Versão Inglês

Ano:  1938  Vol. 6   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: -

Páginas: 443 a 464

 

CASUISTICA DO SINDROME DE RAMSAY-HUNT (*)

Autor(es): J. E. DE REZENDE BARBOSA
ANGELO MAZZA

S. PAULO

Nosso escopo, ao apresentar essas duas observações, visa, tão sómente, trazer á Casa dois casos com interesse diagnostico. Acidentalmente tocaremos, de leve, em diversos outros capitulos como a etiologia e tratamento.

Observações clinicas:

1.ª Observação - J. G., com 14 anos de idade, branco, brasileiro, residente em Guarulhos. Procurou a consulta de O.R.L. da Sta. Casa de S. Paulo em 20 de janeiro p.p., queixando-se de dôres no ouvido esquerdo, principalmente atraz do pavilhão e com o rosto torto (sic) apra a direita e dificuldade em ocluir o globo ocular esquerdo.

H. P. M. A. - esteve internado, ha mez e meio, na Enfermaria de Oftalmologia desse Hospital (Serviço do Dr. Pereira Gomes) devido ao tracoma cicatricial de que era portador ha tempos. Nessa mesma enfermaria fizeram-lhe exame de fezes e receitaram-lhe um vermifugo. O tratamento antihelmintico foi o seguinte: pela manhã, em jejum, tomou tres capsulas gelatinosas contendo cada uma 0,50 centigrs. de timól em pó fino, e, logo em seguida, um purgante. Passados dez dias, nova dose de vermifugo e purgante.

Quando das primeiras. doses de vermifugo, as sequencias foram normais. Já da ultima vez tal não se deu, senão vejamos. O vermifugo foi administrado lá pelas 7 horas da manhã e, pouco depois, o paciente foi acometido de um estado vertiginoso obrigando-o a guardar o leito. Não foi acometido de nauseas nem vomitos. Concomitantemente foi acometido de uma sensação de comichão e picada no ouvido esquerdo com perda acentuada da audição desse lado. Dôres de cabeça e mal estar geral. Nesse estado permaneceu ligeiramente febril e notou, tambem, o aparecimento, na superficie externa do pavilhão esquerdo, de pequenas bolhas. Logo após (o paciente não consegue precisar quantos dias depois), sem muito notar, percebeu, pela manhã, que a sua cara estava torta para o lado direito (sic).

Conta, tambem, o paciente, que quando do aparecimento das tonturas e das bolhas no pavilhão, a lingua ardia (sic) do lado esquerdo. Qualquer toque no pavilhão era doloroso.



Fig. 1


Fig. 2



Retirando-se da Sta. Casa, logo em seguida, assim permaneceu, com melhoras acentuadas na audição do lado esquerdo, conservando-se, entretanto, em estado vertiginoso, com a erupção no pavilhão e paralisia facial homolateral, procurando-nos, pois, mês e meio após o inicio de seus males.



Fig. 3



Exame do paciente - deparamos logo de inicio com um sindrome paralitico da hemiface esquerda, erupção vesiculosa da concha do pavilhão auricular esquerdo e inicio da parede postero-inferior do conduto (Figa. 1, 2 e 3).

Trata-se de verdadeiras vesiculas bolhosas, isoladas, se assestando sobre placas eritematosas. Essas vesiculas são de diversos tamanhos, sendo que tres delas maiores e uma supurada.

O toque da zona de erupção é doloroso. Ausencia de dor á pressão da região antral. O bordo anterior da ponta da mastoide é ligeiramente doloroso devido a presença de um ganglio pré-mastoideo infartado. Reacção ganglionar subangulo maxilar bilateral não dolorosa.

Ausencia de secreção de qualquer especie no conduto auditivo externo. Membrana timpanica esquerda sem valor semeiotico evidente, ligeiramente retraída.

Exame da audição - Coclear direito: normal. Coclear esquerdo: quasi no limiar da normalidade. Como alteração do campo auditivo uma ligeira perturbação aos sons graves, principalmente quando da vóz cochichada. Rinne positivo. Weber não lateraliza. Schwabach normal. Ouve bem os sons agudos.

Exame do aparelho vestibular - marcha normal; ausencia de Romberg; não tem dismetria, asinergia ou adiadococinesia; ausencia de desvio do index expontaneo. Ausencia de nistagmo ao olhar direto e á convergencia, entretanto o paciente apresenta nistagmo expontaneo, tipo rotatorio, para a direita, quando pesquizado em 1.º e 2.º graus.

Pesquiza instrumental - Prova calorica: com 50 cc. de agua fria (27º), cabeça 60º atraz.
Vestibular direito: após latencia de 35" nistagmo para o lado oposto, tipo horizontal puro, inibindo o batimento do nistagmo expontaneo para o lado direito. Sintomas subjetivos presentes.

Vestibular direito: após latencia de 35" nistagmo para o lado aposte, tipo batendo para o lado oposto, aumentando o expontaneo e presente nos 4 graus. Fenomenos subjetivos presentes e intensos com tendencia a queda para o lado excitado bem como desvio do index para esse lado durante 1' mais ou menos. Esse nistagmo provocado teve a duração para mais de 2' 30'.'

Alem da sintomatologia descrita, o paciente apresentava: lingua sem desvio, sem paralisia, sem atrofia. Ausencia de qualquer erupção vesiculosa em seus bordos. Diminuição da sensibilidade da hemi-lingua esquerda. Quanto ao sensorio lingual, foram executadas as provas gustativas ao doce (açúcar), amargo (quinino) e salgado (cloreto de sadio). Houve um certo retardamento, exitação e confusão do paciente na especificação do gosto nos 2/3 anteriores da hemi-lingua esquerda. O paciente confunde o amargo com o dôce desse lado. Diminuição da sensibilidade do hemi-palato esquerdo, pilar esquerdo e amigdala esquerda. Glosso-faringeo com motricidade, sensibilidade e sensorio normais.

Firmamos o diagnostico de sindrome do ganglio geniculado de RamsayHunt, isto é, herpes zoster oticus, paralisia facial com a associação de um complexo de Menière.

Requisitamos exame radiografico das mastoides, reacção de Wassermann no sangue e exame do liquor.

Localmente, devido á supuração de uma das vesiculas do pavilhão, receitamos:

Acido picrico - ãã
Sulfato de cobre - 0,50
Sulfato de zinco - 0,50
Agua distilada - 100,00

O resultado do Wassermann foi negativo.

O paciente voltou á consulta 7 dias após, com sensação vertiginosa e paralisia facial. Às vesiculas e dôres do pavilhão desapareceram. Audição normal.

Receitamos sulfato de estriquinina em injecções e auto -hemoterapia. O paciente não completou os outros exames e não mais voltou.

2.ª Observação - M. C., 20 anos de idade, branco, brasileiro, solteiro.

Queixa: dor de ouvido á direita e impossibilidade de fechar o globo ocular do mesmo lado.
H. P. M. A.: o paciente, que é atleta (corridas a pé), ha dez dias começou a sentir dôres de cabeça no hemicraneo direito, não só expontaneas como tambem á pressão. Sentia-se concomitantemente indisposto, ligeiramente tonto sobretudo quando fazia algum movimento. As dôres supracitadas irradiavam-se do temporal para traz sobretudo para a região mastoidéa e obedecendo á um ritimo periodico com caracter de descargas eletricas. Esse estado de cousa, acentuando-se, culmina com o aparecimento ao amanhecer com a boca torta (sic) ; notou ainda que o pavilhão do mesmo lado direito apresentava-se dolorido e com algumas feridinhas (sic). A indisposição agravou-se nessa altura com nauseas, vomitos e tonturas. Procurou um clinico e um neurologista do qual foi enviado a um de nós.

Antecedentes pessoais: acusa cancro venereo ha 5 mezes. Wassermann no sangue positivo (++++). O tratamento anti-luetico executado na ocasião constou de: 4 gramas de 914 e 14 injecções de bismuto. Fato importante e digno de nota: as injecções de bismuto e arseno-benzol foram aplicadas até um mes antes de surgirem os primeiros fenomenos, ou melhor, os sintomas atuais do paciente apresentaram-se sómente um mes após o tratamento.

Exame clinico - Exame do pavilhão, conduto auditivo externo e membrana timpanica á direita: á inspecção nota-se na cavidade da concha numerosas vesiculas, esbranquiçadas umas e avermelhadas outras. A sua disposição não obedece á uma sistematisação definida, porem, procuram como que agrupar-se em serie. A maior parte localisa-se em toda a cavidade da concha desde o antelix até o bordo posterior do meato auditivo externo. Essas vestibulas repousam em fundo avermelhado lembrando terreno eczematoso, insinuam-se ao longo do assoalho do conduto auditivo externo (em numero de 4) e uma delas entre a membrana timpanica e o conduto.

Abaixo do pavilhão, atraz do angulo da mandibula, apresenta um ganglio enfartado com o tamanho de uma avelã e doloroso á pressão. Membrana timpanica normal na sua coloração e aspéto.

Exame da audição - Coclear esquerdo: normal. Coclear direito: Rinne positivo; Weber não lateralisa; Schwabach não encurtado; ouve bem toda a serie de diapasões, desde os graves até C5.

Aparelho vestibular - o paciente apresenta marcha normal; ausencia de Romberg; não tem dismetria, asinergia ou adiadococinesia; não apresenta desvio do index expontaneo. Ausencia de nistagmo expontaneo ao olhar diréto e á convergencia, entretanto, apresenta nistagmo expontaneo forte, para a esquerda, tipo rotatorio, quando pesquisado ao olhar lateral, em 1.º e 2.º graus.

Provas instrumentais - Prova calorica: 30 cc. de agua fria (27º).

Vestibular direito: cabeça 30º á frente (interrogatorio dos canais verticais) não alterou o nistagmo expontaneo para esquerda. Cabeça 60º atraz (interrogatorio do canal horizontal) : o mesmo nistagmo rotatorio já existente. As provas foram acompanhadas de ausencia de sinais subjetivos.

Vestibular esquerdo: pesquizado nas mesmas condições anteriores paralisou o nistagmo expontaneo para esse lado.

Passado certo espaço de tempo, voltamos a interrogar o vestibulo, agora com maior quantidade de excitante: 50 cc. de agua fria.

Vestibular direito: cabeça 30º á frente: não aumenta o nistagmo espontâneo rotatorio para a esquerda. Cabeça 60º atraz: o nistagmo rotatorio expontaneo transforma-se em horizontal puro, batendo á esquerda, forte. Ausencia de fenomenos subjetivos.

Vestibular esquerdo: cabeça 30º á frente: ausencia de nistagmo á direita, no entanto paralisa o nistagmo expontaneo para a esquerda. Cabeça 60º atraz: nistagmo horizontal fraco para direita. Ausencia de fenomenos subjetivos.

Prova rotatoria - cabeça 30º á frente (plano de rotação em relação com o plano dos canais horizontais) : 10 voltas, em 20" da esquerda para a direita, post-nistagmo para a esquerda, tipo horizontal, com duração de 30". Ausencia de fenomenos subjétivos. 10 voltas, em 20" da direita para a esquerda, ausencia de post-nistagmo, ausencia de fenomenos subjétivos. Exame da face: o paciente apresenta, á inspecção, a face asimetrica, caracteristica de toda paralisia facial periferica. O olho direito aberto com impossibilidade de fecha-lo. Sinal de Charles Bell. Hemiface direita paralisada. Não consegue enrugar a testa ou assobiar.

A lingua apresenta-se sem atrofia, desvio, paralisia ou empastamento. Motilidade e sensibilidade lingual normais. Sensorio lingual, pesquizado em relação ao dôce (assucar), amargo (quinino) e salgado (cloreto de sodio), normal em ambos os lados tanto em seus 2/3 anteriores quanto para traz do V lingual.

Véo do paladar e laringe com motilidade e sensibilidade normais. Foi feito o diagnostico de herpes zoster oticus, em consequencia do sofrimento do ganglio geniculado, associado á paralisia facial e um quadro de Menière.

O tratamento instituido constou de: local: nihil; geral: Betaxina (em injecções intramusculares) e Neurovacina (uma injecção por, semana). A auto-hemoterapia foi indicada mas não executada.

Evolução: 1.º dia da paralisia: sente-se tonto, cabeça pesada sobretudo do lado paralisado; dôres de cabeça em ataques; paralisia periferica do facial direito. Numerosas vesiculas na cavidade da concha.

3.º dia: continua o mesmo estado, apenas algumas vesiculas no pavilhão já secas.

6.º dia: melhorou algo da tontura e da dôr de cabeça, apenas sente uma "cousa parada" (sic) no lado direito. Já esboça um assobio.

9.º dia: assobia bem, não enruga a testa. A tontura melhorou muito.

12.º dia: continua, ainda, com ligeira instabilidade, sem, entretanto, chegar á queda verdadeira. vesículas do pavilhão desapareceram.

15.º dia: já enruga a testa e assobia muito bem. Pavilhão completamente seco. Continuam as tonturas com instabilidade lateral.

18.º dia: paralisia facial curada objetivamente. Apesar de se sentir melhor, existe ainda, certa perda de equilíbrio para os lados.

30.º dia: continua, de vez em quando, a instabilidade lateral.

45.º dia: alta curado.


Como vimos, as observações são pobres e falhas, entretanto, vislumbra-se nelas o necessario para firmar-se um diagnostico exato.

O interesse diagnostico das mesmas resume-se em sua pouca frequencia na clinica e o complexo sintomatico que ambas apresentam, diferente mesmo da sintomatologia classica.

Em ambos os casos foi feito o diagnostico de sindrome do ganglio geniculado de Ramsay-Hunt ou herpes zoster oticus.

Em que consiste esse sindrome?

Antes de entrarmos de cheio no assunto é necessario que retrocedamos um pouco.

Existe um certo grupo de afecções, a virus desconhecido, cuja representação territorial reside nas fronteiras da dermatologia e neurologia. Conhecidas são de todos as lesões destruitivas das grandes células dos cornos anteriores da medula produzidas pelo vírus responsavel pela molestia de Heine-Medin, poliomielite anterior aguda ou paralisia infantil. Destruindo essa verdadeira estação de baldeação, dos influxos motores, entre o neuronio central que aí termina e o periférico que aí se inicia, o vírus causador da poliomielite anterior aguda irá produzir, nos diversos segmentos de membros, desde hipotonias musculares, paralisias, atrofias e a consequente deformação segmentaria tão temida na paralisia infantil.

Tudo isso que dissemos se passa no territorio motor medular. Caprichosamente, no entanto, outro tipo de lesão, semelhante na causa mas completamente diferente em sua exteriorização, agride o territorio sensitivo na zona do ganglio raquideano posterior, intercalado nas fibras posteriores sensitivas da medula.

Um virus desconhecido, o zosteriano, ataca os ganglios raquideanos ocasionando sua reacção inflamatoria, com a respectiva reacção para o lado dos espaços sub-aracnoidêos, nevralgias violentas no territorio cutaneo inervado por esse ramo sensitivo, com reacção localisada dos tecidos que se inflamam, intumecem e rompem em vesículas extremamente dolorosas ao toque. Essa reacção herpética local obedece, mais ou menos, á uma lei: existe somente no trajéto de um determinado elemento nervoso sensitivo.

Resume-se, pois, a lesão zosteriana do ganglio espinal, em um síndrome bem definido caracterizado pelas nevralgias rebeldes

no territorio cutaneo inervado pela respectiva raiz sensitiva, acompanhadas de uma erupção herpetica que se assesta, exatamente, sobre o trajéto periferico dessa mesma raiz sensitiva.

Atacando um territorio nervoso sensitivo, sua sintomatologia será, forçosamente, a de perturbações nas esferas sensitiva e trófica. No entanto, apesar do relativo desafogo do ganglio espinal, situado entre elementos de estrutura delicada, sem se encontrar intercalado entre paredes rigidas, inextensiveis, é possivel que a infecção zosteriana caminhe atravez dos elementos nobres que envolvem a medula e agrida a raiz anterior, motora, antes de sua emersão atravez dos buracos de conjugação das vertebras, enxertando, concomitantemente, no sindrome sensitivo, as perturbações motoras.

Agora perguntamos: poderíamos observar a repetição desse sindrome, espinal posterior, em relação aos ganglios intercalados no trajéto das raizes sensitivas de determinados pares craneanos?

Ora, recapitulando-se a embriogenese desses elementos nervosos, veremos que todos esses ganglios sensitivos, espinais e craneanos, têm a mesma origem remota: nascem da crista neural. Ramsay-Hunt (1) é de opinião que os ganglios dos nervos espinais e aqueles dos 5.º, 7.º, 9.º e 10.º pares craneanos constituem uma cadeia continua e de arquitetura semelhante. Não é de se estranhar, pois, que elementos originarios de uma mesma estirpe apresentem as mesmas respostas á agentes inflamatorios específicos.

No caso em apreço, o do herpes zoster ou zona, teríamos, em consequencia da agressão zosteriana dos ganglios de Gasser, geniculado, de Andersch, de Ehrenritter, jugular e plexiforme, nevralgias rebeldes no territorio isolado de cada um dos pares craneanos com a concomitancia da erupção herpetica em seus territorios de expansão sensitiva.

O sindrome zonatoso do ganglio de Gasser, o mais conhecido e estudado entre todos, o herpes zoster oftalmico quando do atingimento do l.º ramo do trigemeo, ou o herpes facial, labial, do palato, etc., quando os outros ramos são interessados, caracteriza-se, tão sómente, pela erupção herpetica regional e nevralgias consequentes.

O sindrome zonatoso dos ganglios do 9.e e 10.º pares craneanos, é raramente observado, devido, certamente, á arborização de suas fibras se processar nas mucosas profundamente situadas. Observações, entretanto, têm sido registradas de lesões herpeticas nas amígdalas, pilares posteriores, paredes do faringe e vestibulo da glote, acompanhadas de nevralgias acentuadas.

Os nossos casos dizem respeito, no entanto, a uma das formas menos comuns do herpes zoster cefalico, isto é, a agressão zosteriana do ganglio intercalado na raiz sensitiva do facial ou ganglio geniculado,

O sofrimento do ganglio geniculado terá por consequencia logica, respostas imediatas nos territorios de expansão periferica do facial sensitivo. Teriamos, forçosamente, na esfera do sensorio correspondente aos 2/3 anteriores da lingua, perversão, diminuição ou abolição das sensações gustativas; em sua zona de expansão cutanea, bastante discutida, observariamos desde hipoestesias, hiperestesias até anestesias acompanhadas da erupção herpetica.

No entanto, o sindrome puro do ganglio geniculado, sindrome sensitivo exclusivo, ainda que observado, talvez seja o mais raro. Considerando-se a topografia regional desse ganglio, localisado dentro de estreito canal, de paredes osseas, rigidas, inextensiveis, não é de se estranhar que suas alterações patologicas repercutam dirétamente sobre o feixe do facial motor a ele acolado. Daí a frequencia das alterações motoras do facial nas lesões inflamatorias do ganglio geniculado.

Obedecendo, ainda, á mesma razão de topografia regional, é bem explicavel que ás lesões sensitivo-motoras do facial, produzidas pelo virus zosteriano, se associem perturbações do labirinto cócleo-vestibular.

O sindrome que se caracteriza pela paralisia facial periferica, erupção herpetica na concha do pavilhão e conduto auditivo externo, alterações na esfera gustativa dos 2/3 anteriores da lingua, nevralgias nesses territorios, presentes todos esses sintomas ou não, acrescidos, ás vezes, de alterações do equilibrio ou da audição, tudo isso homolateralmente, esse sindrome foi individualisado, em 1906, por Ramsay-Hunt, como consequencia da infecção zosteriana do ganglio geniculado.

De relance, num retrospecto historico, um dos casos mais antigos de herpes zoster oticus foi descrito em 1887 por Gruber. Em 1901, Hammerschlag discute 14 casos, alguns pessoais, outros tomados da literatura, guardando entre si pequenas diferenças de sintomatologia mas enquadrando, todos, no grupo do herpes zoster oticus. Esse A., entretanto, denominou esses casos de simples afecções reumaticas do aparelho, auditivo. Em 1904, observou Körner o seguinte caso: uma mulher, após haver sofrido, durante uma semana, de um herpes semelhante a eczema do lado direito do queixo, foi, aos poucos, ensurdecendo-se á direita e acometida, tambem, de paralisia facial direita. Apareceram vesículas herpeticas na concha e meato auditivo externo. Existiam, tambem, vesiculas acima e á frente do ouvido bem como para traz no pescoço. A explicação dada por Körner, ao caso, foi a seguinte: existia, de fato, uma nevrite do trigemeo, manifestada pelo eczema herpetico, ou melhor, uma nevrite do ramo da sensibilidade do ouvido externo, o nervo auriculo-temporal, e essa nevrite, pelas anastomoses existentes, assaltou o facial e daí o acustico. Propoz Körner a esse sindrome o nome de Herpes zoster oticus. Pela mesma epoca, mais ou menos, Frankl-Hochwart estudando pacientes portadores de lesões identicas áquelas descritas como "reumaticas" por Hammerschlag e -por "herpes zoster oticus" por Körner, reuniu-os, após estudos exaustivos, em um grupo denominado de Polyneuritis cerebralis menieriformeis. Sob esse titulo agrupou, o A., aqueles casos em que o sindrome de Menière predominava. O assunto foi atacado de cheio, em 1906, por Ramsay-Hunt que conseguiu reunir um grande numero de casos de herpes zoster da extremidade cefalica e procurou explicar, com detalhes e clareza, a fisiopatologia do sindrome. (1, 2 e 3).

Deixando de lado a teoria do neurologista norte-americano, para reataca-la depois, devemos dizer que, após Ramsay-Hunt, incontaveis são as publicações de, casos clínicos isolados, de monografias, de teses, sobre o herpes zoster oticus. Uns procurando acertar as ideias existentes sobre o sindrome, outros demonstrando a falencia de tal ou qual sintoma isolado e, outros, finalmente, indicando novas denominações que, no pensar dos mesmos, correspondiam á realidade dos fatos. Ha anos, entretanto, que o assunto saiu fora de moda, interessando sómente pela sua etiologia obscura e os casos esparsos publicados o são pela pouca frequencia do sindrome.

Procurando desvendar a verdadeira causa responsavel pelas erupções zosterianas em diversos territorios nervosos da extremidade cefalica, Ramsay-Hunt foi obrigado a estabelecer um paralelo entre as lesões dos ganglios das raizes posteriores espinais, no zona, e aquelas verdadeiras nevrites de determinados pares craneanos. Remontou o A. norte-americano á embriologia e demonstrou que os ganglios das raizes sensitivas de determinados pares craneanos possuem a mesma construção anatomica e origem embriologica que os ganglios espinais e o ganglio de Gasser, o unico até então tido como o responsavel pelas diferentes modalidades de herpes da extremidade cefalica.

As celulas nervosas dos ganglios do sistema nervoso cerebro-espinal são de origem ectodermica. A matriz dessas celulas é constituida por um ligeiro aglomerado celular situado nos labios da primitiva goteira medular e que constitue a crista ganglionar. Aos poucos os labios da goteira se aproximam, transformam-na em canal medular, perdendo as celulas da crista sua relação com esse canal. As celulas constituintes desse esboço ganglionar transformam-se em neuroblastos que darão origem, mais tarde, ás celulas ganglionares típicas. Essas celulas primitivas são constituidas, inicialmente, por uma celula fusiforme com dois prolongamentos polares opostos, sendo, pois, uma celula bipolar opositopolar. Com a evolução, no entanto, o nucleo celular crescerá excentricamente, aproximando-se aos poucos os dois prolongamentos polares que acabarão por unirem-se e teremos, então, uma celula constituida por um corpo celular e um prolongamento em T. No homem, todas as celulas dos ganglios cerebroespinais possuem essa morfologia unipolar, excepção feita ás celulas dos ganglios das raizes do acustico que conservam a morfologia bipolar, típica dos vertebrados inferiores. (Extr. de Chiarugi. Anat. dell'Uomo).

Head e Campbell (cit. In 4) afirmaram que o herpes zoster é uma infecção aguda causada por agente especifico e que agride os ganglios possuidores de elementos celulares de tipo unipolar. Foi daí que nasceu, fornecida por esses mesmos AA., a denominação de Poliomielite posterior aguda.

Não duvidou mais Rarnsay-Hunt de que o herpes zoster da extremidade cefalica corresse por conta da agressão dos ganglios das raizes sensitivas de determinados pares craneanos. Daí surgiram suas belissimas comunicações a partir de 1906. Determinou os diferentes sindromes produzidos pelos herpes de cada raiz sensitiva; isolou, nitidamente, o herpes occipitocollares, oriundo da erupção herpética no territorio das raizes do plexo cervical, do herpes facial, gasseriano típico; determinou a patogenia do herpes zoster oticus de Körner como devido a uma lesão de pequeno ganglio geniculado; afirmou da existencia do herpes farynx e herpes larynx nas lesões dos ganglios sensitivos do 9.º par (Andersch e Ehienritter ) e 10.º par (jugular e plexiforme) e considerou, finalmente, a possibilidade da agressão zosteriana dos ganglios intercalados nas raizes do acustico, ganglios esses, como vimos, possuidores de morfologia bipolar.

No que diz respeito ao sindrome do ganglio geniculado, nem sempre observamos o cortejo sintomatico completo, falhando um ou outro sintoma. Esse fato reside, forçosamente, no grau de intensidade da lesão. Claro é que uma ligeira inflamação do ganglio geniculado ocasione, simplesmente, o herpes auricular. Nesse caso a paralisia facial faltará. De outro lado o processo poderá ser de tal monta que, por propagação, atravez das bainhas de contenção do 7.º, atinja o 8.º par, principalmente em seu ramo coclear, o mais labil, ocasionando desde zoadas, hipoacusias até a surdez pronunciada. O atingimento do ramo vestibular acrescentará, ao cortejo sintomatico, o complexo de Menière. Procurando sistematizar a doença, Ramsay-Hunt classificou em quatro grupos os complexos do sindrome do ganglio geniculado e que são:

1.º) herpes zoster oticus;
2.º) herpes com paralisia facial;
3.º) herpes zoster oticus com paralisia facial e hipoacusia;
4.º) herpes zoster oticus com paralisia facial e hipoacusia e complexo de Menière.

A concepção de Ramsay-Hunt parece-nos clara e é sedutora. .Um ponto discutido, entretanto, é aquele da existencia ou não de uma representação cutanea do facial sensitivo. O herpes que surge na concha, parede posterior do conduto, parte posterior da membrana timpanica encontra-se dentro de uma zona cutaneo-sensitiva do facial ou encontra-se em pleno territorio de outros pares craneanos? Essa zona que acabamos de enumerar representa, para grande numero de autores, um verdadeiro congresso de diversos pares craneanos. O trigemeo, pelo auriculo-temporal; o facial, pelo auricular posterior e ramo sensitivo do pavilhão; o pneumogastrico, pelo seu ramo auricular; o glosso-faringeo e o proprio plexo cervical são considerados como contribuintes da enervação sensitiva dessa diminuta area cutanea.

Podemos dizer que foi Ramsay-Hunt quem revindicou, para o facial, o seu lugar de inervação dessa zona cutanea. E' bastante provavel que mais de dois pares craneanos concorram para essa enervação, mas tambem é justo que o facial aí tome parte, pois é bem claro esse processo de herpes zoster oticus para determinar as zonas de representação facial. Por esse meio, determinou, Ramsay Hunt, uma zona esquemática de representação facial, de forma conica, com vertice na metade posterior da membrana timpanica e base na concha do pavilhão e ligeiras adjacencias. Aí teria, o facial sensitivo, a sua representação cutanea.

Nessa figura esquematica, por nós imitada de Norman Sharpe (4) (Fig. 4), podemos observar que as fibras sensitivas do intermediario de Wrisberg transpõem o geniculado conduzindo duas especies de fibras: umas para a corda do timpano, outras, fibras puramente sensitivas, para o segmento externo do aparelho auditivo e que aí irão ter ou por meio do nervo retro-auricular ou por intermedio do ramo temporo-facial.



Fig. 4 (Imitada de Norman Sharpe) - Nervo facial e ganglio geniculado. Em vermelho as fibras sensitivas do intermediario de Wrisberg. 1, gan. geniculado; 2, ramo motor do facial; 3, ramo sensitivo do facial; 4, auditivo; 5, anastomoses com o auditivo; 6, gan. de Meckel; 7, gan. otico; 8, r. timpanico; 9, r. timpanico; 10, nervo estapedio; 11, corda timpano; 12, foramen estilo-mastoidêo; 13, n. estilo-hioidêo; 14, n. lingual; 15, n. retro-auricular; 16, ramo sensitivo do pavilhão; 17, r. temporo-facial; 18, r. cervico-facial.



Apesar dos tratadistas classicos não o fazerem, é sempre interessante lembrar que essa zona cutanea, - de forma verdadeiramente conica, do pavilhão e conduto, usufrue pouquissimo da inervação sensitiva dos dois grandes territorios vizinhos, o do trigêmeo, anteriormente, e o do plexo cervical, posteriormente.

Após executar 23 gasserectomias, Harvey Cushing (5) deuse ao trabalho de pesquizar as zonas de anestesia e hipoestesia cutanea ocasionadas pela extirpação do ganglio de Gasser, delimitando, assim, in anima nobile, o verdadeiro territorio de expansão sensitiva do trigemeo. O grande cirurgião norte-americano pesquisou as diferentes formas de sensibilidade, obtendo resultados bem semelhantes e cujo tipo normal médio é assim esquematizado. (Figa. 5 e 6).



Fig. 5(Cushing)



Fig. 6 (Cushing)



O limite posterior da area anestesica seria uma linha iniciando-se, mais ou menos, na metade da linha longitudinal do craneo, em um ponto correspondente á projeção externa da extremidade superior da cizura de Rolando; daí dirige-se, irregularmente, para frente e para baixo seguindo, mais ou menos, o trajeto dessa cizura; atinge o ligamento anterior do pavilhão ao redor do qual ela se encurva para traz em uma direção tal que inclue uma pequena parte do ramo ascendente do helix; desaparece depois no meato auditivo externo em seu bordo superior; desse ponto a linha passa para dentro do canal ao longo de sua parede superior até a membrana timpanica, a qual é incluída em maior ou menor extensão na area anestesica; daí a linha volta ao longo da parede antero-inferior do conduto até o bordo inferior do tragus onde ela reaparece, novamente, na superfície cutanea; desse ponto passa em angulo maior ou menor para frente e ligeiramente para cima, ao longo da região zigomatica numa extensão de 3 a 5 centímetros antes de sofrer nova angulação, agora para baixo, ao longo da bochecha e na distancia de 5 centímetros do bordo posterior do ramo ascendente da mandibula; logo depois ganha o bordo do ramo horizontal da mandibula e atinge a linha média a 1 ou 2 centímetros abaixo da proeminencia mentoneira. (Extr. de Cushing).



Fig. 7 (Cushing)



De outro lado, o mesmo Cushing, aproveitando-se de indivíduos operados de esvasiamento glandular do pescoço, e nos quais foram seccionadas as raizes do plexo cervical, procurou determinar a area de representação cutanea dessas raízes, principalmente em seus limites anteriores com o campo do trigêmeo. As suas conclusões foram as seguintes: (Fig. 7):

O limite anterior, esquematico, seria representado, na média dos individuos examinados, por uma linha iniciando-se, na região temporal, sobre o Fig. 7 (Cushing) labio posterior da linha trigeminal ; daí dirige-se para a metade da inserção superior do pavilhão, ascende ao bordo do helix até a superfície externa do pavilhão, cruza a fossa triangular do antelix, atinge e segue a margem posterior da concha até a incizura intertragica, sendo que ás vezes a linha passa na face interna do antitragus. Da incizura intertragica a linha dirige-se, com frequencia, para frente e para baixo ou para frente e para cima até atingir a linha do trigêmeo.

Do simples confronto desses dois esquemas (Figs. 6 e 7), resultado de uma sistematização perfeita, pois o foi in anima nobile, observa-se a existencia de uma determinada região, intercalada entre essas duas zonas sensitivas, que escapou á invasão de seus ramos nervosos. Vemos muito bem que a zona da concha do pavilhão, parede postero-inferior do conduto auditivo externo e parte posterior da membrana timpanica conservaram a sua sensibilidade cutanea quer nas exclusões do trigemeo quer nas secções das raizes do plexo cervical.

Essa zona, tida como territorio do vago, não possuirá outro sistema de inervação ?

Ingressemos um pouco na embriologia e raciocinemos.

O trigemeo assemelha-se, em sua estrutura e em suas conexões, periferica e central, com o duplo sistema das vias dorsal e ventral dos segmentos espinais. Daí a possibilidade de estabelecer-se, para esse nervo e para outros pares craneanos, inclusive o facial, uma certa disposição metamerica caracteristica dos nervos espinais. (Cushing),

Em um embrião de tenra idade (Figs. 8, 9, 10, 1 1 e 12), a primeira fenda visceral separa o arco mandibular, inervado pelo ramo mandibular do trigemeo, do arco hioidêo, posteriormente situado e cujo nervo é o facial. Ao redor dessa goteira, encontram-se agrupados seis tuberculos cartilaginosos, que, de acordo com a descrição de His, representam os rudimentos do ouvido externo. Dois deles, de acordo com a descrição de His, repousam no lado mandibular da fenda e darão origem, um, ao tragus, o outro, uma porção do helix (sua cruz de acordo com Schwalbe). O terceiro, tuberculo (tuberculo intermediario), His coloca-o na extremidade superior da goteira, desenvolvendo-se ou de sua vertente mandibular ou da vertente hioidéa. Esse terceiro tuberculo dará origem á parte anterior, ascendente do helix. O quarto, quinto e sexto tuberculos desenvolvem-se ás custas do arco hioidêo, e representam os rudimentos, respectivamente, do antelix, do antitragus e do lobulo. Schwalbe e Gradenigo dão diferentes destinos, no adulto, á, esses tuberculos primitivos, apesar-de possuirem a mesma idéia geral de His. Do helix somente uma porção de seu ramo ascendente deriva do arco mandibular, enquanto a maior parte origina-se do arco hioidêo.



Fig. 8 (Cushing)


Fig. 9 (Cushing)


Fig. 10 (Cushing)


Fig. 11 (Cushing)



E' sabido que os nervos sensitivos atingem as regiões cutaneas antes do desaparecimento das fendas, tornando-se logico, pois, que, aquelas regiões do ouvido externo derivadas do arco mandibular (tragus, raiz do helix e parede anterior do conduto) retenham, no adulto, a mesma inervação de seus rudimentos, isto é, a sensibilidade trigeminal.

Quanto ao facial, que nos interessa mais de perto, esse nervo, apesar de acreditado pelos morfologistas como tendo as características de um nervo mixto, não é tido na conta de um nervo sensitivo. Entretanto Cushing inclina-se a acreditar, devido ás evidencias clinicas, que o facial não possue sómente fibras do gosto, mas, tambem, fibras que transmitem uma sensibilidade especial, tactil, esquisita, da lingua, e que persiste após neurotomia do trigemeo. Baseado nesses fátos não é de se estranhar, diz Cushing, que o facial possua, no adulto, fibras aferentes sensitivas e cujo campo cutaneo origina-se, forçosamente, da cobertura do arco hioidêo, inervadas pelo facial.



Fig. 12 (Cushing)



Esse ligeiro lembrete de embriogenese do ouvido externo serviu para demonstrar que as idéias de Cushing, expendidas em 1904, foram, parece-nos, confirmadas, clinicamente, poucos anos depois, Ramsay-Hunt e a prova disso é que muitos tratados modernos de anatomia, existe assinalada, no ouvido externo, a zona de Ramsay-Hunt.

Quanto á etiologia do herpes zoster, devemos considerar, separadamente, os zonas essenciais (herpes zoster doença) e os zonas sintomaticas (herpes zoster simples ou febrilis). Clinica e patologicamente ambas formas são identicas. Enquanto Goodpasture e Teague (6) consideram o herpes zoster como uma forma virulenta do herpes simples, febrilis, Levaditi (cit. in 8) e os trabalhos recentes de Olitsky, (cit. in 8), do Instituto Rockfeller, estão convencidos de que o herpes zoster é devido a um virus distinto e especifico.

Goodpasture e Teague conseguiram, partindo de um herpes labial post-pneumonico, portanto a forma simples ou febrilis, repicar em coelhos, pela escarificação da cornea, a lesão primaria, representada por uma queratite. Esse animal veio a falecer de encefalite herpetica, o que aconteceu, igualmente, a todos os outros coelhos inoculados por material retirado da cornea infectada. Inoculado o material da cornea na pele, o mesmo produziu as conhecidas vesiculas na area inervada por um nervo espinal. Ainda mais, esses AA. retiraram o ganglio espinal correspondente á essa area de zoster experimental, cultivaram-no em solução salina e inocularam no cerebro de um coelho normal. Esse veio a falecer de encefalite, e os cortes de cerebro demonstraram a presença de inclusões celulares caracteristicas do virus do herpes zoster.

Indiscutivelmente, a etiologia, aqui, encontra-se presa, como afirmam Favre e Dechaume (7), á um virus filtravel neurotropico desconhecido que ataca o sistema neuro-ectodermico.

Quanto ao tratamento, além do sintomatico, o restante são verdadeiras tentativas, que, felizmente, encontram uma entidade nosologica benigna.

Localmente são de uso corriqueiro os antisepticos comuns, evitando-se a infecção secundaria das vesiculas.

Quanto ás nevralgias, são combatidas pelos meios comuns. Afirmam uns que as irradiações ultra-violetas encurtam a duração da dôr. A cocainização do ganglio esfeno-palatino corta as dôres e vertigens no periodo inflamatorio do ganglio geniculado.

Quanto ás injecções de alcool no ganglio esfeno-palatino bem como a simpatectomia pericarotidea, no dizer de Fenton, os seus resultados estão ainda a desejar. O soro dos convalescentes atenua ou encurta a duração das dores post-herpeticas.

Como tratamento causal, as tentativas, com resultados mais ou menos satisfatorios, são inumeras.

Como ainda não foi isolado o agente responsavel, é claro que o tratamento especifico é impossivel.

A terapeutica de shock parece bôa, tanto a auto-hemoterapia quanto a proteinoterapia.

Os arseno-benzóes são, tambem, indicados.

S. Katz (9), em artigo dado á luz em junho p.p., preconiza o tratamento do zona pelo carvão intra-venoso. Sua experiencia basea-se em sete observações clinicas e tendo colhido ótimos resultados.

No entanto, achamos que com os progressos realisados pela vitaminoterapia, é na administração intensiva do complexo vitaminico B, antineuritico, onde poderemos colher os melhores resultados no tratamento do zona.

No que diz respeito ás perturbações motoras do zona, no caso do sindrome do ganglio geniculado a presença da paralisia facial, Fenton é de opinião que a terapeutica faradica ou a cirurgica para descompressão do facial não devem ser utilisadas até que a paralisia tenha permanecido, inalterada, pelo menos 2 ou 3 mezes.

Comentarios.

Comentando o nosso primeiro caso, o mesmo enquadra-se no 4.º grupo de Rannay-Hunt.

Fáto digno de nota é aquele do aparecimento, em 1.º lugar, dos sintomas vertiginosos.
Teriamos, aqui, confirmada a possibilidade, admitida por Ramsay-Hunt, da agressão primaria, pelo virus zosteriano, de um ganglio de estrutura celular bipolar? Como explicar o aparecimento das vertigens, herpes e só tardiamente, dias depois, a paralisia facial?

Melhor explicação, pensamos, seria aquela de uma intoxicação química do 8.º par pelo vermífugo e, posteriormente, as toxinas quebrariam a resistencia das estruturas nervosas regionais permitindo a agressão do geniculado pelo virus zosteriano.

Devemos citar, tambem, a persistencia das lesões do herpes zoster oticus que, no caso, 1 mes e meio após o inicio dos sintomas, encontravam-se, ainda, evidentes.

As perturbações do sensorio nos 2/3 anteriores da lingua, homolateralmente, são notaveis.

Desconhecendo o trabalho de Cushing, verificamos diminuição da sensibilidade ao táto da hemilingua homolateral, apesar de ser pesquizada com um simples estilete rombo e não com um estesiometro apropriado. Não foram pesquizadas as sensibilidades dolorosa e termica.

O facial conduz, pois, fibras sensitivas.

O 2.º caso, mais que o anterior, enquadra-se no 4.º grupo de Ramsay-Hant, em que ao síndrome herpetico associa-se a paralisia facial e o complexo de Menière.

O paciente apresenta um ponto a discutir em sua historia. As perturbações para o lado do acustico correrão por conta, sómente, de um complexo de Ramsay-Hunt ou encontram-se ligadas, tambem, á lues?

De um lado o paciente não se descuidou de sua saude, pois foi-lhe administrado, ainda que um pouco tardiamente, 4 gramas de 914 e 14 injecções de bismuto.

Si se tratasse, o caso, realmente, de uma lesão luetica e portanto adquirida, logico seria que topassemos com uma verdadeira nevrite do 8.º par, total. Seriam observadas alterações no campo auditivo, principalmente para o lado dos sons agudos paralelas ás perturbações do equilibrio.

Tal não se deu no caso em apreço. O paciente não foi acometido, tal como acontece em lesões lueticas adquiridas, de um estado vertiginoso agudo acompanhado de perturbações da audição que costumam chegar á cofóse completa.

O exame de seu aparelho cócleo-vestibular não demonstrou alterações típicas de lesão luetica. O labirinto direito, hipoexcitavel, apresenta uma ligeira dissociação entre as provas calorica e rotatoria: hipoexcitabilidade á prova calorica e inexcitabilidade á rotação. Invertendo-se os valores dessa formula, caíriamos na regra classica de uma lesão luetica adquirida com repercussão para o lado do 8.º par: hipo ou inexcitabilidade calorica e excitabilidade rotatoria.

No entanto achamos que o mais certo é ficarmos com o diagnostico primitivo e afirmarmos que a lesão zonatosa é facilitada pelo estado local do terreno em que evolue. Teriamos, no caso, uma suposta reacção de Herxheimer consequente a um tratamento anti-luetico ineficiente e chamando a atenção do virus zosteriano para os ganglios do 8.º par. Diz Fenton

(8): "Parece provavel que o aumento da susceptibilidade nos individuos lueticos ao herpes zoster seja devido, pelo menos em parte, ao bloqueio do sistema defensiva do cerebro, constituido pelos histiocitos, bem como dos nervos e meninges, pela infestação prévia espiroquética, com a consequente mudança fribotica".

SUMMARY

J. E. DE REZENDE BARBOSA e ANGELO MAZZA - The syndrome of Ramsay-Hunt. Report of two cases.

The A.A. presents two typical cases of herpes zoster of geniculate ganglion (herpes zoster of the conchae of the pavillon, postero-inferior wall of the external ear, homolateral facial paralysis) associated to a complex of Menière.

In the first case, a boy of fourteen years old, the symptoms arose after the administration of an anti-helminthic (thymol in powder), remaind for the space of two months and they were not controlled for a time.

In the second case, a boy of twenty years old, the neuralgic and paralytics symptoms began without apparent cause. Therefore, in his passed, the patient contracted a syphilitic infection with positiv Wassermann. This patient was treated with neuro-vacina and vitamin B, was completely cured during the space of thirty days.

The A.A. study, fully, the syndrome of Ramsay-Hunt and seeked to explain, based in the Embryology, the grounds of skin representations of the sensitiv facial. They study, rapidely, the etiology of the syndrome, considering it as linked to a virus that attacks in preferance the neuro-ectodermic system. In the chapiter of the treatment, finally, they remember the numerous ways of fighting the symptomatology of the diseases and found that, with the last progress realized, it is in the strong administration of vitamin B complex, anti-neuritic, where we will be obtained the best and most convincing results.

Bibliografia

(1) RAMSAY-HUNT, J. - A further contribution to the herpetic inflammations of the geniculate ganglion. The Am. Jour. of Med. Sc. 136 :226-241 - Aug. 1908.
(2) KEY-ABERG, HANS - Herpes zoster oticus - Polyneuritis Meat. Audit. Intern. Herpetica. Acta Otolaryngologica X :209-222 - 1927.
(3) KEY-ABERG, HANS - A contribution to the pathogenesis of so-called polyneuruis meat. audit. intem. herpetica vel non herpetica: Acta Otolaryngologica XII :372-384 - 1928.
(4) SHARPE, NORMAN - Herpes zoster of the cephalic extremity, with a special reference to the geniculate, auditory, glossopharyngeal and vagal syndromes. Am. Jour. of Med. Sc. 149: 725-737, May, 1915.
(5) CUSHING, HARVEY - The sensory distribuition of the fifth cranial nerve, Bulletin of the John Hopkins Hospital 15: 213-232, July - August, 1904.
(6) TEAGUE, OSCAR and GOODPASTURE, ERNEST W. - Experimental herpes zoster. Preliminary report. J.A.M.A. 81 :377-378 - August, 4 - 1923,
(7) FAVRE, M. et DECHAUME, J. - Lésions du système nerveux central dans le zona. Lyon medicai - avríl, 26 - 1931.
(8) FENTON, RALPH A. - Diagnostic factors concerning herpes zoster oticus. J.A.M.A. 103: 468-472 - August, 18 - 1934.
(9) KATZ, S. - Le carbone intra-veineux dans le traitement du zona. Presse Medicale 44: Juin, 1-1938.




(*) Comunicação feita á Secção de O.R.L. da Associação Paulista de Medicina em 18 de Julho de 1938 e ao 1.º Congresso Brasileiro de O.R.L. em 8 de Outubro de 1938.

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