Versão Inglês

Ano:  1938  Vol. 6   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 379 a 382

 

HEMORRAGIA CIRURGIGA DO SEPTO NASAL (*)

Autor(es): FRANCISCO HARTUNG

Hemorragia na resecção submucosa do septo nasal, é um accidente de tal raridade, que, praticamente póde ser desprezado; ninguem leva a serio o facto, e razões ha de sobra para tanto. Na minha experiencia pessoal, aproximadamente 900 septos operados, pela primeira vez foi o facto observado. Claro é que não

me refiro á perda de sangue mais ou menos abundante que se segue á retirada dos tampões, facto natural e que não se pôde chamar de hemorragia, ou a pequenas descargas que ás vezes aparecem ao descolar as cristas baixas. Pela observação far-meei entender melhor.

Compulsar literatura sobre o assunto seria exagerar os acontecimentos; mas, rememorando o que tenho lido nestes ultimos anos, não conheço observação analoga a presente. Continuarei, apezar do acontecido a reputar a operação de septo, como a mais inofensiva da nossa cirurgia, e si a torna conhecida, tenho por fim unicamente atender a uma curiosidade de alguma estatistica futura. E' facto, a hemorragia é rarissima, mas de vez em quando vem ...

Antes de entrar na descrição da cena necessario é esclarecer que não se tocou nos cornetos; digo isto, porque quando tal se dá, a hemorragia nada tem de rara, porque os cornetos sangram com certa frequencia, embora sem caracter alarmante. Qualquer dos presentes endossará tal opinião. Lembro-me bem de uma noite que passei em casa de um cliente em 1921, operado pelo Professor Lindenberg, bem como de um colega por mim operado ha uns seis anos, em quem, horas depois de destamponar fui forçado a recolocar as gazes , tal a profusão e violencia de sangue. Tanto o Professor como eu, haviamos, além de operado o repto procedido tambem a uma turbinectomia.

Passemos á observação.

J. C. C., 22 anos, brasileira, branca, residente nesta Capital, sofre de frequentes crises de sinusismo frontal. Destes casos frustos, em que não ha pús, mas a radiografia revela um seio de luminosidade diminuida. Cabeça do corneto médio esquerdo muito grande e o septo com dois desvios, um para a direita, baixo, e outro para a esquerda, alto, comprimindo o citado corneto. Ressecção submucosa do septo facil, apenas pequena hemorragia no apice da citada crista esquerda, facilmente debelada por um tampão de adrenalina, que permitiu terminar bem o acto cirurgico sem mais incidente; aliás, esta moça fôra por mim operada de amigdalas por dissecção, em seguida a dois abcessos, assim como tiraram-lhe o apendice, correndo tudo calmamente. Operei-a em dias do mez passado, ás 8 horas da manhã; ás 14 horas sou chamado ao hospital porque a paciente perdia sangue. A-pezar-dom duvidar da necessidade da minha presença fui imediatamente. No quarto onde estava internada a paciente não tive uma impressão desfavoravel e mandei remove-Ia para a sala de cirurgia afim de reforçar o tamponamento, si necessario. Aqui porém, o quadro tomou um aspecto completamente diferente, porque a paciente chega á sala escura, desacordada e pulso quasi imperceptivel. Um colega que, por felicidade dela e minha porque me ajudou, casualmente estava em visita, afirma que a doente perdera nunca menos de 600 gramas de sangue rubro; não se 'tratava de sangue deglutido e vomitado, cuja quantidade tanto ilude os circunstantes. Não sei si a emoção redundou em exagero por parte do colega, mas facto é que se tornava dificil ou impossivel encontrar a radial. Assim, pois em alguns segundos tratei de reformar a tamponagem. No instante em que retirei a gaze para colocar outra, do lado da crista que sangrava durante o acto cirurgico culminou de intensidade o acidente; parecia uma torneira aberta, como se exprime o vulgo. Com muita rapidez coloquei um tampão novo bastante forte e simultaneamente se injectavam til cc. de sôro glicosado na veia e coaguleno. O novo tampão e a baixa da pressão arterial melhoraram imediatamente a situação, extinguindo-se quasi que por completo a hemorragia, mas as condições gerais da paciente ainda continuavam muito duvidosas: dificilmente percebia-se o pulso e mantinha-se desacordada. Assim pois, apelou-se para uma transfusão, realisada meia hora depois da tamponagem.

Com esta ultima providencia, tudo melhorou imediatamente.

A-pezar-de muito vertginosa a qualquer movimento, sob alimentação liquida abundante, passou uma noite mais ou menos tranquilisadora, e 48 horas depois consegui tirar o tamponamento com uma perda infima de sangue.

Que comentario mereceria esta observação?

Qual a causa da hemorragia? Estado hemofilico é a priori afastado dados os precedentes da operada, ou pelo sexo. Ruptura de um grosso vaso anomalo, tambem será dificil de aceitar-se ia que a operação correu tão bem. Deficiencia de tamponamento? Aqui um parentesis. Este caso foi tamponado tal como o tenho feito sempre depois da minha ultima estadia na Europa; aceitando a opinião de Portmann, coloco um pouco de gaze dentro de um dedo de luva, completamente indolor á retirada. Este detalhe contudo, nada tem a vêr com o acidente; basta lembrar que Waldapfel é partidario de não colocar tampão algum. Deixa que a hemorragia operatoria cesse por si.

A unica hipotese que ficaria de pé, seria uma modificação da circulação de retorno, uma vez que o septo não mais comprimia o corneto tal como antes da operação, agravada talvez por uma má posição da gaze colocada. Talvez este ponto de vista se articule bem com a sangria transitoria, no instante que descolei a parte mais alta da crista.

Por mais estereis que fossem os minutos que vos tomei, um ensinamento fica: as hemorragias na operação de septo, embora rarissimas existem, e não temos o direito de despreza-Ias de todo. Do facto sou testemunha, e convencido estou que, si não fôra a rapidez do socorro outro seria o desfecho da cena dramatica a que assisti.




(*) Apresentado à Secção de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina em 17-7-37.

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