Versão Inglês

Ano:  1949  Vol. 17   Ed. 3  - Maio - Agosto - ()

Seção: -

Páginas: 117 a 124

 

Dr. Ernesto Moreira

Autor(es): -

* 10 de Maio 1885
+ 2 de Maio de 1949

Realisou-se no dia 18 de Abril de 19-19 a reunião da Secção de Oto Rino Laringologia A. P. M. na qual foi prestada uma homenagem ao Dr. Ernesto Moreira, ilustre consocio falecido.

Abrindo a sessão falou o dr. Hugo Ribeiro de Almeida. presidente da Secção de ORI, que pronunciou as seguintes palavras:

A Secção de Otorinolaringologia da A . P . M. deve registrar hoje o falecimento de seu consocio Dr. Ernesto Moreira.

Na reunião passada, Moreira sentou-se ainda entre nós. Usou da palavra para comentar um trabalho apresentado, serra paixão e sem complacencia. Foram as ultimas palavras que dele ouvimos; embora poucas e simples não deixaram de retratar sua integridade moral e justesa de espirito. Poucos puderam acompanha-lo ao cemiterio. Dois e trás dias depois de seu passamento, a notícia ainda se espalhava com surpresa. já morto lhe telefonavam do Hospital reclamando sua presença na sala de cirurgia. As vezes de um ceu azul sem nuvem a eletricidade acumulada na poeira cosmica cai em raio sobre o campo, misteriosamente, para espanto do homem, ferindo e destruindo. Desta forma a morte abateu Ernesto Moreira numa atmosfera de espanto e consternação. Houvemos por beira recorrer ao Dr. Francisco Hartung para pronunciar o necrologio de Ernesto Moreira nesta reunião. Suas relações de amizade com o morto, seus dotes de inteligencia são credenciais que justificaram a mossa escolha. Ele certamente saberá interpretar os sentimentos de todos nós.

Tomando a palavra o Dr. Francisco de Paula Pinto Hartung pronunciou, em nome da Secção de Oto-Rino-Laringologia da A. P. M., as seguintes palavras :

Minhas Senhoras, meus Senhores e meus Colegas.

Emoções ha que se dominam! Que se controlam! Durante as quais nos é possível esconder o nosso estado de alma! Erra outras, porém, não, pois que empolgara, subjugam, por completo, o nosso ser, Profunda e tão intensamente que não se consegue dissipar o que sofremos, tão perturbado se apresenta o nosso equilíbrio metabólico! A tiroide, dizem uns, é por isso responsável, pois que a sua hiperfunção altera por completo a Harmonia orgânica. Abala, em seus fundamentos, os alicerces da extrutura neurovegetativa, assim dizem os clássicos! Outros doutos, porém, com isso não concordam! Segundo estes, pouco terra que ver a emoção com o endocrinismo, pois o que a gera e a produz, no nevropata, são os conflitos do Id contra o Ego, a luta do inconsciente cora a consciência. Foi Freud, o grande mestre, quem ensinou, e assim pensam os seus prosélitos, - freudianos ortodoxos. A emoção é fruto apenas de recalques e conflitos! A nós porém parece que isto tudo ainda é pouco, por mais respeitáveis e profundos que sejam todos estes fundamentos e conceitos! Muito mais que Freud, na sua devassa do inconsciente humano, ou os mestres campeões do endocrinismo, o coração, em seu ritmo perturbado, este sim, fala corri muito mais eloquência e realidade, quando a morte implacável e inapelável acaba de arrancar um amigo, colega e companheiro.

De fato, um amigo , colega e companheiro, com o qual, os 35 anos de convivência, si nos serviram para sedimentar e aumentar a nossa mútua amizade, para mini foi nau crecendo ininterrupto de respeito, apreciação e simpatia.

Logo no inicio, ao transpormos juntos os humbrais da Faculdade, antes dos ambulatórios e enfermarias , mas ainda nas aulas teóricas do curso Básico de medicina, no anfiteatro dc anatomia, ou no laboratório de fisiologia, Ernesto Moreira já começara a demonstrar os traços de nobreza do seu altivo temperamento e de carater, que fatalmente haveriam de impor à consideração dos seus companheiros de estudo e de trabalho.

Ainda o vejo bem , apesar da bruma do tempo que passou, em meio de seus amigos que afinal eram todos os colegas, expondo, esclarecendo, discutindo alguns assunto de interesse coletivo para os moços.

O Ranzinza, era então ele chamado!

Mas porque Ranzinza?!

Porque, apesar de moço, sendo contudo um tanto mais velho que o colegas, fato que na Juventude é muito mais marcado, podia por isso ponderar e aconselhar. Porque sabiam seus amigos que a sua melhor experiência da vida, com frequencia lhe facultava decidir e acertar. Porque assim ele frenava e moderava as imprudências e arrebatamentos próprios da mocidade que por acato pudessem comprometer o bem estar de todos. Porque todos os encaravam cone confiança e simpatia, certos de que qualquer gesto imoderado que não condisesse cone a dignidade e tradições de nossa turma seria por êle implacável e sinceramente anatematizado e censurado Porque sendo arraigo de todos com todos podia repartir a sua amizade e irradiante simpatia!

Depois, na vida prática! O mesmo honrem que na Faculdade se tinha revelado. O mesmo colega na ética profissional. O mesmo amigo na estética da vida. A mesma solidariedade do tempo dos corredores, gritarias e correrias, ou na sisudez das enfermarias; de clínica. A mesma lisura e correção nas atitudes. O mesmo interesse pela turma e os colegas que já se havia manifestado nos bancos da Faculdade, promovendo reuniões comemorativas todas as (latas de significado que por ventura passassem. Não só isso. Mais ainda. Si estava a postos o Moreira, visitando, dando assistencia e comunicando aos outros o que estava acontecendo. E quando uni deles para sempre sé despedia deste prurido, levado pela fatalidade biológica do destino, Moreira então se desdobrava e se multiplicava. Aparecia, logo, reunia todos e resolvia o que de mais urgente, indicando aquele que devia pela turma dizer o nosso adeus e a nossa despedida. E assim foi ele sempre, para a vida e para a morte, nos momentos de tristeza e de alegria, sempre o mesmo colega, o amigo coai o qual contar se poderia.

A mim particularmente, que tive a felicidade ele corar ele conviver muito aproximado, foi um dado apreciar um episódio que berra diz da sua solidariedade com os colegas, de sua elegância moral, e beleza de compostura na vida.

Certa vez, fui chamado a trabalhar no Hospital Municipal, cuja chefia de clinica otorinolaringologica acalcava de se vagar. O Prefeito, Prestes Maia, era meu amigo velho e se lembrara do meu nome. Aceitei o cargo. Nem poderia deixar de fazê-lo, a um convite tão cordeal e tão amavel. Pedi então ao Moreira que consigo fosse. Não conto assistente. Como arraigo de confiança e companheiro de trabalho. Acedeu tambem. E assim pelo espaço de um ano tudo correu bem. Trabalhávamos juntos calmamente, atendendo à Prefeitura e à nossa clinica. No fim de um ano, porém, começam as coisas a complicar-se, devido a exigências, regulamentos, horarios e regimens. No principio, procurei acomodar os acontecimentos, sem ferir ao meus próprios interesses e a minha vida clínica. Não foi porém possível, e eu não podia mais cumprír o que havia prometido ao Prefcito meu antigo. Disse então ao -Moreira: "Eu vou me demitir. Não posso continuar no Hospital Municipal. O prefeito é meu amigo, mas êle mesmo não pode fugir a medidas gerais e necessárias. Você porem comigo não incomode. Pode mesmo assumir a direção do serviço, e sei bem que será muito util ao governo. Vocè não tem o menor compromisso comigo. Faça o que quizer e o que melhor lhe convier. Quanto a mim só me resta depôr nas mãos do prefeito o lugar que me confiou e com que me honrou."

Moreira tudo ouviu calado. Nada disse, mas não titubiou nem hesitou um so instante. Depois, em uma tonalidade de soberba dignidade que eu dele já esperava, em um gesto de magnífica solidariedade disse então:

"Pois eu tambem ainda hoje me demito." Este gesto define admiravelmente o seu perfil moral.

E assim saimos juntos para aprontar a nossa demissao.

Dois vectores principais determinaram a trajetória da vida clínica de Ernesto Moreira. Primeiro, a sua extraodinaria dedicação ao serviço de otorinolaringologia da Santa Casa de São Paulo. Companheiro e testemunha que fui das suas atividades, desde os primeiros dias, quando juntos e emocionados, conto novatos que éramos penetrámos na clínica do saudosíssimo, e inesquecível Professor Henrique Lindernberg, cuja sedução e bondade, haveriam ele nos reter definitivamente no seu sector de mdicina, estou na obrigação moral de prestar o meu depoimento a posteridade médica e à História ela Medicina em São Paulo. Devo pois rclembrar sua constância, a sua tenacidade, a sua dedicação, o amor que tinha à nossa profissão e o entusiasmo pela nossa especialidade que haveria de sublimar-se e culminar nos seus admiráveis esforços para a solução cirúrgica do tremendo problema do ozenoso.

Não creio, e afirmo com convicção e sinceridade, ser possível encontrar um outro nome que pudesse levar vantagem a Ernesto Moreira sobre a materia da cirurgia da ozena Não só em São Paulo e no Brasil.No estrangeiro tambem. Moreira foi de fato o grande campeão da operação de Lautenschtläger.

Não conseguimos saber o número exato de operados. Mas certo é ser superior a 500 talvez mesmo a 600, pois que em 42, quando publicou ele em seu livro sobre a ozena, o qual tive o prazer e a honra de prefaciar, o mais completo tratado que até hoje apareceu sobre o objeto, o numero deles já ultrapassava de 400.

Eis porque afirmo com justiça e orgulho, tuas tambem sob muita magua e emoção, que o mesmo luto que cobre a familia, os colegas, os amigos otorinolaringologia paulista e brasileira, envolve igualmente em suas malhas a enorme legião de operados que por ele foram beneficiados ou curados.

Pouco importa que o cepticismo de alguns não compreendesse os seus esforços! Realmente, não importa ! por acaso, o cepticismo sistemático foi algum dia fecundo e produtivo?! Eis porque Moreira ouvidos não lhes dava. Não tinha mesmo tempo para isso, pois que continuando a trabalhar ininterruptamente, estudando o problema da ozena em seus aspectos todos, desde a etiologia até os ultimos esforços da quimioterapia, operando, aperfeiçoando, aprimorando técnica a ponto de imaginar e construir uma pinça que ficou com o seu nome, usada para a mobilização da parede interna do maxilar, continuava ele, impávido e resoluto o roteiro mestre da sua vída clínica, dedicado á causa dos infelizes doentes de rínite atrófica.

Amigo que foi também elas letras e das artes, frequentador assíduo e obrígatorio dos ambientes e recintos intelectuais, versado em Vieira, si apreciava o vigor de Euclide da Cunha e a doçura de Latnartine, não deixava de se deslumbrar tambem com a cultura geral e o lhumanimo. Por isso nos seus recursos filosóficos dava de hombros com os cépticos, na certeza de que em cirurgia, como em tudo lia vida, nada ha de mais relativo de que a certeza no absoluto. E assim continuava a trabalhar, num crescendo de -entusiasmo, de coragem, de renúncia de si próprio, e the last but not least, o último mas não o menos, tini espírito de sacrifício que só se encontra em um verdadeiro cristão. Eu vi. Assisti. ninguem m'o contou. Moreira estendendo a mão ao ozenoso, convidando-o a tentar pela cirurgia, unta nova vida mais feliz. Só quem sabe o que seja esta molestia, a ozena, poderá julgar da nobreza, do desprendimento e da caridade de um tal gesto. Por vezes , não havia indicação clínica. Nem cirúrgica, tão más e desoladoras eram as condições do campo operatório. Mas havia uma indicação sentimental e moral, a qual Moreira se apegava, de acôrdo apenas com o que prega o cristianismo!

Por isso, apezar de suas dúvidas eu sempre o compreendi. Jamais desconheci qual fosse a sua verdadeira metafísica, embora nunca o tenha visto em qualquer templo ou igreja. Muitas vezes me fez lembrar Capistrano, o querido historiador de nossa terra e nossa gente, em cuja personalidade, Pandiá Calogeras, que foi seu grande admirador e amigo, dizia encontrar vestígios e indícios evidentes de profunda fé cristã, apezar de repudiar qualquer dos rituais da igreja.

Pois assim tampem o foi Moreira, aos olhos de quem com êle conviveu! Um homem de bem, Um bom! Um justo! E a Deus, podemos pois rogar pelo seu descanso, paz e felicidade eterna!

A seguir foi dada a palavra ao Dr. Vario Otoni de Rezende que falou em nome da Santa Casa de Misericordia de São Paulo.

Seus companheiros o apreciavam sobremaneira e o queriam como irmão. Moreira era impertinente em cousas de serviço, não admitia descasos. sobretudo aos novos, que pensava, deverem ser, cheios de ideal.

Espirito correto, nobre e de ideais elevados, não transigia com os que praticavam a especialidade sem amor e sem considera-la, antes, como um sacerdocio, do que como profissão lucrativa. Viveu, teve grande clínica, e morreu sem se enriquecer; praticava mais a caridade do que amealhava bens. Deus o levou em plena luta, chamou-o quando se preparava para ir à Santa Casa cumprir o prometido de vespera... Seu doente, já pronto para a intervenção cirúrgica, esperava-o na mesa de operações, quando lá chegou a desoladora noticia de seu transpasse súbito.

Só quem lá esteve, no serviço de Oto-Rino-Laringologia, pode avaliar a estupefacção e a dor estampada em todos os semblantes dos amigos que tanto o queriam.

Moreira deu tudo ao serviço em que, por tão longo tempo, trabalhou e amou; sua bibliotéca em cujos livros seu olhar atento e amigo por tantas vezes devera ter sobrepassado, seu instrumental cirúrgico, tantas vezes acariciado por suas hábeis mãos e que vai ser renovado, afim de que ao usá-lo, cada um de nós se recorde de sua simpática e atraente fisionomia, e, finalmente, seu trabalho, sobre a molestia contra a qual lutou durante longos anos de sua preciosa carreira de Oto-Rino-Laringologista, a Rinide -Atrofia Fétida.

Neste trabalho deixou Moreira a sua marca indelevel de seu intelecto e de sua tenacidade na pesquiza científica.

Mais tivesse e mais daria para o seu amado serviço de Oto-Rino-Laringologia. Haverá palavras que possam agradecer o gesto de sua bondosa familia para com seus companheiros? Haverá exemplos mais chocantes para os que aqui ficaram?

Meus colegas, outras homenagens pretendemos nós, os seus amigos e companheiros, prestar à sua memória, e que perpetue, no lugar em que Moreira trabalhou, sua constante presença, e com ela dignifique sua tenacidade e grande amor ao trabalho.

Moreira viverá na lembrança de seus colegas de serviço onde com tanto carinho viveu e trabalhou.

Em nome do serviço de Oto-Rino-Laringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, falou o Dr. Rafael da Nova cujas palavras foram as seguintes:

Sr. Presidente, meus prezados colegas.

É para cumprir um doloroso dever, que venho por momentos prender vossa benevola atenção.

Refiro-me ao nosso colega Ernesto Moreira, ceifado tão inesperadamente pela morte.

Um entranhado aféto à profissão.lhe trouxeram sem dúvida dias de intensa alegria, ao lado das decepções e miserias do mundo, que são a condição sine-quá da passagem de todo homem pela terra.

O amor ao trabalho bem mostra que ele ainda lia com ardor o livro da vida, aquele livro supremo de que fala Lamartine, e que vinguem pode ler ou folhear a vontade.

Talvez, quem sabe ele quizesse como diz o poeta, reler as página, risonhas, quando já lhe caíra sob os dedos a página em que devia morrer.

A operosa atividade que dispendia ai está na operação da ozena de Lautenschläger que praticava com entusiasmo.

Ernesto Moreira modificou-lhe a técnica, e criou o compressor para as paredes internas do antro de Hygmore.

Honrando o emperterrito trabalhador o hornem desprendido que tanto amou o seu nobre ofício, peço em homenagem a sua memória que o auditório, se a isso aquiecer o Sr. Presidente, que se conserve de pé e em silencio durante um minuto.

Por proposta pelo Dr. Mario Ottoni dc Rezende, e aprovada unanimente pela casa, a sessão foi suspensa em homenagem ao ilustre falecido.


Despedida proferida pelo Dr.Silvio Marone, a beira do tumulo do Dr. Ernesto Moreira, em nome dos Oto-rinolaringologistas do Hospital das Clínicas e da Sociedade Paulista de Medicina:

Senhores.

O morto que acabamos de trazer à sepultura é daquelas personalidades conhecidas sobejamente não só por todos os especialistas, como tambem por todos os médicos de S. Paulo, porque honrou sobremodo a classe.

De fato, oro-rino-laringologista dos primeiros de nossa Capital produziu grande messe de trabalhos de real valor e ainda mais vinha produzindo quando a morte no-lo arrebatou; basta, para tanta, lembrar os dois íntimos trabalhos sobre o capítulo cçuc o apaixonou grandemente c que lhe mereceu o melhor de serva esforços: a rinite atrofica. Um alentado volume já clássico entre os especialistas peio valor de seus estudos e observações de algumas dezenas de anos, onde a sua contribuição pessoal se faz :'emir grandemente em cada capítulo, em cada página; e outro trabalho, em colaboração, de tal valor científico que, ha pouco, mereceu Prêmio da Associação Paulista de Medicina.

Mas a atividade intelectual ele Ernesto floreira nunca se cingiu ao âmbito da especialidade médica que abraçara e amava. Moreira era intelectual apaixonado do belo. Frequentador assiduo de museus de arte e salões de conferências, discernia sobre as Artes errar qualquer ele suas manifestaçõcs - com o conhecimento e elevação espiritual.

Era um prazer conversar sopre literatura com -Moreira, porque a conhecia e a cultivava com carinho. Os clássicos e os modernos lhe eram familiares, como íntimos lhe eram Beethoven e Chopin.

Entre os meus conhecidos talvez era daquelas que melhor aproveitava seu tempo. Quando os problemas da especialidade - que para ele quasi não existiam - lhe deixavam alguns minutos, aprofundava-se no estudo das línguas. Cuidou com desvelo do Português, do Francês e do Inglês, e ainda encontrou tempo para estudar e aprender japonês. Na rua, quando se dirigia ao trabalho, sempre o vimos empunhando livro ou revista de medicina ou trabalho de literatura.

Ha de nos ficar na memória, para sempre, a figura pequenina do grande Ernesto Moreira subindo a Av. Rebouças, estudando, lendo, lendo sempre. É que conhecia o mundo que lhe ofereciam os livros, superior ao que o circundava e no qual se sentia, algumas vezes, deslocado, incompreendido.

Quem com ele conviveu nos Serviços de O. R. L. da Santa Casa, recordar-se-á bem daquele vulto que era dos primeiros a chegar e dos últimos a sair. Ha-de se lembrar da sábia lição que, insensivelmente, todos os dias ministrava: o aproveitamento científico de todos os casos por mais simples que parecessem e a constância no trabalho e no estudo.

Eis, em palavras rápidas, alguns dos traços psicológicos mais impressionantes da personalidade de Ernesto Moreira.

Desapareceu, é verdade, do número dos vivos; não o teremos mais nós a contar os trabalhos em nossa Sessão na Associação Paulista de Medicina, à qual mui dificilmente deixava de comparecer. (E, neste particular, cabe a um meu modesto trabalho a honra de ter merecido seus últimos comentários na Sessão de 17 de Março passado.)

Não o veremos mais, dizia; contudo haveremos de nos recordar todos os dias do seu vulto, do seu amor ao estudo e ao trabalho. Ernesto Moreira ha-de viver sempre na lembrança de todos os oto-rino-laringologistas de S. Paulo.

Repousa, caro amigo, de tuas lutas que foram muitas. E recebe o nosso comovido adeus, as despedidas dos oto-rino-laringologistas de Hospital das Clínicas e dos teus companheiros da Sociedade Paulista de História de Medicina, da qual foste fundador.

Repousa, caro Moreira, o teu merecido repouso.

Discurso pronunciado pelo Dr. Oscar Monteiro de Barros

Senhoras. Senhores.

Antes que a terra de São Paulo se feche sôbre o corpo de Ernesto Moreira, permití que seu colega de turma relembre, em poucas palavras, alguns traços de sua personalidade rara.

Dedicou-se, desde os últimos anos no curso, à especialidade de otorinolaringologia, que continuamente estudou até que a morte o colheu e dentro da qual conseguiu ter um grande nome e a publicar trabalhos reconhecidamente de valor. Na Santa Casa de Misericordia, cujo ambulatório da especialidade frequentou ininterruptamente, desde estudante, jamais se negou ao trabalho, que efetuava com prazer, competencia e honestidade.

Foi fundador do Centro de Profilaxia e Cura de Sífilis, do Centro Academico "Oswaldo Cruz", que inestimáveis serviços prestou durante varias decadas. Ainda estudante, a pedido de Arnaldo Vieira de Carvalho, que muito o queria, organisou o serviço academico de socorros durante a epidemia de gripe de 1918, cujo funcionamento foi perfeito.

Mais velho que quasi todos os colegas de turma, pois já fora professor e diretor de Grupo Escolar antes de iniciar o estudo da Medicina, adquiriu sobre seus companheiros grande acendencia. Seu espírito reto, sua capacidade de organisação, sua dedicação aos colegas, fiseram dele o verdadeiro lider da turma. Sempre que um fato insolito, triste ou alegre, exigia pronunciamento ou reunião dela lá estava o Moreira em campo a telefonar, a organisar e tudo saia perfeito.

Talvez seja esta a primeira vez em que um seu colega está orando em nome da sua turma, sem que para isso tenha sido por ele designado!

Para nós era quasi fraternal e aceitavamos de bom grado sua tutéla porque rabiamos quanto, nos queria e de que sacrifícios era capaz por todos nós.

Nós compreendemos, pois, a dor de sua família a cujas lagrimas juntamos as nossas - pois também, até certo ponto, fazíamos parte dela.

Estou certo de que sua memoria jámais desaparecerá dos nossos corações e que o último de nós a desaparecer ainda se lembrará daquele que foi tão amigo de todos e que continuará a viver dentro de nossa Gratidão e da nossa Saudade.

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