com teorias (2), von Pirquet, entre 1903 e 1910, aproximava-lhes a lição do que se observa com certas substâncias introduzidas na pele humana por escarificação. Meditou no quanto eram contraditórias as reações entre a nenhuma observada na revacinação dos imunizados contra a varíola e o que se passa com a prova de tuberculina, justamente o contrário: positiva na tuberculose ativa ou latente, negativa, isto é, sem reação alguma, nos indenes. Interpretou o acontecimento como "abaixamento de resistência do organismo", denominando-o de "alergia": allos - outro, ergos - trabalho.

Dêsse modo opunha-se alergia à imunidade. Ninguém hesitava, irem ainda hoje, em levar ao entendimento de imunidade o sucedido com a nenhuma reação nos revacinados de varíola, nem deixa de raciocinar do mesmo modo para explicar a reação de Schick negativas nos restabelecidos de difteria, dado a anti-toxicina, no soro do refratário, neutralizar a, toxicina levada no 1/50 avos da dose mínima mortal suficiente à prova.

E' histórico o quanto von Pirquet compreendia na alergia os acidentes de urticária, edema, fébre, sobrevindos à soroterapia. Por que acontece aparecerem logo à primeira injeção e o conceito de afilaxia requer pelo menos dois contatos, teem-se pretendido distinguir por essa circunstância alerg,a de afilaxia.

Se não há outro motivo, êsse pouco valerá. Primeiro, pela clínica. verificar a "doença de soro" surgir de ordinário não à primeira, mas sôbre alguma das injeções seguintes; depois, por bem haver podido passar despercebido contato anterior com albumina da mesma espécie da responsabilizada pelo acidente. Os dois termos vão cada dia mais tendendo a coexistirem em conceito unicista, experimental e clínico, fundamentado no pressuposto de penetrar no organismo substância tia, mesma natureza duas vezes, a primeira sensibilizando-o para o choque, desencadeado pela segunda.

Por muito tempo não passou o fenômeno alérgico ou afilático cia fase contemplativa; tanto dos experimentadores, quanto dos clínicos. Uns, variando as condições experimentais à finalidade de verificarem a constância na reprodução do choque; os clínicos, atentos aos fisiologistas, não iam alêm de contribuírem com casos afins dos provocados nos laboratórios. Na liberdade de condicionarem à vontade ó criterium experimental, compreende-se a muito maior regularidade e gravidade do observado no laboratório, com suas injeções intracardíacas inadequadas à experimentação humana sem antecedentes fixados à primeira injeção ou apenas deduzidos da imprecisa memória dos doentes, quando relatam o que se lhes pede na anamnese. Do que não há dúvida, é o de coincidirem laboratório e clínica na observação de fatos idênticos, ainda a morte, logo a seguir o segundo contato, quando pouco antes, o animal, cobaia, ou homem, pareciam gozar perfeita saúde. Assistia-se o espetáculo, sem saber o que se passava na intimidade orgânica. Para imunizar-se contra a peste bubônica, famoso clínico carioca previne-se cone injeção do soro. Tempos depois, em 6 de outubro de 1906, repete-a, e foi ele mesmo quem em si a fez, no próprio consultório, em breve pausa entre dois clientes. Nem chegou a ver o seguinte. Salteado de mal súbito, acodem-no de urgência, dos consultórios próximos, os professores Rocha Faria e Miguel Couto. Não tardam e já o encontram prostrado, fora de si, para morrer nessa mesma tarde. A afilaxia ainda não saíra das preocupações do laboratório. De alergia nem se falava, ainda menos de injeção dessensibilizante, só mais tarde sugerida por Besredka. Em intolerância, idiossincrasia, não se pensou, dada a perfeita tolerância à injeção anterior, e foram mais de uma.

Suspeitou-se do soro, pôsto que preparado em Manguinhes, debaixo da vigilância direta de Osvaldo Cruz, esse mesmo soro, pouco antes, considerado pelo Instituto Pasteur como o melhor do mundo. Examinado, encontraram-no perfeito. Em breve, não houve quem não caísse na razão afilática do acidente, da mesma origem do que assistimos ontem, preparado por sensibilização 15 dias antes, na parte prática deste curso, a cargo do Dr. José Teixeira de Matos: a cobaia, na aparência de vida sadia, logo a seguir à segunda injeção ou à desencadeante, cai para morrer dentro de minuto, em transes de tremor generalizado, pêlo arrepiado, a esfregar agoniada com as patinhas da frente o focinho como se fora sede de obstrução, que tomaria como causa da dispnéia em que asfixiava, e daí a um instante a imobilizaria, primeiro, dos membros anteriores, depois estatelada, de barriga para baixo, morta.

Como se acaba de ver, o fenômeno afilático é claríssimo, até à dramaticidade na observação, sem nenhum entendimento a respeito do que se passa no organismo para condicioná-lo. Já não teem conta as experiências, não raro contraditórias. Compreende-se. Na trama complexíssima de fenômenos de que resulta a vida, vê-se o fisiologista obrigado, sob pena de confusão, a só cogitar dos que lhe entram no criterium experimental. Os que ficaram fora da sua meditação, mas na realidade inseparáveis do sistema, reagem todos a um tempo, perturbando a conclusão. Foi entretido com procurar a imunidade para certos venenos, que Richet descobriu o inesperado da afilaxia.

Refugindo a controvérsias da experimentação, Darier define alergia pela vida, como nô-lo lembrou o professor Hélion Póvoa na lição inaugural dêste curso: "l'allergie c'est la vie". Para não cair em petição de princípio, cumpre primeiro saber o que é vida.

O QUE É A VIDA?

Partícula de sôpro extra-terreno, divino, eterno antes do tempo e depois do tempo, imortal como o princípio de que provêm. Desprende-se a Alma, o corpo reverte ao pó, em que fica jazendo à espera de reincarnar-se ao soar-lhe a hora no revelado dia da Ressurreição dos mortos.

Na fase seguinte, ou metafísica., do entendimento, a inteligência, ignorante de leis apanhadas em dados colhidos na realidade objetiva, considerava a vida como expressão de grande força universal, a Natureza, divertida em particularidade de Princípio Vital. Essa concepção vinha servir de meio têrmo entre a vida do homem, só na alma descida do céu, e a dos outros animais, mero movimento automático, na filosofia de Descartes. Já agora, o princípio vital interpretava a vida na animalidade inteira. Passou-se a considerar o homem constituído de três partes, solidárias, mas distintas entre si: o Princípio Vital, a Mecânica do corpo humano, e a Alma pensante (3). Dava-se a morte quando o princípio vital, o arqueo de von Helmont, separavase do corpo. Pôsto que intimamente unido a êle, provava -Barthez a natureza distinta de ambos corn o fato "da morte suceder muitas vezes sem alteração sensível na integridade dos orgãos" (loc. cit. pág. 100). Dessa fase de pura imaginação em "forças", fluidos, espíritos, entidades abstratas sem fundamento algum objetivo, veiu à Medicina a idéia de doenças sine materia.

Desobrigada a Alma pensante, a de origem divina, de participar dos fenômenos materiais da vida que se viria a chamar vegetativa, perdeu o corpo humano o caráter sagrado que até então o tornara inviolável.

Sem os mil cuidados furtivos de outrora, puseram-se os anatomistas a esquadrinhar-lhe a estrutura. Bichat, morto aos 31 de idade, já havia dissecado para mais de 700 cadáveres. Depois de estranhar "tanto os que acumulam experiências sem coordená-las pela razão, como os que se multiplicam em raciocínios sem fundamentá-los na experiência", dá de mão, logo à primeira página de sua obra memorável, a meras suposições fictícias ao entendimento da vida, definindo-a "como o conjunto de funções que resistem à morte" (4).

Assentada por Bichat a unidade orgânica no tecido (hoje consideramo-la na célula), os orgãos como compostos de tecidos, a vida, dêsde o organismo uni-celular até sua expressão mais complexa no aparelho cerebral, passou a entender-se como acontecimento em função de orgãos, as funções, como ação e reação operadas na trama textil dos orgãos e como meio apropriado ao seu viver. Organismo significa conjunto de orgãos. Só nos seres organizados manifesta-se vida.

DO CONCEITO POSITIVO DE VIDA

Darier ao definir alergia pela vida, considerava-a de certo com espírito de positividade. Esse entendimento positivo de vida só foi possível depois de descoberta a química por Lavoisier. Foi então realizável demonstrar a vida, nos vegetais, como combinação de elementos colhidos no ar, água e terra; a dos animais, dêsses mesmos elementos, porém de modo indireto, por alimentação de seres organizados, tanto a vida animal pressupõe necessariamente a vegetal, ou a de outros animais que um dia tiveram vida. Os mesmos carnívoros vivem de animais que viveram de plantas. Lobo só come lobo em última necessidade. Se desaparecessem os herbívoros, os carniceiros, entrevorados, mal nutridos, cedo deixariam de existir. Ao contrário, a vegetabilidade persistiria sem um só animal sôbre a terra. Bem melhor até, livre de parasitas animais, não sendo o menor deles o homem, o grande destruidor.

Também não há quem ignore haver sido Lavoisier o primeiro a compreender a oxigenação da hemácia no fenômeno geral da combustão.

Inspirado, por Lavoisier, Blainville compara "o corpo vivo a um toco químico, com transporte contínuo de moléculas novas que entram e usadas que se despedem. A combinação jamais se fixa; ora mais devagar, ora mais depressa, está sempre a se repetir, de onde resulta a vida do momento mesmo em que a combinação se realiza ou, melhor, vem dessa combinação nascente sucessivamente repetida" (5). Combinação muito complexa, por isso mesmo muito instável, o seu acabalnento é a morte, conseqüência da vida, com restituição ao meio físico dos elementos uma vez organizados em substância vital. Quare morimur, Quia vivimus, já o presentira uma boa cabeça da antigüidade.

Não cogita a inteligência madurecida em espírito positivo, no porquê nem no quando a vida apareceu, preocupada aqui, como por tôda parte, em contemplar o conto os acontecimentos se apresentam para, na meditação, apanhar-lhes na variedade a constância das leis.

O vai-vem ininterrupto das moléculas de Blainville, presentiu-o o iluminado gênio do século de Péricles, com Hipócrates, na nutrição: "Os alimentos caminham de dentro para a superfície e da superfície para dentro, quando tudo concorre, tudo conspira, tudo simpatiza, assim no todo cemo na parte" (7) .

Provavelmente Hipócrates, da especial admiração de Augusto Comte, e confessadamente Blainville, servem-lhe de antecedentes a insuperável, ainda hoje, definição de vida: "duplo movimento intestino geral e contínuo de composição e decomposição" (7). Note-se o como refoge ao extremo materialismo químico da definição de Blainville. Mestre de filosofia, e.discípulo em biologia, de Blainville, a quem chama "o último dos grandes filósofos da biologia" (Comte morreu em 1857), com a costumada reverência pelo passado, atribui-lhe a autoria da definição, na realidade apenas inspirada. A redação, pertence-lhe por inteira, como o demonstram as fontes aproximadas. Com a clarividência do gênio, comenta Augusto. Comte haver escapado a. Blainville o fundamento da vida na relação entre o organismo e o meio, êste a um tempo alimento, excitante e regulador da renovação intestina e para onde o organismo rejeita o que não lhe serve à nutrição. Essa "intima conciliação permanente entre ã, espontaneidade interior v a fatalidade exterior" (g), dispensou-a, pressuposta na definição que deu à vida.

VIDA COM SAÚDE E VIDA COM DOENÇA

Até Broussais (1778-1838), considerava-se o estado patológico submetido a leis diferentes das que regeriam o estado normal. De onde não se prestar êste último ao estudo das doenças. Broussais denuncia os mesmos fenômenos nos dois casos, a diferença consistindo apenas na maior ou menor intensidade deles na doença. "Tão luminoso êsse princípio, adverte Augusto Comte, que tornou-se a base sintemática da patologia, subordinando-a ao conjunto da biologia e, aplicado em sentido inverso, por êle a patologia esclarece os fenômenos biológicos da vida com saúde" (9). Dir-se-ia o lanço escrito na atualidade por algum Carrel ou Maranon. E o foi faz quasi um século. E logo no ano seguinte: "Aprofundando o admirável princípio de Broussais, verifica-se como se desvanece a distinção absoluta outrora estabelecida entre saúde e doença. As respectivas situações, por mais opostas que se apresentem, podem sempre aproximar-se por uma série de estados intermediários, não só ideais como reais, que constituem entre si gradações quasi insensíveis" (10).

Da descoborta de Broussais, restrita a fenômenos biológicos, induziu o possante pensador lei muito mais geral, como já hoje poucos ignoram e muitos calam por temor de citar obra e nome anatematizados: "Quaisquer modificações da ordem universal limitam-se à intensidade dos fenômenos, cujas leis permanecem inalteráveis" (11). Já não são unicamente os fenômenos de ordem vital, todos, agora, assim os do mundo inorgânico ou sem vida, como o organizado ou vivente. Dessa lei, deduz qualquer estudante, por um nada atento que esteja, a que formulará com aplicação à medicina: Entre saúde e doença a diferença consiste apenas na intensidade dos fenômenos, cujas leis permanecem inalteráveis. Também aqui, como no caso da definição de vida transferida a Blainville, não se encontra em nenhuma parte das obras de Broussais o chamado por Augusto Comte "princípio de Broussais". Foi meditando sôbre o conjunto dessas obras (a informação é do próprio Colete), que apanhou o princípio e deu-lhe o enunciado geral e direto-, formulado na terceira lei de sua. Filosofia Primeira.

DA BIO-QUÍMICA DA VIDA

Assim como a célula representa a substância organizada mais simples com atributos de vida, assim a proteína constitui a estrutura elementar de onde vem condições de vida á célula.

Define-se proteína como um conjunto de ácidos aminados. Maior ou menor número de moléculas amino-ácidas reunem-se em molécula de proteína de complicação correspondente. A albumina do ovo, por exemplo, é uma albumina complicada. Ingerida, não se incorpora diretamente ao organismo. Decompõe-se, para depois recompor-se em proteína particularizada às diferentes células e conseqüente arranjo em tecidos e orgãos da economia animal.

O professor de Química do Colégio Universitário, Dr. Orlando, de Arruda Barbato, ex-interno da Clínica Otorrinolaringológica da nossa Faculdade, continuado agora em admirado técnico, excelente operador e prestimoso assistente-adjunto, valeu-me em hesitações. químicas demonstrando-me com ponto e queda e cadeias gráficas, que aquí por brevidade se dispensam, o como se desintegra a proteína alimentar e se reintegra em proteína orgânica: Proteína (ou com mais, propriedade de expressão técnica, protídeo) = Metaproteína = Proteose primária = Proteose secundária = Peptona = Polipeptido = Ácido aminado (Histidina) Amina: R-NH. Dá-se a simplificação por lise, vale dizer, por intermédio de fermentos, cada qual em função do seu caso. Nem todos são passíveis de identificação química. Deduzem-se por analogia, dada a necessidade deles para que se processe a lise ; ou documenta-se-lhes de modo indireto a existência por provas biológicas.
Chegados à relativa simplicidade (histidina) voltam os ácidos, minados, por polipeptização, a recompor-se, com a especialidade, agora, de proteínas diferenciadas à constituição específica das diferentes células do organismo. Á especificidade textil, corresponde especificidade funcional, culminada na alta diferenciação biológica da célula nervosa.

DA HISTAMINA E DE SUA TOXICOEMIA NA GÉNESE DO CHOQUE ALÉRGICO

O metabolismo da proteína deixa resíduos, que se excretam, pela urina, como composto ureico; ou pelo intestino, pele, mucosas, no grupo eterociclo do indican, creatina, creatinina, etc. Dêsse modo são as alpinas eliminadas. A dos tecidos chama-se histamina (histo + amina), que provêm, por descarboxilação, da histidina depois de combinada com o seu fermento, a histidase. Por sua vez a histamina, preparada pela histaminase, fica a ponto de eliminar-se pelos emunctórios do rim, intestino, etcétera.

Retida, a histamina, como toda substância catabólica em idênticas condições, exerce ação tóxica. Na toxicidade da histamina, pretende-se fundamentar a razão bio-química do choque alérgico: "De acôrdo com estudos experimentais e clínicos, a histamina é a substância responsável pela quasi totalidade dos sintomas do acesso alérgico" (11). E, de outro mestre, a outro propósito, aproveitado neste: "A retenção da histamina proporciona base química segura ao conceito até há pouco indeterminado de autointoxicação intestinal" (14). Aproximando as duas lições, de Celso Barroso e Professor Rondoni, filia-se o acesso alérgico ao conceito geral de indigestão, com que, demais, se asemelha na sintomatologia geral neuro-vegetativa: vômitos, diarréia, suores, palidez, baixa da tensão sangúïnea; e, na local, um só exemplo, porém típico: a urticária.

Os antígenos supostamente não proteicos (salicilados, arsenobenzóis), só atuarão depois de combinados com proteína, intoxicando-a. Todo envenenamento não passará de perturbação mais ou menos grave do metabolismo proteico.

DA PATOGENIA DO CHOQUE ALÉRGICO

Entende-se por antígeno tôda substância que entrada no organismo excita-lhe reações bio-químicas de saúde ou de doença. A proteína, no caso normal da nutrição, funciona como antígeno; quando mal digerida, determina o choque alérgico. Neste caso, chama-se o antígeno de alérgeno ou alergênio, conforme preferência auditiva de quem o diz.

Anticorpo é substância proveniente da reação orgânica provocada pelo antígeno. Quando êste funciona como alérgeno, o anticorpo toma o nome particular de alergina. Por derivação semelhante, de afilaxia vem afilactógeno e afilactina. A bem da simplicidade, prefere-se cada vez mais usar para todos os casos os têrmos gerais de antígeno e anti-corpo.

Três condições concorrem à finalidade do choque alérgico: que o antígeno haja penetrado, pelo menos, duas vezes no organismo; que se interponha certo tempo entre o primeiro contato e os seguintes (o criterium experimental limita-os de ordinário a dois com intervalo de 15 dias) ; que o antígeno seguinte seja da mesma natureza do usado antes: "antígeno específico".

O primeiro contato, porquê predispõe para o acidente do choque, chama-se sensibilizante; o seguinte, porquê a êste se ajunta, hipersensibilizante. E' o desencadeador do choque alérgico.

Perdoe-se a trivialidade em definir termos correntes do fraseada médico, na prudência de havê-lo o autor feito só de si para si com o fim de assegurar-se no entendimento da lição seguinte á patogenia do choque alérgico:

"O choque anafilático e o alérgico resultam de uma reação que se passa nas células do organismo, em conseqüência do encontro do antígeno hipersensibilizante com anti-corpos específicos aí acumulados, reação esta que produz a libertação da histamina existente nos tecidos. E' a histamina dêsse modo libertada que provoca os sintomas tóxicos do choque anafilático e do acesso alérgico: "Antigêno + anticorpos específicos = a reação celular com libertação de histamina. Libertação de histamina = a choque anafilático, a acesso de asma, de urticária, etc." (15).

COMENTÁRIO

Produto normal de desassimilação da proteína, "a histamina encontra-se normalmente nos tecidos dos animais e do homem; em grande quantidade nos extratos dos pulmões e na pele, desde a do recém-nascido e natimorto" (16).
A histaminase, anticorpo da histamina, prepara-lhe a saída em combinação com o grupo azotado definido da uréia, ou no indefinido do indican.

Acontece, certas "espontaneidades interiores" toleram mal determinadas proteínas. A intolerância traduz má digestão dessa proteína. Chegada ao ponto de histamina, esta, por insuficiência, ou deficiência na produção de histaminase, fica retida, torna-se tóxica, irrita os tecidos, "sensibiliza-os." Nesse estado mioprágico, vem encontrá-los o segundo contato antigênico, hipersensibilizante. Combinado com histaminase dificiente, a irritação textil sobe de ponto; insuportável, desencadea o choque alérgico, "reação que se passa nas células do organismo, em conseqüência do encontro do antígeno hipersensibilizante com anticorpos específicos aí acumulados", consoante a lição que se procura entender e assim termina: "do encontro resulta a libertação da histamina. Entenda-se, agora, por histamina, a proveniente de certa proteína mal digerida, isto é, insuficiente ou deficientemente combinada com seu anti-corpo específico: a histaminase. Tanto deve ser essa histamina a toxicoêmica do acesso alérgico, quanto não é qualquer proteína que o produz, senão aquela determinada que funciona como alérgeno. Argumenta por esse conceito, o sabido a respeito da substância H de Lewis, bem próxima da amina, mas não exatamente a mesma substância. Enquanto esta é corpo químico definido - imidazoliletilamina -, a identificação da substância H, (amina textil) só se faz por provas biológicas: Por não poder identificar inteiramente a substância existente nos tecidos com a homóloga, Lewis chama-a de substância H. De onde, acode-nos à reflexão, alargar-se o entendimento dessa substância. Haverá tantas substâncias H, quantas variedades de proteína: Lewis H1, 112, H3... Hn, outros tantos antígenos específicos peculiares a cada caso. Um será o do choque alérgico, os restantes, indiferentes ao alérgeno hipersensibilizante, os do metabolismo normal da nutrição. Compreende-se desse modo o como o mesmo indivíduo pode tornar-se sensível a mais de um alergênio.

DO ALÉRGENO BACTERIANO. IMUNIDADE E ALERGIA

Como tôda célula vivente, a bacteriana constitue-se também de proteína. Desdobrada, algum de seus agrupamentos amino-ácidos mais simples representará a toxina: "E' certo que nos caldos tóxicos (difteria, tétano etc.) as toxinas comportam-se como proteínas" (17).

A toxicina estimula a criação de anti-toxicina, a qual, aproveitada na fase de reconstituição proteica, impregnará de imunidade específica a célula textil, de onde passa ao soro, por que circula e se demonstra.

Do desdobramento da proteína bacteriana virá, como de qualquer outra, histamna-histidase e, finalmente, histamina-histaminase. Quando o metabolismo catabálico vem de simplificar a proteína exógena e entra o anabólico a recompô-la em proteína orgânica, tudo essa proteína em estado nascente pode ser, nada é ainda em particular. Culminará nesse instante de transição o estado afilático ou de desproteção completa, um como que ponto neutro de onde partirá a bio-química às mais das vezes para o normal da imunidade, outras para o anormal da sensibilização alérgica, conforme disposição saudável para a formação de anti-toxicina, ou para a molesta, toxicoêmica alergizante. Pode, então, conceber-se alergia como imunidade desviada, ou interrompida. Valerá a êsse conceito a pura observação de autoridade consagrada: "Sempre e por tôda parte (Partout et toujours), o estado afilático precede o estado imune; a imunidade, sempre e por tôda parte vem depois da afilaxia" (18). Não que signifiquem estados sucessivos de um só processo, pois são dois de diferente espécie tendo de comum apenas o ponto de partida. Situar-se-ão até em fases distintas do metabolismo proteico: alergia, na de decomposição ou analítica, a imunidade na de recomposição ou de síntese. A iminência da reação bio-química tomar a direção imunizante, ou a alérgica, interpretará situações a um tempo contraditórias e irrecusáveis, da mesma substância funcionar, uma vez, como alérgeno sensibilizante, outra como vacina dessensibilizadora, ainda uma terceira como agente de cura nas liso-vacinas do receituário médico.

DA DESSENSIBILIZAÇÃO ESPONTÂNEA PELO CHOQUE ALÉRGICO

O instinto de conservação orgânica liberta os tecidos da histamina tóxica, eliminando-a pela reação do choque alérgico. "Depois do choque anafilático, a taxa de histamina diminui muito nos tecidos" (Celso Barroso, loc. cit., pág. 106).

Outra prova de reação salutar será dada pela eosinofilia, indicativa de tendência à cura, "aurora da convalescença" no figurado de Schilling, constante no hemograma do estado alérgico (19).

O próprio estada silencioso de sensibilização em potência tende a Restabelecer a normalidade da digestão proteica: "Experiências que realizamos em colaboração com M. J. Mauric e a Senhora A. Holtzer (Hugo) demonstraram perderem os coelhos o estado de sensibilização dentro de 70 dias, 95 o mais tardar, depois de haverem recebido a injeção sensibilizadora" (20). Refere-se à dessensibilização espontânea, sem interferência de artifício terapêutico, advinda par le jell même de la nature. O mesmo se observa no homem (loc. cit., na página seguinte).

Não argumentam em contrário freqüentes recaídas no estado primitivo de sensibilização. Provam apenas, de uma parte, predisposição mioprágica para alergia; de outra, que alergia não imuniza, por constituir processo biológico próximo, porém, diverso do que conduz à imunidade.

ALERGIA E INFECÇÃO FOCAL

Sucede, infecções agudas purulentas otorrinossinusais passarem crônicas, ainda mesmo quando operadas, enquanto outras curam logo, em condições anatômicas idênticas, ou em mãos do mesmo operador, sem que se haja encontrado razão que explique a diferença.

O prof. E. V. Segura, de Buenos Aires (20-A) aventa a hipótese de estado alérgico localizado nos tecidos do foco supurante havê-los tornado mioprágicos, de onde a cronicidade infecciosa do foco e sua resistência ao tratamento.

Com farta erudição repassada por experiência própria e confirmação de tratamento com resultado favorável, desenvolveram-lhe a tese os seus dignos assistentes, Drs. Eduardo López Lacarrere e Atilio Viale del Carril, defendendo-a no que chamam "conceito dual" à patogenia das infecções focais (21). Vêem na infecção a causa primordial do estado alérgico, este, por sua vez, entretêm a infecção. Alergiza o germe infeccioso os tecidos de dois modos. Um, direto, o alérgeno constituido pelo germe mesmo - "alérgeno autêntico", ou ,'alergia bacteriana genuína"; outro, modo indireto, nêle os tecidos, sem resistência devido à infecção, deixam-se alergizar por alérgenos "extrínsecos" ou "atópicos", como chamam aos inalatórios, e alimentícios (22) A dualidade, no- caso de alérgeno bacteriano, encontra apoio objetivo (a reflexão é nossa), no desdobramento em substâncias diferentes da proteína bacteriana; uma será piogênica; outra, alergizante. Como quer que seja (bacteriano, ou não), ou de onde quer que provenha o antígeno (de causa endógena, ou exógena), só atua por haver a infecção predisposto os tecidos ao estado alérgico, de onde resulta relativo fortalecimento do "potencial normal dos alergênios" (23).

A dependência entre infecção, primeiro, e alergia depois, leva a conclusão prática de não instituir tratamento algum sem antes tentar a vacinante: antiinfeccioso, será também desensibilizante. Justifica-se, pois, começá-lo sempre pela bacterioterapia, ainda quando os testes bacterianos sejam negativos, porquê a "sensibilização pelo alérgeno bacteriano, bem pode representar o principal papel, disfarçada porém em reações atópicos mais pronunciadas" (24).

Para individualizarem o germe, ou germes, afim de preparar-lhes os testes e vacinas autógenas, fazem culturas de quantos se encontrem no polimicrobismo habitual: das infecções focais. Para minúcias de técnica a êsse respeito, veja-se a Semana Médica (1. cit., pág. 886). Diga-se apenas que, obtido o lisado, dilue-se em concentração de 100 milhões por c. c. em solução fisiológica. Depois, tatea-se, como de costume, para mais ou para menos, até encontrar o limite constitucional ou particular de cada indivíduo.

COMPROVAÇÃO CLINICA DO CONCEITO DUAL

Para apreciarem a teoria pelo resultado do tratamento, dividem os casos em três grupos.

Primeiro grupo - Os de "alergia bacteriana genuína", diagnosticada pela positividade dos testes bacterianos positivos e negativos os atópicos. Segundo - Testes atopênicos, positivos; negativos os bacterianos. Terceiro - Serve para comparar o tratamento pela vacinação com o cirúrgico. Sem tratamento prévio vacinante, extirpa-se o foco. Colhe-se antes, na ocasião de operar, material para testes e vacinas a se empregarem quando a operação não haja produzido o efeito desejado.

Observação ilustrativa do primeiro grupo (resumida) - "Victor, 49 anos. Coriza espasmódico. Rinorréia tenaz. Polipose nasal. Asma. Testes atópicos negativos. Instituída a desensibilização por lisovacina bacteriana, logo (muy pronto) acentuada melhora da rinorréia e desaparecimento dos acessos de asma. Os polipos, propositalmente deixados sem operação, diminuem de volume (Semana Médica, pág. 887). Diminuem de volume"..., leve-se o pensamento dos autores até ao fim: por faltarem aos polipos a causa secundária 'ou acidental, inflamatória, representada pela rinorréia melhorada.

Outro exemplo - "Z. B., 40 anos. Crises espasmódicas nasais aperiódicas. Colheita do muco nasal. Testes bacterianos fortemente positivos ao estafilococo cítreo e à sarcina lútea; reação fraca ao lmeumococo T. Frankel. Bacterioterapia autógena : Desaparecimento das crises a partir de 30/100 de c. c. (Alergia bacteriana em Otorrinolaringologia, pág. 123).

Observação ilustrativa do segundo grupo (resumida) - "Maria, 28 anos. Antiga operada do seio frontal, que continua supurando. Crises de rinorréia freqüentes e violentas. Os testes bacterianos preparados com material extraído da supuração frontal mostram-se apenas perceptíveis. Não obstante, tratamento com liso-vacina autógena. A partir da oitava injeção desaparecem totalmente as crises esternutatórias e a rinorréia. Diminuição da secreção purulenta."

Este caso demonstra alergia devida a rebaixamento do limiar alérgico (testes bacterianos negativos). O tratamento imunízante atuou indirétamente, elevando o limiar ao nível de resistência normal. O antígeno não pesquizado, mas suposto atópico por exclusão, proviria de outra fonte, nem sempre facil de encontrar, e sem maior urgência de procura, dado o resultado favorável do tratamento vacinante.

Entram neste grupo casos de alergia mixta, isto é, com testes positivos bacterianos e atópicos: "N. C., 13 anos. Asma desde os seis. Crises diárias. Testes atopênicos positivos, inalantes, poeira de casa, penas de ave e alimentos, ovo, farinha de trigo. Não se lhe encontra foco localizado de infecção". Por outro lado, o estudo bacteriológico do escarro denota reação positiva forte para o estafilococo cítreo, e áureo. Bacterioterapia autógena. A primeira injecção de 4/400 c. c. provoca reação sintomática violenta, que persiste quinze dias, ao cabo dos quais, diluída a vacina ao décimo, continua-se com o tratamento reiniciado com 2/100 c. c. Desaparecimento completo cias crises asmáticas. Daí por diante, reação negativa aos testes de alérgenos extrínsecos, comprovada a inação pela doente poder alimentar-se sem regime, nem acidente.

A alergia mixta deste caso, extrínseca-intrínseca, desapareceu com tratamento unilateral, de dessensibilização bacteriana somente (Alergia bacteriana, em O. R. L., pág. 125).

Observação ilustrativa do terceiro grupo - Ofélia, 23 anos. Coriza espasmódica aperiódica. Foco séptico amigdaliano. Operada. O bacteriólogo colhe material das amigdalas extraídas. Presença de estafilo, pneumo, Jaeguer, sarcina tetrágeno. Nenhuma melhora depois da operação. Um mês depois, provas cutâneas positivas para o laeguer e o pneumococo. Tratada com lisovacina autógena, a partir da sétima injecção desapareceu totalmente a coriza, mais as crises de espirro concomitantes.

O resultado faz supor, comentam os autores, outro foco com a mesma flora que existira no das amigdalas (Semana Médica, pág. 389). Ou, acrescentamos, bem poderiam os germens haver persistido na garganta, sem embargo de amigdalectomia perfeita. Assim o observamos em dois casos, adultos, portadores de difteria: para eliminar-lhes o foco, fizemo-lhes a amigdalectomia dupla. Material, depois colhido às lojas cicatrizadas e sem resíduos de amígdalas extraídas com a cápsula, ainda revelou a presença do bacilo de Loeffler.

Conclusão - Resume-se em dois itens a teoria dual de Lacarrere, e Dei Carril. O patogênico, da infecção focal, fechado no ciclo ínfecção-alergia, alergia-infecção, e o terapêutico, unícista, representado pela bacterioterapia. Em nenhuma de suas observações usaram de dessensibilização extrínseca ou atopênica. Quando muito, dá sintomática, paliativa, à espera que passasse reação demasiado forte provocada por alguma injeção vacinante, antes de encontrar a de limite útil ao tratamento.

TRATAMENTO DEDUZIDO DO CONCEITO TOXICOEMICO DA HISTAMINA

Ao conceito bacteriano da escola de Buenos Aires, opõe-se o químico, toxicoêmico pela histamina, representado entre nós pelo Dr. Celso Barroso, não menos documentado por bom êxito terapêutico em casos de asma brônquica, urticária, eczema, enxaqueca, edema de Quincke. Depois de comentar com desengano outros tratamentos, inclusive o vacinoterápico (loc. cit., Anafilaxia e Alergia, pag. 90/94), firma.-se no realizado pela histamina: "A desensibilização pela histaraina deve ser o tratamento ideal dos estados alérgicos" (pág. 95), o que vem a ser perfeita dedução do seu modo de apreciar na histamina a substância responsável pela quasi totalidade do acesso alérgico.

"Profundamente tóxica", recomenda iniciar o tratamento por doses mínimas: "0,15 a 0,2 cc. de uma solução a 1 por 2.000 por via intradérmica, o que já é suficiente para provocar o aparecimento de acessos ligeiros de asma." E continua, tudo na mesma pág. 95 "Essa desensibilização vem sendo conseguida por nós com resultados francamente animadores. A dose de 1 miligr. acaba quasi sempre por ser perfeitamente tolerada, depois de três a quatro meses de tratamento. De um grupo de 25 crianças submetidas ao tratamento histamínico prolongado, seis já receberam alta, enquanto a maior parte das restantes experimentam sensíveis melhoras. Das seis, quatro eram asmáticas e duas sofriam de enxaquecas."

Não se contradizem as duas doutrinas, rioplatense e a brasiliense. Antes, podem conciliar-se em conceito comum de alérgeno na histamina. Lacarrere e Del Viale falam de modo geral em "antígeno bacteriano", sem descerem a definí-lo em termos de bio-química; Celso Barroso precisa o antígeno na histamina, o que não contraria a suposição dela provinda de desdobramento da proteína bacteriana.

ALERGIA E VERTIGEM DE MENIÈRE. SEU TRATAMENTO PELA HISTAMINA

A síndrome labiríntica caracterizada por vertigens, náuseas, nistagmo, tem sua razão fisiológica em movimentos exagerados da cridolinfa e, em patologia, por vaso - dilatação ou vaso - constricção dos capilares da papila sensorial. A patogenia por dilatação entra no conceito de alergia provocada pela histamina, a qual, quando injetada, por via intradérmica, ocasiona dilatação dos capilares com aumento de permeabilidade das paredes vasculares. A vertigem por constrição, no sentido de arterite vaso-espástica, pseudo-obliterante, à semelhança da admitida na doença de Reynaud, poderá entender-se também como constricção provocada pela histamina, dilatação e constricção sucessivas, por desequilíbrio vago-simpático à conta da toxicoemia histamínica. Acontecerá nesse duplo entendimento à patogenia alérgica do mal de Manière, o mesmo admitido por Cazamian à sintomatologia funcional do enjoo do mar, a princípio uma simpaticotonia (vaso-constrição), seguida de vagotonia (vaso-dilatação) (25).

A suposição de histamina cone entendimento alérgico no mal de Manière, confirma-se pelos resultados terapêuticos obtidos com o seu emprêgo.

Miles Atkinson (213) emprega a histamina com resultados surpreendentes no tratamento da vertigem de Menière. A mesma histamina indica qual a patogenia e, por considerações que se vão ver, ficará sendo a única indicação terapêutica nos dois casos, quer venha o mal por dilatação, ou contração da rede arterial do ouvido interno.

A prova da histamina indicativa de vaso-dilatação - Injeção de 0.01 miligr. em soro fisiológico, produz ourela de 1 a 2 cent. de diâmetro, aparecida dentro de 3 a 4 minutos, que desfalece aos 20, e já desaparece aos 30. Na ausência de reação, considera-se a prova como negativa de patogenia por vaso-dilatação.

(25) CAZAMIAN, Journal de Médicine de Bourdcaux, 112, pág. 143 (1935). Citado e lição colhidos em Enjoo nos transportes, editorado pela filial da Casa Sandoz, Rio de Janeiro, 1941. Veja-se outrossim acérca da distonia neurovegetativa na alergia, OTAVIO DE CARCALHO, Boletim do Acadamia Nacional de Medicina, Ano 113.°, n.º 3 e 4, junho e julho de 1941.

Indicação terapêutica - Desensibilização com doses crescentes de histamina. Cita um caso, e são mais de um: primeira aplicação, com 0,01 miligr. Trinta e cinco minutos depois, agravação das vertigens, prova da origem na vaso-dilatação. Na semana seguinte, 0,02 miligr. Novo ataque, mas somente uma hora depois. Tratamento com doses crescentes, tateantes, deram na cura.

Prova-se a vertigem por vaso-constrição pelo pronto alívio com inalação de nitrito de amilo. Empregado em 4 doentes na intercorrência do ataque, dois confessaram a cessação da vertigem. Inalações moderadas. Do contrário, voltam as vertigens, por transformar-se a constrição em dilatação, o que representa argumento de peso no entendimento de duas causas opostas produzirem o mesmo efeito.

Agora, por ser a histamina vaso-dilatadora, também encontra indicação na patogenia vaso-espástica. Lack, citado pelo A., obteve em 19 casos dessa espécie, 17 resultados favoráveis. Em 11, de ataque agudo (acate involvement), a cura foi espetacular (with dramatic success). Como tratamento adjuvante, aconselha a vitamina B1 de conhecido efeito vaso-dilatador.

Indicação terapêutica única - Dessensibilização pela histamina, a começar por 0,01 miligr. Verificado o limiar de tolerância (o máximo foi o de um miligrama), fixa-se nele a dosagem (top dose) a injetar uma vez por semana, durante quatro. Repete-se a série três meses depois.

Confirmação experimental - O A., injetando epinefrina "substância vaso-constrictora), e ácido nicotínico (vaso-dilatador), ocasionoli igualmente a vertigem labiríntica. A produzida pela epinefrina cessa com a inalação de nitrito de amilo. Não administrado ó vasodilatador, persiste a vertigem provocada pelo vaso-constrictor.

CONCLUSÃO FINAL DE ORDEM PRATICA

Aproximando o conceito do professor Segura, teorizado por Lacarrere e dei Carril, do da histamina de que é, acaso, representante o mais experiente no Brasil o Dr. Celso Barroso, chega-se a indicação terapêutica de entendimento imediato: desensibilizar o alérgico ou por liso-vacina autógena, ou pela histamina. Não será duvidar dos dois, admitindo-os sucedâneos, caso venha a falhar o primeiro experimentado.

Aos que repugne tamanha simplicidade, só lhes resta continuarem na rotina da atualidade, que faz a pesquiza individualizada do alergénio. O Dr. Costa Cruz, na tese que o levou a professor (27) arrola 44 substâncias com função antigenica, entre as quais a que chama de "suspensóides" definidos como "colóides em suspensão na atmosféra". O Dr. Alfredo Ornelas, meu condiscípulo no banco de estudante na semana alérgica do Professor Hélion Póvoa, deu-me a ler exemplar do "El Dia Médico", de Buenos Aires, em que se enumeram 77 espécies de substâncias antígenas. Os alergólogos experimentam aos 20 de cada vez, com o que, em breve, curta se lhes tornará a pele do corpo humano, conforme a previsão de Lacarrere. E o número deles crescerá. "Já hoje, não se pode asseverar qual substância não seja capaz de funcionar como antígeno" (28).

As provas ou testes à procura do alérgeno específico fazem-se por via cutânea, ou mucosa. As primeiras, por escarificação à maneira de vacinação contra a varíola, ou por injeção endo-dérmica, como na da tuberculina; as mucosas, com instilar duas gotas do preparado-teste na conjuntiva, enquanto o outro olho serve de controle; também com uma mecha embebida no alérgeno e depositada na pituitária; ou por insuflação na cavidade nasal; ou por injeção através de fina agulha, entre a mucosa e o pericôndrio do septo. Individualizado o antígeno, pratica-se a desensibilização correspondente. Em caso de testes negativos, já aventaram a auto-hemoterapia, na suposição que carreie o antígeno indiferente às provas (29).

A toda essa canceira e tateamentos, virá porventura dar alívio o tratamento muito mais simples, preconizado e louvado através da experiência dos Drs. Eduardo López Lacarrere e Atilio Viale del Carril; ou pelo não menos experimentado da histamina, do Dr. Celso Barroso.

Isso, enquanto não for possível, em histaminase específica, o pronto alívio sintomático e, em regime nutritivo, o tratamento etio-patogênico, bio-químico, das alergias, afim de normalizar a digestão, sem histamina tóxica, da proteína alergizante.

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