Versão Inglês

Ano:  1938  Vol. 6   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: -

Páginas: 471 a 478

 

TRATAMENTO DO HEMATOMA POST-OPERATORIO DO SEPTO POR MEIO DE LAMINARIAS (*)

Autor(es): DR. EDGARD DE CERQUEIRA FALCÃO

(Santos)

O oto-rhino-laryngologista que pratica a resecção sub-mucosa do septo nasal, obedecendo rigorosamente aos preceitos tecnicos estabelecidos pelo genial Killian, vê quasi sempre decorrer o periodo post-operatorio dessa intervenção sem o menor incidente, e se julga, no fim de certo tempo, a salvo das graves complicações que outros colegas menos afortunados ou menos experientes contam no seu passivo. Lá um dia, porém, sem quê nem pra quê, é surpreeendido desagradavelmente pela occorrencia de inesperado accidente hemorragico, de certa importancia, que o chama á realidade e lhe vem mostrar não existir ninguem a coberto, de fôrma absoluta, de semelhantes aborrecimentos. Foi o que aconteceu, o ano passado, ao nosso distinto colega de S. Paulo, Dr. Francisco Hartung, que, tendo já em longo e fecundo tirocínio uma soma de cerca de 900 resecções sub-mucosas do septo, viu surgir, pela primeira vez, hemorragia de vulto num dos seus operados. Como verdadeiro cientista, comunicou aquele colega seu caso á Secção Oto-Rhino-Laryngologica da Associação Paulista de Medicina (1), tecendo, em torno do mesmo, oportunos comentários. Muito longe embora de possuir tão elevada estatistica, posso jactar-me de ser talvez o cirurgião especializado que, em Santos, maior numero de intervenções no septo tenha realizado, pois desde 1929 venho praticando, sistematicamente, nos casos indicados, a operação de Killian, sem nunca sequer, até o momento presente, ter observado perda sanguínea abundante no decurso post-operatorio. Certa vêz, porém, e isto succedeu ha mais de seis anos passados, precisamente em Maio de 1932, tive ensejo de presenciar um outro accidente, a meu vêr mais desagradavel que a propria hemorragia, o qual é, de modo geral, muito menos frequentemente observado. Trata-se da formação de vultoso hematoma do septo, a despeito de tamponamento bilateral e cerrado, feito logo após o acto cirurgico realizado em optimas condições. Nada me fazia esperar, no caso, semelhante acontecimento. Conseguira reseccar o esqueleto osteo-cartilaginoso anomalo, sem provocar a menor effracção da mucosa de ambos os lados. Decorrera a intervenção quasi exangue. E, contudo, ao retirar os tampões quarenta e oito horas depois, em vez de franca respiração que havia promettido ao meu paciente, sobreveiu obstrução total das duas fossas nasaes pelo tumor sanguineo em apreço. E a descripção pormenorizada do occorrido, que passo a fazer, narrando a therapeutica utilizada, por mim imaginada no momento angustioso em que me encontrei, a qual foi coroada do mais amplo successo.

OBSERVAÇÃO: - No dia 15-4-932, procurou meu consultorio Eduardo B., branco, solteiro, com 23 annos, residente em Santos, o qual se queixava de obstrução permanente dá fossa nasal direita. Fôra tratado já por outro especialista local, que lhe fizéra, sem exito, galvano-cauterização da concha inferior direita. Examinando-o, notei pronunciado desvio do septo para a direita, com grande crista na porção posterior, e extensa synechia do mesmo lado, a qual obturava a fenda respiratoria homologa, não permitindo o livre curso do ar. Indiquei-lhe a resecção sub-mucosa do septo, desfazendo preliminarmente a synechia a galvano-cauterio e impedindo nova formação da mesma com a interposição de laminas de celluloide durante a cicatrização. Acceito meu alvitre, puz mãos á obra. Desbridei a synechia no dia 23-4, correndo tudo muito bem. A 6-5, tendo-se dado a cicatrização sem constituição de nova adherencia, realizei a operação de Killian. Como já accentuei, andou tudo ás mil maravilhas. Não occorreu o menor incidente operatorio. Consegui supprimir completamente o desvio com a crista, tornando o septo, de modo absoluto, rectilineo, sem provocar a mais insignificante ruptura das mucosas, direita e esquerda. Attribúo mesmo a esta integridade o desenvolvimento posterior do hematoma. Não obstante o cuidadoso tamponamento bi-lateral realizado em seguida e mantido durante quarenta e oito horas, como costumo fazer sempre, ao retirar as gazes, findo esse prazo, achei-me diante de uma situação devéras desagradavel. Tumefeito espantosamente, o septo se encontrava ingurgitado de sangue. De que maneira eliminar este humor collectado abundantemente entre as duas folhas descoladas daquelle, com o menor soffrimento para o doente e sem outras complicações mais graves? Recorrendo á abertura ampla do tumor a bisturi ou galvano-cauterio e subsequente espremidura do mesmo, acompanhada de novo tamponamento compressivo, como mandam os autores classicos? Esperando a reabsorpção espontanea do sangue extravasado? Qualquer destas duas soluções não me satisfez. A primeira pela sua impraticabilidade. E' muito bôa de dizer, mas não de fazer. Vá alguem tentar romper, em grande extensão, a bisturi ou galvano-cauterio, um septo que soffreu dois dias antes resecção sub-mucosa. Por mais docil o paciente, julgo improvavel que elle permitta semelhante manobra e a espremidura instrumental complementar. Aguardar por outro lado, de braços cruzados, a reabsorpção espontanea, que difficilmente se daria, seria sujeitá-lo aos riscos de futura deformidade, consecutiva á quasi certa suppuração superveniente, ou a complicações mais serias ainda. Nessa emergencia afflictiva, raiou em meu cerebro uma idéa salvadora. Lembrei-me de conseguir meu desiderato de forma suave e segura, introduzindo simultaneamente laminarias em cada uma das fossas nasaes. Contava obter assim, á medida que o intumèscimento daquellas algas se produzisse, a compressão gradativa do septo, e com isso a eliminação do hematoma, evacuando-se o sangue através da incisão da propria intervenção. E assim succedeu. Colloquei duas laminarias maciças n.° 6 em cada fossa: uma na parte inferior e outra na superior, mantendo-as fixadas exteriormente por um fio de séda atado na extremidade e preso á pelle do rosto por meio de esparadrapo. Tive o cuidado de verificar que as ditas laminarias se estendiam das narinas ás choanas. A' proporção que se avolumavam, ia-se eliminando a colleção sanguinea intra-septal, conforme eu esperava. Deixei-as ficar in locu cerca de quarenta e oito horas. Ao retirá-las, tive a grande satisfação de vêr o septo quasí inteiramente murcho. Substitui-as por outras tantas um pouco mais grossas, que permaneceram in situ durante igual espaço de tempo. Supprimidas estas ultimas, estava inteiramente debellado o hematoma e tudo mais se normalizou dentro de poucos dias.

COMMENTARIOS: - Algumas considerações em derredor do facto que acabo de expôr, agora se tornam mistér.

Em primeiro lugar, esboçarei a arvore circulatoria do septo, para em seguida externar minha opinião acerca do modo pelo qual se installou a complicação em estudo, cotejando o que dizem grandes mestres sobre o caso, já em relação á occorrencia do accidente em si, já de referencia á therapeutica do mesmo.

Melhor do que qualquer descripção, mostra-nos a gravura, para a qual abro espaço, a maneira por que se realiza a irrigação sanguinea do tabique nasal.



Fig. 1 - Arteriografia estereoscopica do septo nasal, reproduzida do "Atlas de Anatomia del Sistema Arterial" - Primeira Parte - Folha 120 - da autoria do Prof. Pedro Belou, de Buenos-Aires (R. A.).



Vê-se affluir por todos os lados elementos de varios systemas. De cima para baixo, caminham quasi verticalmente as arterias ethmoidaes internas, anterior e posterior, ramos da ophtalmica. Do meio da borda esphenoidal do vomer se dirige obliquamente para baixo e para diante, cruzando-o em diagonal, o ramo interno da arteria espheno-palatina, que se bifurca logo de inicio, dando dois principaes efferentes. Da porção anterior e inferior destaca-se a arteria do sub-septo, ramo da facial, a qual, após curto percurso para traz e para cima, se vae anastomosar com as precedentes, constituindo o locus Valsavae, impropria e mais commumente conhecido por area de Kisselbach, a zona mais hemorragipara da região em apreço. Todos esses vasos se esgalham abundantemente e transitam nos planos profundos da mucosa, rente ao perichondrio e ao periosteo. Em alguns trechos, todavia, elles afloram á superficie, apresentando-se mais facilmente vulneraveis. Terracol, estudando as hemorragias nasaes operatorias, no seu livro "Les Maladies des Fosses Nasales", estampa um eschema, que intercalo a seguir, assignalando as principaes zonas hemorragiparas do septo.



Fig. 2 - Principaes zonas hemorragiparas do septo.



Desde que a resecção do arcabouço osteo-cartilaginoso deste seja ultimada sem despedaçamento ou ruptura das camadas a serem conservadas (mucosa-perichondrio-periosteo), torna-se inexequivel naquelles pontos o extravasamento sanguineo posterior abundante, susceptivel de escoar-se através das fossas nasaes ou de accumular-se entre as folhas descoladas cirurgicamente. Passow, tratando dos hematomas em analyse, no capitulo "Die Erkrankungen der Nasenscheidewand", inserto no vol. 11 do "Handbuch der Hals, Nasen, Ohrenheilk", de Denker e Kahler, depois de referir que havia muitos annos não os observava em sua clinica, accrescenta que os mesmos se constituem secundariamente, quando ha solução de continuidade da mucosa, donde flúe o sangue, e essa é obstruida espontaneamente ou por meio de tamponamento, transudando tal humor da camada mucosa-perichondrio descolada para o espaço intra-septal. Como já frisei, no meu caso não se registrou effracção de nenhum daquelles estratos, quér de um quér de outro lado, e durante o acto cirurgico o sangramento foi insignificante. Muito embora o derrame sanguineo se pudesse processar posteriormnte na zona do locus Valsavae, ao nivel da qual foi praticada a incisão inicial da intervenção, e, difficultado o escoamento do humor para fóra, pelo ponto de sutura destinado a approximar os labios do córte, viesse a installar-se desse modo o hematoma, julgo mais plausivel o seguinte mechanismo explicativo: que o sangue emanado de vasos intra-osseos, mais ou menos importantes na porção vomeriana, tivesse sido retido no espaço intra-septal em virtude da integridade absoluta das folhas descoladas e do fechamento da incisão.

Relativamente ao tamponamento como meio de evitar tal contratempo, recommendam os autores fazê-lo, em geral, cerrado e bi-lateral. Entretanto, muita vez deixa o cirurgião de praticá-lo e nada acontece. Acredito que contribúa, de preferencia, para o apparecimento da complicação estudada, a ausencia de solução de continuidade das camadas molles remanescentes. E' habitual, ao realizar-se a retirada completa de cristas e desvios muito pronunciados, esgarçar-se ou romper-se a mucosa da parte convexa, o que não tem inconveniente algum desde que a zona equivalente do lado opposto fique intacta. Através de taes fendas, commumente verificadas, se elimina o sangue proveniente de vasos porventura lesados na espessura do septo. Chegam certos mestres a aconselhar a contra-abertura da porção posterior deste como prophylaxia dá retenção sanguinea intra-septal post-operatoria. Opinam desse modo Claoué e Vandenbossche, no seu livro "Chirurgie des Maladies de l'Oreille, du Nez, du Pharynx, du Larynx". Eis as expressões textuaes dos mesmos: "L'hématome sera evité par une bonne application du tamponnement; aucun suintement intermuqueux n'est à craindre dans ces conditions; si on le redoutait après une résection importante, on le préviendrait en incisant franchement l'une des parais muqueuses à sa partie postérieure, de façon à réaliser un drainage de sûreté". Igual proceder indicava o proprio Killian, citado por Passow.

Acerca do tratamento do hematoma já constituido, é uniforme maneira de agir: abertura precoce a bisturi ou galvano-cauterio. Entretanto, pelas razões que expendi, deixei de seguir esta nórma e não me arrependo de tê-lo feito.

Encerrando os commentarios bordados em torno de minha observação, formúlo votos para que outros collegas que venbam a ficar em situação identica á por num experimentada, lancem mão do recurso que empreguei e sejam igualmente bem succedidos como fui.

ZUSAMMENFASSUNG

"Behandlung dos Septum Haematoms durch Laminarien nach der operation".

Der Verfaaser, der bis jetzt fortwaehrend die Resektion unter der Schleimhaut angewendet hat, ohne dass dadurch die geringste Komplikation zu verzeiehnen geweaen waere, stellte bei einem seiner Kranken gelegentlich einer solchen Intervention das Erscheinen eines utafangreichen

tion gentlich einer solchen Intervention das intraseptalen Erscheinemeines umfrangreichen intraseptalen Haematoms fest.

Da er nicht den allgemeinen Weg zur Beiseitigung dieser unerwarteten Erscheinung einzuschlagen wuenschte, also duch Oeffnung mittels Bistouri odor Galvano-Kauterisierung, hielt er es fuer angebracht die Entleerung des Geschwuers durch Einfuehrung von Laminarien in beide Nasenbeffaungen herbeizufuehren. Das Ergebnis dieser Anwendung war ueberraschend.. Der Verfaaser macht zum Schluss einige Erlaeuterungen ueber diesen Eingriff und bezielht sich besondera auf seinen vorliegenden Fall.

RÉSUMÉ

DR. EDGARD DE CERQUEIRA FALCÃO - "Traitement de l'hématome post-opératoire du septum nasal tu moyen de laminaires".

LA., qui a pratiqué quelques centaines de résections naus-muqueuses sans une complication, rapporte un cas où, après cette opération, s' est

présenté un gros hématome. L'ouverture large au bistouri ou au galvanocautère ne lui semblant pas facile d'employer dana le cas, l'A. a eu l'idée de provoquer le videment de la collection sanguine au moyen de deux laminaires, chacune introduite dans une des fosses nasales. Le résultat a été parfait..

L'A. tâche d'expliquer la pathogénie de ces hématomes, surtout dana le cas rapporté.

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