CONTRIBUIÇÃO A INTERPRETAÇÃO DOS EXAMES LABIRINTICOS NOS AVIADORES (1)
Autor(es): DR. W. SALEM (2)
No nosso serviço de Oto-Rino-Laringologia da Escola de Aviação Naval, já contamos com perto de 200 fichas arquivadas exclusivamente sobre os exames labirinticos nos aviadores; o numero de exames feitos e o contáto permanente com os pilotos tanto em terra como no ar, permite-nos tirar algumas conclusões pela observação diréta sobre a interpretação dos exames do labirinto vestibular e a maneira de julga-los em relação á aptidão para o vôo. O labirinto não é isoladamente o orgão unico do equilibrio mas de qualquer sorte o seu perfeito funcionamento deve fazer parte integrante das condições que se exigem nos exames de saúde para o aviador.
Em materia de aviação devemos considerar um fáto muito importante: se o exame de saúde é feito para o candidto á aviação, ou se é feito no piloto de carreira já com muita experiencia. No primeiro caso, isto é, no individuo que se candidata a pilotagem aerea o exame é rigoroso sem restrições; no piloto de carreira entretanto com muita experiencia, o rigor é relativo; a experiencia em aviação pode suprir alguma falha no organismo do piloto.
O exame labirintico no canditato à pilotagem deve obedecer às exigencias classicas exigidas nos tratados de otologia cujas tecnicas não constituem assunto deste artigo. O que nos propomos a fazer é relatar o resultado dos exames labirinticos, da interpretação dos exames vestibulares em relação as diversas modalidades de vôo.
Labirinto vestibular: Esta é a parte que interessa mais aos otologistas sob o ponto de vista pratico, para áqueles que não estão habituados a examinar os aviadores, e que muitas vezes ficam em serios embaraços para julgar. Nós sabemos que os esforços da vida aerea fatigam muito cedo o organismo; muitos orgãos se ressentem, apresentando manifestações diversas. Temos observado por exemplo aquilo que Portmann já observou, que quanto maior é a vida profissional do piloto, menores são suas reações vestibulares, sem que isso seja muitas vezes levado em consideração; aliás, é do conhecimento de todos que a excitação labirintica varia conforme a idade, decrecendo da infancia à velhice. Antigamente punha-se um piloto na cadeira de Barany, dava-se-lhe as 10 voltas em 20 segundos e contava-se o nistagmo; se o individuo por infelicidade tinha o nistagmo post-rotatorio menor de 18" ou maior de 40" era só por isso considerado inapto para' a aviação; conclusões naturalmente falhas, que sacrificou a profissão de alguns pilotos; ou então a prova da queda na cadeira, usada ainda, que se era negativa tinha o mesmo fim da inaptidão. Hoje em dia não se pode mais admitir semelhante criterio clinico. As provas labirinticas não são formulas algebricas; devemos seguir o principio geral em medicina, de que um sinal isolado não tem valor absoluto. As provas rotatorias empregamos atualmente apenas na primeira inspeção nos candidatos à aviação; nos pilotos brevetados restringimos muito sua aplicação; assim tambem a prova da queda, com a cabeça a 90º para a frente, de nenhuma significação em Aviação. Temos muitas observações de queda negativa cujos labirintos controlados pelas provas caloricas revelaram-se normais; pois quando queremos pesquizar os canais verticais ou empregamos a prova calorica na III.a posição de Brünings ou com a cabeça vertical conforme recomenda lsaac Jones; em Aviação ha pouca indicação para a pesquiza dos canais verticais; usamos em geral quando pesquizamos a Sindrome de Eagleton, nos tumores intra-craneanos, o que não constitue assunto deste trabalho.
Os resultados que observamos aqui são de exames periodicos que os pilotos fazem obrigatoriamente uma vez por ano. Ao lado mostramos a ficha adotada por nós, no nosso serviço. O piloto ou tem uma hipo-excitabilidade ou uma hiper-excitabilidade, uma inex-excitabilidade, ou tem o labirinto normal. Antes, devemos declarar que as expressões do labirinto hipo ou hiper-excitavel devem desaparecer, pois praticamente sob o ponto de vista clinico estas expressões não correspondem à realidade; empregamos apenas por ser de uso corrente e para facilidade de exposição.
Como interpretar uma hipo-excitabilidade ou uma hiper-excitabilidade no aviador?
Hipo-excitavel: o treinamento de vôo produz a hipo-excitabilidade labiríntica; o mesmo fenomeno se observa nos bailarinos, equilibristas, acrobatas, etc. O piloto com alguns anos de pilotagem apresenta quasi sempre segundo nossas estatísticas a metade da excitação labiríntica; isto demonstra uma adaptação do orgão em relação ao vôo, isto é, uma hipo-excitabilidade proftssíonal sem significação clinica; não é raro nos nossos exames termos pilotos excelentes apenas com 8" de nistagmo post-rotatorio e até menos; estes geralmente são os pilotos que fazem acrobacia; as provas caloricas acusam tambem, principalmente nestes, uma hipo-excitabilidade, apresentando pelo processo de Kobrak, uma maior quantidade de agua, com o tempo de latencia retardado; a queda e o desvio do index após excitação, nem sempre reagem normalmente; apezar da vertigem post-calorica existir em todos os casos. (1) A interpretação que damos a esta hipo-excitabilidade é de nenhum valor clinico desde que não acuse outros sintomas, o piloto continuará normalmente sua vida profissional. Par força da profissão o aviador adquire um poder de equilibrio superior ao normal, daí existir uma modificação da sensibilidade labiríntica e quasi sempre é para menos, naturalmente como fenomeno de adaptação. A hipo-excitabilidade isoladamente, não significa perturbação do labirinto, e não tem por isso, significacão em Aviação.
Passemos agora para a hiper-excitabilidade: si a pilotagem aerea metódica diminúe a excitabilidade do labirinto, os esforços violentos produzem entretanto efeito contrario, isto é, irritam o aparelho vestibular, aparecendo então as reações de hiper-excitabilidade. Neste caso já é preciso mais atenção no exame por parte do otologista; em geral essa irritação labiríntica se manifesta pelas provas rotatorias, caloricas e outras; essa fase de irritação do orgão existe nos pilotos acrobatas, no inicio, logo em seguida passa para a fase de adaptação sendo substituida pela hipoexcitabilidade. Tivemos dois casos de hiper-excitabilidade com as provas indicadas acima, em indivíduos que vieram a inspeção anual obrigatoria, nada acusando clinicamente. O primeiro era piloto ha dez anos, 800 horas de vôo; fazia nos ultimos tres mêses muita acrobacia diariamente; não apresentava nenhum sintoma clinico. O exame revelou: prova rotatoria: nistagmo, duração: 52; calorica: 5 CC., latencia 10" ; duração 3:20, de ambos os lados; prova da marcha de Babinski: positiva, desvio de 90º para direita; Ronberg: oscilações fortes; aparelho otolitico: normal; curva audiometrica: sequencia normal. Aconselhamos a continuar o vôo, porém durante treis mêses não fazer nenhuma acrobacia nem vôos a grande altura; ao fim deste período, de repouso do aparelho vestibular, voltou à nova inspeção, tendo as provas se revelado normais. Este caso, em outros tempos teria sido julgado inapto para a profissão aerea. Póde-se portanto em casos semelhantes de hiper-excitabilidade, permitir o vôo de turismo, que é um vôo que não prejudica o organismo nem o treinamento diario tão necessario ao piloto; aconselhamos ao aviador naturalmente mais metodo na sua vida profissional mostrando que qualquer excesso inadivertido poderá custar-lhe a carreira e a vida. Evidentemente os casos de vertigem devem ficar inteiramente afastados de qualquer vôo por tempo indeterminado até que a observação clinica apurada esclareça a origem com segurança.
Para nós, o essencial na interpretação dos exames labirinticos é julgarmos os resultados de acôrdo com cada caso; os fatores que entram em conta no julgamento do piloto devem variar em relação não só ao resultado clinico das provas labirinticas, como tambem às diversas formas de vôos existentes.
Sumario
l.º - Existe uma adaptabilidade profissional do Labirinto, no aviador, que modifica os tempos de reacção nos exames do aparelho vestibular, manifestando-se mais comumente por uma hipo-excitabilidade; esta modificação, entretanto, não tem significação patologica em Aviação.
2.º - A hipo-excitabilidade ou a hiper-excitabilidade labirintica não devem ter interpretações definitivas; a interpretação deve variar relativamente para cada caso e para as diversas formas de vôo.
RESUMÉ:
L'auteur présente 200 observations exclusivement sur des examens du labirinthe chez les aviateurs - II trouve que pour des pilotes brevetés Ia rigueur des examens est rélative. La vie aérienne fatigue tôt 1'organisme, ayant influence sur 1'appareil vestibulaire; plus Ia vie professionel du pilote est active plus faibles seront ses reactions vestibulaires. L'épreuve rotatoire de Barany est seulement employé par "auteur pour Ia première inspection, il tróuve que le nistagmus post-rotatoire ne doit pas étre interpreté par des formules algébriques; 1'auteur n'emploie plus 1'épreuve de la chute, il Ia rouve tout à fait inutile. II trouve dana les épreuves caloriques Ia meilleur façon d'examiner le labirinthe. II cite des cas d'hipoexcitabilité avec 8" de nistagmus post rotatoire surtout chez des pilotes acrobates; pour l'auteur il s'agit des cas absolument normaux.
II relate un cas d'hiperexcitabilité labirinthique par les épreuves caloriques sur un pilote acrobate, qui malgré ça, l'auteur a permis le vol de tourisme, avec restriction d'acrobatie et grande altitude.
L'auteur finit son travail par les conclusions suivantes:
1.º - II existe une adaptabilité labyrinthique professionel chez les aviateurs que modifie les réactions dans les examens de l'appareil vestibulaire; c'est une modification rélative, n'ayant pas de signification patholog;ique en aviation.
2.º - L'hipoexcitabilité ou hiperexcitabilité labyrinthique ne doivent pas être interpretés d'une façon definitive; 1'interpretation doit varier relativement pour chaque cas et en rapport à chaque forme de vol.
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(1) Trabalho apresentado a Sociedade de Oto-Rino-Laringologia do Rio de Janeiro, na sessão de 17-12-1937.
(2) Oto-rino-laringologista dc Serviço de Medicina de Aviação Naval, Rio de Janeiro.
(3) Salém, W. - Considerações sôbre a importância das provas neurolabirinticas em tumor de fossa craneana posterior. "O Hospital-, pag. 359, n.o Fevereiro, 1938, Rio de janeiro.