Ano: 1938 Vol. 6 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (5º)
Seção: Notas Clínicas
Páginas: 79 a 80
LOCALISAÇÃO RARISSIMA DE MIIASE
Autor(es): DR. J. E. DE PAULA ASSIS *
Para nós, os especialistas brasileiros, não é fato extraordinario encontrarmos em nossa clínica pessôas portadoras de miíases cavitária.
A regra geral, entretanto, - si regra pudesse haver em medicina, tão varia ela é, - seria verificarmos esta entidade mórbida em logares, onde um processo supurativo provocasse exalações fétidas, capazes de atrair a mosca responsavel. Assim, geralmente, distribuem-se os casos de miíases entre os ozenosos, os otorreicos, etc.. Tal importancia empresta a este fator o Prof. Mangabeira Albernaz em seu magnífico trabalho, onde nos oferece a classificação das miíases, que, com o prestigio de sua reconhecida autoridade, considera-o sine qua non no aparecimento das mesmas.
Desta fôrma a sua localisação se reparte comumente entre o nariz e os ouvidos, constituindo verdadeiras excepções, as miíases da boca, como aqueles casos, ainda do ilustrado Prof. Albernaz, apresentados em sessão de 17-4-933 da Secção de Oto-rino-laringologia de A. P. M.
O caso que ora nos ocupa, pela sua localisação original, merece as honras da publicidade; decorrendo além disto, o fato excepcional de aparecimento de larvas, em logar onde nada havia que pudesse servir de atração ás moscas.
Relatemo-lo.
Na noite de 25 de Março de 1936, fomos chamados á prestar serviços profissionais a A. F. português, com 22 anos de idade, morador á Rua dos Pinheiros. Encontramo-lo sob acção de intensa cefaléa, principalmente do lado esquerdo, e dôres fortíssimas na amigdala correspondente - impossibilitando-o de todo a deglutição. Temperatura de 38°,2. Ao exame verificamos reacção inflamatória agúda da amigdala esquerda e sua vizinhança - o que, ao nosso vêr, por si só, não bastaria para explicar o visivel padecimento do doente, cujo fácies bem traduzia a dôr e o abatimento.
Melhor observado, notamos com surpresa, que em uma cripta amidalina, qualquer cousa se movia, o que verificamos tratar-se de uma larva. Retiramo-la com uma pinça de Hartmann e, após alguns toques locais com algodão ligeiramente embebido em cloroformio, conseguimos retirar mais 6 - o que trouxe para o paciente alivio imediato. Prescrevemos um gargarejo anti-septico e antiflogístico e nada mais julgando existir, deixamos de lançar mão do processo do Dr. Prado Moreira, que, pela sua extrema simplicidade, deve ser divulgado e nunca esquecido. No dia seguinte, porém, mais 1 larva foi retirada e desta vez a ultima, evoluindo o caso para a cura.
Além desta localisação rarissima, miíase primaria da amigdala, de que só vimos uma ligeira referencia na literatura, aliás parca, sobre o assunto, acresce o fato excepcional, como já frizamos, de nada apresentar o paciente - portador de invejável dentadura sem 1 dente cariado sequer, ou outra qualquer lesão no territorio da oto-rino-laringologia, capaz de justificar o aparecimento da afecção.
Na anamnése do doente não aparecem anginas, o que fala pela bôa ordem do orgão.
O que, pois, atraio a mosca?
Talvez um capricho a mais da velha arte de Hipócrates. Este caso excepcional por todos os motivos, escapou á regra estabelecida pelo Prof. Mangabeira.
E assim fica ele, em linhas gerais, á apreciação dos distintos colegas, por intermedio da Revista Oto-Laringologica de S. Paulo.
*(Adjunto da Santa Casa de Misericordia)