Versão Inglês

Ano:  1942  Vol. 10   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: -

Páginas: 257 a 267

 

CONDROMA DO OSSO HIOIDE (*)

Autor(es): PROF. DR. ERMIRO DE LIMA

Rio de Janeiro

OBSERVAÇAO:

Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. 13ª. Enfermaria.

Serviço cirúrgico do dr. DARCY MONTEIRO

Leito - 9

Nome - ALVARO QUINTELA - Cor - branco - Matrícula, 1677.

Nacionalidade - Brasil - Estado civil - Casado - Reg. geral, 1692. Residência - Rua Bela, 847 - casa 3 - Profissão: Mecânico. Idade, 32 anos - Entrada: 6.5.1941 - Saida: 1.6.1941.

Causa, da internação: Tumor na região cervical direita.

Antecedentes hereditários: Pais vivos com boa saúde. Um irmão morto de acidente. Três irmãos vivos em estado hígido. Colaterais sadios. Nega caso de moléstia infecto-contagiosa, assim como caso idêntico ao seu em sua família.

ANTECEDENTES PESSOAIS:

a) - Fisiológicos - Nascido a termo e de parto normal. Aleitamento materno até a idade de 2 anos e 4 meses, seguindo-se alimentação mixta. Crescimento normal. Marcha, fala e dentição em épocas normais. Puberdade aos 14 anos e primeiro congresso sexual aos 16 anos. Casado com mulher sadia aos 25 anos, tendo dois filhos sadios. Nega caso de aborto de sua mulher.

b) - Patológicos - Na infância teve sarampo e coqueluche. Aos 18 anos foi acometido de forte reumatismo articular, do qual se curou com tratamento médico.

Crônica venérea: - Nega passado venéreo. Fez exame de sangue com resultado negativo, não obstante fez tratamento anti-luético (néo-salvarsan) completo aos 19 anos.

Hábitos de vida: - Não é etilista. Tabagista moderado. Habitação de conforto modesto. Alimentação boa e farta. Sono calmo. Vida sexual normal.

Ectoseopia: - Tipo morfológico normolíneo. Panículo adiposo e sistema muscular bem desenvolvidos e distribuidos. Pele de aspecto, elasticidade e umidade normais. Faneros normalmente implantados e distribuidos. Mucosas visiveis normalmente coradas. Gânglios impalpaveis. Ostealgia ausente.

História da doença atual: - Conta-nos o paciente que ha cerca de 10 anos notou, pela primeira: vez, a presença de um pequeno tumor do lado direito do pescoço, abaixo da mandíbula. Este tumor foi crescendo lentamente sem despertar a menor dór. Com uns cinco anos ele estava um pouco maior que um limão e sem lhe proporcionar o menor incomodo. Ha um ano atrás percebeu uma ligeira mudança da tonalidade vocal e dificuldade na deglutição. Tendo consultado diversos médicos ultimamente, e sentindo os fenomenos se agravarem, foi aconselhado pelos mesmos a fazer-se operar, para o que procurou o nosso Serviço.

Exame local e dos aparelhos: - Exame local - Região cervical direita.

A inspecção, notamos ocupando toda esta região um tumor de forma e tamanho comparado a um abacate. A pele que o recobre mostra-se distendida, de coloração normal e sem solução de continuidade. Deslisa sobre o tumor. A' palpação, sentimos que o tumor é indolor, sem temperatura, sem batimentos, de consistência pétrea. E' absolutamente fixo na profundidade. A percussão acusa macisês. Movimentos de cabeça normais. Deglutição dificultada tanto para os líquidos como para os sólidos. O exame da cavidade bucal nada revela de anormal. Exame do laringe (vêr abaixo).

Aparelho circulatório: - Apresenta-se perfeitamente normal. Aparelho respiratório: - Vêde abaixo exame radiológico.

Exame do laringe: - 12.5.1941. - Goteira faringo laríngea direita: nota-se um tumor liso volumoso que comprime o laringe, desviando completamente a metade direita da epiglote para a linha média e impossibilitando a visualização do endo-laringe. Ligeira reação edematosa da metade direita do vestíbulo laríngeo. Percebe-se o movimento normal da corda vocal esquerda e a parte posterior da aritenoide direita, visível atrás do tumor, movimenta-se na emissão da voz. A mucosa que reveste o tumor mostra-se levemente congesta, lisa e contínua. FIG. 1.

Hemograma: - 12.5.1941: -
Leucócitos - 8.000 por milímetros cúbicos
Neutrófilos seg. 70% e - 5.000 por milímetros cúbicos
Neutrófilos bastão 2% e 1.100 por milímetros cúbicos
Bosinófilos 1% e 80 por milímetros cúbicos
Monócitos 2% e 110 por milímetros cúbicos
Linfócitos 15% e 1.200 por milímetros cúbicos

Exame radiológico: - Campo plero - pulmonar em 8.5.2941. "Aspecto radiológico normal".
Radiografias especiaes da região em 12.5.1941 - FIGS. 2, 3, 4 e 5.

Pré-operatório: - 6.5.1941 - Entrada hoje. Em exames. 7.5.1941 a 11.5.1941 - Continúa em exames. 12.5.1941 - Exame de laringe feito pelo dr. Carlos Moraes. Vêr exame local e dos aparelhos.

Hemograma. Ver ainda em exame local e dos aparelhos 13.5.1941 - Continúa em exame.
14.5.1941 - Operado hoje. Anestesia local Novocaina - adrenalina, 80 c.c. Cálcil 10 c.c. - Homostasem 10 c.c.

Anestésico: - Novocaina- Adrenalina - 80 c.c. Anestesiador: - dr, Ermiro de Lima. Operador: - dr. Ermiro de Lima.

Auxiliares: - dr. Carlos Moraes e Int. adj. Pires.

Ato operatório: - 14.5.1941. - Instrumentador: Interno Pires.

Incisão do lado direito, circular e paramandibular. Hemostasia dos vasos periféricos. Deslocamento digital do tumor que se extendia para cima sob o digástrico, e medialmente até o osso hioide onde se inceria fortemente. O grande corno deste osso e parte do corpo foram rececados. Hemostasia dos vasos profundos e sutura a agrafes tendo sido aplicado um dreno na parte média da incisão. Curativo compressor.

Traqueotomia - em 16.5.1941. Operador: - Dr. Ermiro de Lima. Auxiliar: - Dr. Cavalcanti. Anestésico: - Novocaina a 1% 20 c.c. Anestesista: - Dr. Ermiro de Lima.

Ato operatório: - Incisão na linha mediana cervical. Afastamento dos planos musculares infra-hioidianos na mesma linha. Abertura do 2.º e 3.º aneis da traqueia e introdução da canula traqueal. Curativo oclusivo.

Diagnóstico operatório: - Confirma o clínico. FIG. 6. Exame histo-patológico: - N.º 13.412. Em 29.7.1941. FIG. 7. Remete o Prof. Ermiro Lima.

Exame microscópico:

Toda massa tumoral é composta de células cartilaginosas, com abundante substância fundamental, com as suas habituais características tintoriais. O tecido cartilaginoso, que não apresenta atividade cariocinética, nem núcleos monstruosos, constitue nódulos, que são separados por finas traves conjuntivas.

Condrôma.

(a.) Dr. Amadeu Fialho."

Prognóstico: - Bom.

Sequência: -

14.5.1941 - Operado hoje. Anestesia local. Novocaina-adrenalina 80 c.c. Cálcio 10 c.c. Hemostasem 10 c.c.

15. 5.1941 - Passando bem. Discreta saída de sangue através da ferida operatória. Queixa-se de dificuldade de deglutição. Pulso cheio e ritimado. Medicação hemostática. Saco de gelo local. Hemostasem 10 c.c.

16.5.1941 - Foi feito hoje o primeiro curativo, apresentando o campo operatório aumentado de volume e com saída de ligeira quantidade sangue. O paciente apresenta ligeira dispnéia e não consegue ingerir mesmo os líquidos, senão com grande esforço.

17.5.1941 - Este paciente foi operado à noite de urgência pelo dr. Ermiro. Foi-lhe feita traqueotomia pela grande dificuldade de respirar que apresentava. Hoje apresenta sensíveis melhoras. Pulso 100. Temperatura 37 graus.

18.5.1941 -Passando regularmente. Sôro glicosado 250.0. Coramina 2 amps. Insulina 10 un.

19.5.1941 -Ontem à tarde foi feita a limpesa das canulas da traqueotomia. Soro glicosado 250. Sôro fisiológico 250. Insulina 10 un. Cálcio 10 c.c. O paciente está hoje passando bem, dorme bem, bôa respiração. Pulso normal. Temperatura 37 graus.

20.5.1941 -Passado bem. Limpeza das canulas. Cálcio 10 c.c.. Sôro glicosado 250.0 - O sôro fisiológico 250,0 - Insulina 10 un. O paciente tem apresentado estes últimos dois dias temperatura elevada à tarde, chegando a 38,5".

21.5.1941- Na tarde de ontem a temperatura alcançou 38 graus. Medicação idêntica à anterior, Coramina mais uma ampola.

`As 23 horas foi socorrido de urgência em virtude de se apresentar dispnéico. Sonda entupida. Presentes: Drs. Darcy e Cícero Monteiro.

22.5.1941 -Este paciente continua com temperatura elevada à tarde. Hoje está passando regularmente. Agua de louro-cereja e dionina. Sôro fisiológico 250.0. Cálcio 10 c.c.

23.5.1941-Ontem à tarde foi feita nova limpeza das canulas pelo Dr. Ermiro.

Retirada dos pontos e do dreno de borracha pelo operador. 24.5.1941 - Curativo e limpeza das canulas, sendo evidentes as melhoras apresentadas pelo paciente, que já respira relativamente bem. Continua alimentando-se somente de líquidos. Cálcio 10 c.c. Sôro glicosado 25.0 - Insulina 10 un.

25.5.1941-Este paciente já consegue articular palavras bem perceptíveis e claras. já consegue respirar sem o auxílio da casula. O local operado diminúe sensivelmente de volume, apresentando ainda a extremidade inferior da incisão operatória aberta, de onde sae ligeiro líquido, sôro sanguinolento, principalmente, quando tosse. Sem medicações. Temperatura e pulso normais,

26.5.1941 - O paciente apresenta-se em ótimas condições. Sem medicação. Curativo.

27.5.1941 -Continua passando bem. Curativo sem medicação.

28.5.1941-Foi retirada a casula sendo ótimas as condições locais e físicas. Curativo protetor. Sem modificações.

29.5.1941 a 31.5.1941 - Passando bem. Curativo, sem medicações.

1. 6.1941- ALTA - Hoje - Curado.

Os tumores cartilagíneos são raros em qualquer parte do corpo. E' o conceito de todos os patologistas e cirurgiões. Na literatura da especialidade encontra-se a casuística de menos de uma centena de casos de condromas da região laringo-traqueal.

Em 1878, Burns se refere a 10.747 casos de tumores laringeos e só achou 14 casos de tumores cartilagineos. Em 1900, Alexander se refere a 29 casos de condromas desde 1834, data em que Froriep descreveu o primeiro caso como um achado post-mortem. Em 1908 são acrescentados mais nove casos por Mansfeld. Em 1917, New fez um novo apanhado dos condromas laringo-traqueais, apresentando o resumo de mais 8 casos, de autores diversos, e apresentando minuciosamente o caso de um tumor desta natureza em homem de 44 anos. Perfaz-se, assim, até àquela data, o total de 47 casos. Moore coligiu recentemente 62 casos e fez um detido estudo sobre o assunto, acompanhado de completa bibliografia. Outros casos foram aparecendo e, mais recentemente ainda, Orton afirma só se encontrar na literatura médica 82 casos de condromas do laringe. Bilancioni, numa revisão bibliográfica sobre os tumores da região, não cita um só condroma da osso hioide.

CLASSIFICAÇÃO

Quanto à classificação, os tumores cartilagineos foram divididos por Virchow em: a) - econdromas, que são tumores cartilagineos surgindo da substância mater, "semelhante ao ramo de uma árvore" e que não invadem o tecido original; b) - encondromas, que se desenvolvem em matriz não cartilaginosa, isto é, em região onde normalmente se não encontra tecido cartilaginoso. Alexander se refere a 4 grupos: condromas ; tumores mixtos, como fibro-encondromas, mixo-condromas, condro-sarcomas ; tumores cartilaginosos inflamatórios; hipertrofia geral de todas as cartilagens do laringe. Tobeck classificou os tumores do laringe, desta natureza, sobre um aspecto puramente clinico, isto é: a) - condromas que se desenvolvem na superfície interior do laringe; b) - condromas que se desenvolvem na superfície exterior. Como bem acentua New, as classificações dos tumores cartilagíneos, designam, indiferentemente, um tumor benigno ou maligno. Um condroma-mixoma pode ser benigno ou maligno, mas o nome nada indica do fato. Uma terminologia ideal seria a que indicasse a combinação microscópica e clínica, mas esta classificação ainda não pôde ser concebida.

Chevalier Jackson afirma que ainda que o exame histológico não mostre que o tumor mude de tipo de tecido conetivo, ele pode-se tornar invasivo, extendendo-se a outras cartilagens, obliterando e substituindo a estrutura celular normal, por processo neoplásico. Sobre o ponto de vista clínico, são estes tumores colocados pelo insigne especialista americano entre os tumores de uma classe especial - Bordeline Tumors - corno o osteoma e o mixoma, classe fronteiriça entre a malignidade e a benignidade. Falando dos condromas, diz: Enquanto podem surgir como benignos e iguais a um processo inflamatório hipertofico, podem tambem, em alguns casos, como se conhecem, desenvolver qualidades essencialmente malignas. Seu crescimento é lento, comparado aos tumores de tecido do tipo epitelial ; mas suas qualidades malignas podem ser agressivas até o último grau de invasão.

Aschoff, classifica-os entre os tumores homotípicos maduros, do tecido conjuntivo. Considerando-os benignos admite, não obstante, que sua capacidade para invadir as veias e os vasos línfáticos dá lugar, às vezes, a tumores histologicamente quasi condromas típicos, surgindo no interior dos vasos, por continuidade, e por metástases descontínuas, sobretudo nos pulmões.

Condromas são tumores duros, tuberosos, nodulares, muitas vezes lobulados e de consistência elástica e côr esbranquiçada. Embora sejam tumores raros, podem ser encontrados no esqueleto especialmente nas falanges, sob forma múltipla e deformante, nas partes moles e órgãos, como testículos, glândulas salivares, cápsulas articulares, etc.

Os condromas do pescoço, das amígdalas, das glândulas parótidas e submaxilares podem, segundo a opinião de Aschoff, derivar dos arcos branquiais. São condromas branquiógenos.

Histologicamente, os condromas apresentam elementos de substância cartilaginea cercados de tecido conjuntivo vascularizado, com o aspecto microscópico normal da cartilagem.

Aschoff considera a diferença entre as células, no que diz respeito ao tamanho e à forma, ao número, à topografia e ao desenvolvimento de suas cápsulas, como o sinal patogenomônico do carater blastomatoso da neoformação, sendo tanto mais suspeito o tumor quanto mais graduado o polimorfismo celular. Podem ser congênitos e ter um liame hereditário. Em geral aparecem na idade jovem e ha frequente referência a um traumatismo como fator etiopatogênico.

SÉDE E SINTOMATOLOGIA

A séde de eleição destes tumores do laringe é, a mais frequentemente, a face anterior da placa da cricoide. Segue-se a região sub-glótica e a traquéia. O tumor pode ser simples, pequeno, do tamanho de um grão de arroz, ou grande massa, às vezes múltipla e aglutinada em lóbos. Nos grandes tumores os vasos que penetram pelos septos conjuntivos vão rareando para o centro, processando-se aí, muitas vezes, certo amolecimento, formações císticas, ou perturbações metaplásicas com aparecimento de tecido ósseo, ou então simples incrustações calcáreas. O crescimento é lento e se arrasta por muitos anos, passando despercebido no começo, quando intra-laríngo-traqueal ou retro-cricoideo, até que os sintomas para o lado da respiração ou da deglutição comecem a se manifestar. E' óbvio que a localização na superfície exterior do laringe, subcutânea, na asa da tireoide, por exemplo, se manifeste como pequena saliência, desde início, facilmente palpavel. Ha outros pontos em que precocemente provocam distúrbios funcionais, como as localizações sobre as aritenoides ou na borda superior da placa da cricoide, subindo na glote respiratória, intercartilaginea; o aparecimento na face interior do ângulo tireoideo, na comissura anterior, trazendo inicialmente perturbação fonatória. Quando o tumor comprime o hipo-faringe ou, quando traqueal, força o início do esôfago, por muito tempo, as perturbações da deglução são os únicos fenômenos apresentados. Nada aparece para os domínios da respiração. Quando se assestam em pontos que prejudicam a motilidade das cordas, aparece rouquidão, afonia, ou mesmo abducção forçada e persistente, permitindo a passagem exagerada da coluna de ar e maior esforço da mecânica toráxica no ato respiratório e na emissão da palavra. Os tumores da epiglote e do osso hioide como no caso que apresentamos, trazem, mesmo quando o volume ainda pequeno, perturbações nas funções respiratórias e de deglutição. Pelo menos, sensação de corpo extranho ao deglutir e reflexos tussigenos, ou simples pigarro, despertados pelos movimentos frequentes desta região.

Com maior crescimento do tumor, pode ir-se obliterando completamente o laringe ou a traquéia, trazendo a princípio crise de dispinéia que pode chegar até à asfixia. Vários casos da literatura exigiram traqueotomia, sobretudo como ato preventivo para qualquer manobra de exame ou de operação ulterior. A expansão, e a desorganização nas cartilagens do laringe pode chegar ao ponto de exigir uma laringetomia. Neste ponto, Chevalier Jackson dá grande importância à distinção entre econdrose em que as cartilagens guardam sempre a sua estrutura, o tumor surgindo como um processo hïpertrófíco da cartilagem normal, e permitindo, ao ser removido, a volta desta mesma cartilagem a sua configuração morfológica e capacidade funcional; e encondroma, que surge das próprias células cartilaginosas das peças laringeas, ou de restos cartilagineos em tecido de outra natureza. Neste caso, o tumor envolve e penetra o vigamento laringeo normal, destruindo, ou melhor, integrando-o na massa tumoral, não permitindo urna restauração post-operatória do arcabouço do órgão.



Fig. 1 - Imagem ao espelho laringoscopico.



Fig. 2



Fig. 3



Fig. 4



Fig. 5 - Tomografia do plano da glote (Drs. J. Victor Rosa e Claudio Bardy).



Fig. 6 - Fotografia do condroma (2/3)



Fig. 7 - Microfotografia do condroma.



Fig. 8 - Derivados do II, III, IV e V arcos branquiais do tracto estilo-hio-tireoideo. REGIÃO H1O-LARINGEA



O osso hioide é um elemento de ligações entre órgãos e regiões importantes. Ainda que denominado pelos anatomistas alemães como osso lingual - Zungebein - é igualmente osso das regiões supra e infra hioideas, pelas várias inserções musculares que apresentam o corpo e os cornos. Teem ligações importantes com a musculatura da faringe e com o laringe, particularmente com a cartilagem tireoide. Forma um todo com esta, completado pela membrana tireo-hioidea, os ligamentos e o músculo tireo-hioideo. - Sebileau, ao considerar o laringe sob o ponto de vista anatomo-cirúrgica, divide-o em dois elementos, separados por um plano de clivagem: o tubo fibro-elástico, diferenciado, que continua com a traquéia e brônquios; o aparelho de proteção que embainha o primeiro, formado pela cartilagem tireoide. A este aparelho de proteção se pode juntar o osso hioide e a membrana tireo-hioidea.

A origem embriológica do hioide e da cartilagem tireoide ainda os liga mais estreitamente, e nos faz perceber a mesma base geratriz dos tumores osteo-cartilaginosos da região. Afirma Augier que o osso híoide deriva embriologicamente do 2.° e 3.° arcos viscerais cartilagineos, o que explica suas relações ligamentosas com a base do crâneo e a cartilagem tireoide. Tratando dos 3.°, 4.° e 5.° arcos branquiais, diz: os esboços destes arcos são, antes de tudo, confusamente representados por uma condensação celular ventral - futura região hio-laringea.

No osso hioide ha uma zona que permanece em estado cartilaginoso até á idade mais avançada: é a articulação entre o corpo (basial) e o grande corno (tiroial). A lâmina de cartilagem que os separa mede ainda aos trinta anos 3 mm. de espessura (Parsons). Na parte superior desta sincondrose, articula-se ainda o pequeno corno (hipial ou apial) que se mantem por sua vez cartilaginoso até idade tambem adiantada.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é em geral facil. Tumor localizado em uma das cartilagens do laringe, de evolução muito lenta, duro, lisa, coberto pela mucosa normal ou com pequena modificação no seu aspecto, ora com pequenos vasos dilatados, ora com algumas zonas mais pálidas, nos pontos de mais pressão, são os acidentes que aparecem no espelho laringoscópico. Quando o tumor é hipoglótico ou intra-traqueal, dificilmente é perceptivel por este exame. Num caso de adenofibroma da traquéia, T. Falcão surpreendeu-o em exame laringoscópico indireto. De nenhum modo será percebido se retro-cricoideo ou retro-traqueal. No caso de tumor do hioide, como no que apresentamos, o tumor força a membrana tireohioidea para a linha mediana, e então como verificamos, o relevo do tumor cobria a metade direita do laringe e dobrava a epiglote para o lado oposto.

A laringoscopia e a esofagoscopia diretas, tão preconizadas por Chevalier Jackson, são de grande utilidade para o diagnóstico dos tumores sub-glóticos e traqueais, assim como para os postcricoideos. Pode-se com a pinça tocar o tumor, perceber-lhe a consistência ou mesmo conseguir a biopsia, senão a remoção, quando pequenos.

A palpação externa, o simples toque digital, como na manobra guia para a intubação, podem dar bons indícios para o diagnóstico.

A radiografia lateral dá excelentes informações, em qualquer parte em que se localize um condroma de certo tamanho. Sobressai nesta incidência a localização retro-cricoidea ou a traqueal. A imagem tomográfica frontal é preciosa particularmente nos tumores íntralaringeos subglóticos.

COMENTÁRIOS

O tumor aqui apresentado teve origem, nesta região hio-laringea e se incorporou de tal maneira ao ramo direito do arco hioideo que não foi possível destacá-lo. A ressecção deste segmento abrangia parte do osso hioide o grande corno, o pequeno corno e ligamento tiro-hioideo lateral. Foram retirados com o bloco tumoral e se apresentavam completamente incorporados a este, inteiramente desorganizados na sua morfologia normal.

Como se depreende da leitura da papeleta cirúrgica, o ato operatório foi simples. Incisão semicircular contornando o gonio e à distância do corpo da mandíbula. Ligadura dos vasos superficiais, entre os quais sobressaia a veia jugular externa. O tumor se achava envolvido por uma cápsula fibrosa espessa e apresentava plano de clivagem ao redor, em todos os sentidos, excepto na face profunda, medial, fundida ao osso hioide. No sentido póstero-superior, o tumor acompanhava a direção dos elementos estilo-hioideos, insinuava-se por sob o digástrico tendo sido mais trabalhosa a retirada deste pólo. Para a parte inferior e anterior, a massa tumoral chegava até forçar a borda superior da cartilagem tireoide e dobrava lateralmente a epiglote como vimos do exame laringoscópico. Neste ponto, o ato cirúrgico foi mais delicado. Agimos com suavidade para não abrirmos a mucosa do vestíbulo do laringe, nem traumatizarmos a borda da tireoide. O osso hioide foi seccionado a cisalha próximo a seu ângulo anterior, e todo o ramo direito e regiões anexas - pequeno corno e grande corno - retirados com o tumor, aparecendo estes elementos dificilmente reconheciveis pela deformação e invasão tumoral.

Não obstante a hemostasia cuidadosa, todos os pontos sangrantes pinçados e ligados e a reconstituição dos planos cuidadosamente executada, deixamos um dreno de borracha laminada saindo pela parte declive da ferida. Houve, contudo, grande infiltração post-operatória e certa retensão sanguínea no segmento ântero-inferior da cavidade operatória; daí a compressão progressiva e alarmante que se ia evidenciando para o lado do laringe. Tendo passado a primeira noite relativamente bem, a dispnéia se acentuou e se agravou por fim na tarde do segundo dia da operação. O doente estava abatido, muito inquieto, não se podendo recostar, nem deitar, bem que fosse um paciente de grande resignação e coragem. Ao exame laringoscópico à noite do segundo dia, o edema laríngeo era notavel. A região onde estivera o tumor se achava violácea e muito abaulada, cobrindo à laringoscopia indireta, a corda esquerda - lado oposto ao tumor - e parte da aritenoide deste lado. A epiglote igualmente comprimida e dobrada para a esquerda, infiltração mais pálida na parte visivel do hemilaringe esquerdo. Por estás regiões passava penosamente um fio de ar. Tentamos intubação, que imediatamente abandonamos, por percebermos a impraticabilidade. Como já estávamos em espectativa armada, providenciamos sobre a traqueotomia que, embora de urgência, foi feita com a anestesia local e certa disciplina, graças ao ânimo extraordinário do doente.

O quadro asfixico serenou e daí por diante a sequência operatória foi suave. O exame laringoscópico repetido mostrava a volta ao normal, embora lentamente, da região superior do laringe, e a voz tambem melhorava gradativamente. Atualmente, o aspecto da região é perfeitamente normal, a motilidade da corda vocal esquerda e a emissão da voz estão perfeitas.

CONCLUSÕES

O condroma é um tumor raro em qualquer parte do organismo.

O condroma, assim como todo tumor de tecido conjuntivo, é ainda mais raro na região laringo-traqueal. Até à data presente só se conhecem 82 casos de condroma do laringe. Pelo menos, foram as referências que pudemos encontrar na bibliografia do assunto.

Este nosso caso é o único de localização no osso hioide.

Pelas relações embriológicas que apresenta o segmento inferior do aparelho hioideo com o laringe, pela parte que toma na formação do arcabouço, na mecânica, na nutrição e sensibilidade do órgão a região tireohioidea pode, sob o ponto de vista antomo-clínico, ser incorporada ao laringe.

O condroma aqui descrito, pela repercussão quasi exclusiva sobre o laringe, confirma o ponto de vista acima exarado.

O diagnóstico de condroma do laringe é facil: pela consistência , pela superfície lisa ou levemente bosselada que apresenta, pela lentidão do seu desenvolvimento e pela coloração praticamente normal que apresenta a mucosa que o reveste.

Os fenômenos que fazem o doente procurar o especialista podem ser de natureza estética, de natureza respiratória: dispinéia ou asfixia, tosse, pigarro, mudança da voz, rouquidão, etc. ; de natureza digestiva: compressão da faringe ou esófago, perturbação na fisiologia do ato da deglutição.

Sob o ponto de vista clínico, os condromas podem ser divididos em intra-laringeos e extra-laringeos. Os primeiros dão siritomatologia precoce para o lado da respiração. Quanto aos segundos interferem no ato da deglutição precocemente, quando se localizam na face posterior da placa da cricoide. Os condromas extra-laringeos, laterais, da traquéia ou da região tireo-hioidea, como o aqui descrito, podem estreitar a vis respiratória ou a via digestiva, ou ambas igualmente .

O tratamento é cirúrgico: endoscópico, para certos tumores pequenos e de localização favoravel; por via externa, compreen(lendo várias técnicas clássicas da Oto-Rino-Laringologia, como tireotomia, faringotomia, laringectomia ou atos cirúrgicos atipicos ou inerentes à grande cirurgia cervical.

A traqueotomia prévia deve ser executada na ablação dos tumores que comprimem o laringe. A infiltração post-operatória traz o risco de unia asfixia que exigirá--a traqueotomia de urgência, colho no nosso caso.

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(*) Ver a extensa bibliografia de Irw. Moore é de Renry H. Orton.

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