Ano: 1938 Vol. 6 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (5º)
Seção: Notas Clínicas
Páginas: 479 a 481
LARINGITES CRONICAS - CONTRIBUIÇÃO AO SEU ESTUDO (*)
Autor(es): DR. FRANCISCO HARTUNG
(S. Paulo)
Não é minha intenção discorrer sobre a patologia da laringe, nem tão pouco divagar sobre as dificuldades que ás vezes se nos apresentam, para um diagnostico precoce e preciso entre as neoplasias, a tuberculose e a lues assestados na laringe. Não ha interesse nisso porque qualquer dos colegas presentes tem perfeita noção de sua responsabilidade, porque conhece os progressos da cancerologia moderna, sabe do avanço da roentgenterapia nos dias de hoje, que tanto têm diminuido as operações mutiladoras do orgão da fonação. Nada de materia doutrinaria; apenas ligeiros apontamentos da pratica diaria, que me poderão servir de assunto para uma das nossas reuniões mensais.
O doente rouco é dos mais frequentes nos nossos consultorios. Inumeras vezes nada mais simples: laringite catarral aguda e as compressas, as vaporisações quentes e as ondas curtas resolvem o caso com grande facilidade. As vezes é dificil obter o repouso da voz, mas, dia mais, dia menos, o doente cura-se por completo e a voz volta ao seu timbre natural.
E quando a laringite é cronica? Tomam as cousas um aspeto completamente diferente. Não vamos discutir si algumas formas recebem bem os sais de prata em fracas percentagens, porque estamos de acôrdo que algumas laringes os aproveitam, mas é incontestavel que algumas são rebeldes e não se deixam modificar pelo uso dos medicamentos topicos. O fumo, não podemos mais incriminar, porque o colega que nos precedeu, já tomou o cuidado de afasta-lo; o alcool tambem não é responsavel porque o paciente não toma vinho nem ás refeições; o Wassermann é levente positivo, mas a medicação antiluetica não surtiu efeito. A tuberculose e os neoplasmas abordamos com cuidado, para não deixar uma impressão errada e desastrada no espirito do doente; mas nem a anamnese, cautelosa e subtil, nem os elementos laringoscopicos nos permitem enveredar nesta direção. Só nos resta interpretar o caso, como uma forma simples de laringite cronica, desde que o doente nos afirme que não é orador, vendedor ambulante ou "speaker" de radio; e aqui vão á margem os meus apontamentos neste capitulo de patologia do laringe.
A cronicidade das inflamações das cordas vocais, é sabido, pode depender, das más condições gerais das vias aéreas superiores. Todavia, esta cumplicidade das sinusites, ou das amigdalites nas laringites cronicas nem sempre merece melhor atenção, ou porque se trate de um fumante inveterado ou porque se torne muito problematica a remoção do alcool. O resultado será que o tabagista com sinusite, continua a irritar a sua laringe com o fumo e os germens das cavidades acessorias do nariz encontram já uma mucosa enfraquecida, para exercer a sua ação nefasta, enquanto que o pús das amigalites cronicas continuará a agir com redobrada virulencia, contra a laringe do alcoolatra. Este é o perigo que pretendia apontar com as notas tiradas do meu fichario.
1.º - M. T. R., brasileiro, 21 anos, branco, solteiro, estudante de direito, residente nesta Capital. Procura-me em junho de 37, devido à frequentes laringites de que é vitima. Sente ligeiro prurido na garganta, mas não tem dor á deglutição. Não é um estado que o incomode muito, pois não tem quasi tosse, mas o que mais lhe perturba, é a rouquidão que ás vezes chega quasi á afonia. Os gargarejos e pastilhas de pouco ou nada têm valido; apenas os sudoriparos dão resultados transitorios. Não fuma nem bebe. O aspeto da laringe é manifesto. Ambas as cordas vocais congestas e edemaciadas. Nada se vê suspeito de processos infiltrativos ou hiperplasicos. As amigdalas, que não incomodam o paciente, não sendo acusadas na anamnese, entretanto, chamam logo a atenção. Não ha criptas com massas, mas os pilares são um tanto congestos e a expressão da loja dá um material purulento.
Nada havendo de suspeito em relação á tuberculose, aconselhei ao doente a operação das amigdalas, logo que passasse o periodo agudo. Aproximadamente 10 dias depois, volta o paciente, bastante melhorado, mas ainda acentuadamente rouco. Resolvi pois extirpar as amigdalas. O laringe prontamente respondeu á intervenção, com a retirada do foco séptico, voltando a voz á sua clareza habitual em 20 dias talvez. Ainda tornei a vir o paciente mais de uma vez no espaço de três meses, não havendo recidiva, nem iminencia dela.
2.º - J. L., 11 anos de edade. Caso perfeitamente identico. Menino com más amigdalas e laringite de repetição, talvez devido a excessos de voz no recreio do colégio. Não havia papiloma. Operado recentemente. A rouquidão desapareceu com surpreendente rapidez.
3.º - F. H., residente nesta capital. Paciente sujeito a sinusites hiperplasticas, com recidivas de crises de dores frontais e polipóse. Radiografia dos seios da face revelando opacidade dos maxilares e etinoide, sobretudo á direita, lado em que é bastante intensa. Em março do ano findo, é acometido de laringite com tósse e rouquidão, que perdurou pelo espaço de um mês. Depois de três meses bem, sofre recidiva intensa, que zomba da terapeutica comum. Estadia a beira-mar, por uma semana, sem o menor resultado. É operado pelo Dr. Homero Cordeiro, do seio maxilar e etmoide do lado doente. Começam a melhorar os fenomenos laringêos quatro dias depois da curetagem das cavidades nasais, consolidando-se paulatinamente a cura em cêrca de duas semanas, voltando a voz á sua tonalidade habitual. Detalhe importante: o paciente não abandonou o fumo; a operação já vae para um ano, e apezar de resfriados e alergia nasal, não mais houve rouquidão.
Eis pois, o meu material desta noite; material pobre, sem melhor sedimento, quando centrifugado.
Laringite cronica, fazendo parte do complexo focal, sob dependencia de dentes infectados, dos seios nasais ou das amigdalas, ou, ao contrario, si a lesão se dá de "proche en proche", é assunto passivel de discussão, assim como ha divergencia em saber-se si o bacilo de Koch infecta a laringe via hematogena ou linfatica, ou si é o proprio sputum em contáto com a mucosa. Fato é que infecta. Afastada, porém, a possibilidade bacilar, procuremos causas de cronicidade para as laringites, porque podemos encontra-las e remove-las satisfatoriamente pela cirurgia. Não nos limitemos sómente a proibir o fumo; o fumo será inumeras vezes uma concausa, mas a sua interdição isolada poderá provocar muito desapontamento para o doente e para o laringologista.
(*) Trabalho lido na secção de O.R.L. da Associação Paulista de Medicina em 17 de Agosto de 1938.