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Ano:  2003  Vol. 69   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 779 a 784

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Contribuição da reabilitação vestibular na melhora do zumbido: um resultado inesperado

Contribution of vestibular rehabilitation in tinnitus recovery: a surprising result

Autor(es): Keila A. B. Knobel1,
Leopoldo N. Pfeilsticker2,
Guita Stoler3,
Tanit G. Sanchez4

Palavras-chave: reabilitação vestibular, vertigem, zumbido, hipersensibilidade auditiva

Keywords: vestibular rehabilitation, dizziness, tinnitus, hypersensitivity to sound

Resumo:
Introdução: A tontura e o zumbido são sintomas comuns na prática clínica que podem ocorrer simultânea ou independentemente. Ambos podem ter etiologia indefinida ou múltipla, ser agravados por fatores emocionais e limitar as atividades rotineiras do indivíduo. Objetivo: avaliar os resultados da reabilitação vestibular (RV) enfocando a melhora dos acúfenos. Forma de estudo: Coorte longitudinal. Método: após a observação clínica da melhora (não intencional) do zumbido com a RV realizamos o levantamento dos prontuários dos pacientes submetidos à terapia. Resultados: Após a RV 100% dos sujeitos relataram melhora da tontura, 58% tiveram redução do zumbido e 75% relataram melhora da hipersensibilidade auditiva. A comparação da diferença entre os valores pós e pré-tratamento dos índices da escala análogo visual (0 a 5) de cada paciente evidenciou melhora da tontura (2,42), do zumbido (1,17) e da hipersensibilidade auditiva (1,00). Conclusões: A RV pode interferir positivamente no zumbido em alguns casos. Tais resultados abrem discussões a respeito das correlações e interferências entre os dois sintomas.

Abstract:
Introduction: Dizziness and tinnitus are common symptoms on clinical practice that can occur simultaneous or independently. Both can have multiple or unknown etiology, and can be worsen by emotional factors and limit day-by-day activities. Aim: evaluate the results of vestibular rehabilitation (VR) focusing on tinnitus recovery. Study design: Longitudinal cohorte. Method: after the clinical observation of the non-intentional tinnitus recovery with the VR we studied the patients' files with dizziness and tinnitus that underwent the therapy. Results: After VR 100% of the subjects recovered from dizziness, 58% had tinnitus reduction and 75% had reduction on hypersensitivity to sound. The comparison of the difference between post and pre treatment values of the analog visual scale (0 a 5) of each patient showed the following: 2,42 for dizziness 1,17 for tinnitus and 1,00 for hypersensitivity to sound. Conclusion: The VR may have a positive interference on tinnitus.

Introdução

Pacientes com tontura resistente a variados tratamentos são tão difíceis de conduzir quanto pacientes que apresentam alto grau de incômodo com zumbido. Esses sintomas são extremamente comuns na prática clínica e podem ocorrer simultânea ou independentemente. Enquanto a tontura acomete cerca de 10% da população mundial de todas as idades e mais de 40% dos adultos já tiveram algum episódio em suas vidas1, o zumbido é relatado por 17% da população2. A ocorrência de ambos tende a aumentar em adultos idosos.

Muitas outras semelhanças aproximam esses dois sintomas: sua etiologia pode ser indefinida ou múltipla, podem ser agravados por fatores emocionais e, ainda, limitar as atividades rotineiras do indivíduo.

Tratamos preferencialmente a etiologia3 e quando isto não é possível ou é insuficiente para eliminar o zumbido ou a tontura são indicados tratamentos que se baseiam na habituação: no caso da tontura, a Reabilitação Vestibular (RV) e no do zumbido, a Terapia de Habituação do Zumbido (TRT - Tinnitus Retraining Therapy).

A Reabilitação Vestibular (RV) foi desenvolvida por Cawthorn e Cooksey4. McCabe4 enfatizou seu valor descrevendo as bases fisiológicas e a metodologia da terapia cujo objetivo é acelerar os mecanismos de compensação central dos transtornos do equilíbrio. Seguem-se geralmente três etapas de igual importância: 1. orientação, na qual o paciente e sua família são esclarecidos a propósito do funcionamento básico do equilíbrio, de seus sintomas e do tratamento proposto; 2. treinamento, composto por movimentos repetidos de olhos, cabeça, tronco e exercícios de marcha; 3. acompanhamento, período em que o progresso do paciente é monitorado e as orientações são enfatizadas, normalmente com duração de 3 meses. A RV é considerada uma opção segura, econômica e extremamente eficiente3,5,6.

As dificuldades para o registro objetivo tanto do zumbido quanto da tontura muitas vezes frustram as tentativas de aplicação de estudos científicos que comprovem a eficácia dos referidos tratamentos e, portanto, a efetividade destes geralmente é baseada em observações clínicas7,8.

Na literatura encontramos apenas um estudo que correlaciona o alívio do zumbido com o uso de reabilitação vestibular, mas com uso único e específico de manobras de liberação (Semont e/ou Epley), utilizadas no tratamento da vertigem postural paroxística benigna. Os pacientes estudados apresentavam melhora do zumbido tanto nos casos de associação com tontura como em alguns casos sem sintomas vestibulares9.

Observada a melhora clínica não intencional do zumbido após a reabilitação vestibular (RV) realizamos um estudo retrospectivo para análise do comportamento deste sintoma pré e pós RV. Neste artigo relatamos resultados iniciais da aplicação da RV no Setor de Otoneurologia do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da UNICAMP enfocando esta melhora inesperada dos acúfenos.

Casuística e Método

Realizamos um levantamento das fichas de avaliação (ANEXO I) e reavaliação (ANEXO II) dos prontuários dos pacientes submetidos à RV no ambulatório de Otoneurologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNICAMP no período de 1 ano e 2 meses. De 30 pacientes atendidos, foram desconsiderados os prontuários de indivíduos que compareceram menos de duas vezes às sessões de RV, aqueles que permanecem em tratamento, indivíduos sem zumbido, e prontuários incompletos, perfazendo um total de 12 sujeitos estudados. A Tabela I mostra a distribuição dos sujeitos de acordo com a idade e o sexo e a Tabela II de acordo com o resultado do exame otoneurológico.








O tempo de instalação da tontura ou vertigem nesta população variou de 4 meses a 15 anos, com média de 5,72 anos (EP=1,49).

O grau e tipo de perda auditiva dos sujeitos estudados estão dispostos nas Tabelas III e IV.
Observamos que 58,2 (n=7) dos indivíduos apresentavam zumbido unilateral, 25,0% (n=3) bilateral e 16,7% (n=2) tinham zumbido na cabeça. Sessenta e sete por cento dos pacientes (n=8) relatavam hipersensibilidade auditiva.

Além das queixas auditivas, observamos que 83,3% (n=10) dos pacientes se consideravam ansiosos e 50% (n=6) apresentavam história prévia ou atual de depressão.

Reabilitação Vestibular
O método adotado para realização da reabilitação vestibular foi baseado nas recomendações do Consenso sobre Vertigem3 elaborado pela Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia. Constou das seguintes etapas:

 avaliação;
 esclarecimentos sobre o sintoma e sobre o tratamento proposto;
 sugestão de mudança de hábitos inadequados (postura, dependência, atividade física), quando existentes;
 treinamento, composto de movimentos de olhos, cabeça e tronco, marcha, coordenação motora e relaxamento cervical;
 sessões de acompanhamento quinzenais ou mensais (dependendo da disponibilidade e da necessidade do paciente) por aproximadamente 3 meses.

O tempo de tratamento variou de 2 a 3 meses para 50,0% dos pacientes (n=6) e se prolongou por mais de 3 meses para outros 50,0% (n=6).

O critério de melhora se baseou no relato do próprio paciente sobre o grau de melhora geral. Assim, consideramos melhora significativa a dos sujeitos que referiram melhora igual ou superior a 70%, parcial entre 40% e 70% e insatisfatória abaixo de 40%.

Resultados

Setenta e cinco por cento (n=9) dos pacientes referiram melhora significativa da tontura após a RV e 25% (n=3) relataram melhora parcial. O índice de adesão ao tratamento completo dos indivíduos analisados foi de 91,7% (n=11), sendo que o paciente que não concluiu tratamento havia relatado melhora significativa da tontura na última sessão.

As médias da diferença entre os valores pós e pré-tratamento dos índices da escala análogo visual (0 a 5) para tontura, zumbido, hipersensibilidade auditiva e audição estão dispostos na Tabela V.
Houve redução no grau de incômodo com o zumbido medido com escala análogo visual (0 a 5) para 58% dos sujeitos (n=7) após a reabilitação vestibular. Não constatamos mudança para os indivíduos que já não tinham incômodo com o sintoma no início da RV (25%, n=3) e para outros 2 sujeitos (16,7%). Dos sujeitos com hipersensibilidade auditiva (n=8), 75% referiram algum grau de melhora da hipersensibilidade auditiva (n=6) e 25% permaneceram com a queixa inalterada (n=2).


Tabela I. Distribuição dos sujeitos de acordo com a idade e o sexo.



Tabela II. Distribuição dos sujeitos de acordo com o resultado do exame otoneurológico.



Tabela III. Distribuição dos sujeitos de acordo com o resultado da audiometria da orelha direita.



Tabela IV. Distribuição dos sujeitos de acordo com o resultado da audiometria da orelha esquerda.



Tabela V. Média da diferença entre os valores pós e pré-tratamento dos índices da escala análogo visual (0 a 5).



Discussão

A comparação da diferença entre os valores pós e pré-tratamento dos índices da escala análogo visual de cada paciente evidenciou que, além da melhora esperada da tontura, também a queixa de zumbido e a hipersensibilidade auditiva foram reduzidas. Acreditamos que o registro da não-melhora da audição (como era esperado, já que a perda auditiva da maioria dos pacientes era neurossensorial) evidencia a confiabilidade dos dados obtidos nos outros itens.

A relação existente entre os distúrbios psiquiátricos, especialmente a ansiedade, e a tontura é bastante conhecida10. Também o zumbido apresenta uma interface importante com anormalidades da esfera psicoafetiva, principalmente através da associação com quadros de depressão e reação negativa ao estresse e ansiedade11. É possível que a melhora do zumbido esteja relacionada ao controle ou diminuição das possíveis alterações psiquiátricas, tanto pela própria melhora da tontura, alcançada através dos exercícios da RV, como por meio da compreensão dos sintomas e do tratamento pelo paciente, ocorrida nas sessões de esclarecimento. O mesmo efeito da diminuição do incômodo com o zumbido é alcançado pela Terapia de Habituação do Zumbido (TRT-Tinnitus Retraining Therapy) nas sessões de orientação2, embora a mesma não proporcione melhora de sintomas vestibulares.

Diversas questões se originam da análise de nossos resultados: como o mecanismo de compensação labiríntica influenciaria o processo de habituação do zumbido? Os resultados alcançados com a RV confirmariam o envolvimento do sistema sensório-motor na geração e modulação do zumbido12? A melhora da hipersensibilidade auditiva teria ocorrido pelas mesmas razões que levaram à melhora do zumbido?

Apesar do escasso conhecimento a respeito, a identificação de múltiplas áreas corticais vestibulares em experimentos eletrofisiológicos em animais e seus homólogos humanos, indica a inexistência de um córtex vestibular isolado comparável aqueles dos sistemas visuais e auditivos13.

Acredita-se que a maioria das funções vestibulares corticais não seriam especificamente vestibulares, mas sim relacionadas a diversos outros sistemas de uma forma ainda não inteiramente esclarecida14. São conhecidas interações corticais importantes entre os processamentos centrais vestibulares, visuais e somatossensitivos, no entanto, o estudo da influência dos sinais vestibulares no processamento cerebral cortical ainda é incipiente14.

Enquanto as pesquisas envolvendo o tronco cerebral se direcionam às funções de controle motor, adaptação, aprendizado e reflexos vestibulares, futuras investigações direcionadas ao córtex cerebral vestibular examinarão provavelmente os processos cognitivos e perceptivos relacionados a este sistema14.

Não sugerimos o uso da RV como tratamento para o zumbido, mas nossos resultados incentivam a pesquisa do possível sinergismo entre a RV, os tratamentos medicamentosos para zumbido e TRT em pacientes que apresentem queixas vestibulares e zumbido associadas.

Embora com número limitado de pacientes, consideramos que a ausência de relatos na literatura mostrando a concomitância de melhora do zumbido durante a reabilitação vestibular dá a este trabalho uma conotação inovadora e sugere a necessidade de mais estudos deste aspecto da terapia.

Conclusões

Observamos diminuição da queixa de zumbido nos pacientes com tontura e zumbido submetidos à reabilitação vestibular. A melhor compreensão das influências do sistema vestibular cortical sobre outras modalidades sensoriais, além daquelas sobre a percepção espacial e de movimento, poderá trazer explicações para nossos achados.

Referências Bibliográficas

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1 Fonoaudióloga Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP, Fonoaudióloga responsável pelo setor de Reabilitação Vestibular do Hospital das Clínicas da UNICAMP.
2 Médico Assistente do Setor de Otoneurologia e de Cirurgia da Base do Crânio da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
3 Médica Assistente do Setor de Otoneurologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
4 Professora Colaboradora Médica da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.

Instituição: Trabalho desenvolvido no Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.

Tema-livre indicado a prêmio de Menção Honrosa e apresentado no 36º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, ocorrido de 19 a 23 de novembro de 2002 em Florianópolis, S.C.

Endereço para Correspondência: Keila Alessandra Baraldi Knobel - R. Joaquim Novaes, 60/132 Campinas SP 13015-140 - Tel/fax (0xx19) 3255 1234 - E-mail: keila@gabengenharia.com.br

Artigo recebido em 09 de junho de 2003. Artigo aceito em 01 de julho de 2003.

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