Versão Inglês

Ano:  1949  Vol. 17   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Progressos da O. R. L.

Páginas: 60 a 64

 

PROGRESSOS DA CIRURGIA PLÁSTICA DA CABEÇA E DO PESCOÇO ATRAVÉS NOTAS DE VIAGEM AOS ESTADOS UNIDOS E EUROPA

Autor(es): Dr. J. REBELO NETO

A reunião anual da Associação Americana de Cirurgiões Plásticos foi efetuada em Boston, durante os dias 1.° a 3 de junho de 1948, tendo congregado os especialistas Americanos de maior vulto, alem de alguns estrangeiros. Afora uma sessão destinada a leitura de trabalhos, todas as demais tiveram acentuado cunho prático, com apresentação de doentes ou antigos operados.

Kazanjian apresenta várias contribuições, delas se destacando a que estuda o tratamento das deformidades secundárias do lábio leporino e fissuras palatinas. Neste particular suas ideias coincidem com a opinião a nós manifestada pela grande figura de Victor Veau, em Paris: Uma parte considerável do tratamento compete ao cirurgião plástico, que promove o fechamento da fissura labial e palatina por meio de manobras operatórias feitas em tempo oportuno. Na melhor das hipóteses, porém, podem perdurar defeitos do alinhamento dentário, abóbada estreita, com má articulação, além dos defeitos nasais, etc.

Assim, é indispensável a revisão oportuna dos operados, que devem ser encaminhados para o ortodontista e para o reeducador foniátrico, principalmente quando o reparo cruento foi relativamente tardio, após a demutização.

"Jamais vi", diz Veau, "o menor inconveniente acarretado por uma cirurgia precoce. Nas fissuras unilaterais totais, se a parte anterior do palato, assoalho da narina e lábio são operados em pacientes de um a três dias, não vejo desvantagem, antes, toda a vantagem em efetuar a palato-estafiloplastia quando as margens da fissura estiverem aproximadas, em virtude da evolução natural, mesmo em crianças de oito meses de idade."

As deformidades nasais, ás vezes dificílimas de corrigir estão relacionadas com a depressão do lábio superior e com as deficiências de tecidos por este apresentadas. Kazanjian recorre ao método de Abbé-Estlander quando o trabalho ortodôntico está pràticamente terminado.

Alguns dias mais tarde tive oportunidade de assistir a varios tipos de correções nasais, habilmente praticadas por Byars, em St Louis, na clínica de Blair e Brown. Os melhores resultados que vi foram obtidos em recem-nascidos. Duas incisões paralelas ao bordo livre da narina, pela sua face interna, permitem fácil e amplo descolamento da cobertura cutânea da asa nasal. Terminada a queilorrafia, são dados alguns pontos transfixando toda a espessura da asa e fixando em sua nova posição os planos que a compõem. O resultado pós-operatório é admirável, sendo assim eliminada toda a deformidade alar.

Moran reaviva a questão dos retalhos faríngeos, à moda de Schönborn-Rosenthal, logrando melhoria fonética em certos casos bem selecionados. Nos veus muito curtos, que exigem longos retalhos da parede posterior do faringe, o perigo da necrose é contornado pela transferência retardada (delayed transfer), isto é, executada em dois tempos.

Dunn secunda o seu parecer, exibindo treze casos felizes. Não liga importância a altura do cavum, preferindo, mesmo anteceder a faringoplastia péla raspagem das adenoides. Especialmente os "careteiros" muito se beneficiaram com tal proceder.

Dorrance e Bransfield, repisando ideias já expostas em vários trabalhos anteriores, defenderam o ponto de vista que se deve operar as fissuras palatinas depois de cinco anos. Como era de esperar tais asserções levantaram enorme celeuma, onde as opiniões de especialistas como Vaughan, de New York, Moran, de Boston e Kilner, de Oxford concordaram, em unísono sobre este parecer "operar o mais cedo possível, sem risco".

Para que aguardar a idade de cinco anos, quando os vícios fonéticos já estão enraizados, se o tratamento pode terminar, sem nenhum risco antes da demutização? Foi a opinião dominante.

O tratamento cirúrgico da atresia coanal foi abordado por Carlyle Flake, o qual observou nesses últimos dez anos, 15 pacientes. Nos de pequeno porte está de acordo com a opinião de Karanjian e Rebelo em operar por via trans-palatina (Schweckendieck). O catéter nasal é deixado apenas durante dez a doze dias.

A proposito da reconstrução do pavilhão da orelha, bordando comentários ao trabalho de James Barrett Brown "Reconstrução do pavilhão auricular" duas correntes ficaram bem delimitadas. A de Brown, que se propõe a concluir uma otoplastia. total em três tempos, consoante publicações anteriormente feitas, mas calcando a sua conduta em restituir ao pavilhão uma composição anatômica similar ao pavilhão normal e uma outra que manda enxertar sob a pele um grande bloco cartilaginoso que desde o inicio já possue a saliência da orelha, nele esculpindo depois os relevos anatômicos, concluindo pela helix, à custa de um retalho cutâneo enrolado em fino tubo.

No Barnes Hospital, em St Louis, onde pontifica o grupo de Blair, sem favor um dos mais proeminentes dos Estados Unidos, assistimos Brown e seus auxiliares efetuarem vários tempos em malformações auriculares e a aplicação dos princípios advogados por Brown.

Verdade seja dita, porém, que no setor das otoplastias totais, muito ha ainda a progredir, o assunto é mesmo sobremodo difícil e nem sempre a apreciação objetiva dos operados coincide com a imagem fotográfica que estamos acostumados a apreciar nos jornais científicos.

Para não deixar o problema das otoplastias, assistimos em Londres, no Park Prewett Hospital, em Basingstoke, dirigido por Gillies ao mesmo trabalho de reconstrução auricular. Gillies ainda preconiza o emprego da cartilagem retirada da orelha materna. Para evitar o defeito secundário da heróica doadora, emprega no mesmo ato uma inclusão de cartilagem bovina.

A paciente observada por nós ainda apresentava a orelha erecta, relevos pouco acentuados mas a do garôto, nada animador.

Quanto ao lado funcional das otoplastias, isto é, o estudo, o tratamento, o respeito à função auditiva pela antrotomia precoce e creação de uni conduto auditivo de paredes epitelizadas, encontramos um desprezo total por parte de todos os especialistas. Vimos várias otoplastias terminadas com ausência completa desse conduto e, mesmo, do orifício externo.

No capítulo da cirurgia maxilar, quer superior, quer inferior, onde é inconteste a autoridade dos cirurgiões de Boston, encabeçados por Kazanjian, foram apresentados excelentes contribuições encarando o problema do prognatismo, do micrognatismo, lesões por tumores e pelas irradiações e utilização da reparação protética.

O importante problema da rinoplastia total teve brilhante defeza em grande número de casos exibidos em plenário, evidenciando o valor dos retalhos pediculados medio-frontais. Daland, Cannon e Karanjian mostraram a saciedade a supremacia dos retalhos medianos, ilustrando de modo objetivo asserções e iconografia já exibidos em outras ocasiões.

Durante nossa estadia em Londres visitamos o moderno Queen Victoria Hospital, em East Grinstead, dedicado exclusivamente á Cirurgia Plástica, sob a competente direção de Sir Archibald McIndoe. Entre várias intervenções por este praticadas, desejamos destacar um enxêrto ósseo para substituir um maxilar inferior, cujos ramos horizontais haviam sido extirpados préviamente, por câncer. As extremidades ósseas remanescentes foram avivadas e receberam uma perfuração central, no sentido do seu eixo, onde mergulhou a ponta de um grosso fio metálico de aço inoxidável em forma de U. Retirada na mesma ocasião de fragmentos de ilíaco, cujo tecido aureolar foi disposto em pedaços ao redor da haste em U e a este firmemente fixados com arame fino. Sutura da pele e colocação de um curativo compressivo com algodão flavinizado. Nesse Serviço ha o hábito rotineiro de injetar solução de penicilina ao redor da área operada independente da impregnação pós-operatória, tambem de rotina.

Rainsford Mowlem no Hill End Hospital, em St. Albans, entre outras intervenções, efetuou e filmou, por ser a primeira do seu Serviço, uma rinoplastia total utilizando como cobertura um retalho em U, de concavidade para cima, destacada do braço.

Em Stockholm primam os hospitais por um equipamento de primeira ordem e instalações em geral excelentes, equiparáveis aos modernos hospitais americanos.

Assistimos no St. Görans Sjukhus à várias intervenções plásticas, principalmente no que diz respeito a hipertrofia mamária, muito comum nos países escandinavos.

Hogeman, no Serafimerlasarett nos oferece uma sessão cirúrgica donde destaco o tratamento de um caso de grande hemangioma plano da face, que foi ressecado e imediatamente coberto por um retalho tubular anteriormente construído.

Ha muito haviam atraído a nossa atenção trabalhos escritos por Fogh-Andersen, de Copenhague relacionados com as fissuras congênitas lábio-palatinas.

Numa sessão cirúrgica especialmente a nós destinada, os dois Fogh-Andersen, pai e filho reuniram grande número de casos dessa modalidade, demonstrando grande desembaraço técnico.

O Prof. Fogh-Andersen, disciplinado na escola de Veau, segue quase à risca os preceitos dêste, apenas modificando ligeiramente no que concerne à reconstituição do lábio. Seu filho influiu na modificação da palatoplastia, depois de um estagio em Londres, com McIndoe, adotando certos detalhes de Wardill.

Como anestesia usam o éter em máscara aberta, propinado com intermitências.

Para demonstrar a importância com que é encarada a recuperação dos fissurados, na Dinamarca, basta citar os institutos que possuem, para a reeducação dos defeituosos da palavra. O de Copenhague, por exemplo, sob a direção de Liisberg, ocupa um grande edifício de alguns andares, verdadeiro colégio, onde os alunos são obrigatòriamente internados, recebendo lições diárias longe do meio familiar, tipo como altamente prejudicial.

Uma importante secção se ocupa do registro mecanizado da voz e do estudo experimental de todos os problemas relacionados com o assunto, possuindo, mesmo um pequeno museu e coleções destinadas ao preparo de novos professores.

Fomos encontrar a mesma preocupação em Paris, onde de ha muito tais problemas vêm sendo estudados, sob a orientação de Veau.

No Hospital-Hospice St Vincent de Paul assistimos, em dias sucessivos a várias intervenções de cirurgia infantil, oferecendo grande destaque o tratamento das fissuras, magistralmente executado pelo Dr. Pierre Petit.

Em linhas gerais segue a escola daquele Mestre, de que foi assistente introduzindo pequenas alterações. Assim, na queiloplastia, leva muito longe o descolamento da mucosa da margem externa, praticando um ou dois pontos de atração para aprofundar ainda mais o vestíbulo da bôca. O orbicular do lábio é suturado por dois pontos separados, perdidos, com aço inoxidável muito fino. Na parte palatina, promove em certos casos o alongamento do veu pela técnica de Wardill.

Merle d'Aubigné e Mlle. Zimmer, no Hospital Foch ocupam-se da recuperação dos mutilados de guerra, principalmente dos queimados graves, executando trabalhos sobre o transplante tendinoso no tratamento das paralisias radiais pós-traumáticas e cirurgia dos nervos.

Em linhas gerais deixamos assinalados os pontos principais e algumas novidades técnicas observados durante a viagem, aproveitando o ensejo para externar o nosso agradecimento a todos os Colegas com os quais entramos em contacto.

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