Versão Inglês

Ano:  1954  Vol. 22   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (19º)

Seção: -

Páginas: 124 a 128

 

ABCESSO CEREBRAL DO LOBO PARACENTRAL DE ORIGEM OTICA A PROPOSITO DE UM CASO (*)

Autor(es): DR. J. E. DE RESENDE BARBOSA - Chefe de Clinica Interino
DRS. MAURO CANDIDO DE SOUZA DIAS e ANTONIO S. CURIATTI - Adjuntos voluntarios

(*) Trabalho realizado na Clinica Oto-rino-laringologica da Santa Casa de Misericordia de São Paulo.

Com o advento dos antibióticos e quimioterapicos no tratamento das infecções em geral o capítulo das complicações endocraneanas por fócos septicos no territorio oto-sinusal empobreceu-se sobremaneira à falta de casos clinicos. Todavia neste ultimos 3 ou 4 anos nota-se um aumento evidente de casos desta ordem descritos na literatura. O retorno de casos deste tipo aliado ao aparecimento de novos antibióticos mais potentes e com maior espectro de ação criou uma situação de paradoxo que torna este capitulo ainda mais intrincado e difícil. A noção do aparecimento de formas de resistencia dos germes aos antibióticos, o conhecimento da eliminação progressiva pelos antibióticos dos germes sensíveis deixando o campo livre aos resistentes e a noção do chamado fenomeno de super-infecção que seria a viragem de uma flora sensivel para uma resistente de outra natureza no decurso de um mesmo processo morbido sob tratamento pelos antibióticos são fatores que o especialista moderno não pode perder de vista. De outra parte a relativa raridade, nos últimos dez anos, destes casos, afastou ao médico a possibilidade de tratá-los comprometendo o seu treinamento neste setor. E este aspecto se agrava ainda mais se levarmos em conta o fenomeno do mascaramento do curso clínico destas complicações à custa de um tratamento insuficiente e inadequado ou de um germe parcialmente sensivel ao antibiótico. Se o especialista se ressente de falta de treinamento com casos clínicos e se estes casos se mascaram na evolução verifica-se bem a extrema dificuldade para enfrenta-los e resolve-los. Em conclusão, e a vista de todos os fatores acima enumerados, é urgente a necessidade de que o otologista se esforce no sentido de atualisar os seus conhecimentos neste assunto e se guarde daqui para o futuro na atitude de uma extrema vigilância em casos desta natureza.

O caso clinico, objeto desta comunicação, é rico de ensinamentos e evidência ponto por ponto tudo o que ficou dito acima.

Sob o ponto de vista da frequencia a localização deste abcesso cerebral otogenico no lobo para central se destaca pela sua extrema raridade, tão raro que o proprio Eagleton (1), o autor que mais estudou este capitulo da Otologia, não refere caso algum com esta localização.

CASO CLÍNICO

E. S. - 17 anos, branco, brasileiro, solteiro, masculino, residente em São Paulo. Matriculado no Serviço de Oto-ripo-laringologia sob n.º 13.454 em 11 de Dezembro de 1952.

Queixava-se o paciente de supuração e hipoacusia no ouvido direito, com 10 anos de duração. Supuração abundante, contínua e fétida. Ocasionalmente exacerbações correlacionadas com resfriados e que consistiam em dores de ouvido com irradiação para o plano mastoideo, supuração menos abundante, febre moderada e hemicrania. O exame otoscopico, revelou a presença de exudato purulento no conduto e a existência de, uma perfuração timpanica que se localisava no rebordo postero-superior da membrana, cheia de tecido de granulação e lamelas colesteatomotosas. Hipoacusia de tipo condutivo, a direita. O restante do território oto-rino-laringológico nada apresentava digno de nota. Foi-lhe receitado Furacin oto-solução permanecendo o paciente sob observação e prevenido sobre a, possibilidade de uma intervenção. Em 7-2-53, quase 60 dias após a primeira consulta; o paciente voltou ao serviço queixando-se que há, cinco dias vinha apresentando ótalgia direita, violenta acompanhada de, vômitos, temperatura alta e hemicrania. Por ser sábado, foi o paciente atendido pelo interno da clínica que, verificando sumáriamente sinais de comprometimento do sistema nervoso central de tipo meningeo, enviou o paciente para o Hospital Emilio Ribas onde poderia ser atendido com mais prestesa. Neste Hospital permaneceu por sete dias recebendo tratamento e sob observação. Graças a gentilesa do Dr. Pereira Barreto - diretor do Hospital. Entjlio Ribas - podemos descrever a evolução clinica do caso e anotar os exames feitos durante este periodo. Neste Hospital foram feitas duas punções lombares, respectivamente em 7-2 e em 12-2 e com o seguinte resultado:

7/2: Volume enviado 8 cc. Liquor limpido e incolor: Exame citologico 3 cels por mm3.

Dosagem de glicose: 70 mg %.
Dosagem de cloretos: 670 mg %.
Dosagem de proteínas totais: 5 mg %.
Reações coloidais: -
Takata-Ara : positivo vermelho.
Benjoim: 00000.22222.00000.0.
Pesquisa de globulinas - reação de Pandy: negativo; reação de Nonne-Apelt: negativo.

12/2: Volume enviado 8 cc. Liquor limpido e incolor. Exame citologico 1 cel. por mm3.

Dosagem de glicose: 83 mg %.
Dosagem de cloretos: 680 mg %.
Dosagem de proteínas totais: 45 mg %.
Reações coloidas: -
Takata-Ara : positivo vermelho. Benjoim: 00000.22221.00000.0.
Pesquisa de globulinas - reação de Pandy: positivo; reação de Nonne-Apelt: positivo.

Em ambos os exames a pesquisa de germens e b.K resultou negativa. A cultura do liquor, do mesmo modo, negativa.

A formula sanguínea revelou uma discreta leucocitose com desvio para a esquerda, neutrofilia, granulações tóxicas e ausência de eosinofilos. O paciente recebeu tratamento por penicilina (8 milhões de Unidades) sulfadiasine (40 grs.) e 3 grs. de dihidro estreptomicina. O quadro sintomático agravou-se com o aparecimento de monoplegia crural esquerda de tipo flacido. Em 14-2 foi o paciente reenviado ao nosso Serviço com o diagnóstico provável de abcesso cerebral otogênico. Uma vez hospitalisado foi continuado o tratamento penicijinoterapicoestreptomicinico. Requisitou-se exame neurológico e radiografia da apofise mastoidea. A seguir o paciente entrou em um período de evidente melhora clínica permanecendo afebril, declinando os vômitos e melhorando, o estado psíquico. A 22-2 nova recrudecencia das sintomas. O exame radiologico da apofise revelou ausência de cavidades pneumaticas (tipo eburneo) e zona de maior transparência ao nível do epikimpano (colesteatoma?). Decidiu-se então intervir sobre a apofise. Em 23-2 foi realisada uma tímpano-matoidectomia por via retroauricular sob anestesia combinada eter-curare-thionembultal-oxigênio. Verificou-se a presença de um colesteatoma alargando o antro e epitimpano e expondo parte do seio lateral cuja parede se apresentava apenas rugosa. Tegmen tympani integro e pequeno trajeto fistuloso de curto percurso sob o canal horizontal. Não se verificava via preformada na cavidade mastoidea levando a fossa media ou posterior. No mesmo dia foi realisada uma punção sub-occipital cujo resultado foi o seguinte: Liquor turvo e levemente hemorragico (acidente de punção?). Pi. 37. P. 10 (retirados 15 cc de liquor).

Prova de Stockey Quenkenstedt: positiva..
Éx. citológico: prejudicado.
Dosagem de cloretos: 8,78 p.mil.
Dosagem de glicose: 0,49 p.mil.
Dosagem proteínas totais: 0,30 p.mil.
R: Globulinas: R. Pandy: positiva; R. Nonne-Apelt: positiva; R. Weichbrodt: positiva.

Reações coloidais.
Benjoim: 00000.22222.22200.00
Takata-Ara: positivo (mening.).
R. Desvio do Complemento:
R. Wassermann : negativa.
Exame bacterioscopico - Gram : negativo: Ziehl: negativo. Cultura: negativo.

O paciente permaneceu afebril com surtos esporadicos de temperatura até 3-3 quando apareceu novo recrudecimento do quadro. Insistimos pelo exame neurologico que foi realisado em 9-3 pelo prof. Carlos Gama cujo diagnóstico foi de provável abcesso do lobo para central D. de origem otogenica. O prof. Carlos Gama requisitou novo liquor cujo resultado dai-nos a seguir:

Punção sub-occipital. Pi. 30. Pf. 19 (após 10 cc). Liquor limpido e incolor.
Exame citologico : 0,3 leuc. por mm 3.
Dosagem de cloretos: 7,04 p.mil.
Dosagen de proteinas totais: 0,22 p.mil.
R. Pandy: negativa.
R. Nonne-Apelt: negativa.

Reações coloidais
Benjoim: 00000.02200.00000.00.
Takta Ara: negativa.
Eagle, Wassermann, Steinfeld: negativas.

Diante deste resultado o prof. Carlos Gama, que se dispusera a fazer uma ventriculografia para localisar o abcesso, renunciou a esta idéia, e determinou a continuação da terapçutica (antibïoticos). Todavia agravou-se progressivamente o estado geral do paciente pelo que decidimos reintervir fazendo larga exposição da fossa media em busca de possivel bolsa purulenta accessivel por esta via. Esta intervenção foi realisada en 19-3 sob anestesia combinada eter-curare, thionembutal-oxigenio. Reaberta a cavidade feita anteriormente ressecou-se completamente o tegmen tympani expondo-se a dura mater que se apresentava tensa e pulsatil, si bem que-lisa. . Puncionou-se através da meninge em três pontos diferentes e com resultado negativo. Como se agravasse o estado do paciente in ferrompeu-se a intervenção. O doente faleceu duas Horas após. O laudo da autopsia, realisado pelo Dr. Walter Maffèi, resa o seguinte, quando se refere ao segmento cefalico: ."na região da mastoide direita há um grande pertuito medindo aproximadamente dois cms. no maior diametro e de bordos irregulares. Os seios venosos do lado direito apresentam-se vasios, contrastando com os do lado oposto. O cerebro apresenta-se tumefeito, com as circunvoluções achatadas, principalmente nas regiões parietal e occipital direitas, onde, no bordo interno e superior desse lado, pela pressão manual têm-se a sensação de flutuação. Ao córte, nessa região, há um abcesso de forma ovoide que se iniciÜ na região parietal e se continua, para trás, até o polo occipital e, para frente, tomando todo o lobo paracentral desse lado. A dura mater na linha mediana está fortemente aderente ao cerebro acompanhando a região do abcesso (fig. 1).



RESUMO

Os AA. relatam um caso de abcesso cerebral otogenxo localizado no, lobo paracentral, documentado, com material de necropsia e cujo, decurso clínico, não foi influenciado pela extirpação cirúrgica do foco, causal nem pela terapêutica intensiva pela penicilina e estreptomicina. Sucessivos exames bácteriológicos do liquor não conseguiram determinar o agente etiologico da infecção e o exame neurológico e o laboratório não orientaram com seguranna o neuro-cirurgião na indicação, para drenagem da bolsa do abcesso.

BIBL10GRAFIA

EAGLETON, W. PI - Abcès de 1'encéphale - Masson et Cie., Editeus Paris, 1924.

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