Ano: 1938 Vol. 6 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (9º)
Seção: Revista de Livros
Páginas: 499 a 501
Elementos de oto-rino-laringología para uso do medico pratico
Autor(es): FÁBIO BELFORT.
CAPISTRANO PEREIRA - "Elementos de oto-rino-laringología para uso do medico pratico" - Tomo 1.º - Doenças dos ouvidos - Edição de Calvino & Melo - Rio de Janeiro.
Os livros de Medicina em lingua portuguesa são relativamente raros. Habituados ao manejo das principaes linguas extrangeiras, os medicos e mesmo os estudantes de Medicina não sentem grande falta de compêndios e manuaes escritos na nossa lingua. Daí a exiguidade da biblioteca em idioma nacional.
Ultimamente, porem, não nos contentamos mais com os compendios, nos quaes vem condensada a experiencia alheia. O desenvolvimento dos centros de estudos do Brasil trouxe, logicamente, o aparecimento de trabalhos muito nossos, com pontos de vista inteira ou parcialmente originaes. Daí a surgir interesse pela produção nacional vae um passo.
Quem pretender iniciar no nosso meio o estudo da biotipologia será conduzido a buscar Berardinelli. O cirurgião que pretender se aprofundar na cirurgia do megaesofago já tem á mão o belo volume de Edmundo Vasconcelos e Gabriel Botelho, bem como o interessante livro de Alipio Corrêa Netto. O oto-rino-laringologista, por exemplo, poderá principiar sua especialização pelo livro de Mangabeira - Albernaz.
Agora, simultaneamente com esse formoso livro de Lily Lages - Novos rumos da O. R. L. - surgem os "Elementos", de Capistrano Pereira, em tres volumes, dos quaes o primeiro acaba de ser publicado. O segundo tomo já se acha confeccionado e se refere às doenças do nariz e cavidades anexas. O terceiro, em preparo, aborda as doenças da boca, faringe e laringe.
Segundo afirma o autor, a obra se destina ao medico pratico ou policlinico, do Interior do País, afastado dos grandes centros. No entanto, como sóe acontecer frequentemente em publicações semelhantes, máo grado seu o A. se afasta, por vezes, dos limites impostos pelo titulo e penetra em terreno que, pela sua complexidade teorica ou por dificuldades de ordem técnica, já não pode ser alcançado pelo medico policlinico. Aliás, o fato de serem ultrapassadas as lindes mais ou menos artificiaes impostas a um assunto deve ser encarado com benevolencia, em nada alterando o valor intrinseco do conjunto.
Passo a tocar, rapidamente, em varios pontos da novél publicação, o que não quer dizer que sua leitura não deva ser feita demorada e atentamente. Muito pelo contrario, recomenda-se não só ao ao medico policlinico, como ao oto-rino-laringologista, dado seu nitido cunho moderno e "upto-date.".
Embora não tenha aspeto luxuoso, o volume torna-se muito atraente, graças ás ilustrações, em numero superior a 200, quasi todas originaes, e com marcado carater de originalidade. Pena é que o elevado custo das pranchas coloridas torne quasi proibitivo o seu emprego em obras de custo não muito elevado.
Ao principiar, o autor se detem no problema da iluminação das cavidades, esclarecendo-o por meio de varios esquemas, conseguindo explicar o que outros autores só conseguem complicar.
Acho excessiva a aparelhagem aconselhada ao medico pratico. Com efeito, a canula de Hartmann, para lavagem do ático, por exemplo, dificilmente será manejada por medico não especialista.
Bem andou o A. dedicando um trecho à organização de um fichário de doentes. Infelizmente, embora pareça estranho, torna-se necessário insistir na vulgarisação de um instrumento de trabalho que hoje é empregado até em modestissimos estabelecimentos comerciais, mas que a rotina ainda não fez entrar no uso de muitos medicos.
A quasi totalidade dos tratados, compendios e manuais principía com algumas noções de anatomia as quais, por falta de espaço, são muito perfunctorias. Ora, a cirurgia, por primitiva que seja, subentende solidos conhecimentos de anatomia e não simples golpes de vista, a ligeiro vôo de passaro. O cirurgião ou conhece bem a anatomia da região onde trabalha, ou se arrisca aos mais tremendos desastres. Isso é mais verdadeiro na otorino-laringología, cuja anatomia é, incontestavelmente, a mais dificil... não possuisse ela, em seu territorio, o famoso labirinto. Por isso sou de opinião que, em tais publicações. dever-se-ía suprimir essa parte de anatomía superficialissima, e encaminhar o leitor a uma previa leitura de tratados classicos de anatomia, sempre acompanhada da disseção do cadaver.
A execução e interpretação das provas dos diapasões, embora não requeira grande aparelhagem, necessita um maduro conhecimento clinico, mas julgo que, com essa resalva, pode ser realizada pelo policlinico.
Um ponto muito importante, moderno, e que se acha ao alcance do medico pratico é a interpretação das radiografias do temporal. O A. fornece, a esse respeito, bons clichés e esquemas elucidativos, o que não é tão encontradiço.
O mesmo se pode dizer do que se refere á protese auricular, assunto do maior interesse para o medico e para a paciente e que a generalidade dos autores só trata muito de passagem.
O A. inclue, no seu excelente livro, a massagem do timpano com o electro-motor. Ora, um aparelho de tal natureza só com dificuldade poderá encontrar lugar no forçosamente grande arsenal do medico policlínico, embora seu manejo nada tenha de trancendente.
Tambem julgo excessiva a inclusão da mastoidectomía e da antrotomia entre as intervenções factiveis pelo medico pratico. Ambas requerem pratica e conhecimentos que, possuidos pelo pratico, o colocarão no nivel do otologista.
Na parte especial, naturalmente a mais útil, o A. inclue uma serie de dados clinicos e muitas indicações terapeuticas, utilissimas ao medico do Interior.
Tambem é digna de nota a referencia às indicações crenoterapicas, pois é notavel a excassez de alusões às nossas aguas virtuosas nos livros medicos nacionais, em contraste com o que se verifica no Exterior. E' verdade que não devemos procurar imitar a "perfeição" européa nesse assunto, pois cada país europeu quasi possue uma estação balnearia ou climatica para cada doença ou grupo mais ou menos convencional de doenças. Não resta duvida, porem, que Poços de Caldas, Caxambú, Lindoia, etc., já têm a sua reputação firmada.
As petrites, assunto que se acha em plena ordem do dia, mereceram a atenção do autor no que se refere ao seu diagnostico. De maneira muito louvável, lembra os exageros a que se tem chegado ultimamente, recomendando prudencia no diagnostico de sindromos do apite do rochedo.
Interessante é a sugestão feita para que se empregue o termo otose, para designar certas afecções não inflamatorias do ouvido medio, isso por analogia com o termo nefrose. O neologismo já foi bem recebido pelo Prof. Pedro Pinto e creio que todos nós devemos bem recebê-lo, o que virá ao encontro das reclamações de varios autores contra a denominação de otites para designar afecções como a denominada otite cicatricial e outras.
Ao fechar, o A. nos fornece um interessantissimo capitulo sobre os sindromos oticos, cuja leitura deve interessar no grau máximo ao medico pratico.
A parte material do volume é satisfatoria, embora tenham escapado alguns erros de revisão, como por exemplo no que se refere aos nomes de alguns autores (Helmholtz, Stacke, Toynbee, etc.).
Tambem a terminologia, aqui e acolá, dá margem a melhorías. Por exemplo, a tradução massador, de masseur, parece-me pouco aceitável. Em outro ponto, o A. considera exostose e osteoma como sinonimos. São descuidos facilmente sanaveis nas próximas edições muito de desejar, dada a excelencia da obra, tanto mais apreciável quanto mais se meditar sobre as dificuldades infinitas para, em nosso meio, produzir-se algo de cientifico. Parabens ao colega e à literatura medica nacional.
FÁBIO BELFORT.