Versão Inglês

Ano:  1938  Vol. 6   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 183 a 195

 

ESTUDO CLINICO RADIOLOGICO DOS TUMORES DA REGIÃO CRANEO-FARINGÉA - parte 1

Autor(es): DR. PAULO DE ALMEIDA TOLEDO (1)
DR. CARLOS GAMA (2)

Estudaremos sob a denominação: "Tumores da região craneo-faringéa", alguns casos de neoplasias do naso-faringe ou do andar medio do cranio, que apresentam, como traço comum, o comprometimento do esqueleto da base, a saliencia tumoral nas retrofossas nasais e a lesão de varios pares cranianos. (fig. 1).

Median section of head with chocdorna



Fig. 1 - Bailey - Median section head with chordoma.


Fig. 2


Fig. 3


Fig. 4


Fig. 5



E bem de ver, pela extensão do conceito, que não cabe aqui criterio histologico limitado a uma especie temoral. São tumores varios pela sua genese celular, que se apresentam, porem, sob quadros clinicas similares, derivados mais de sua topografia que de sua naturesa histologica.

Pela sua sintomatologia, ora se colocam dentro da alçada do neurologista, dada a predominancia das perturbações nervosas; ora no terreno da otorinolaringologia pelas perturbações da deglutição, da respiração ou da fonação que acarretam. Mais raramente, os sintomas oculares, por vezes os primeiros a se manifestarem, encaminham o doente para as clinicas oftalmologicas.

Os autores que tratam de tais tumores, colocam-se geralmente em posição uni-lateral, analisando-os quasi exclusivamente por um de seus aspectos: ou de tumores intracranianos do andar medio, ou de tumores extra-cranianos, do epifaringe. Mencionam apenas, sem a acentuarem devidamente, a passagem eventual de uma para outra dessas localisações.

Nos casos que apresentamos, salientam-se ambas as faces da sintomatologia com predominio ora de uma, ora de outra, em seus multiplos graus de transição.

56 anos, italiano, Setembro 1934.

Anamnese. Ha cerca de um ano e meio, começou a ter cefaléa ocipital irradiando-se para a região temporal de ambos os lados, continua, pulsatil, exacerbando-se com o decubito dorsal.

Essa. cefaléa, quasi sem treguas, persiste até hoje, tendo-se intensificado ultimamente. Apenas melhora com os sedativos habituais, sem desaparecer.

Os movimentos de extensão e flexão lateral intensificam a dor; a flexão anterior abranda-a, pelo que é a posição preferida pelo paciente. - Frequentemente acorda á noite, despertado pela dor. Nessas ocasiões é obrigado a sentar-se ou a mudar o decubito dorsal para um dos laterais, afim de conseguir algum alivio.

Ha cerca de tres meses começou a sentir dificuldade para falar, baralhando" a lingua e prendendo-a entre os dentes.

Ao mesmo tempo, começou a perder o paladar, a ter dificuldade para executar o primeiro tempo da deglutição e a sentir que a metade esquerda da lingua se tornava progressivamente mais fina.

Ha tres meses nota que a audição tem diminuido progressivamente. Atualmente está quasi surdo.

Ha cerca de dois anos elimina pelo nariz e pelo escarro, um catarro muco-sanguinolento que vem das retro-fossas nasais. Tem epistaxis frequentes, quasi diarias, pouco abundantes.

Outros antecedentes pessoais e familiares, sem interesse.

Exame. Individuo branco, encanecido, de complexão robusta e bom aspecto geral. Mucosas visiveis bem coradas. Acentuado enfartamento ganglionar da região latero-cervical esquerda e paralisia do externo-cleidomastoideo desse lado. Não existem outros enfartamentos ganglionares.

O exame clinico dos diversos aparelhos; respiratorio, circulatorio, digestivo e locomotor, nada revelam de maior interesse para o caso.

Exame neurologico dos nervos craneanos e otorinolaringologico.

1.º -Atrofia da hemilingua esquerda.
2.º - Paralisia do hemipalato esquerdo.
3.º - Diminuição do reflexo corneano esquerdo.
4.º - Abaixamento da audição de ambos os lados, de origem periférica.
5.º - Vestibular esquerdo normal.
6.º - Vestibular direito hiperirritavel.
7.º - Paralisia da corda vocal esquerda.
8.º - Pelo toque do naso-faringe: formação tumoral sangrante da parede postero-lateral esquerda.
9.º - Pela rinoscopia posterior, observa-se uma formação tumoral da parede posterior do faringe, dura, resistente, não ulcerada.

Pensamos em tumor do naso faringe com propagação infiltrativa para o lado da trompa, buraco condiliano e buraco despedaçado posterior esquerdos.

As lesões do raim, coclear devém correr por conta da compressão da trompa.

Alem das lesões dos nervos cranianos evidenciadas pelo exame otorino-laringologico, não se -encontram perturbações da sensibilidade ou da motricidade, do equilibrio ou da marcha que evidenciem outras perturbações neurologicas. Integridade do facial e movimentação perfeita da mandibula.

Exame do liquido cefalo raquidiano - Punção sub-ocipital (Dr. O. Lange)

Pi. - 16. Citologia 0. Albumina 0,10. . Pandy, Nonne, Weichbrod negativos. Takata-Ara e Wassermann, negativos.

Exame do apparelho visual - Musculatura extrinseca ocular normal. Pupilas iguais, reagindo bem á luz e á acomodação. Reflexo consensual presente e normal.

R. Wassermann no sangue - negativa.

Exame radiologico - Metodo de Zuppinger: Formação tumoral saliente na parede posterior do buco faringe com estreitamento consideravel da comunicação com as fossas nasaes. Saliencia tumoral das partes moles do naso faringe em conexão com a parede anterior do seio esfenoidal. Opacidade do seio esfenoidal e das celulas etmoidaes esquerdas. Ligeiro alargamento concentrico da sela turcica- Abertura selar normal. Ausencia de sinais de hipertensão craneana. Erosão da base craniana, atingindo, ã esquerda, a ponta da piramide e a parte posterior do buraco oval, com consideravel alargamento do buraco despedaçado anterior. (Figs. II, III, IV e V).

O exame anatomo patologico de um fragmento do tumor, retirado pelo oto-rino-laringologista, revelou a existencia de um carcinoma plano-celular do naso faringe (Dr. Humberto Cerrutti).

Trata-se, em resumo, de um carcinoma plano celular da parede postero-esquerda do cavum, com crescimento infiltrativo profundo, comprometimento da trompa esquerda e lesão mais ou menos intensa dos seguintes nervos craneanos:

V par, com diminuição do reflexo corneano esquerdo e zona de anestesia da face. A' esquerda,, nevralgias de tipo trigemeo.
IX par, perturbações da deglutição no primeiro tempo.
XI par, paralisia da corda vocal esquerda; paralisia do veu do paladar á esquerda. Paralisia do esterno cleido á esquerda.
XII - atrofia da hemilingua esquerda.

Estes achados estão de acordo com o exame radiologico que revela, alem do tumor propriamente dito, as destruições osseas da base, ao nivel dos andares medio e posterior, á esquerda da linha mediana.

Foi indicado o tratamento radioterapico, que se realisou com nitidas melhoras subjectivas (diminuição das dores) e objectivas (regressão das dimensões do tumor e melhora dos fenomenos de paralisia).

O doente procurou novamente o hospital dois mezes após a serie de radioterapia, queixando-se de diplopia e intensas dores nevralgicas oculares, á direita

O exame objectivo revelou, alem das perturbações já mencionadas no exame anterior, paralisia do motor ocular externo direito, paresia facial esquerda e anestesia dolorosa da região geniana direita.

Dessas novas perturbações deduz-se a invasão progressiva do tumor que alem de lesar mais profundamente os nervos cranianos esquerdos (facial, trigemeo), ultrapassou a linha mediana, para atingir o trigemeo e o motor ocular externo direitos, o que significa provavelmente invasão da base craniana ao nivel do seio cavernoso ou na altura da fenda esfenoidal.

A evolução do caso parece indicar um comprometimento inicial dos ultimos nervos craneanos e propagação, em direção anterior, para os primeiros pares.

A insignificancia das lesões selares e, ao mesmo tempo, a natureza histologica da neoplasia e o alargamento dos buracos da base, indicam que o tumor é originario do epitelio de revestimento do naso faringe e que, partindo do cavum, ganhou a região da base do craneo alargando seus orifícios pela penetração de brotos tumorais.

OBSERVAÇÃO II

G. G. B. - Clinica Dr. Carlos Gama, N." 4205. 10 anos - 1-2-1936.

De alguns meses para cá, queixa-se constantemente de dores de cabeça frontal e do vertex e de diminuição da acuidade visual á direita. Dores na região orbitaria direita. Nega epistaxis ou secreção sanguinolenta pelo nariz. Ha cerca de tres mezes, as pessoas da familia notaram o desenvolvimento progressivo de exoftalmia direita. Qeixa-se de sensação de obstrução nasal e respiração difícil pelo nariz. Ultimamente dores nevralgicas no ouvido e na arcada dentaria superior á direita e formigamento da região geniana do mesmo lado. Sonolencia continua.

Outros antecedentes pessoais e familiares, sem significação.

Exame - Estado geral conservado. Tem engordado e se desenvolvido fisicamente.

Exame ocular - (Dr. Pereira Gomes) - Exoftalmo tenso á direita. Reflexo pupilar á luz, diminuido á direita, normal á esquerda. Consensual: diminuido em O. D., normal em O. E. . Meios oculares normais. O. D., papiledema com nevrite optica consecutiva. O. E., papiledema. Sinal de Kennedy. Tensão da arteria central da retina, O. E. e O. D., Maxima 35, minima 10. Visão, O. D., conta mal os dedos a um metro; O. E. - 1/2. Campo visual quasi extinto, em O. D. Restrição concentrica em O. E. Não ha anestesia da cornea.

Sistema nervoso - Marcha e equilibrio normais. Patelares diminuidos, aquileanos, cutaneos plantares, abdominaes, normaes.

Dificuldade objetiva e subjetiva á respiração, com tiragem nasal nitida. O exame diréto revela uma grande massa tumoral do naso-faringe, com obstrução quasi total das fossas e estenose das vias aereas naso-faringéas. Na abobada do cavum notam-se massas de aspecto lobulado, hiperemicas e de consistencia mole, sangrando á pressão. Esse tecido, extende-se região esfenoidal direita (Dr. Raphael da Nova).

Exame radiologico - Processo tumoral da região cranio-faringéa, atingindo a base craniana entre os andares medio e anterior, com destruição dos contornos inferior e anterior da séla turcica, invasão do corpo do esfenoide em sua porção antero-superior, destruição do této do seio esfenoidal que é tomado, e do labirinto etmoidal, assim como dos fundos orbitarios. O dorso da séla é conservado. Os limites anteriores do tumor, saliente, no naso faringe, são delineados pela substancia de contraste injetada (metodo de Zuppinger). Não existem calcificações nem sinais radiologicos de hipertensão intracraniana, a não ser leve reforço das impressões digitais. (fig. VI e VII).

Resumo - Tumor destrutivo da região medio-anterior da base, com crecimento intra e extra craniano, invasão das cavidades pneumatisadas profundas e das orbitas. Sintomatologia de comprometimento do II par. Neste caso, clinicamente, é dificil dizer com certesa, o ponto de origem da neoplasia. O inicio pela exoftalmia; o desenvolvimento ecessivo do tumor do cavum, em desacordo com as lesões apenas parciais da sela turcica; as epistaxis e a secreção nasal; o comprometimento do labirinto etmoidal, fazem supor a origem epifaringéa do tumor.

Evolução - Em 2-8-1937, a doente foi operada pelo Dr. Raphael da Nova, que estirpou um grande tumor de consistencia gelatinosa, ricamente vascularisado, que enchia completamente os seios esfenoidaes e as celulas etmoidaes.

O exame histologico feito no Instituto de Anatomia Patologica da Faculdade de Medicina, demonstrou a existencia de um endotelioma.

Foi feita a seguir, no serviço do Dr. Livramento Barreto, no Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho uma serie de aplicações de Radioterapia profunda. Atualmente, decorridos sete mezes, a paciente está em ótimas condições. Regrediu a exoftalmia e melhorou extraordinariamente a visão de A. O., principalmente á esquerda.

OBSERVAÇÃO III

1. T. - Clinica Prof. Vampré. N." 4684 (C. G.). 16 anos -- 13-5-1937.

Ha cerca de quatro anos vem notando diminuição progressiva da visão, á direita, com amaurose completa ha tres anos aproximadamente. Ha cerca de dois anos vem sofrendo baixa progressiva da audição, tambem á direita. Cefaléa ocipital ha seis meses mais ou menos, acompanhada, por vezes, de vomitos. Sensação de obstrução nasal frequente, de um e de outro lado. Perda progressiva do olfato. (Anamnese deficiente porque o paciente. fala mal o portuguez).



Fig. 6


Fig. 7


Fig. 8



Exame físico - Individuo de 16 anos, palido, porem com o estado geral conservado.

Exame oftalmologico - Atrofia do nervo optico. O. D. Atrofia iniciai O. E. Campo visual O. D. nulo, O. E. restringido, porem difícil de determinar pela baixa de visão e dificuldade de informações. Pupila O. D. em midriase paralitica. Pupila O. E. reage mal á luz e á acomodação.

Exame rinologico - Fetidez nasal e hiposmia acentuada. Hiperemia da mucosa nasal e faringea. Pelo toque percebe-se nitidamente uma grande formação tumoral do naso e buco faringe, enchendo quasi completamente as retro-fossas nasaes.

Paralisia do orbicular da palpebra á direita. Paresia facial bilateral. Tremores fibrilares da lingua á direita.

Exame radíologico - Grande formação tumoral do andar medio do cranio. destruindo parcialmente o corpo do esfenoide e fasendo saliencia nas retrofossas nasaes, onde as massas tumorais são delimitadas pelo contraste injetado. Linhas de calcificação da periferia da formação tumoral, que faz e saliencia na cavidade craneana, para cima e para traz da sela turcica. Invasão parcial do andar anterior do cranio com destruição da pequena asa do esfenoide e do teto da orbita, á direita. Erosão da ponta da piramide direita. Invasão dos seios esfenoidaes, celulas etmoidaes, de ambos os lados, fossa pterigo maxilar e seio maxilar, á direita. (Fig. VIII).

R. Wassermann - negativa.

Em resumo: tumor calcificado na região cranio-faringéa, de crecimento intra e extra-craniano, lesando principalmente os primeiros pares (I, II, III) e menos intensamente o VII e o XII. O comprometimento da audição talvez se explique pela compressão das trompas.

O exame radíologico, mostrando a invasão do andar anterior do craneo, justifica a distribuição das lesões. No caso, o inicio pela baixa de visão, as dimensões enormes da formação tumoral intra-craniana, as cefaléas com vomitos, assim como o pequeno comprometimento dos ultimos pares, acenam com a possivel origem intra craneana do tumor e invasão secundaria do naso-faringe; atravez das paredes erosadas do seio esfenoidal.

OBSERVAÇÃO IV

L. T. - 1. M. H. N.º 2096 (C. G.). 40 anos mais ou menos. 20-12-1937.

Historia - Ha 5 ou 6 anos, começou a engordar, e ao mesmo tempo, sentir-se indisposto para o trabalho; -notou ainda diminuição da libido e certo grau de impotencia coeundi. Não notou, contemporaneamente, alterações no volume ou aspecto da urina.

Ha 14 mezes teve febre, com dores frontaes á esquerda e rigidez do pescoço pela dor que permanece, embora atenuada, até hoje. Desde então tem tido cefaléa de localisação variavel, mais intensa á esquerda, sem hora de aparecimento.

Não teve diplopia, nauseas ou vomitos. Progressivamente, a partir do inicio da cefaléa frontal, vem notando diminuição da visão á esquerda com amaurose completa atual. Em seguida apareceram perturbações do olho direito (o doente relata nitidamente hemianopsia temporal).

Antecedentes pessoais e familiares, sem interesse.

Exame fisico - Individuo de arcabouço osseo bem desenvolvido, bem orientado no tempo e no espaço. - Raciocinio e memoria conservados. Marcha, estatica e força muscular normaes. Todos os reflexos, superficiaes e profundos, presentes e normais.

Exame neurologico ocular - Amaurose em O. E. Hemianopsia temporal em O. D. Campo central O. D. normal, O. E. escotoma absoluto - Paralisia do, motor ocular comum á esquerda. Pupila em midriase, ptose palpebral, exoftalmia, limitação dos movimentos do globo acular para cima e para dentro. Sinal de Oppenheim (insensibilidade da cornea á esquerda). Lacrimejamento mais acentuado eí esquerda.

Exame oto-rino-laringologico.

Cocleares no limiar da normalidade.

2.º - Nistagmo horisontal expontaneo do 1º grau para a direita. Olhando á esquerda, ausencia de nistagmo.
3.º -Prova calorica: ouvido esquerdo, 50 cms. de agua fria. Nistagmo após 15" de latencia, para a direita, horisontal, com duração maxima de 1'50". Sintomas subjetivos e objetivos presentes (lipotimia, tonturas, tendencia á queda para a esquerda). Ouvido direito - repetiram-se os sintomas com frequencia mais ou menos identica.
4.º - Motor ocular externo e facial, normais.
5.º - Movimentação normal do palato mole.
6.º - A esquerda, paralisia da parede posterior do faringe onde se nota abaulamento tumoral que se continua para o naso-faringe.
7.º - Movimentação e sensibilidade normais do laringe e da lingua.

Exame do liquor - Em 24-12-1937 - P. S. O. D. = Pi 15, Pf 6 Vol. 18 cc, Iimpido e incolor. Citologia 3, Albumina 0,30. Cloretos 7.00, Pandy, None, Weichbrodt - opalescencia. Benjoin 00000.01221.00000.0. TakataAra, negativa. Wassermann, negativa com 1 cc. M. K. R. II, negativa.

Exame radiologico do craneo - Grande destruição da séla turcica, abrangendo todos os seus contornos, com grande abaixamento do assoalho e consequente desaparecimento do seio esfenoidal. Dorso quasi completamente destruido e puxado para traz. Abertura selar enormemente alargada. Ponto de calcificação ao nivel da parte media da abertura selar. Erosão das pontas das piramides e dos fundos das orbitas. Ausencia de sinais de hipertensão craneana, a não ser acentuação dos sulcos vasculares, expressão de obstaculo comprimindo os seios venosos da base. Ventriculografia com lipiodol: impressão diréta de tumor da região infundibular, para cima e para traz, sobre o polo anterior do 3." ventriculo. Não existem sinais de hidrocefalia. Aspecto normal do aqueduto de Sylvius. Tumor das partes moles do cavurn. (Figs. 1X e X).

Em 25-1-1938, o doente apresentou-se febril, com sintomas de meningite e o exame de liquor deu o seguinte resultado: Liquor L. D., Pi 70. Liquor turvo e xantocromico. Após centrifugação: liquor limpido e fortemente xantocromico com deposito purulento. Citologia incontavel. Polinucleose exclusiva, - puz. Exame bacterioscopico: pneumococo.

Morte por meningite pneumocica.

Em resumo: individuo portador de uma grande neoplasia do andar medio do craneo, fasendo saliencia ao mesmo tempo para dentro da cavidade craneana(luxação do 3." ventriculo) e para fóra (tumor palpavel no cavurn); calcificada em parte (tumor da bolsa de Rathke), atingindo em seu desenvolvimento para baixo, o 8." e o 9." par e no seu crescimento para cima, o 2." par de ambos os lados. A erosão das pontas das pïramides, do dorso da sela e dos fundos oculares, objetiva a causa dessas perturbações.

A calcificação central supra selar, o inicio da sintomatologia por fenomenos provavelmente infundibulares, (adiposidade, perturbações da esfera sexual) assim como a pouca monta dos sinais nasaes, tornam clara a origem supra-selar do tumor, com propagação subsequente para a região do Cavum, atravez do seio esfenoidal destruido.
Resultado parcial da autopsia feita no Laboratorio de Anatomia Patologica da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, em 27-1-1938:

Cabeça - Caixa craneana bem conformada, apresentando na região ocipital duas perfurações circulares, uma de cada lado, de um cm. de diametro. Dura mater, de aspecto brilhante e humido. Na base, inseridas no diafragma da sela por curto pediculo, junto aos seios venosos de cada lado e proeminando na cavidade craneana, encontram-se duas formações do tamanho de azeitona, de côr vermelho-vinhosa, de consistencia mole, com flutuação. Estas formações, por sua localização, comprimem fortemente o quiasma ótico. Abertas, mostram uma delgada parede e internamente material liquido e espesso de côr vermelho-vinhosa.

Aberto o diafragma da sela, que se mostrava tenso, encontramos ocupando a região selar uma massa de côr vermelho-vinhosa, com pequenas arcas acinzentadas, de consistencia mole e estructura mais ou menos homogenea. Essa massa ocupa toda a região mediana da fossa cerebral média, avançando em todas as direcções, com destruição das apofises clinoides anteriores e parede anterior da sela turcica, deixando neste ponto abertas comunicações com os sevos esfenoidaes. Mais para traz, nota-se destruição do corpo do esfenoide, da lamina quadrilatera e das clinoides posteriores, assim como das pontas das piramides; não são atingidos entretanto, os nervos acusticos e facial. Retirada toda a massa tumoral, vê-se que o faringe se acha separado da cavidade craneana apenas por uma membrana de consistencia fibrosa, que é a parede posterior do cavum. (Fig. XI).

Orgãos do pescoço - Faringe, traquéa e esofago recobertos por material fluido espesso, de cõr acastanhada. Na porção mais alta do faringe, encontram-se, lateralmente, duas formações do tamanho de uma amendoa, de superfície irregular e de larga implantação na parede faringéa. No restante nada mais ha digno de nota.

A autopsia, confirmando integralmente o diagnostico clinico e radiologico mesmo em seua detalhes, demonstra ainda a naturesa proliferativo-cistica do tumor e confirma sua origem na região infundibular, assim como sua provavel naturesa histologica: cranio-faringeoma, como veremos melhor nas considerações gerais sobre esses tumores.

A fotografia da base craneana demonstra perfeitamente a amplitude das lesões osseas.

OBERSVAÇÂO V

A. G. - Serviço Prof. Vampré. N.º 1931. 36 anos, hespanhol, lavrador, 9-6-1934.

Queixa - Fraquesa extrema, dores pelo corpo, perda progressiva da visão á esquerda.

Molestia atual - Ha cerca de 9 mezes, resfriou-se, passando cerca de 15 dias, com fenomenos gripaes: febre, tosse, corisa e dores pelo corpo. Desde então tem se sentido dia a dia mais fraco, sempre com dores difusas pelo corpo, porem principalmente localisadas no pescoço, com exacerbações pelos movimentos, o que o obriga a uma certa rigidez. Ha algum tempo começou a sentir um ardor no olho- esquerdo com diminuição progressiva da visão, que atualmente é quasi nula. Ao mesmo tempo secreção serosanguinolenta pelo nariz.

Antecedentes pessoais e familiares, sem interesse.

Exame do doente: - Individuo de constituição medíocre, palido, emagrecido, de fisionomia abatida e sofredora. Rinolalia e secreção continua serosanguinolenta pelas fossas nasaes. Olho esquerdo congestionado e com diminuição da transparencia da cornea. Pescoço em leve rotação e flexão fixa para a direita em posição de defesa contra a dor. Tumefação difusa dos ganglios late ro-cervicaes esquerdos, estendendo-se desde a região parotidiana até a fossa supra clavicular do mesmo lado. Os ganglios laterocervicaes direitos são tambem tumefeitos, porem em menor grau.



Fig. 9


Fig. 10


Fig. 11


Fig. 12


Fig. 13


Fig. 14 - Seccção angital mediana da hipofise diencefalica no adulto
A.I., adenohipofise; N.I. neurohipofise; P.It., zona intermediaria; P.T., zona tuberal; I. infundibulo; R.E. restos epiteliais; III.V., terceiro venticulo; F.I. fissura hipofisaria; D.S. diafragma da sela; Ch., quiasma optico; S.S., sela esfenoidal; S.Sf., seio esfenoidal; C.E., celula etmoidal; D., dura-mater; C.M.. corpo mamilar; Pe. pedunculo cerebral; Po., ponte; N.Oc., nervo oculo-motor; Pe.I. pedunculo da hipofise.



Sistema nervoso: - Psiquismo integro. Reflexos tendinosos presentes e vivos porem de modo igual. Reflexos cutaneos presentes, ligeiramente diminuidos. Visão boa em O. D., nitidamente diminuida em 0. E. Paralisia dos musculos rétos externos. Não existem outras paralisias, não ha nistagmo. Leve dismetria dos membros superiores. Catalepsia. Aparencia um pouco rigida; lembrando o sindrome de Parkinson.

O exame dos outros aparelhos a não serem dores osseas da clavicula direita e do esterno, nada revelam de anormal.

L. C. R. - Punção lombar, pi 12. Jug. 24. Pf, 4. Vol. 17 cc. otookey normal. Liquido xantocromico. Citologia 6,4 por cc. Albumina 0,70. Pandy fortemente positiva. Benjoim 00111.22222.21000.0. Takata-Ara fortemente positiva. Wassermann negativa com 1 cc. Cisticercus negativo.

Exame de sangue: Wassermann e Kahn - negativas.

Biopsia dos ganglios +cervicaes: - Exame feito no laboratorio de Anatomia Patologica da Faculdade de Medicina: Metastases carcínomatosas.

Exame radiologico: - Tumor da base craniana ao nivel dos andares medio e anterior, destruindo completamente a sela turcica em todos os seus contornos, assim como a parte posterior do plano esfenoidal e a lamina perpendicular do etmoide. Invasão do seio esfenoidal e das celulas etmoidaes pelo processo tumoral que faz saliencia no nino-faringe, destruindo parcialmente o septo nasal e obstruindo em parte as coanas. Pontos de calcificação no interior da massa tumoral ao nivel da região selar, sendo impossivel diser si se trata de restos do dorso ou de calcificações secundarias. (Figs. XII e XIII).

Diagnostico provavel - Craniofaringeoma.

O doente, em caquexia, faleceu de um surto de erisipela da face, sendo autopsiado.

Em resumo - Tumor da região craniofaringéa, de crescimento intra e extracraniano, com lesão do 11 par (amaurose esquerda), do V par (dores oculares) e do VI par de ambos os lados. Não existem elementos que permitam o diagnostico de lesão dos outros pares; fenomenos de obstrução do naso-faringe e de invasão metastatica do sistema ganglionar.

Neste caso, dada a extensão do tumor para a região posterior do andar medio, com destruição completa do dorso da sela, dificilmente se compreende como tenham passado indemnes os ultimos pares craneanos. A enorme destruição selar assim como o comprometimento precoce do 11 par, fazem supor a origem intra-craniana da neoformação.

O doente faleceu em caquexia e o exame necroscopico feito pelo Dr. Constantino Mignoni (relatorio parcial) teve o seguinte resultado:

Na base do cranio nota-se a sela turcica consideravelmente dilatada e achatada por uma formação tumoral que mede 3 x 3 cms., e que pelo seu desenvolvimento destruiu quasi completamente as apofises clinoides.

Superfície eriçada por granulações do tamanho de grãos de ervilha, de cor vermelho vinhosa escura. Essa formação se propaga pelo clivo de Blumenbak, formando uma saliencia tumoral que comprime a face anterior da ponte. As partes lateraes do corpo do esfenoide apresentam-SIC fortemente abauladas. Para cima, o tumor propaga-se ao infundibulo e á região hipotalamica, crecendo entre os dois ramos anteriores dos nervos óticos que são fortemente comprimidos.

Os cinco casos observados, guardando cada um deles sua fisionomia propria, apresentam elementos clínicos comuns, que justificam plenamente o seu estudo em conjunto:

O tumor palpavel do cavum, verificado em todos eles; o comprometimento dos nervos craneanos, principalmente do 11 par. verificado em quatro dos cinco casos apresentados; as dores cranio-faciaes de tipos diversos; a secreção nasal; os fenomenos infundibulares, compõem pela sua associação, adicionada de outras lesões particulares a cada caso, quadros clínicos semelhantes, de diagnostico completo difícil e que se esclarecem extraordinariamente pelo resultado do exame radiologico.

Em uns, como no primeiro, o estudo das radiografias permite verificar a predominancia do processo epifaringeo ; em outros como no 5." caso, predominam as manifestações radiologicas do tumor intracraneano; os casos 2, 3 e 4 são pontos de transição entre esses extremos. Apresentados assim de modo completo, com o resultado do exame aos Raios X, assumem desde logo caracteres distintos que os afastam uns dos outros, como de origem varia: intra e extra-craniana.

E' bastante, porem, que nos coloquemos na situação de clínicos, antes de poder jogar com o conhecimento dos exames especialisados, para que resaltem logo as analogias e se apresentem com o seu cortejo de dificuldades diagnosticas, os elementos comuns a todos os casos.

Na maioria destas observações, a sintomatologia clinica por si só, não permite uma opinião segura sobre o ponto de partida do tumor. Nesse particular, a observação 3 é bastante demonstrativa: as grandes dimensões do tumor nasal, com baixa progressiva, bi-lateral, da audição, parecem indicar a origem epifaringéa; as calcificacões intracraneanas, enormes, com grande destruição selar levam, ao contrario, á convicção de que o ponto de origem é intra-craneano, provavelmente infundibular. O mesmo se dá com o caso 5, no qual a sintomatologia clinica é toda dos tumores do cavum ao passo que a radiologia e a autopsia demonstram tratar-se de um tumor primitivo da região infundibulo hipofisaria.

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