ABSORPÇÃO DE HORMONIOS E VITAMINAS PELOS CAPILARES DAS MUCOSAS E DA PELE UTILISAÇAO CLINICA
Autor(es): J. G. WHITAKER (*)
A permeabilidade das paredes dos capilares, que aos pequenos vasos dá tão grande importancia em Fisiologia e Patologia, pode tambem garantir-lhes lugar proeminente em Terapêutica, pela facilidade na absorpção de medicamentos.
Segundo a opinião autorisada de Otfried Müler (1) o maximo de permeabilidade dos capilares está na "alça", seguindo-se em importancia, o ramo venoso e tambem as paredes do
plexo de venulas que os continuam.
É curioso notar que, antes das mucosas, foi utilisada a pele como via medicamentosa, não devendo nos esquecer da grande voga das fricções de "Unguento Napolitano" nas pernas e na planta dos pés, no tratamento de manifestações sifilíticas.
Sómente há poucos anos, com o advento das sulfas e, principalmente, da penicilina, é que se tem procurado utilizar a superfície oferecida pela mucosa de revestimento da traquéa, bronquios e alveolos pulmonares para obtenção de efeitos medicamentosos, não, apenas, localmente, mas para todo o organismo, como o demonstra o emprego da penicilina em inhalações traqueais para, o tratamento das sinusites (2). A via nasal, entretanto, mais acessivel e mais eficiente, foi utilisada, apenas, para a administração do lóbo posterior da hipofise em pó e de vacina contra a coqueluche, e mesmo esse emprego não teve a devida vulgarização.
a) ABSORPÇÃO DE MEDICAMENTOS PELA PELE
Os capilares cutaneos, tão numerosos que, segundo Wolheim (3) o volume do sangue neles contido avisinha-se de 1,5 litros, e o plexo subcutaneo de venulas, igualmente desenvolvido e dotado de permeabilidade, fariam da pele ótima via de absorpção de medicamentos, se não fosse a impenetrabilidade da camada cornea da cutis. Essa camada deixa-se atravessar apenas por certos gases, como o gás carbonico, e por lípidos de constituição química próxima à da gordura e do sebo da pele. Pomadas que tenham essa afinidade química podem permitir a absorpção cutânea não apenas do mercúrio, mas de certos preparados salicílicos e pirozolônicos mesmo de hormonios como o lobo posterior da hipofise (4) e a foliculina.
Há diversidade da espessura do tecido que recobre os capilares, a qual decresce do maximo de 0,6mms na sóla do pé e na palma da mão, ao mínimo de 0,020mms na face flexora do ante-braço, zona sub-clavicular e testa, sucessivamente (5); e esta circunstancia deve ser levada em conta na aplicação de medicamentos. Sob o ponto de vista prático, porém, é tambem de importancia o conhecimento da existencia de numerosos capilares agrupados em roseta ou em corôa, ao redor dos bulbos pilosos e dos pequenos orifícios de saída das glandulas sebaceas, bem como que as alças desses capilares são mais dilatadas do que as dos capilares das partes adjacentes (6).
Nos orgãos genitais femininos a face interna dos grandes lábios, os pequenos lábios e a zona ao redor do clitoris e uretra são recobertas por uma pele muito fina e muito rica em glandulas sebaceas, sendo portanto muito vascularisados. Constituem, por isso, ótima via de administração, sobretudo para hormonios alcoosoluveis, ou que contenham ácido fênico para conservação, os quais não seriam tolerados na mucosa nasal.
Colega nosso, cirurgião e ginecólogo, tendo se utilisado dessa via, por sugestão nossa, referiu-nos um caso de cura rápida de prurido vulvar datando de seis anos e com alterações graves levando a pigmentação intensa da genitalia e da face interna das coxas e ao aparecimento da elefantiasis local, com a Pitressin de P. D. & Cia. Pela mesma via e com o Proluton "Schering" a paciente viu-se, com rapidez, livre de outros sintomas endocrínicos a distancia, sendo de notar que fizera antes tratamentos massiços com varios hormonios, por via parenteral, sem sucesso. No prurido vulvar a ação sedativa é, com frequencia, imediata, embora subsequentemente tenha de ser repetida a medicação.
A propria vagina absorve medicamentos, sobretudo na sua parte superior, onde o aspéto capiloroscopico é quasi idêntico ao do cólo do útero (7).
Na literatura encontramos referencias a um envenenamento mercurial por introdução na vagina de um tablete ele oxicianureto (8).
Nos orgãos genitais masculinos o sulco prepucial (collum glandis) é recoberto por péle, quasi mucosa, muito fina, não cornificada e rica em glandulas sebaceas (Testut-jacob, Spalteholz), podendo ser aproveitada como via de administração. A péle do escroto é tambem muito fina, contendo poucos pelos e, pela sua função de manter os testículos em temperatura estável e relativamente baixa (9), é sensível a mudanças de temperatura, encolhendo-se ou esticando-se com rapidez, propriedade que poderá ser utilizada para obter dilatação e, consequentemente, maior permeabilidade dos capilares, se a aquecermos levemente, por alguns minutos apenas, com uma lampada de infravermelhos, por exemplo.
Aliás, utilisando as vias genitais costumamos antes da aplicação de medicamentos fazer leve massagem, destinada a dilatar os capilares.
Não têm sido porém, concludentes nossas observações no uso, para tal fim, dos orgãos genitais masculinos, ao contrario elo que temos verificado com os orgãos genitais femininos.
A titulo de curiosidade, referimo-nos à possibilidade da utilização da pele do conduto auditivo externo, bastante vascularizada por causa das numerosas glândulas ceruminosas, e na qual têm sido observadas hemorragias expontâneas em pessôas nervosas, (10). Os medicamentos poderão permanecer demoradamente no conduto desde que sejam veículados em pomadas nas condições que atraz registrámos, devendo a pomada ser introduzida em trociscos envoltos em gaze, afim de que, exercida a ação medicamentosa através das malhas da gaze, esta ao ser retirada remova tambem toda a pomada, que, de outro modo, seria dificil e doloroso remover.
Resultados muito interessantes observamos com o emprego do Testoviron (Schering), em solução alcoolica, na péle do queixo, recentemente escanhoada, conseguindo o desaparecimento ele um "double menton" já bem esboçado e prevenindo recidivas, com aplicações periódicas do hormonio. Neste caso foram observados também, sintomas gerais interessantes. O paciente que era abstinente (Teatotaler), acusava a sensação de calôr e leve afogueamento elo rosto proprios à ingestão de bebidas alcoolicas, aparecendo tambem com a insistencia, pequenas bolsas de edema sob os olhos, como consequencia da retenção de agua provocada pelo hormonio masculino. Esse edema sub-palpebral desaparecia facilmente em um dia, às vezes mesmo em algumas horas, com a administração do lobo anterior da hipofise (Apoidin) por via nasal, ou ele vitamina C e lobo posterior da hipofise (Pitressin) por via traqueal.
Na pele do queixo e na do escroto, com o emprego de hormonios, alcool ou lipossoluveis, nunca tivemos ocasião de observar as pequenas inflamações foliculares, tão comuns nas fricções mercuriais, e que por isso, em regra não se fazem em regiões com hipertricose. Aliás, essas pequenas foliculites, aparecem tambem coral a administração bucal do bromo e do iodureto de potassio. No caso do iodureto há como possível explicação, a forte ação vasodilatadora do ion potassio exagerando a dilatação normal da alça dos capilares que aureolam as glândulas sebaceas e os bulbos pilosos.
b) ABSORPÇÃO DE MEDICAMENTOS PELAS MUCOSAS
DAS VIAS AÉREAS E DIGESTIVAS SUPERIORES
O estudo capilaroscópico da mucosa bucal mostra ser a lingua a parte mais apropriada para absorpção de medicamentos, dada à rica vascularisação de suas papilas (11). Entretanto a pratica evidencia a pouca viabilidade do uso "perlingual" de medicamentos, por causa da tendencia para movimentos de deglutição, provocados sobretudo pelas substancias em solução alcoolica, para as quais, como vimos, a via mais adequada é a elas partes genitais.
O medicamento deverá ser pingado na parte anterior da lingua, com o que evita-se mais facilmente o reflexo clã deglutição, tirando-se ao mesmo tempo partido das papilas fungiformes, abundante sobretudo na parte dorsal e nos bordos da metade anterior da lingua (12), em cada uma das quais há grande número de capilares dispostos como que em repuxo, ou roseta. Bonbons, preparados a nosso pedido com vitaminas B e E, mostraram-se eficazes, mas sua permanencia sob a lingua foi considerada incomoda, e seu uso, por isso, não foi continuado.
A respeito da absorpção da nicotina, é bastante interessante o trabalho de Wenusch e Maier (13), que assinala diferenças essenciais no tabaco cios cigarros e dos charutos. A nicotina da fumaça dos cigarros é absorvida somente na vasta superficie pulmonar, sendo essa absorpção insignificante quando a fumaça não passa da boca; um cigarro, porém, "tragado" até o fim, faz absorver tanta nicotina quanto 10 ou 20 cigarros fumados sem tragar. A nicotina dos charutos, pelo contrario, é absorvida na boca, pouca diferença havendo em tragar ou não. Também ficou verificado que um só charuto fumado até o fim, faz absorver tanta nicotina, quanto dez charutos fumados nos dois terços.
A' utilisação da via traqueal, introduzindo medicamentos em gotas com a antiga seringa de longo bico curvo na extremidade, preferimos a nebulisação por meio de um inhalador a vapor e principalmente pelo játo de um cilindro de aço contendo oxigenio sob pressão. Os hormonios são absorvidos ótimamente pela mucosa da traquéa e dos bronquios, aparecendo seus efeitos quasi imediatamente, como mostraremos em trabalho futuro. O mesmo se dá com as vitaminas. Para administrar os primeiros, geralmente em solução oleosa, usamos o játo de oxigenio passado por um nebulisador De Vilbiss adatado. Para medicamentos em solução aquosa e para aqueles facilmente oxidáveis, como a vitamina C, é mais adequado o nebulisador a vapor, ou então um játo de azoto sob pressão. Ultimamente temos voltado ao uso de vacinas para inflamações catarrais do nariz frequentemente repetidas, utilizando-nos da via traqueal e frequentemente com bons resultados, o que antes com as injecções parenterais, raramente acontecia. A vacina empregada foi a anti piogenica polivalente Bayer, dose unica. Frequentemente duas ampolas bastaram.
Para o tratamento de hemoptises tuberculosas N. Lolli introduz a vitamina C na traquéa puncionando com agulha fina a membrana cricotireoidéa (14).
O saco lacrimal desde 1921 foi utilisado para verificação do efeito da adrenalina (15) disso servindo-se, mais tarde, Loew para estabelecer o sinal, que leva seu nome, para diagnosticar as pancreopatias agudas.
Pela sua côr rosada e pela facilidade com que sangra quando atingida por traumatismo relativamente leve, a mucosa nasal denuncia tanto a riqueza em capilares como a pouca profundidade destes. A histologia o confirma, revelando grande número de capilares, sobretudo ao redor das pequenas glandulas serosas e mucoserosas que abundam no pouco espêsso (30 a 70 micra) epitelio de revestimento da zona respiratória da mucosa nasal. ((16)
O tecido eretil (pseudos corpos cavernosos do nariz) encontrado na concha inferior, no bordo inferior da concha média e no tuberculum septi, sendo constituido predominantemente por veias com paredes providas de fibras elásticas ,Schumacher), pouco deverá absorver.
A mucosa dos sinus paranasais é continuação diréta da mucosa da região respiratória do nariz, sendo porém, muito mais delgada (apenas 14 micra), sobretudo nas células etmoidais, onde existe tambem finissima rede de capilares linfáticos (Schumacher). A mucosa da região olfativa do nariz é igualmente muito delgada e rica em linfáticos. Ora, o sistema linfático, assemelhando-se aos sulcos de um campo cultivado e irrigado, recolhe as substancias liquidas dos tecidos e os transporta para longe (17). No caso do nariz essa drenagem é em direção ao crâneo, para o espaço subaracnoidiano, como se verificou objetivamente para a região olfativa (18) e para o sinus frontal (19), e pela observação clínica para as células etmoidais, pois que a gripe, que provavelmente é produzida por virus, comumente se inicia com uma etmoidite (M. Hajek).
A mucosa do séto nasal (septum nasi) tem forte poder de absorpção como o provam os cocainómanos e os tomadores de rapé, mas sua utilização terá necessariamente de se restringir às substancias em pó e aos gazes.
Do que precede, conclue-se ser a parte superior da mucosa nasal a que se deve utilizar para absorpção de medicamentos. Para tanto deve-se colocar o doente em decubito dorsal deixando a cabeça pendurada ao maximo para fóra. Para melhor atingir a região etmoidal é mais recomendavel o decubito lateral, alternadamente à direita e à esquerda. O conta-gotas deve penetrar bem na narina, cerca de l cm., e o medicamento deve ser instilado com decisão por um apertão brusco na borracha, lançando-se em seguida, mão da manobra de Proetz para conseguir que penetre nos recessos da mucosa. O paciente poderá levantar-se sem demora se o medicamento for uma solução aquosa, mas deverá permanecer em decubito dorsal com a cabeça em plano horizontal, durante cerca de 15 minutos, se o medicamento fôr oleoso.
Os resultados clínicos - que serão mais tarde dados em detalhe - mostram ser rápida a absorpção pelas vias nasal e traqueal. Recentemente vimos um edema de Quinke na região palpebral inferior, em senhora de 35 anos e no segundo dia de menstruação, diminuir acentuadamente em cerca de quinze minutos e ceder de todo em cerca de duas horas, com a instilação nasal de 1/4 de ampola de Pitressin diluida em uma ampola de 100 mg. de vitamina C. Em duas pessoas da familia observámos desaparecimento quasi imediato de tonturas e mau estar, provenientes de angina pectoris vasomotorica de fundo emocional, com instilação nasal de Lakarnol (Bayer).
Tanto a via nasal, como a genital (aquela porém sobretudo) oferecem vantagens evidentes não só por serem de acesso fácil, dispensando injeções, como por permitirem dosagem mais precisa. Os hormonios podem ser instilados em doses pequenas e repetidas, duas ou três vezes no dia, permitindo assim, uma terapêutica realmente de substituição, pois os hormonios agem no organismo em doses pequenas e continuadamente. Nas insuficiências de hipofise, a via nasal permite a introdução dos hormonios quasi pelo caminho natural, dada a visinhança da hipofise e as conexões linfáticas do nariz com o espaço subaracnoidiano e portanto com o liquido céfaloraquidiano, que se supõe ser a via de transporte dos hormonios hipofisiarios.
A utilização da absorção pela mucosa nasal para fins de desensibilização permite substituto cômodo para a técnica de Horton de instilar gota a gota na veia uma solução de Histamina basica em sôro fisiológico; uma gota da solução milesimal de cloridrato de Histamina remove em poucos minutos forte cefaléa.
Na cirurgia das amigdalas e nas operações endonasais, a aplicação tópica da Vitamina C, embebido em gaze, é um ótimo hemostático.
Para o Otorrinolaringologista a correção da permeabilidade capilar alterada é basica no tratamento das doenças de sua especialidade quando ainda na fase reversivel, pois que, então, a fagocitóse é a única cura de infecções e a moderação da permeabilidade a única correção de estados alergicos. (20). Aquele desideratum, por via de regra, é conseguido com o emprego de vitaminas, hormônios e hormoides, que usamos, sobretudo por via nasal, na forma em que se encontram no comercio, em empôlas destinadas para uso hipodérmico, ou em solução.
AUTORES CONSULTADOS
1 - Otfried Müller (Tübingen) "Die feinsten Blutgefässe des Meuschen in kranken und gesunden Tagen". 1937-1939, 2.ò vol. pag. 353.
2 - "Penicilin Inhalation Therapy in Respiratory Infections". Maurice Segal, Leon Levinson e Daniel Miller. The Journal of the American Association, June 28, 1947 - pag. 762. Artigo interessante, trazendo estensa bibliografia. Macauliffe e Muller, Archives of Otolaryngology, vol. 46; n. 1, July 1947, tratam do mesmo assunto.
3 - Citado em O. Müller, vol. I, pag. 96.
4 - O. Müller, vol. I, pag. 99.
5 - O. Müller, vol. I, pag. 54.
6 - O. Müller, vol. II, pag. 825.
7 - O. Müller, vol. I, pag. 131.
8 - H. Hildebrand, "Tödliche Quecksilbervergiftung durch intravaginale Einführung von Oxycyantabletten" ; Münchener med. Wsshr. 4 Ap. 1941, pag. 397.
9 - Josef Jadassohn, ed. Handboch der Haunt-und Geschlechtskrankheiten, Berlin, 1927, vols. I e 13 P. H. Esser. "Ueber die Funktion und den Bau des Scrotums". Zeitschr. f. mik. anat. Forschung, 1932.
10 - Steurer e Gradenigo, citados em O. Müller, vol. II, pag. 137.
11 - O. Müller, vol. 1, pag. 113.
12 - W. Spalteholz, Anatomie des Menschen, 1921, vol. III, pag. 511.
13 - Adolf Wenush und Gerda Maier. "Ueber die physiologische Wirkung natürlich nikotinfreier Tabake". M/nch. 15-XI-1940, pag. 1263.
14 - Referência no Münch. med. Wsch de 22 - XII - 1939, pag. 1791.
15 - Zeller, 1921, Klin. Monatsbl. Augenheilk 66 (cit. O. Müller, vol. l, pag. 374).
16 - S. Schumacher. Histologie der Luftwege und der Mundhöle, in Handbuch der Hals-Nasen-Ohrenheilkunde. A. Denker S O. Kahler, vol. I, pag. 89.
17 - O. Müller, vol. 1, pag. 89.
18 - Sepp, cit. em O. Müller, vol. I, pag. 638.
19 - A. D. Speransky (Leningrad). "A Basis for the Theory of Medicine 1943, International Publishers, pag. 101 e 108.
20 - J. G. Whitaker. "Aspétos novos da Otorrinolaringologia" - Tése para a Docência Livre da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, 1947.
(*) Docente Livre da Univ. S. Paulo. Membro da Academia Nacional de Medicina