Ano: 1942 Vol. 10 Ed. 2 - Março - Abril - (1º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 219 a 222
BRONCOGRAFIA (1)
Autor(es): DR. FABIO BELFORT (2)
A broncografia é o metodo de diagnostico pelo qual se introduzem na arvore bronquica substancias praticamente inocuas, opacas aos raios X, observando sua decida em direção aos alveolos pulmonares, por meio da radioscopía, e obtendo, no momento oportuno, uma chapa. A maioria dos autores usa o termo broncografia não só para designar o metodo, como a propria chapa. Outros reservam para esta ultima o tempo broncograma. Os Chevalier-Jackson designam o metodo pelo vocabulo penumonografia. Bakeh usa o termo pneumografia, evidentemente mal formada.
Autores diversos tinham introduzido pós inertes para opacificação dos bronquios em cadáveres submetidos à radiografia. Chevalier-Jackson empregou pós de metaes pesados, no vivo. Mas foi a aplicação da lipiodolisação de Sicard e Forestier às vias aereas, por Sergent e Cottenot, que trouxe grande progresso a essa técnica. De maneira geral, pode-se hoje dizer que não existe serviço de molestias pulmonares moderno sem a pratica intensiva da broncografia.
Técnica - Uma infinidade de processos tem sido descrita. As tecnicas variam de autor para autor, conforme as simpatias e as circunstancias especiaes dentro das quaes cada um trabalha. Podem ser classificadas em 4 grupos: Supra-gloticas, transgloticas, intra-bronquicas e transparietaes. Vejamos rapidamente cada um desses grupos
a) Tecnicas supra-gloticas - Nestas o liquido é despejado acima da glote, no hipofaringe, parte sendo deglutida e parte caindo atravez do laringe. Alguns (Mendel, Hicquet e Hennebert) projetam o oleo em massa. Outros (Sergent, PoummeauDélille e Racine; João Montenegro e Scarinci) derramam o oleo por meio de sondas atravez das fossas nasaes. Outros fazem o doente "beber" o oleo, abolindo o reflexo da deglutição por meio ,de profunda anestesía do faringe (Nather e Sgalitzer).
b) Tecnicas transgloticas - Introduz-se o oleo na traquéa, passando a glote com instrumento introdutor. Nesse grupo pode-se incluir a tecnica de Leuuda, que emprega a seringa de ires alieis e a canula laringéa. A de Vicente de Pablo é identica, com modificação da curvatura da canula e com colocação dos orificios lateralmente e não lia ponta da canula.
c) Tecnicas intra-bronquicas - Estas têm a vantagem de se poder fazer a injeção rigorosamente eletiva deste ou daquele pulmão e desta ou daquela zona pulmonar. É a mais perfeita e a preferida pelos oto-rino-laringologistas. Também é a unica segura nas creanças rebeldes. Neste grupo se podem incluir a tecnica de Cantonnet-Blanch, pela qual se introduz uma sonda presa a um anel que o operador leva no dedo indicador, dedo que vae reclinar a epiglote ; a de Garcia Capurro, que encaminha uma sonda mole, atravez da glote, por meio de pinça especial; a de Garcia Vicente, que tambem usa sonda mole encaminhada por pinça especial, da dual a precedente é simples modificação; a de Chevalier-Jackson e dos endoscopistas em geral, que se utilisa do broncoscopio para a introdução do oleo na zona desejada. De passagem é bom notar que Garcia Capurro e Piaggio Blanco, em seu excelente volume "A broncografía", alude à tecnica de Garcia Vicente como utilisando a seringa terminada em cone. - No entanto, não é isso que vejo relatado no trabalho original de G. Vicente, publicado na "Revista Espanhola e Americana de Laringología, Otología e Rinología", numero de janeiro de 1929. Nesse artigo o A. explica o uso de sua seringa para fins de anestesia, sendo a injeção de oleo feita com sonda.
d) Tecnicas transparietaes - Nessas o oleo é injetado atravez de paredes organicas. Podem ser sub-divididas em dois grupos:
1.º - Via inter-crivo-tiroidéa ou transtraqueal, baseada lia perfuração, pela agulha, das paredes do laringe ou traquéa. Foi a via inter-crico-tiroidéa a usada por Sicard e Forestier, em suas primeiras experiencias de broncografia.
2.º - Via transtoracica, usada por Ameuille e outros, para a injeção do oleo diretamente em cavidades, atravez da parede toracica.
As vias transparietaes, por motivo das possíveis complicações, são usadas só excepcionalmente.
Preparação do doente - O paciente deve vir, sempre, em jejum. O emprego de sedativos é discutível. Garcia Vicente usa morfina ou sedol. Montenegro também aconselha o sedol, Outros preferem os barbituricos. Tenho usado o amital, o seconal e o nembutal, com bons resultados. Hoje se admite que os barbituricos previnem a intoxicação pela cocaína, que é necessario usar para a anestesia, como veremos adiante. Caso exista forte broncorréa, é indispensavel uma sessão prévia de drenagem postural.
Antes de praticar a broncografia é importante verificar se o doente tem, no serviço, chapa simples, sem oleo, para comparação. Não é indiferente: tirar essa chapa mais tarde, pois o oleo pode ficar retido durante meses, dando chapas embaraçantes, tanto mais que, em indivíduos normaes, o oleo distribuído nos alveolos simula, a uma pessoa desprevenida, uma tuberculose miliar.
Anestesía - Praticamente, a anestesía com o fito de abolir os reflexos nauseoso e tussigeno só é exequivel nos adultos e nas creanças grandes. Cabem, aqui, varias perguntas: Qual o anestesico de escolha? Qual a quantidade a empregar? Qual o processo de aplicação? Quaes os acidentes a evitar?
1.º - Natureza do anestesico - A tendencia da maioria dos autores é pôr de lado a cocaína e empregar os modernos anestesicos de imbebição, taes como a percaína, a pantocaína, a larocaina, a alipina e outros. Certos autores não usam os anestesidos de imbebição e preferem os denominados de infiltração, taes como a novocaína e a estovaína. Aliás essa distinção é um pouco artificial, sendo a diferença, em alguns casos, apenas de concentração. Se a cocaína é anestesico de imbebição exclusivo (sendo perigoso usá-la em injeção), já o mesmo não se pode dizer da percaína e da pantocaína.
Montenegro usou novocaína a 3%. García Vicente empregou a estovaína a 5 % ; Mangabeira-Albernaz prefere a larocaína ou a pantocaína a l %. Pessoalmente, usei largamente a percaína e, ultimamente, a cocaína. Parece-me que, mais do que o anestesico, entra em conta o fator pessoal ou, por outras palavras, a intensidade maior ou menor dos reflexos em tal ou tal doente.
2.º - Processo de anestesía - A maioria dos autores usa a projeção do anestesico no faringe, por meio de "spray", completando a anestesía da traquéa por meio da seringa de Alexander ou de García Vicente. Chevalier Jackson prefere o bloqueio dos laringêos superiores, por meio de imbebição. Mauro Perna adotou a elegante tecnica de bloqueio por meio de infiltração direta, como se faz para o tratamento da odinofagía tuberculosa. Pessoalmente, emprego o "spray" e, depois, a instilação na traquéa.
3.º - Quantidade de anestesico - As opiniões variam muito. Creio que se trata de discussão superflua, pois a quantidade tem de variar de indivíduo para indivíduo, conforme o sexo, corpulencia, rebeldia maior ou menor dos reflexos, maior ou menor quantidade engulida etc..
4.º - Acidentes - Os acidentes por anestesicos não são mais numerosos do que nos outros setores da oto-rino-laringología.
Pessoalmente, os casos de intoxicação séria pelo anestesico foram facilitados pelo mau estado geral de doentes com grandes supurações pulmonares antigas. Foram em numero de dois, apenas, ambos em mulheres Quanto a pequenos acidentes como vertigens, certo grão de excitação passageira etc. são mais frequentes e tambem são atribuiveis, em bôa parte, ao fato dos pacientes permanecerem em jejum até 10 horas ou mais tarde.
Indicações - De maneira geral pode-se dizer que a broncografia é indicada sempre que se desejar um desenho dos bronquios em toda a sua extensão, até aos alveolos. Particularisando : Bronquectasía em suas diversas formas anatomicas ; cistos congenitos do pulmão; cistos hidaticos ; abcesso pulmonar; estenoses bronquicas, fistulas bronco-pleuraes e bronco-esofagianas ; sombras suspeitas de corpos estranhos ; comprovação do desaparecimento de lesões cavitarias na tuberculose (Sayé) ; controle do resultado das toracoplastias, com evidenciação de bronquectasías do côto do lado colabado ; de maneira geral todas as cavidades bronco-pulmonares; cancer pulmonar; de maneira geral todas as obstruções extrinsecas dos bronquios; anomalias bronquicas diversas.
Meios de contraste - Os saes de bario e bismuto, em pó, já foram experimentados, tendo o inconveniente de sua pouca penetração e dificil distribuição no logar onde se quer. O uroselectan em solução aquosa é absorvido tão rapidamente que não permite radiografia satisfatoria. O uroselectan oleoso pode ser usado. Praticamente, hoje todos empregam os oleos iodados, combinações de iodo e oleos vegetaes diversos.
Quantidade a injetar - Varia com a idade e tamanho do paciente, com a extensão da zona que se pretende opacificar e com a propria doença em causa. Já tenho injetado até 60 c.c. de oleo iodado a 25%, sem o menor inconveniente.
Posição - Pode-se fazer em posição sentada, com o corpo reclinado, quando se desejar injetar as bases; em decubito lateral, quando se quiser obter a broncografia da zona média dos pulmões; em Trendelenburg, se fôr necessario encher os apices.
Contra-indicações - Podem ser assim resumidas: Molestias pulmonares agudas, com febre; tuberculose evolutiva; principalmente em suas formas hemoptoicas; cardiopatías com descompensação ; epilepsia; estados espasmofilos das creanças ; intolerancia pelos anestesicos; esclerose pulmonar com enfizema. Tive um acidente por retenção de oleo, devido a certo grão de broncoplegía em uma paciente na qual injetára cerca de 40 c.c. de radiopol. Essa paciente apresentára, há anos, um abcesso de pulmão. Essa paciente apresentou febre, forte dispnéa que durou cerca de dois dias. A radiografia, repetida cerca de duas semanas depois, ainda revelava grandes quantidades de oleo retido.
(1) Trabalho apresentado ao 2.º Congresso de Tuberculose reunido em S. Paulo, em Maio de 1941.
(2) Oto-rino-laringologista da Liga Paulista Contra a Tuberculose e do Instituto Clemente Ferreira.