Versão Inglês

Ano:  1938  Vol. 6   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: -

Páginas: 219 a 222

 

ENFISEMA CIRURGICO NA AMIGDALECTOMIA

Autor(es): DR. FRANCISCO HARTUNG

É acidente raro o enfisema na operação das amigdalas; quasi que só o conhecemos pela literatura; o caso mais antigo relatado data de 1908.

Parrish cita um, que se seguiu imediatamente á operação, e que com rapidez se extendeu, envolvendo a palpebra, bochecha, face e pescoço.

Richardson tambem se refere a um enfisema, ocorrido em adulto, uma hora depois da amigdala extirpada, tomando sómente c lado direito do pescoço e desaparecendo em 48 horas.

Mais dois casos congeneres são relatados por Richards, do Massachussets General Hospital; em um tratava-se de uma jovem, no outro de um jovem. Em ambos deu-se a complicação na manhã seguinte á amigdalectomia.

A Rosenhein se deve o relato de mais um caso, ocorrido tambem no dia seguinte á operação, em um epileptico.

Outra observação é de autoria de Martin, na qual ele descreve um enfisema invadindo a orbita e a bochecha, uma hora depois do ato cirurgico, por ter o paciente assoprado violentamente pelo nariz.

O caso citado por Stera é de extrema raridade, talvez unico em toda a literatura, pois que o acidente se verificou 11 dias após a operação.

Von Hofe é um recordista neste particular; conta ele nada menos de tres casos de enfisema post-amigdalectomia.

De 1935 ha uma observação de Rubenstein; o enfisema apareceu meia hora depois de ser operado o paciente, tendo perdurado por 6 dias.

Howe, de Glasgow, tambem recentemente, cita um enfisema da mesma etiologia, e que persistiu durante uma semana, como no caso que vou relatar.

Paulista de Medicina.

Observação curiosa é de Erlich com alguma ligação com este assunto. Um doente é submetido a uma operação de rins, sob anestesia intratraqueal. O tecido retroperitoneal é encontrado infiltrado de ar, e, repentinamente aparece enfisema, como nos casos que citámos na face e no pescoço.

Finalmente, uma ultima observação, talvez significándo uma complicação do enfisema. Um pequeno de 8 anos, após ser operedo de amigdalas, sofre uma extravasação de sangue, no tecido subcutaneo do pescoço, face e esternum, 24 horas depois do ato cirurgico, terminando o acidente pela morte da creança. Talvez seja tambem uma observação unica da literatura.

Do balanço destes casos se conclue evidentemente que o enfisema na operação de amigdalas é, como já disse, bastante raro; ao todo encontrei 12 casos na literatura, e com aquele que vou relatar em pormenor, 13. Possivel é que a pobreza de citações dependa só da pouca importancia do acidente e não dá sua propria raridade. Penso porém que ao contrario, taes casos devem ser conhecidos e portanto publicados, porque não é possivel afirmar a sua benignidade, que de fato é real, si não se tem experiencia ou leitura sobre o assunto.

OBSERVAÇÃO - P. P., 7 anos, brasileiro, branco, residente nesta Capital; acometido de algumas anginas e repetidos resfriados, depois de uma das crises é atacado de nefrite, com hematuria, muitos leucocitos e cilindros granulosos. E por mim operado em dias do mez passado.. Anestesia pela cloretila, amigdalectomia e raspagem de adenoides, bastante meticulosos, em atenção á anamnese. Talvez 5 a 10 minutos depois da operação, nota o pae, que é medico e consumado cirurgião de amigdalas (sempre com os medicos), que a face direita do menino, começava e estufar-se. Palpando o inchaço, notava-se claramente a crepitação, denunciando enfisema. Começára na altura da articulação temporomaxilar, mas pouco a pouco o ar foi descendo, invadindo toda a hemi-face correspondente, e depois progredindo para baixo, contornou a mandibula e insinuou-se nos tecidos moles do assoalho da boca. No fim, sentia-se nitidamente a crepitação desde o zigoma até a linha mediana da região sub-mentoneira.

Sem conhecer o acidente, tinha porém a idéa de qualquer coisa ter lido a respeito. Como já presenciara o enfisema, em experiencia propria na traqueotomia, não dei ao fato maior importancia, salvo o desapontamento de não poder melhor servir ao colega e amigo. Tal como nos casos citados por Howe e Rubenstein, o enfisema custou um pouco a desaparecer, sendo ainda francamente palpavel do decurso do terceiro dia; neste tempo, começou a reabsorver-se, para de todo se consumir no fim de uma semana.

Por onde se dá, em taes casos a penetração do ar? . E uma questão esta um tanto obscura.

A primeira idéa levar-nos-ia a acreditar na via de acesso formada pelas lojas amigdalianas esvasiadas. Porém Richards e outros assim não pensam. Segundo esse autor americano, pelo esforço na tosse ou pelo choro, o ar encontrando qualquer lesão na mucosa, penetraria sob a pleura viceral, e caminhando sobre a superficie do parenquima do pulmão, atingiria o hilo; daí, refletir-se-ia para cima, ao longo dos grossos vasos do mediastino, e descolando os planos faciaes, invadiria o tecido sub-cutaneo do pescoço. Para outros, o ar encheria a glandula parotida, forçando o pertuito do Canal de Wharton; segundo outros, o elemento gazoso atingiria o tecido sub-cutaneo atravéz do nariz e vias lacrimaes. Keen pensa que um violento esforço respiratorio realisado sob obstrucção das vias aereas superiores, poderia provocar a rutura de um ou mais alveolos; o ar escaparia para os interstícios do pulmão, gerando um enfisema intersticial; depois, devido aos esforços respiratorios, caminharia ao longo dos bronquios principaes em direção ao hilo, e daí, atingindo o mediastino, forçaria o tecido sub-cutaneo do pescoço. Meyer e Luck, estudando o mecanismo do enfisema, como complicação de pneumonia, atribuiriam-no a modificações bioquímicas do sangue, permitindo ao ar escapar atravéz dos tecidos. Muito interessante é o pensamento de Volpeau. Segundo a sua concepção, na formação do enfisema, no inicio haveria aparecimento de pequenos hematomas, os quaes sob a ação de acidos contidos no proprio sangue, tal como o acido latico, desprendiriam os gazes, que se sentem na crepitação. Volpeau, conseguiu, em animaes de laboratorio, a formação experimental do enfisema, injetando acido latico no seio do hematoma.

Tentarei agora elucidar o meu proprio caso, com a precaução de continuar com os verbos principaes no condicional, tal como fiz até agora; é uma atitude prudente para os comentarios. Notara eu que o pequeno operado tinha o labio correspondente ao enfisema um tanto edemaciado; imaginei que o Sluder o tivesse comprimido ou lesado a mucosa, pois que o trismus fôra muito intenso durante a anestesia; encontrada alguma escoriação, estaria aí a porta de entrada do ar, mas, examinando cuidadosamente nada deparei para sustentar esta hipotese. Só restariam pois, as proprias lojas amigdalianas e a superficie curetada do nasofaringe, como vias de acesso para o enfisema, interpretação aliás que seria a mais logica. O menino, logo em seguida á operação queixava-se de muita obstrução nasal; talvez muito coagulo nas coarias. Provavelmente no esforço de expeli-los, exageraria a pressão na cavidade bucofaringea; o ar, encontrando desnudados o faringo-estafilino e o glosso estafilino, forçaria o pterigoideo interno, e seguiria por onde encontrasse menos resistencia, em direcção aos tecidos sub-cutaneos. E' uma conjectura talvez um pouco aprioristica; mas, em verdade, quem manusea os classicos não consegue tambem sair do terreno das hipoteses.

Sumario.

O A. descreve um caso de uma creança de 7 anos, que portadora de uma nefrite, em seguida a uma serie de anginas, foi por êle operado de amigdalectonia e extirpação de adenoides; em seguida á operação, houve a formação de um enfisema, tomando a face e parte do pescoço. Em tres dias, o enfisema começou a desaparecer sendo que em uma semana nada mais restava da infiltração de ar, tendo o pequeno se restabelecido completamente. Depois de passar em revista os casos da literatura, chama a atenção para a raridade do caso, apenas 12 encontrados em observações anteriores. Termina, afirmando ser um acidente raro e benigno, mas que é necessario conhece-lo.




Trabalho lido na Sessão de 17 de Abril de 1938 da Secção de O.R.L. da Associação

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