Versão Inglês

Ano:  1938  Vol. 6   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: -

Páginas: 147 a 152

 

ESTRABISMO E ADENÓIDES (*)

Autor(es): DR. PAULO MANGABEIRA-ALBERNAZ

As relações patológicas entre as amígdalas - as principais, as palatinas, e a faríngea - e o aparelho ocular podem ser esquematizadas em três grupos: 1.º) complicações infecciosas mais ou menos diretas (dácrio-cistites, úlceras da córnea, etc.); 2.º) complicações nervosas (espasmos de acomodação, restrição do campo visual, etc.) ; 3.º) complicações do tipo infecção de foco (episclerites, uveítes, blefarites, conjuntivites foliculares, etc.). Registra a literatura fenômenos estranhos, que, entretanto, não passam de casos isolados. Holtz relatou em 1904 a observação de um menino de 7 anos, que apresentava exoftalmia bilateral. O sintoma desapareceu dez dias após a raspagem das adenóides, para recidivar dois anos depois. Nova raspagem, mais cuidadosa, trouxe a cura definitiva. Num outro doentinho do mesmo autor, a exoftalmia não cedeu nem se modificou com a amigdalectomia, ruas desapareceu em quatro dias com a raspagem das adenóides.

Spider apresentou em 1905, à Sociedade de Pediatria de Viena, quatro crianças de 8 a 13 anos com exoftalmia e adenoidite crônica, atribuindo a primeira a estase linfática retrobulbar, decorrente da segunda.

O caso que vou relatar é deveras curioso. Trata-se de um menino de 10 anos, estrábico há mais de cinco, e em uso de vidros corretores desde 1933. Operado de amígdalas e adenóides, teve o estrabismo desaparecido por completo horas após a intervenção. Vejamos o caso em seus pormenores.

Observação (resumida) - José Maria Z., branco, 10 anos, brasileiro, residente em Campinas, é trazido a 20 de julho de 1936 a meu serviço na Clínica Stevenson. Vem a mandado do pediatra para ser submetido a extração das amígdalas e das adenoides, por causa de manifestações reumáticas de que sofre há mais de mês.

Trata-se de um menino robusto, bem desenvolvido, mas, extremamente nervoso.

O exame revelou amígdalas grandes, com os polos superiores embutidos no véu. A abóbada palatina é muito alta. Há grande quantidade de catarro na rino-faringe. A rinoscopia posterior mostrou vegetações adenóides abundantes.

A 21 de Julho foi a criança operada. Anestesia por infiltração com novocaina a 0 gr., 50 %, com sulfato de potássio. Descolamento total e secção do pedículo com a alça de Vacher. Raspagem das adenóides' com a cureta de Fein; a quantidade era enorme.

No dia seguinte, ao visitar o paciente, informa-me a família de que o menino, que não podia tirar os óculos tal o grau de estrabismo, ficara com os olhos em posição normal, pouco depois de operado. Acentua a família que era tal o grau dêste estrabismo, que a professora, no colégio, por duas vêzes em que os óculos se haviam quebrado, mandara o menino para casa, pois sentia-se incomodada (sic) em ver os olhos do paciente.

Apuro então que o doentinho fôra levado ao oculista em 1932. Mas a família possue um retrato da criança aos 3 anos, e é evidente que o estrabismo já existia.

Pelo exame de 1932, verifica-se que o. defeito da refração era A. O. sph + 2,50. Em 1934 consultou-se de-novo: A. O. sph + 2 cyl + 1,25, E. 75º.

A criança com os óculos ficava sem estrabismo, mas éste aparecia imediatamente após a retirada dos vidros.

A 29 de agosto, um mês portanto após a intervenção, o paciente é por mim enviado ao oculista (Dr. Carlos P. Stevenson). O resultado dêste exame foi o seguinte:

O. D. - visão - 2/3 mal
O. E. - visão - 1 /2

"A criança não dá informações precisas sôbre a melhora da acuidade com vidros cilíndricos. Suporta melhor cyl + 0,50, eixo horizontal, e não quási vertical como nos vidros que usa"'.

A 31 o menino é re-examinado, após uso de atropina.

"A. O. sph + 1. Há pequeno astigmatismo, que dispensa correção". Como se vê, o estrabismo tão pronunciado não estava de acôrdo com a pequenez do defeito de refração, pois a hipermetropia de + 1 devia ser insuficiente para casuar 'o desvio ocular.

Após mais de um ano de operado, continua o menino curado do estrabismo.

A ligação entre estrabismo e adenoidite crônica já é conhecida. Em 1924 tive dela conhecimento pela monografia do Prof. Poppi, publicada em 1921. Diz êste autor que o estrabismo é um sintoma encontrado freqüentemente nos adenoidianos, e que às vêzes se modifica após a operação, podendo mesmo a visão do ôlho estrábico melhorar. Cita um seu caso, de uma menina de seis anos em que, alguns mêses após a intervenção, já se podia notar uma modificação apreciável.

Segundo afirma Poppi, pensou-se até agora que o sintoma dependia de uma ação reflexa, porque aparece ou desaparece no curso de intervenções nasais, o que se poderia explicar pelas relações anatômicas entre os nervos oftálmico e maxilar superior. Mas - continua Poppi - dificilmente se pode invocar uma explicação semelhante para a adenoidectomia. As vegetações adenóides, de-fato, mal entram em relação com os ramos do trigêmeo, e muito indiretamente, por intermédio do ramo faríngeo de Bock.

O estrabismo funcional - é ainda Poppi quem fala - resulta de um obstáculo à fusão normal das imagens maculares dos dois globos oculares. Segundo a opinião dominante, esta faculdade de fusão é perfeita mais ou menos aos seis anos de idade.

Ora, o centro de coordenação dos movimentos oculares está situado, segundo Adamück, nos tubérculos quadrigêmeos anteriores. Poppi admite uma relação entre estes tubérculos e a glândula pineal, e entre esta e a hipófise. Supõe ainda que a glândula pineal é o órgão encarregado da fusão das impressões enviadas ao cérebro pelos órgãos dos sentidos. O mecanismo do efeito da adenoidectomia sôbre o estrabismo está assim explicado. Não nos ésqueçamos, porém, de que o autor, em seus casos, diz ter o estrabismo desaparecido mêses após a intervenção.

Já em 1906, em sua monografia, Suarez de Mendoza citava, entre os sintomas do adenoidismo infantil, o estrabismo. Estudando com mais pormenores a sintomatologia do mal, divide-a em seis grandes grupos. O quinto diz textualmente: "Sintomas nervosos explicáveis, ora por perturbações reflexas devidas a compressão ou a irritação determinada pela massa adenóide, ou por suas secreções sôbre as partes vizinhas e, portanto, sôbre os filetes nervosos da faringe, das mucosas do nariz, das trompas, do laringe; ora por distúrbios da circulação central ou por outro modo qualquer: asma, espasmo laríngeo, falso crupe, afonia espasmódica, bléfaro-espasmo, espasmo da acomodação, falsa miopia, tique da face; incontinência noturna de urina, pesadelos, sonambulismo, suores e terrores noturnos, enxaquêca, cefaléia persistente, vertigem nasal, coréia, epilepsia; distúrbios psíquicos diferentes, obcecações diversas (corpos estranhos das vias aéreas, do esôfago, da rino-faringe, etc. ), sensações de estrangulamento, medo angustioso da altitude e do espaço".

Se, nesta parte, não faz Suarez de Mendoza referência ao estrabismo, menciona-o entretanto, no meio "dos sintomas principais e de algumas das numerosas complicações observadas nos adenoidianos", ao estúdar a sintomatologia da afecção.

No estudo da forma nervosa, e no sub-capítulo da aprosexia, relata Suarez de Mendoza, em linhas gerais, uma observação muito semelhante a que acabo de expor, de autoria de Thomas, e que foi por êste comunicada, em 1898, ao Congresso de Pediatria. Reproduzo resumidamente o caso em apreço.

"Certo dia, um cliente apresentou ao autor um filho de dez anos, narrando que, quando êste tinha vinte e dois mêses, sofrera de miningite, mal que deixou como sequelas otorréia dupla, estrabismo divergente mais ou menos pronunciado, e semi-idiotia '. "Ao, exame, deparou o médico um bloco enorme de vegetações adenóides. Havia, além disso, otite média fungosa à direita, otite média supurada simples a esquerda, e estrabismo divergente a direita". '

"A meningite, de que a criança teria sofrido aos 22 mêses, fôra uma adenoidite aguda'.

"Não prevendo nenhuma correlação entre um estrabismo divergente mais ou menos pronunciado, mais ou menos intermitente, e as vegetações adenóides, o autor não fez o exame oftalmológico, mesmo do ponto de vista da visão".

"A raspagem dupla da rino-faringe e da orelha média deu os melhores resultados: fisionomia inteligente, facilidade de linguagem, cessação da supuração, e, com grande espanto do autor, desaparecimento do estrabismo".

"Quando, três mêses depois, teve o médico ocasião de rever a criança, a audição era bôa, o desenvolvimento físico notável. o intelectual satisfatório, salvo para a memória; a cura do estrabismo mantinha-se".

Trata-se, de-certo, nêste caso, da supressão de um ato reflexo atribuível à presença das vegetações adenóides".
Nada se sabe aínda hoje a respeito das causas do estrabismo. Dizia Pechin, em 1907, que o estrabismo não depende de lesão dos músculos ou dos nervos. E apenas um distúrbio funcional: não há contratura, nem paralisia.

Como Poppi, Worth, em seu livro sobre estrabismo, declara que a causa essencial do distúrbio é um defeito na faculdade de fusão. Êste defeito pode ser causado por: - 1 ) hipermetropia; 2) anisometropia; 3) desequilibrio motor; 4) febres específicas,

Morax, estudando o estrabismo verdadeiro ou concomitante, divide-o em: a) convergente hipermetrópico; b) divergente miópico; e c) convergente ou divergente em que o estado da refração não pode entrar em jôgo. "Estamos'muito pouco ao pardas lesões encefálicas da infância- - diz êle - "para precisar a etiologia dêstes casos, e devemos nos contentar com o fazer dêles um grupo distinto dos dois precedentes". E' lógico, na opinião de Morax, admitir uma lesão nervosa na origem de todo estrabismo.

Em estudo recente, dêste ano, Travers declara que não existe explicação adequada da etiologia do estrabismo. Critica as conhecidas - a da acomodação, a muscular, a da fusão - mostrando que nenhuma delas satisfaz plenamente. Da teoria da fusão, a mais aceita, diz o autor: ''A causa primária do estrabismo não é certamente um defeito na faculdade de fusão".

A explicação para o caso ora apresentado é sobremaneira difícil. Bonnier, em seu conhecido livro sôbre centroterapia, relata três casos de estrabismo que sofreram melhora evidente com os toques galvano-cáusticos de certa zona da pituitária. O caso que observei só pode ser explicado por uma ação reflexa, cujo mecanismo, aliás, está muito longe de ser apreendido. Vimos que Thomas explicou o desaparecimento do estrabismo de seu doente pela supressão de um ato reflexo atribuível às vegetações adenóides. Em verdade, a eliminação de um foco infeccioso poderia ser causa do desaparecimento do defeito ocular, se tal se desse, como nos casos de Poppi, certo tempo após a intervenção. Mas o estrabismo, tanto no caso de Thomas, como no por mim observado, cessou súbitamente. Creio, por isso, que o choque operatório é que, por um ato reflexo, veio causar o desaparecimento do defeito. Parece-me quê a intervenção produziu, e não suprimiu, como pensa Thomas,, o reflexo causador da cessação do envesgamento.

As obras de oftalmologia citadas nêste trabalho, como os tratados mais completos de rino-laringologia, e as monografias que se referem particularmente a êste assunto, tal a obra preciosa de Sargnon, não mencionam a possibilidade do desaparecimento do estrabismo por simples amígdalo-adenoidectomia. O caso ora relatado é por conseguinte digno de estudo. Parece que o estrabismo, tendo embora por causa mais comum a hipermetropia, depende na realidade de uma série de concausas. No caso em aprêço era indiscutível, apesar da insignificância do defeito de refração, que êste influia sôbre o estrabismo, por isso que o defeito desaparecia com o uso de vidros, manifestando-se, porém, de súbito, mal êsses eram retirados. Mas havia outra concausa em jôgo: as vegetações adenóides. Uma vez esta afastada, o estrabismo não mais reapareceu. O valor desta observação está no ser uma prova em favor da hipótese aventada por Poppi. E' claro, porém, que o campo continua aberto a novas investigações.

BIBLIOGRAFIA

1 - HOLTZ - cit. Poppi.
2 - SPIELER - cit. Poppi.
3 - POPPI, A. - Considérat. pathol. et thérap. sur 1'hypertrophie de 1'amygdale pharyngée, ses rapports avec 1'hypophyse - Légrand - Paris, 1921.
4 - ADAMUCK - cit. Poppi.
5 - SUAREZ DE MENDOZA - Diagnostic noides - Baillière - Paris, 1906.
et Treaement des Végétations Adé
6 - MOORE, L. - The Tonsila and Adenoids and their Diseases - Heinemann - London, 1928
7 - PÉCHIN - "Strabismé" in Pratique Médica-chirurgic. de Brissaud Pinard et Réclus - vol. VI. e. 207 - Masson - Paris, 1907.
8 - WORTH, CL. - Squint. Its Causes, Pathology and Treatment - Baillière, Tyndall & Cox - London, 1915
9 - MORAX, V. - Précis d'Ophtalmologie - 3e. édit. - Masson - Paris 1921 - p. 738.
10 - TRAVERS, L. a. B. - Concomitant Strabismus - British Journ. of OphthalmoI. 1936, 20, supp. in Surgery, Gynecology & Obatetrics 62: 516 (June) 1936.
11 - BONNIER, P. - L'Action directe sur les Centres Nerveux. Centrothérapie - Alcan - Paris, 1913.
12 - SARGNON, A. - Nez et Oeil - Sélection Médic. et Scientifique - Paris, 1936.


PAULO MANGABEIRA-ALBERNAZ - Strabisme et végétations adénoïdes.

On rapporte le tas d'un enfant de dix ans, porteur d'un strabisme datant de plus de cinq ans. L'enfant est en usage de verres correcteurs, mais le strabisme três intense n'est pas en rapport avec le défaut visual (hypermetropie de -+- 1 et astigmatisme léger). Malgré cela, le strabisme se manifeste soudain, si le patient quitte ses lunettes.

Aprèa le curetage dez végétations adénoïdes et 1'extraction des amygdales, le strabisme a immediatement disparu, et ne s'est plua manifesté (plus d'un an d'observation).

Poppi met en évidence ce rapport entre le strabisme et les végétations, mais Ia guérison, dana ses cas, n'a été obtenue que, quelques moia après 1'intervention. 'A l'avis de cet auteur, le strabisme fonctionnel n'est que le résult d'un obstacle à Ia fusion normale des images maculaires des deux globes oculaires.

II semble que le strabisme dépend simultanément de pluzieurs causes. Dana le cas rapporté, 1'action du défaut visuel est indiscutable, vu que le strabisme disparaissait aussitot que 1'enfant mettait ses lunettes. Mais 1'action des végétations, - elle aussi, est indéniable, puisque, aprèa son élimination, le défaut ne s'est plus montré.

L'A. met ce tas en évidence, parte que ce rapport entre les végétations adénoides et le strabisme n'est pas bien connu des oculistes et des rhino-laryngologistes.




(*) Comunicação à Seção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, em 17 de Dezembro de 1937.
(**) Oto-rino-laringologista do Hospital da Santa Casa e da Clinica Stevenson, Campinas.

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