Versão Inglês

Ano:  1949  Vol. 17   Ed. 5  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: -

Páginas: 129 a 137

 

DO ESTUDO COMPARATIVO DO TRATAMENTO DAS ANGINAS AGUDAS PELO BISMUTO, PELAS SULFONAMIDAS E PELA PENICILINA (*)

Autor(es): PROF. JOÃO MARINHO

Rio de Janeiro - Brasil

Com louvável prudência o regimento do congresso limita o tempo das exposições a um quase nada, ainda mais encurtado o destinado aos temas livres. Na obediência à brevidade explanarei o que tenho a dizer sem nenhuma preocupação de confirmações bibliográficas, remetendo o curioso ou o interessado para a obra do Dr. Aristides Monteiro, Da Ação do Bismuto nas Anginas Agudas (contribuição clínica e experimental), onde se encontram enumerados os nomes dos autores e o titulo das obras referentes ao tratamento das anginas agudas pelo bismuto até ao ano de 1943. Dessa obra temos muita satisfação de entregar dois exemplares à mesa para que lhe dê o destino que julgar conveniente. O que veio depois é pouco ou mera repetição que em seu lugar apontaremos.

Tão pronto o efeito do bismuto nas anginas agudas puras, quero dizer sem complicações, quanto ineficaz, ou quase, nas que evolvem para terminarem em abcesso via de regra peri-amigdaliano. Nesta forma, ensaiou Aristides Monteiro a penicilina como se lerá na Revista brasileira de Oto-Rino-Laringologia, número de Janeiro-Fevereiro de 1946, cujo dado bibliográfico cito por se referir à época posterior a 1943, com resultados promissores como se verá na referida contribuição. Completa dêste modo o seu autor o tratamento da angina aguda pelo bismuto com o emprego da penicilina nos casos em que êle por excepção não dá resultado.

Mas de um dos senhores estarão a perguntar corno veio ao Dr. Aristides Monteiro a idéia de tratar a angina aguda por bismuto em injeção paraenteral. Sei contar. Foi assim:

Em 1919, Levaditi sistematizou o tratamento da sífilis pelo bismuto. 0 professor e dirigente da clínica Oto-Rino-Laringológica em que o Dr. Monteiro então trabalhava ainda ao tempo de interno, lembrou empregar o bismuto também na angina de Vincent, na suposição de igual efeito esperilicida no caso do espirilo na simbiose. Pouco se lhe deu da pretendida diferenciação morfológica entre as duas espécies. Eram espirilos e isso lhe bastava para a experimentação intentada. O costume de tratar a angina de Plaut-Vincent com aplicações locais de ácido crômico, que continuou a usar juntamente com o bismuto, acabou por lhe deixar na dúvida se os resultados animadores alcançados deviam se atribuir ao bismuto ou ao ácido crômico. Em 1926 levou o resultado de suas observações à Semana de Otoneurolaringologia realizada em São Paulo. Como tenha sido, persistiu com o bismuto por lhe parecer que abreviava a evolução do mal, mais lenta quando tratado ao modo antigo sem bismuto. Aristides Monteiro assim viu medicar numerosos casos de angina ulcero- membranosa pelo bismuto. Antes de 1933, porém, jamais lhe passou pelo pensamento ingetá-lo em caso de angina aguda. Nesse ano, enfermeira atacada de violento surto anginoso desenganada de panos quentes e gargarejos, pediu-lhe lhe fizesse uma injeção de bismuto. Sorriu-se, mas fez. Surpreenderam-se ambos com o pronto alívio em horas.

A nenhuma relação compreensível entre bismuto e angina fez com que o Dr. Monteiro não desse maior importância ao milagre de que foram testemunhas. Sucedeu, passado um ano, essa mesma enfermeira acometida de nova angina, desta vez com sintomatologia característica de terminar em abcesso periamigdaliano, lembrou-lhe nova injeção de bismuto. Feita, só lhe trouxe pequeno alívio. Por essa ocasião, visita à mãe, também enfermeira, no serviço clínico dirigido pelo Professor Raul David de Sanson, onde lhe abriram o abcesso, contra o qual o bismuto se mostrara ineficaz. Uma mesma doente serviu, pois, para mostrar a eficácia por assim dizer maravilhosa do bismuto no tratamento da angina aguda não complicada e o quase nenhum efeito no caso das abcedadas. "Quase", porque na observação de mais de um autor o bismuto ainda nestes casos tem seu quê de beneficente. Praticamente, porém, nulo, máxime se comparada a sua eficiência com a do prodígio em poucas horas da cura completa nas anginas não complicadas de abcesso.

Dêsde então, o Dr. Monteiro mais atento ao bom êxito que ao malôgro, passou a injetar sistematicamente bismuto na angina aguda. Os primeiros cinqüenta casos na clínica da Faculdade de Medicina em que trabalhava, já então como apreciado assistente, depois por colegas do Hospital, onde a Clínica Otorinolaringológica da Faculdade, logo e logo na Argentina, Chile, Uruguai e, atualmente, pode-se com ligeiro exagêro apenas dizer, que em todo o mundo.

Contudo, no consenso geral êsse tratamento não passava de puro empirismo. A regularidade de cura rápida observada com rara unanimidade, haveria de ter sua razão.Deu-a, primeiro, em cortes de amígdalas sujeitos a verificação anátomo-patológica com a colaboração de patologistas de renome, o Dr. Gastão Sampaio, do Hospital São Francisco, e do Professor Pena de Azevedo, Chefe de laboratório do Instituto Osvaldo Cruz, ambos concordes em protocolos de amigdalas extirpadas quarenta horas depois da injeção de bismuto não apresentarem sinal nenhum mais de inflamação. Permitam recordar o como fizeram a experimentação.

No auge do surto agudo, o Dr. Monteiro retirava uma das amigdalas, injetava logo depois o bismuto e quarenta e oito horas depois amigdalotomizada a outra já regredida ao aspecto de perfeita normalidade. Os cortes ao microscópio confirmavam a observação clínica: a primeira amígdala tôda infiltrada de exsudato inflamatório, na segunda, de todo desaparecida, como se vêem nas fotografias figuradas na referida obra do Dr. Monteiro. Preciosa que foi essa confirmação, não trouxe nenhuma inteligência a respeito do efeito farmacodinâmico do bismuto no tratamento da angina aguda.

Pesquisas de outra espécie confirmava-o na etiologia monogérmica da tonsilite aguda. já em 1934 com assistência técnica do Dr. Vital Brasil Filho chegaram a seguinte conclusão: "o estreptococo é o agente etiológico da tonsilite aguda".

Firmado nesta conclusão e no bom efeito contínuo do bismuto no tratamento da amigdalite aguda, formulou a hipótese de bem poder a ação do bismuto ser devida a excitação na produção da antiestreptolisina, hipótese de cuja demonstração encarregou-se o Professor Guilherme Lacorte, Chefe de Laboratório do Instituto Osvaldo Cruz e a de seu não menos sábio assistente Dr. Mário Santos. Antes de assentarem a pesquisa, confirmaram a opinião de Vital Brasil Filho, a do estreptococo, agente da tonsilite aguda. Agora, porém, com a particularidade de não ser qualquer espécie, mas unicamente o estreptococo hemolítico. O laboratório provou que, o específico da angina catarral purulenta sòmente a êste se reduzia. Nenhum outro. Certificaram-se ainda que o estreptococo hemolítico não só é o monogerme específico da angina aguda, como também o do abcesso periamigdaliano. Se alguma dúvida ainda poderá surgir no costume de admitir polimorfismo microbiano na etiologia da angina, nenhuma haverá quanto ao caso do abcesso, pois que, puncionado com cautela de agulha e seringa esterelizadas, no pus examinado o estreptococo hemolítico sempre se revelou em cultura pura.

Por que então o bismuto, eficacíssimo num dos casos, mostra-se sem efeito no outro? O procurar esclarecer a razão do procedimento contraditório apresentou-se como novo empênho aos três investigadores. E acabaram por esclarecer a incoerência na predisposição individual em colaborar a antiestreptolisina, pronta em um caso, demorada no outro. Quer dizer, certos indivíduos são de seu natural mal dispostos a fabricarem o anticorpo contrariante do antígeno. O assunto, por sua originalidade não era de molde a despertar a inteligência do comum dos leitores. Passou mesmo despercebida à sabedoria da banca examinadora perante a qual foi apresentado, em tese de concurso, como adequado a preencher a exigência protocolar de constituir "assunto original". Nem de leve os examinadores tocaram no ponto.

O critério experimental para examinar a maior ou menor aptidão orgânica na formação da antiestreptolisina consistiu em verificar o tempo decorrido em que o plasma coagulado, proveniente de indivíduos portadores de angina simples e das abcedadas, se deixa liqüifazer. Quanto mais rápida se processasse a liqüifação, tanto menos propenso o organismo para reagir pela antiestreptolisina à ação da estreptolisina causadora da enfermidade. Examinando o plasma coagulado, colhido em doentes com angina ainda no estado eritematoso inicial, verificaram a sua liqüificação, assinalada em "tempo fibrinolítico", pouco demorar: uma hora (em um caso, menos, 50 minutos), duas, três... Com o evolver da angina vai aumentando a resistência à liqüifação. No sexto dia a defesa já é total ou, por outras palavras, o plasma coagulado já se não deixa liqüifazer na presença da estreptolisina a que vinha sendo sucessivamente exposto durante o percurso da experimentação. Isso comprovaram em doentes entregues à evolução expontânea do mal, isto é, sem tratamento de qualquer espécie. Nos tratados pelo bismuto a resistência à liqüifação aparece bem mais cedo, o quê leva a conclusão do remédio acelerar no organismo adoecido a produção da antiestreptolisina. Nos casos de abcesso amigdaliano a reação defensiva é mais lenta, como se deixa apreciar em numerosos quadros demonstrativos da supra citada tese. Daí a explicação do bismuto contraditório nos casos de angina simples e nas abcedadas. Nestas pouco valerá em organismo indisposto a preparar o anticorpo, enquanto que em outros, ou sejam noventa por cento dos casos, o bismuto abrevia em horas os longos dias levados na elaboração expontânea da antiestreptolisina. Tanto no caso de angina simples, como na complicada de abcesso, o antigeno estreptocócico estimula reação específica de imunidade idêntica. A diferença entre os dois casos reside apenas na velocidade com que se gera o anticorpo.

A experimentação elucida o fato de evolver em certos organismos angina sem abcesso, enquanto em outros se arrastam até terminarem dêste modo.

O Dr. Aristides Monteiro levou mais longe as suas pesquisas. Pescetti em artigos intitulado Da bismutoterapia na tonsilite aguda e da rápida invasão do tecido tonsilar pelos sais de bismuto, insertos nos Arquivos Italianos de Otologia, vol. 607, 1939, fundamentado na descoberta de Aristides que cita, lembrou-lhe documentar o efeito do bismuto em sua rápida penetração no tecido amigdaliano. Injeta o bismuto em série de anginosos e decorrido o prazo de 4, 6, 8, 12, 14, 20 e 24 horas pratica-lhes a amigdalectomia. Com oito horas já lhe assinalava a presença francamente positiva com uma cruz. Assim conclui haver encontrado a relação da cura pronta com o bismuto na sua presença em poucas horas nas amigdalas.

Pediu o Dr. Monteiro repetição do que lera ao professor Pena de Azevedo. Não lhe foi possível encontrar traços de bismuto nos cortes histológicos das amigdalas recebidas para exame. Atribuiu o fato a ínfima quantidade de bismuto que por ventura houvesse no tecido tonsilar. Tanto mais plausível lhe pareceu essa explicação, quanto encontrou bismuto em cortes feitos em amigdalas de luético submetido a intensivo tratamento a ponto de produzir-lhe manifesta gengivite bismútica (Rev. Brasil de O. R. B., Novembro Dezembro de 1946). Procurou então pesquizar o bismuto por processo espectro-químico, que técnicos consultados lhe afiançavam capaz de encontrá-lo até na insignificante quantidade de 0,000.0001.

Submetida as amigdalas a três institutos, dois no Rio de Janeiro, um em São Paulo, em nenhum foi encontrado vestígio algum de bismuto. Sòmente magnésio, ferro e sódio em pequena quantidade e, em mínima, o alumínio. Do que concluíram que, pela espectroquímica, não se achou bismuto no material examinado. (Rev. Brasil, de O. R. L., Setembro-Outubro de 1946).

Não desanimaram nem o Dr. Monteiro nem o zêlo dos técnicos. Deles lhe veio o conselho de procurar no Departamento Nacional de Produção Mineral o Professor Giegl, um dêsses sábios exilados com que a inópia política beneficiou por portas travessas o Novo Mundo. O professor Feigl é o autor da reação mais sensível que nenhuma, capaz de revelar elementos inorgânicos ainda na porção de meio micro-grama: 0,000,00005. Ainda assim não logrou a "reação de toque" mostrar nem ao professor, nem ao seu ilustre assistente, Dr. Luís Inácio Miranda, bismuto nas lâminas que lhes remeteram. Responderam que, se bismuto houvesse estaria em quantidade abaixo do limite de verificação.

Combinaram então sujeitar ao mesmo processo amigdalas não mais em cortes de anatomia patológica a exemplo do sugerido por Pescetti. Sim, na totalidade do volume em que se apresentassem depois da extirpação.

Antes do mais, assentou o Dr. Monteiro não lhes levar, primeiro, senão amigdalas de doentes que não tivessem feito uso de bismuto pelo menos dois anos antes da colheita atual. Afastada essa possível causa de êrro, as entregues à pesquisa foram extirpadas oito, dez, doze, dezesseis, desoito, vinte e vinte e quatro horas depois de administrado o bismuto. Encontraram-no em reação francamente positiva já nas provenientes de bismuto administrado oito horas antes. Na suposição que em menor prazo fôra possível a sua presença, levou ao exame outras, com duas, quatro e seis horas de bismuto injetado. O resultado negativo deixou concluir não haver ainda a êsse tempo o bismuto penetrado o tecido amigdaliano. Ficou assim determinado o tempo de oito horas como o liminar de penetração do bismuto na amigdala. Êsse tempo corresponde ao aparecimento das melhoras na observação clínica. Entre doze e vinte quatro horas, os relatórios Feigl-Miranda, denunciam-no em quantidade apreciável.

Da pesquisa do bismuto no tecido tonsilar realizada primeiro por Pescetti revista depois pelo Professor Pena de Azevedo a pedido do Dr. Monteiro, resaltam dois fatos dignos de menção. O primeiro a relativa facilidade encontrada por Pescetti logo dêsde oito horas do bismuto injetado e, depois de vinte, em tal abundância a ponto de o deparar disseminado por tôda parte no paresquima amigdaliano: Dopo 20-24 ore tutta la tonsilla ne é piena. Contraposta a essa facilidade, a dificuldade estrema do Dr. Monteiro para desvendá-lo, só o conseguindo depois de submetido a ultra sensível reação de toque do Professor Feigl.

De outra parte, não passará sem reflexão a quantidade insignificante de bismuto encontrado, pelo Prof. Feigl, comparada com a pequenez das suficientes à cura da angina. Aristides Monteiro. começou por injetar cinco centigramas. Verificou depois que doses duas, três, quatro, até dez vezes menores davam no mesmo resultado de fazer desaparecer a tonsilite aguda em poucas horas. Experimentou os mais variados sais de bismuto, solúveis e insolúveis. Para universalizar com simplicidade o tratamento, ao cabo de dez anos de experimentações sucessivas escolheu um preparado hidrosolúvel de um centigrama de bismuto. Viu-se depois confirmado por mais de um que lhe tem aplicado o remédio no tratamento da tonsilite aguda.

Ainda menos chega para produzir o efeito desejado. já Aristides Monteiro o verificara até em porção dez vezes menor que a de cinco centigramas com que iniciara o tratamento sistematizado (loc. cit. págs. 38 e 39). O dr. Mário Altenfelder, pediatra do Serviço de Centros de Saúde da Capital de São Paulo (Brasil), com quem me entretive a êsse respeito dias antes de voar para Santiago, usa o Laryngobis, preparado americano (New York), em forma de supositório, com 0,0225 de bismuto metálico. Metade desta dose, ou seja meio supositório uma única vez em criança de 1 a 3 anos; de quatro a oito, êsse mesmo meio supositório, podendo se repetir; de 9 em diante, supositório inteiro. Mário Vaz de Melo, chefe de dois serviços clínicos de pediatria no Rio de Janeiro, não precisou mais que 1 a 2 miligramas. De 130 casos assim tratados quasi todos curaram com uma única empôla.

Tão pequenas doses lembram resultados obtidos com quantidade imponderável de elementos minerais, o de prata, por exemplo, na esterilização da água. Ajunte-se a esta reflexão os só 0,000,00005 de bismuto encontrado nas amigdalas pelo professor Feigl. Futuras experimentações talvez ainda venham abaixar as doses já de si insignificantes do uso corrente. Admitida a simples ação de contato no bismuto como razão explicativa da cura, considerar-se-á como concorrente à do estimulo na produção acelerada da antiestreptolisina.

Não é fácil encontrar na história da medicina estudo de ação medicamentosa assim levada em tôda linha dêsde a pura observação empírica até perfeita demonstração farmacodinâmica, como a realizada pelo Dr. Monteiro e seus sábios colaboradores no tratamento da angina aguda pelo bismuto.

Nenhuma enfermidade, doença, afecção é tão freqüente na prática clínica como a representada pela angina catarral-purulenta, por denominá-la pela classificação anatomo-patológica de Dietrich.

O emprêgo do bismuto na tonsilite aguda precisa e simplifica o seu tratamento tirando o clínico da perplexidade na escolha dos muitos remédios recomendados nos formulários. O médico chamado para acudir adoente de dor de garganta, não terá mais que sair de casa com a hipótese mais provável de encontrar uma, de três: a tonsilite aguda, a de Vincent, ou a diftérica. Basta-lhe ter à mão três coisas muito simples: um tubo de ensaio com o estilete algodoado para colheita de material, uma êmpola de bismuto, sem maior preferência para êste ou aquele sal, que todos servem do mesmo modo, e soro antidiftérico em dose suficiente para injetar vinte mil unidades. Se o médico não tem prática no uso de aparelhos iluminadores, faça o doente abrir a bôca voltada para a luz de uma janela ou, se é noite, para a de uma lampada de cabeceira. Abaixe-lhe a língua com o cabo de uma colher, com o estilete retire material do fundo da garganta. Se o que se vê revela como difteria declarada, injete o soro, vinte mil unidades de uma vez. Não se apresse em repetí-lo no dia seguinte. O efeito que parece provir desta segunda injeção é o da anterior que começa. Em dúvida de que angina se trata, prefira o bismuto. Há de errar menos vezes, por ser a difteria bem menos freqüente que a tonsilite de todos os dias. A difteria no início não perde por esperar o seu remédio por mais algumas horas no exame pedido ao laboratório. Tal o efeito pronto do bismuto, sobretudo em criança que, antes que chegue, o diagnóstico já foi feito pela eficácia do medicamento.

Assim, com duas medicinas levadas no bôlso ou na maleta da profissão, acudirá logo e sem hesitações ao seu cliente dêsde a primeira visita a domicílio ou no consultório. Êsse relance sugeriu ao mais velho dos colaboradores do Dr. Monteiro a conhecida classificação a que chamou de urgência clínica: ANGINA DE SORO E ANGINAS DE BISMUTO. Angina de soro, no singular, por tratar-se de uma única, a diftérica; anginas de bismuto, no plural, por serem duas as visadas, a "de todos os dias" e a úlcero-membranosa, de Plaut Vincent. Classificação logo da primeira vez que se ouve fácil de guardar, e dois remédios ainda mais fáceis de transportar. Ai! dos especialistas de agora em diante. Nenhum clínico chamará mais algum para juntos assistirem a doente de angina aguda catarral.

DO TRATAMENTO DA ANGINA AGUDA PELO BISMUTO E PELA PENICILINA

Boris Schuster no Naval Medical Bulletin vol. 48, Janeiro-Fevereiro de 1948, experimenta o efeito dos dois medicamentos em duas séries de doentes atacados de tonsilite aguda, ou seja tonsilite aguda da fala inglesa. A idade dos doentes entre seis meses e sessenta e três anos. A marcha da angina acompanhada no hospital e na clínica privada. Vou pôr em aspas com o pedido ao ouvinte ou futuro leitor dos arquivos dêste congresso vigiem a tradução., caso algum taxe de exagerado o que transcrevo: "Com o bismuto, o alívio sintomático mostrou-se "espetacular". Não só em crianças já crescidinhas (older children) como em adultos, uns e outros já livres da odinofagia dentro das primeiras seis a oito horas seguintes à injeção. Com seis, crianças de peito já não relutam em aceita-lo. Dos setenta casos tratados com bismuto fez-se preciso nova injeção em um terço aproximadamente. E termina, "nos casos de tonsilite folicular the symptomatic relief is much more rapid (6-8 hours) than when penicilin is used (24-36 hours) ". Aí está. Alem da ação muito mais pronta, dispensa a enfermagem pouco menos que contínua exigida pela penicilina.

DA AÇÃO DAS SULFONAMIDAS NA DURAÇÃO DA AMIGDALITE AGUDA E NO APARECIMENTO DE SUAS COMPLICAÇÕES

Com o título acima, no suplemento 67 da Acta-Otolaryngológica de Fevereiro 1948, consagrado a comemorar o sexagésimo aniversário natalício do Prof. Carlos Agarthon Meurman, da Universidade de Helsinki, o do Dr. Paavo Koskinen dá conta dos resultados observados com preparados derivados da sulfonamida. Com esta indicação bibliográfica dou de mão a qualquer pretenção de resumir-lhe o trabalho, onde se encontra apreciável histórico dos inumeráveis modos por que a medicina antes do bismuto costumava tratar a angina aguda. Bastará para o principal do tema que nos propuzemos a tratar neste Congresso relatar-lhe as conclusões que, como se verá, poem as sulfonamidas em terceiro lugar, longe, dos resultados alcançados com o bismuto ou a penicilina.

Quanto à duração (página 59), a média na evolução do mal foi tomada como ponto de referência à cura, precisamente, 5, 8 dias, prazo em que a febre desaparecia. O que é dizer, de pouco valimento mostrou-se a droga, porquanto a evolução da angina por êsse tempo já está no limite de cura expontânea. A respeito da ação repressiva na peritonsilite abcedada, em que confessa, como todos os especialistas, a complicação mais comum da tonsilite, cito-lhe as palavras na própria língua em que escreveu: Le traitement au sulfonamide n'a pas d'effet prophylactique contre la peritonsiltitis abscedens. Ao todo 129 casos (página 62). Ainda aqui o Dr. Aristides Monteiro vê-se ratificado em tôda linha no que antes de ninguém observara.

Da comparação dos três remédios atualmente em concurrência ao tratamento da tonsilite, torna-se evidente o quanto finais vale o realizado pelo bismuto. O mérito do meu preclaro assistente e companheiro de trabalhos comuns por mais de vinte anos não está na descoberta do tratamento da angina aguda pelo bismuto, sim no fundamento cientifico que o esclarece. Censuraram Augusto Comte o não figurar Genner no calendário positivista. Porquê, contraveio o filósofo, não lhe vejo razão científica no que preconiza. O mesmo estranharam ao bismuto do Dr. Aristides Monteiro Acudiu à exigência satisfazendo à ciência. Porquê a ninguem é dado recusar o que lhe entra por via de demonstração, pôde o autor da memorável descoberta afirmar na derradeira conclusão do seu trabalho: "a cura da angina catarral purulenta pelo bismuto documenta-se na observação clínica universal, confirma-se na anatomia patológica e acaba de todo esclarecida em reação de imunidade acelerada".




(*) Tema livre apresentado ao Primeiro Congresso Latino-Americano realizado em Santiago-Chile de 6 a 9 de Janeiro de 1949.

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