Versão Inglês

Ano:  1948  Vol. 16   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 127 a 164

 

CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO PROBLEMA DA OZENA (*) - parte 1

Autor(es): ERNESTO MOREIRA (**)
JORGE FAIRBANKS BARBOSA (**)
J. E. DE REZENDE BARBOSA (**)

São Paulo

Nunca será demais tentar iluminar êste campo ingrato e obscuro de nossa especialidade. A ozena continúa a ser um problema aberto. Um tanto esquecida ùltimamente, talvês pelos resultados pouco animadores dos esforços que ela tem consumido.

Desde há muito ela nos tem preocupado. O que vai nestas linhas representa mais algumas de nossas contribuições, fundadas na observação clínica e na pesquisa.

Tivemos o ensejo de operar um número avultado de ozenosos. A prática foi-rios ditando pequenas modificações para as técnicas anteriormente descritas. Conseqüentemente os sucessos foram se somando. Hoje não duvidamos mais da eficiência da cirurgia. Atualmente cremos que só ela será capaz de uma solução para o problema. Pelo menos uma solução social, permitindo ao doente voltar à coletividade, sem que êle nem ela sofram as consequências do terrível mal. Porém, há os insucessos. Nosso primeiro intento foi investigar as suas causas. Elas provinham geralmente de uma falta de critério seletivo. Vimo-nos na necessidade de classificar os doentes em grupos, de acôrdo coes a intensidade da moléstia, e observar como estes grupos se comportavam em face à cirurgia. Assim aprendemos a distinguir os casos operáveis com sucesso integral, os que apenas melhoram após a operação e aqueles para os quais o bisturí se mostra impotente.

Ao passo que acompanhavamos a evolução dos operados tivemos o desejo de verificar como se comportavam as suas queixas, antes e depois da cirurgia. Assim é que procuramos observar como êles respiravam antes e depois de operados, quais as possíveis modificações de sua olfação e ele seu aparelho auditivo. Bastava nos atacar a questão sob estes ângulos porque, nos demais, jà tinha sido minuciosamente estudada por um de nós, em trabalho anterior.

Por outro lado, como todos os nossos pacientes eram submetidos a um estudo radiográfico, tivemos material abundante para acrescentar algo de novo ao que já tinha sido descrito pelos radiologistas.

Aí está, pois, o que pretendemos neste trabalho:

l . Definição da rinite atrófica fétida (Ozena) e classificação de seus tipos.
2. Contribuição ao estudo radiográfico do ozenoso.
3. Contribuição ao estudo da respiração nasal do ozenoso.
4. Contribuição ao estudo da olfação do ozenoso.
5. Contribuição ao estudo do aparelho auditivo do ozenoso.
6. Tratamento cirúrgico da ozena.

Como nem todo o material estudado poude ser igualmente aproveitado, sob os aspectos acima, fica justificada a divergência de estatística que se lerá nos vários capítulos.

CAPITULO 1

DEFINIÇÃO DA RINITE ATRÓFICA FÉTIDA E CLASSIFICAÇÃO DE SEUS TIPOS

Aqui começa a dificuldade. Contudo, concordemos com os Clássicos em que a ozena é uma entidade mórbida, de evolução crônica, caracterisada por 3 elementos principais:

1. Atrofia ósteo-mucosa das fossas nasais, sem ulcerações.
2. Presença de secreção espessa, tendendo a se congregar em crostas amarelo-esverdeadas.
3. Mau cheiro característico.

Não iremos repisar assunto já tantas vêzes debatido, citando as numerosas exceções que aquela definição comporta. Nem tão pouco entraremos no capítulo do diagnóstico diferencial com os vários outros tipos de rinites atróficas. É assunto que não escapa a nenhum tratadista. Nosso intuito é eminentemente prático: supondo que estamos diante de um caso de ozena, como classificá-lo, de acôrdo com a intensidade de sua exteriorisação, para melhor nos nortearmos na indicação cirúrgica?

Temos a impressão de que a ozena se inicia no cavum. Daí avança para os rebordos coanais, pelos cornetos médios e, destes, desce para os inferiores. Evidentemente trata-se de uma impressão deixada pelas rinoscopias.

Classificamos nossos doentes em quatro grupos. Não há limites entre êles. É uma classificação puramente rinoscópica.

PRIMEIRO GRUPO (GRAU I) - Compreende aqueles casos em que os pacientes nos procuram com a queixa de secreção catarral, amarelada, incomodativa, que êles dificilmente conseguem eliminar ao se assoarem. São quase sempre obrigados a estar "chupando o nariz", porque a secreção se elimina com mais facilidade pelo faringe.

Em outros, a queixa é justamente oposta: sentem as fossas nasais ressecadas e uma marcada dificuldade para a respiração nasal. É frequente que em todos eles já exista uma discreta cacosmia, subjetiva e objetiva. A cefaléia é outra queixa freqüente. Ainda não ltá eliminação de crostas, a não ser esporadicamente.

Pela rinoscopia anterior nota-se mucosa de coloração normal, porém ligeiramente fosca, talvês em conseqüência da diminuição da mucosidade que deveria recobrí-la. Os cornetos inferiores muitas vzes estão hipertrofiados, fechando total ou parcialmente as fossas respectivas. Com o estilete nota-se a consistência balofa destes cornetos e percebe-se que seus esqueletos já marcham para a atrofia. Isto se torna mais nítido após a adrenalinisação das fossas; então, elas aparecem com uma amplidão anormal, permitindo a franca visibilidade do cavun, às vezes tambem do rostro do esfenoide e de seu ósteo. O mais freqüente porém é perceber-se já discreta atrofia destes cornetos, notada sobretudo pela elevação de suas bordas livres, que se afastam dos soalhos das fossas.^

Os cornetos médios neste grupo, mesmo sem adrenalinisação, se mostram com certa redução de volume, sobretudo em suas porções posteriores. Suas bordas livres mostram-se afiladas, quase cortantes, porque, aqui, a falta de um corpo cavernoso desenvolvido como nos cornetos inferiores, não permite que as partes moles mascarem a atrofia óssea. Pode-se ver, ao longo da borda livre do corneto médio, secreção amarelada em pequena quantidade, ressecada e congregada em pequenas crostas. Nos soalhos das fossas se acumula a secreção muco-catarral que tanto incomoda o paciente. Sua difícil eliminação se explica por se localisar em uma região que foge à trajetória normal das correntes aéreas pelo interior das fossas. Entre os corpos dos cornetos e o repto a secreção se dispõe em finas cordoálias.

A rinoscopia posterior mostra um cavum alargado. Sua mucosa está ressequida e sem brilho. Os rebordos das coanas e as caudas dos cornetos mostram-se esquêmicos e atróficos. No teto do cavum é freqüente encontrarmos pequenas crostas amareladas, entibóides, espalhadas por vários pontos. Na parede posterior do epifaringe pode-se encontrar secreção muco-catarral formando induto espesso, que os pacientes dificilmente conseguem eliminar. Concomitantentente poderemos encontrar sinais de faringite seca.

Um cuidadoso exame do paciente nos mostra sua constituição ozenosa: hipotensão, extremidades frias, sudorese fácil, pirâmide nasal de consistência diminuida pela atrofia provável de seu sustentáculo cartilagíneo.

Estamos diante de um quadro em que se torna, à miude, dificil firmarmos o diagnóstico de ozena. A anamnese tem aqui grande importância, sobretudo quando revela na consanguinidade do paciente casos definidos de rinite atrófica fétida (R. A. F.).

É neste grupo, ao nosso ver, que a radiografia traz valiosa contribuição. Como adiante descreveremos, ela poderá nos mostrar sinais mais ou menos característicos da R. A. F. Ela poderá também excluir a possibilidade de uma atrofia nasal secundária à sinusite, porque os seios se mostram claros, ou podem se mostrar assim. Se um seio estiver velado não poderemos responsabilisar pelos achados que são bilaterais. Cremos mesmo que na coexistência de uma pansinusite crônica bilateral com esta discreta atrofia das fossas, encontraremos, no roentnograma, elementos que nos levem a pender para o lado de unia rinite ozenosa.

SEGUNDO GRUPO (GRAU II) - Já há crostas e mau cheiro. As principais queixas se referem às crostas, volumosas, amarelo-esverdeadas, fétidas, que os doentes eliminam cota dificuldade a não ser com as lavagens com salmoura que lhes foram recomendadas por outro médico, ou por um conhecido que sofria de mal semelhante ao seu. Embora aliviados pelas lavagens ainda continuam a sentir o nariz entupido. Êste fato, aparentemente, paradoxal, tem sua explicação, como veremos, na abolição ou diminuição do "reflexo naso-pulmonar".

Toda a clássica sintomatologia da ozena pode estar presente aqui.

A rinoscopia anterior nos mostra as fossas alargadas. Vê-se fácilmente o cavum. A atrofia é nítida nos cornetos médios. Vê-se o rostro do esfenóide. Os fenômenos de vasomotricidade não são mais evidentes. Conto vimos no primeiro grupo, eles podiam se sobressair a ponto de justificar a denominação de "rinite vasomotora pré-atrófica", com que muitas vezes são rotulados os portadores de discreta atrofia ozenosa. Repetimos que aqui não se observam estas turgescências dos cornetos; a mucosa está retraida e aderente aos seus esqueletos.

No terço posterior de ambas as fossas, principalmente em correspondência com o andar médio, notamos as características crostas amarelo-esverdeadas que se destacam fácilmente e trazem moldadas em si as imagens das estruturas que recobriam. Há crostas também na parede interna da fossa, aderente ao septo.

A rinoscopia posterior mostra um grau mais avançado da atrofia que descrevemos antes. Há crostas volumosas no teto do cavum e nas coanas. Elas podem obstruir os orifícios das trompas. aquele induto catarral espesso da parede posterior do cavum não costuma ser mais observado aqui. Aí, bem como na parede posterior do oro e hipofaringe, a mucosa se mostra ressequida, espelhada e atrófica pergaminhosa, com as características, enfim, da faringite seca.

TERCEIRO GRUPO (GRAU III) - Um grau mais, avançado da anterior. Principalmente a cacosmia incomoda aquí. Mais aos circunstantes do que ao próprio paciente, cuja olfação diminuida ou fatigada lhe alivia de um sofrimento maior.

O exame revela acentuada atrofia osteo-mucosa das fossas, tanto nos cornetos médios e superiores quanto nos inferiores. O próprio esqueleto do septo foi tornado pela atrofia; é uma lâmina papirácea que cede fàcilmente à pressão do estilete. Há crostas em toda a extensão das fossas. São mais numerosas na porção posterior. Ás vezes fundem-se em uma só que a pinça retira como um tubo que repete a configuração da fossa. Êste quadro se repete no cavum. A faringite seca é mais acentuada. A atrofia desce até o laringe onde também numa mucosa fina e ressequida reveste seu vestíbulo alargado. Vê-se fàcilmente a traquéia, até a bifurcação dos brônquios.

QUARTO GRUPO (GRAU IV) - A atrofia atinge o máximo. Os cartuxos estão ausentes ou são representados por pregas longitudinais horizontalisadas, de poucos milímetros de largura. Não é raro que o septo, principalmente em sua porção cartilaginosa, se mostre perfurado como na ulcera de Hajeck.

Êste tipo é freqüentemente encontrado nos hiponutridos e de higiene precária; naqueles em que as manifestações da lues se associam às da ozena ou, então, nos velhos que durante toda sua vida sofreram de ozena. Nos dois primeiros a fetidês é insuportável. Nos últimos, ao contrário as fossas, reduzidas a verdadeiras cloacas, mostram-se umidecidas e sem crostas. São doentes que não exalam mau cheiro nem sofrem mais, ou porque realmente desapareceram as causas do sofrimento, ou porque êles já se acostumaram com a doença.

Os clássicos dizem que a ozena se instala na puberdade e ele aparece na menopausa. Na verdade não desaparece; seus sintomas sim, às vêzes.

CAPÍTULO II

CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO RADIOGRÁFICO DO OZENOSO

O ilustre colega. radiologista C. MAZZILLI, em contribuição ao estudo anteriormente publicado por um de nós, afirmou que indubitàvelmente a ozena apresenta uma feição radiológica característica. Mais ou menos é esta a descrição que ele nos fornece:

Nota-se grande aumento da cavidade nasal. As paredes dos seios apresentam-se espessas, irregulares: os cornetos atrofiados: o septo nasal alisterésico. As manifestações de processos inflamatórios são pouco encontradiças. Há uma percentagem muito diminuta de aplasia dos seios frontais.

Estas são. em resumo, as principais características que êle descreve.

Creio que se pode acrescentar muito ao que ficou dito.

Vejamos:

MORTIMER e colaboradores - citados por LEIGHTON F. JOHNSON (Possible Deductions of Endocrine Significance Froco Roentgenograms of Sinuses and Mastoid - Archives of Otolaryngologv, XXXIII: 725-733, 1941) - descreveram 4 tipos radiológicos de crâneos, segundo o grau de fisiologia da hipófise. Isto baseados na hipótese de que o desenvolvimento da diploe e sua pneumatisação marchem em paralelo com o grau de atividade do lobo anterior da hipófise:

Tipo 1. - Caracterisa a superatividade do lobo anterior. A diploe se expande e se torna mais vascularisada. Conseqüentemente as tábuas se adelgaçam. Os seios são grandes. Há hiperpneumatização das mastóides e células até no ápice do rochedo. É o caso da acromegalia.

Tipo 2. - É o encontrado nas deficiências do lobo anterior que se instalam após a adolescência; nas deficiências adquiridas. Nota-se ausência de expansão diploética. Os seios são pequenos. Mastóides pouco pneumatisadas. Crâneo denso e duro. Rochedo esclerótico sem células na ponta. Êste tipo craneano freqüentemente se associa com a obesidade.

Tipo 3. - À superatividade do lobo anterior segue-se um período de involução funcional. Na radiografia encontramos os marcos destas duas fases: diploe espessa: seios e mastóides hiperpneumatisados; esclerose da tábua interna se estendendo secundariamente para a diploe.

Tipo 4. - Encontrado nas deficiências congênitas do lobo anterior ou naquelas que se instalam antes da adolescência. É um caso do nanismo hipofisário.

Falta quase completamente ou mesmo completamente a diploe. As duas tábuas entram em contacto. A abóbada craneana é delgada, dura, densa e pouco vascularisada. Os seios e as mastóides são pobremente pneumatisados. Rochedo denso. Face e mandíbula pequenos. Dentição retardada.

Aí está uma primeira questão que nos interessou : estará mesmo a ozena ligada a algum processo de desindocrinia? - Se assim for, seria possível caracterisar-se a natureza dêsse processo pelo gráu de pneumatisação da diploe e das cavidades que ela contém ?

Nossa impressão inicial, e que parece firmar-se com a observação cada vez maior de radiografias de ozenosos, é que, sob o ponto de vista que apontamos acima, o crâneo do ozenoso se comporta como o do indivíduo normal. Temos visto nestes crâneos tôdos os graus de pneumatisação de mastóides, de desenvolvimento de diploe e de crescimento de seios. Para melhor firmar-se nossa impressão, resolvemos realizar uma série de mensurações em radiografias de ozenosos e de pessôas normais. Para tanto nos utilisamos de uma régua milimetrada (para as dimensões lineares) e de tinia planímetros (para cálculo de áreas).

Todas as chapas que estudamos foram batidas com a mesma técnica e com o mesmo aparelho. Como são em número relativamente grande, cremos que os êrros são despresíveis.
Vejamos estas Medidas para depois compará-las:

Ozenosos

S.M.D. = Seio maxilar direito. S.M.E. = seio maxilar esquerdo. S.F.D. - seio frontal direito. S.F.E. = seio frontal esquerdo. F.D. - fossa nasal direita. F. E. = fossa nasal esquerda. Os números medem as áreas em centímetros quadrados.





Somando-se os totais acima obteremos 2.883,2 cm2. Esta cifra mede a área de projeção radiográfica de todas os seios anteriores da face e cavidades nasais dos 66 ozenosos que estudamos. Fácil é calcular-se que, em média, a área de projeção radiográfica de todos os seios anteriores e cavidade nasal de cada paciente é = 43,7 cm².

Pacientes não ozenosos



A área total da projeção radiográfica de todos os seios anteriores da face para estes 22 indivíduos normais soma 1 .025,5 cm² o que corresponde a uma média de 46,6 cm² para cada pessôa.

Comentários: da comparação dêstes dados, nota-se que há discreta predominancia da pneumatisação dos seios nas pessôas normais em comparação com as ozenosas. É porém uma diferença de pouca monta e cremos poder se afirmar que, pràticamente, os indivíduos normais e os ozenosos apresentam o mesmo grau de pneumatisação das cavidades paranasais.

É interessante compararmos a média das áreas de projeção radiográfica do espaço nasal dos ozenosos (862,4: 66 = 13,0) com a dos individuos normais (306,5: 22 = 13,9). Paradoxalmente esta última é maior (quase l cm²). Naturalmente estamos nos referindo à área limitada, em cima, pela projeção dos ossos próprios, lateralmente, pelas paredes internas dos seios maxilares e, inferiormente, pelo pálato duro. Dela ficou excluida a região dos etmóides. Ora, daqui poderemos deduzir que a amplidão das Fossas que observamos nos portadores de rinite atrófica, não corre por conta de um afastamento das estruturas anatômicas ósseas que as limitam. A área nasal está também atrofiada. Seu aparente alargamento é a consequência da redução volumétrica das formações que ela abriga isto é, dos cornetos e, como procuraremos salientar mais adiante, principalmente dos corpos dos etmoides. Pode-se dizer, resumindo: a área nasal está atrofiada e esvasiada no ozenoso. Em consequência deste esvasiamento as fossas são mais amplas.

No decorrer dêste estudo tivemos nossa atenção voltada para a freqüente predominância de desenvolvimento do seio frontal esquerdo sôbre o direito, tanto nos ozenosos quanto nas pessôas aparentemente normais. No entanto esta predominância é mais marcada nos ozenosos (66,5%) do que nas pessôas normais (59%).

Com relação aos seios frontais, ainda, é fato de conhecimento clássico a freqüente aplasia de um deles, ou de ambos, nos portadores de rinite atrófica. Verificamos esta aplasia em 13,6% dos ozenosos e em nenhuma das pessôas normais que serviram para nosso estudo.

Ainda neste estudo de pneumatisação de crâneos, fizemos numerosas comparações entre radiogramas de perfís de ozenosos e normais, para analisarmos a diploe do calvário e o sistema celular das mastóides. Cremos não haver diferenças frizantes entre os dois grupos observados.

Assim sendo, no radiograma dos ozenosos não encontramos elementos que nos permitissem firmar qualquer disfunção hipofisária, tomando-se como base para tal a classificação radiológica de Mortimer e colaboradores.

Há outras medidas a se comparar. Chamamos "diametro bimalar" à maior distância que separa as paredes laterais dos dois seios maxilares de uni paciente, medida em seu radiograma, perpendicularmente ao plano sagital. Tomamos como "diâmetro da fossa nasal" a maior distância que, no radiograma, separa as duas paredes laterais das fossas, medida perpendicularmente ao plano sagital.

Comparemos êstes diâmetros nos dois grupos de indivíduos que estamos observando.



Comentários Se tomarmos como um elemento para ajuizar do grau de desenvolvimento do macisso facial o diâmetro bimalar, veremos que este macisso mostra certo grau de Atrofia no ozenoso. Basta comparar o valor encontrado nas pessoas sem ozena (10,20) com o achado nos ozenosos (9,2).

O diâmetro da área nasal do ozenoso (3,2) é menor que a do indivíduo normal (3,35). É outro fato que vem reforçar a afirmação que fizemos, linhas atrás, isto é, que a amplidão das fossas nasais dos ozenosos não corre por conta de um recuo de suas paredes laterais; depende da atrofia dos cartuchos e do corpo dos etmóides. É a atrofia destes últimos que desejamos salientar pois ela dá unia feição toda especial ao radiograma dos ozenosos.

Outra questão importante no domínio da exploração radiografica : um seio maxilar, cheio de substância radiopaca inócua para o epitélio, esvasia a metade de sua capacidade em 24 horas e ¾ em 48 Horas. Isto para um seio normal. Traços de fluido podem ser encontrados após 72 horas pois que o esvasiamento só se completa em 96 horas.

Sob êste ponto de vista acompanhamos 22 de nossos pacientes. Antes de serem operados, introduzíamos o contraste por punção diameática em um dos seios maxilares. Empregamos uma parte de óleo iodado (Lipiodol) para 4 de óleo de oliva. Seguimos, assim, as instruções de PFAHLER, George E. - Roentgen Diagnosis of Cancer of the Accessory Sinuses - Archives of Otolaryngology - XXXI: 561-587) - e colaboradores. Imediatamente depois êles eram radiografados e nova radiografia era tirada 48 horas mais tarde. O quadro que se segue resume as nossas observações. Êle fornece, também, informes resumidos sôbre o estado da mucosa antral, observada durante o ato cirúrgico, daqueles pacientes que forais operados.



Vemos, de início, que a regra geral comporta exceções pois que, houve completo esvasiamento, em tempo normal, em alguns de nossos pacientes em que a mucosa dos antros apresentavam sinais de avançada degeneração. Em alguns casos tivemos a impressão de que a hiperplasia encontrada era conseqüente a uma reação, provàvelmente alérgica, da mucosa do antro ao contraste. Eram aqueles casos em que o exame das radiografias não mostrava o menor indício da degeneração polipóide que iríamos encontrar durante a operação.

A análise do quadro anterior nos mostra que, como regra, nos ozenosos cujos antros não mostram sinais de infecção, e são revestidos por mucosa papirácea, atrófica, enfim, nos verdadeiros casos de ozena não complicada, o esvasiamento se completa dentro de um tempo normal, ou mesmo menor do que o normal. Não se pode atribuir esta rapidez do esvasiamento ao ósteo ampliado pela atrofia. Em primeiro lugar porque um osteo largo ou estreito, desde que seja eficiente, basta igualmente para a drenagem de um antro; esta drenagem não depende de seu calibre e sim da. atividade do epitélio ciliado. É por isto que não se consegue uma drenagem eficiente em um caso de sinusite, em que a degeneração da mucosa destruiu a atividade do epitélio, mesmo se fazendo uma ampla contra-abertura do seio para a fossa nasal. Por outro lado, êste alargamento do ósteo, nós não o observamos como regra nos casos que tivemos a ocasião de operar.

Assim sendo, se pudermos tomar o tempo de esvasiamento de um seio como índice da atividade de seu epitélio ciliado, seremos forçados a admitir que êste epitélio existe normalmente funcionante nos antros dos ozenosos. Parece que o epitélio antral não sofre a metaplasia epitelial, mesmo nos casos mais avançados de rinite atrófica. A redução de espessura do revestimento do seio correria por conta de um adelgaçamento e fibrose do corion. É pena que se perdesse o vasto material que enviamos para exame anátomo-patológico. Não fôra isto poderíamos ter a comprovação das hipóteses que aí ficaram.

Poderemos resumir assim as nossas conclusões:

1. O seio frontal esquerdo predomina sôbre o direito em 66,5%, dos ozenosos e em 59% dos normais.

2. Encontramos aplasia de um dos seios frontais em 13,6% dos ozenosos e em nenhuma das pessoas normais que examinamos.

3. Pràticamente se equivalem, em grau de pneumatisação, os seios anteriores dos ozenosos (43,7 cm² ) e os das pessoas normais (46,6 cm²).

4. Tomando-se como índice do desenvolvimento do macisso facial o diâmetro bimalar, nota-se certo grau de atrofia deste macisso no ozenoso.

Diametro bimalar médio no ozenoso - 9,2cm
Diametro bimalar médio normal - 10,02

5. A amplidão das fossas não corre por conta de um recuo de suas paredes laterias para fóra, pois que seu diâmetro na radiografia do ozenoso é menor que na do individuo normal:

Diametro medio da fossa nasal do ozenoso (radiogr.) - 3,2cm.
Diametro medio da fossa nasal do normal (radiogr.) - 3,35cm.

6. O alargamento da fossa nasal do ozenoso corre por conta da atrofia dos cartuchos e dos corpos dos etmóides.

7. Em consequência do estreitamento dos etmóides, tomados pela atrofia, a radiografia do ozenoso adquire um aspecto caracteristico: a abóbada formada pelos óssos próprios do nariz se alarga e suas vertentes se projetam de encontro ao rebordo interno da órbitas desaparecendo o espaço etmoidal que se interpunha entre as duas estruturas. Ao mesmo tempo que os ossos nasais se tornam mais compactados e espessos.

Os dois esquemas que se seguem mostram as diferenças que apontamos:



A seguir mostramos a titulo de ilustração do que ficou dito, duas radiografias de ozenosos:



(radiografia de um ozenoso)



( radiografia de um ozenoso)



CAPITULO II

CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA RESPIRAÇÃO NASAL DO OZENOSO

Fato aparentemente paradoxal: os ozenosos, não obstante a amplidão exagerada de suas fossas, respiram mal; têm a sensação de estar com o nariz obstruido. Às vezes o acúmulo de crostas justifica a queixa. Mas, na maioria delas, a rinoscopia mostra passagem fácil e franca pelo corredor respiratório.

Esta insuficiência nasal tem sua explicação no desaparecimento ou diminuição do "reflexo naso-pulmonar". Êle é assinalado pelos clássicos e decorre da atrofia da mucosa. Vejamos em que consiste:

O ar, ao penetrar pelas fossas, produz excitação que estimula a inspiração pulmonar. SERCER prova-o de modo a não deixar dúvidas.

A. SERCER (L'Influence de la Mauquese Nasale Sur L'Action des Muscles Respiratoires) - Br. Oes. Et Gastr. III, 1936.
A. SERCER (Investigations sur L'Influence reflectoire de la Cavité Nasale sur le Poumon du Meme Côte) - Acta Oto-Lar, XIV, 1930.

De suas várias experiências as mais concludentes são as realisadas em pacientes traqueotomisados. Nestes estão interrompidas as conexões anatômicas das vias aéreas superiores e interiores e ficam afastados os reflexos originados no laringe. No dizer de Sercer, nos laringectomisados não existe senão nariz e pulmão ligados por nervos.

Ótimos materiais para investigação, por conseguinte.

O paciente é colocado em decúbito dorsal em uma câmara silenciosa. Um pneumógrafo de Gutzmann aplicado ao torax e ligado a um sistema registrador, grava em um cilindro a respiração pulmonar.

As figuras que apresentarmos mostram como é possível registrar simultaneamente os movimentos de ambos os pulmões ou o de cada um separadamente.



Fig. 5 - Première techuique d'enregistration simultanée des deux motiés du thorax.
1. Pneumographe.
2. Boule en verre.
3. Petíte boule en caoutchouc.
4. Manomètre.
5. Ballon pour remplissage du système avec de l'aír.
6. Tambour de Marey.
Figura 5 do trabalho de Sercer.



Fig. 6 - Seconde techuique d'enregistration simultanèe des deuz motiés deuz thorax.
1. Cadre eu fer sur la table d'espérimentation.
2. Coupe schématique du thorax.
3. Pneumographes.
4. Tube en caoutchouc reliant le pneumographe et le Tmbour de Marey comine sur fig. 5.
Figura 6 de Sercer.



Fig. 14 - Energistration des mouvements bronchiques.
K. Kymographion.
P. Aiguille.
M. Tambour de Marey.
S. Boule en verre dans laquelie est hermétiquement enfermée une boule en caotitchouc.
T. Tonomètre.
G. Tube en caoutchouc reliant la boule en caoutchouc B dans la bronch et le
Figura 14 de Sescer.



Nestas circunstâncias a pituitária é excitada mecânica, química ou tèrmicamente. Para a excitação mecânica, basta tocar a cabeça do corneto médio cota estilete protegido por algodão. Para a química toca-se a mesma região com nitrato de prata a 2%, e para a térmica, insufla-se ar frio ou quente em uma ou ambas as narinas. Qualquer que seja o excitante a resposta será sempre a mesma: a curva do pneumógrafo acusa lima elevação mais ou menos durável da posição expiratoria. o que traduz um reforço da pressão intrapulmonar. As excursões do torax tornam-se mais amplas e. conseqüentemente, melhoram a ventilação pulmonar e a hematose.

O ar comun, insuflado ritmicamente nas fossas do laringectomisado, desperta o mesuro reflexo. Assim conclue Sercer: "a passagem do ar pelo nariz produz a excitação específica adequada para a manutenção de unia bôa ventilação pulmonar".

Registrando separadamente as curvas dos dois pulmões, Sercer provou a unilateralidade do reflexo, o que equivale a dizer que a excitação de uma fossa só estimula a ventilação do pulmão do mesmo lado.



Fig. 22 - kepresentation schematique de l'arc réflexe entre le trijumeau nasal et la musculature respiratoire. L'arc réflectoire est représenté par la ligne ponctuée. Le centre respiratoire, comprenant les noyaux. des nerfs cérébraux 1X., X., X'. e' XII., est rayé.



Figura 22 de Sercer.

A cocainisação da fossa nasal abole o reflexo. Não estão ainda bem estudadas as vias deste reflexo. A aferente é constituida pelo 2.º ramo do trigêmio que recolhe a sensibilidade da pituitária. Por esta via a excitação vai ao centro respiratório na base do IV ventrículo (dada a possibilidade de uma conexão entre os núcleos que aí estão muito próximos). Daí desce pelos intercostais, frênicos e pneumogástrico para atingir a musculatura brônduica e torácica. A injeção de atropina, bisturi do vago, diminue consideràvelmente a intensidade do reflexo. O mesmo acontece com a secção do frênico.

A atrofia progressiva que se instala na mucosa nasal do ozenoso acaba por comprometer as terminações nervosas e embotar a sensibilidade das fossas. Daí a diminuição do reflexo naso-pulmonar, responsável pela sensação de sufocamento de que se queixam os portadores de R. A. F.

Tivemos a intenção de verificar se após a cirurgia da ozena aquele reflexo se reinstalava. Era de se esperar que assim fosse porque, de um lado, a rinoscopia mostrava que, à miude, a mucosa antes fosca, ressequida e pálida se tornava, após a cirurgia, congesta, brilhante e umidecida. Macroscòpicamente parece que ela marcha para a normalidade, readquirindo as condições necessárias ao bom funcionamento das delicadas terminações nervosas que transitam por seu interior. Por outro lado, a sensação de "nariz entupido", presente antes, desaparecia depois da operação, não obstante, em conseqüência desta operação, ter se estreitado consideràvelmente o calibre das fossas nasais.



Fotografia de um paciente em observação com o aparelho de Charles Verdin.



Empregamos em nossos registros o aparelho de Charles Verdin, hàbitualmente usado na determinação do metabolismo básico. Êste aparêlho nos fornece, em litros, o volume de ar que o paciente respira em cada minuto. A fotografia que apresentamos dispensa mais descrições.

As experiências foram realisadas sempre nas mesmas condições: paciente em jejum, em decúbito dorsal, respirando normalmente pelo nariz, através de uma máscara aplicada em sua face. Após o repouso necessário para se normalisarem seus movimentos respiratórios, liga-se o aparelhamento e registra-se em cada minuto, durante 10 minutos consecutivos, os volumes de ar respirado pelo paciente. O valores são lançados em um gráfico na ordenada o volume de ar respirado em cada minuto e na abcissa o tempo. Evidentemente a curva assim obtida terá uma altura média proporcional à intensidade da ventilação pulmonar do paciente.

Para cada paciente obtivemos um registro antes de ser operado e outro transcorrido pelo menos 6 mêses da intervenção; tempo que julgamos suficiente para que êle se tenha restabelecido do choque cirurgico e assim afastar possíveis causas de êrro.

Ternos em mãos 14 gráficos de pacientes que já foram revistos. Dêstes, 7 acusam melhora sensivel da ventilação pulmonar. Em 2 não obtivemos melhora alguma e em 5 houve peora. A melhora evidente observada em alguns casos só poderá ser explicada pela reinstalação do reflexo naso-pulmonar. Cremos que a peora ocorreu naqueles em que se observavam lesões irreversíveis das terminações nervosas; casos em que não foi possível se reinstalar o reflexo e, nos quais, a cirurgia veio agravar a impotência nasal pré-existente, em conseqüência do estreitamento que ela impôs às fossas.

Seguem-se os gráficos. O traçado em º---------º foi obtido antes da operação e o em x -x depois.

Casos em que a respiração melhorou:

EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

24-9-46 / Peso: 44ks / alt: 1,57

Nome: Filomena Borone, 14 anos. Alt. 1,55 Peso 40Kg.
Amb. De Otorinol. Dr. E. Moreira
23 de Março de 1946
N.° 1


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

17-9-46 / Peso 35ks

Nome: Placides de Carvalho, 34 anos. Alt. 1,44 Peso: 37Kg.
Amb. De Otorinol. Dr. E. Moreira
19 de Fevereiro de 1946
N.° 2


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

15-10-46 / Peso: 47

Nome: RAUL EDUARDO FERREIRA. 22 anos. Alt. 1,77. Peso 68 ks.
Amb. de Otorinol. a ped. Dr. Ernesto
28 de Maio de 1946
N.° 3


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

5-10-46 / Peso 48ks

Nome: IZABEL TORQUATO. 15 anos. Alt, 1.44. Peso 47 ks.
Ambulatorio Otorinolaring. Dr. Moreira
2 de Abril de 1946
N.º 4


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo ap. G. BOULITTE, Serviço Dr. Samuel Ribeiro

22-10-1945 / Alt 1.60 / Peso 58

GERTRUDES PASSARELLI. Altura 1.60. Peso 60
São Paulo, 7 de Abril de 1945
N.º 5


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

7-3-1946 / Alt. 1.69 / Peso 56

DIMA MENEZES. 28 anos. Alt. 1,69. Peso 55 kilos Amb. de Otorinolaring. a ped. Dr. Jorge F. Barbosa
17 de Abril de 1945
N.° 6


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

26-11-45 / Peso 49 / Alt. 1.59

Nome: ISAURA CESARINI. - 18 anos. Alt. 1,58. Peso 51 Ks.
Amb. de Otorinolaringologia. A ped. Dr. Moreira.
11 de junho de 1945
N.° 7


Casos em que a respiração não se modificou:


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

26-9-46 / Peso 51

Nome: CARMEN BARROSO. 21 anos. Alt. 1,58. Peso 58 Kilos
Amb. de Otorino. a Ped. Dr. Ernesto Moreira
17-1-1946
N. 8


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

Peso: 44,500 / 26-9-46

Nome: DURVALINA CREPALDI. 21 anos. Altura 1,55. Peso: 45 kilos.
Amb. de Otorinolaringologia.
4-1-1946
N.° 9


Casos em que houve peora da respiração:


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeira

12-10-46 / Peso 51

Nome: CECILIA MOURA. 17 anos. Alt.: 1,57. Peso: 52 ks.
Amb. de Otorino. a Ped. Dr. E. Moreira
19 de Julho de 1946
N.° 10


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

7-11-46 / Peso 51ks

Nome: MARIA DESFENO. 27 anos. Altura 1,46. Peso 52,500
Amb. de Otorinolaringologia. A ped. Dr. R. Moreira
6 de Dezembro de 1945
N.° 11


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL

6-12-1945 / Peso 49 / Alt 1,42

Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro
Nome: LAZARA GERMANO. 16 anos. Altura 1,42. Peso 46
17 de Abril de 1945
N.° 12


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

15-10-46 / Peso 49

Nome: ESMERALDA DE CASTRO. 14 anos. Altura 1m54. Peso 48
Amb. de Otorino. a ped. Dr. E. Moreira
21 de Fevereiro de 1946
N.° 13


EXAME DA RESPIRAÇÃO NASAL
Pelo Ap. de CHARLES VERDIN. Serviço do Dr. Samuel L. Ribeiro

16-3-46 / 23-11-46

Nome: SEBASTIÃO ALVES OLIVEIRA. 22 anos. Alt. 169. Peso 59
Amb. de Otorino. Dr. Ernesto Moreira
N.° 14



CAPÍTULO IV

CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA OLFAÇÃO DO OZENOSO

A olfatometria, ou seja a determinação do limiar de olfação ainda está longe de nossas possibilidades. O grau de olfação, variável extraordinàriamente com a substância, com o indivíduo e com o ambiente, ainda não poude ser expresso em números. A olfação não é pois uma quantidade que se messa e sim uma qualidade que se compara.

Não obstante os fisiologistas têm idealisado unia série infinita de olfatômetros que, se não medem a intensidade da olfação, pelo menos permitem de um modo mais cômodo e fácil a sua comparação nos vários indivíduos. Todos êles são deficientes.

Para nossas experiências improvisamos um olfatômetro, lançando mão de 4 substâncias: duas olfativas puras (essência de jasmim e querozene), uma ólfato-gustativa (essência de abacaxi) e uma não olfativa e apenas excitante do trigêmio (amoníaco). Com cada uma destas substâncias preparamos uma série de 10 fracos, numerados de 1 a 10, começando com a diluição mais fraca capaz de ser percebida por uma pessoa normal. A concentração era dobrada de um frasco para outro. As essências foram dissolvidas em petrolado líquido inodoro; também o querosene. O amoníaco foi diluido em água.

Em resumo assim estava constituido o nosso olfatometro:



NOTA: - Os números que constam das colunas indicam as gotas ou frações de gotas da substancia teste existente em 30 cc. cio veículo.

Se pretender preparar um novo olfatômetro deste tipo, os números provàvelmente variarão porque são muito diversos os poderes odorífico; de uma mesma essência, dependendo isto principalmente de sua proveniência e método de preparação.

Não pretendemos fazer a crítica dêste olfatômetro improvisado. Sabemos perfeitamente que seles defeitos sobrepujam de muito as suas qualidades. Seja lá como fôr, o que importa é que êle nos permite determinar, embora de modo muito grosseiro, o limiar de percepção olfativa para as substâncias testes dele empregamos nos vários indivíduos e, assine torna possível uma comparação entre êles.

Nossos pacientes foram examinados em nina sala isenta de dores. Sentavam-se em uma cadeira e descançavam por algum tempo. Depois iniciávamos as medidas. As experiências foram realisadas sempre nas mesuras condições, isto é, pelas manhãs e em jejum.

Apresentávamos o frasco contendo a diluição mais fraca de uma determinada substância para que o paciente a cheirasse. Se êle nada percebesse passava-se à diluição imediatamente superior e, assim sucessivamente, até que êle fosse capaz de reconhecer a substância que lhe era apresentada. Neste ponto consideramos que foi atingido o seu limiar de sensação olfativa para a substancia testada e o limiar era medido pela concentração da substância.

Apenas 12 dos pacientes examinados puderam ser revistos.

O quadro que se segue resume as conclusões a que chegamos:





Por êste quadro vemos que 10 dos 12 pacientes tiveram sua olfação melhorada em conseqüência da cirurgia.

Os números que se lêm no quadro acima dão, em gotas por 30 cc. de veículo a concentração da substância odorífica. As melhoras registradas seriam ainda mais frisantes se, em conseqüência do tempo transcorrido entre os primeiros exames e as revisões (no mínimo 6 mêses) nossas soluções não se enfraquecessem em seu poder odorífico.

CAPÍTULO V

CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO APARELHO AUDITIVO DO OZENOSO

Numa pesquisa inteiramente clínica aproveitamos copioso imaterial afim de estudarmos o comportamento da função cócleo-vestibular nos pacientes portadores de rinite atrófica fética (R. A. F.).

Não são muito claros os tratadistas e autores diversos neste capítulo Das alterações funcionais auditivas decorrentes da atrofia nasal crostosa.

Em bom número de tratados clássicos essas possíveis alterações acham-se omitidas, e, a maioria dos autores que delas se ocupam, consideram-nas superficialmente, repetindo, na maioria das vêzes, conclusões alheias, nada acrescentando, portanto, de original ou positivo. WYSS, MORF, LACROIX, SCHNIERER e SOMMER estudaram sistematicamente a questão.

WYSS, A. S. - Étude clinique des complications auriculaires de l'ozene. Dissertat. Genf, 1886.
MORF, Von J. - Ein Beitrag zur symptotomatologie der rhinitis atrophica mit besonderer Berücksichtigung der Affection des Gehörgan. In Zeitschrift für Ohrenheilkunde 25: 249-260, 1894.
LACROIX, P. - Über Ohrkomplikationen bei Ozaena. VI Inter. Kongress in London.
SCHNIERER , J. und SOMMER, J. - Tränenwege und Ohr bei Ozaena. Monatsschrift für Ohrenheilkunde 63: 515-523, 1929.

Todos êsses autores basearam seus respectivos trabalhos em indagações clínicas e estatísticas apreciáveis, considerando com detalhes as condições infamatórias do aparelho de transmissão sonora, e estudando, também, as alterações da função cócleo-vestibular.

Corno é de se avaliar, tais exames não poderiam ser completos com respeito à função coclear, pois não dispunham os antigos estudiosos de instrumental adequado tal como o possuimos em nossos dias. O interrogatório quantitativo da função auditiva carecia da precisão que hoje desfrutamos com a audiometria. Os resultados obtidos por determinado autor não podiam ser comparados com os de outro autor devido a esta falta de sistematização e precisão nos métodos e instrumentos de medida, donde estatísticas com seus valores e percentagens tão diferentes.

Posteriormente ao período áureo para os estudos sôbre a etiopatogenia e terapêutica da ozena, em que as Escolas Vienense e Alemã esmiuçaram todos os recantos dêsse capítulo da patologia nasal, seguiu-se uma fase de estagnação relativa ou de um arrefecimento no entusiasmo inicial nos estudos sôbre a ozena.

Recentemente, RIUS (Ocena y sordera laberintica - Annales de Oto-rino-laringologia del Uruguay. XIII: 170-176, 1943) apresentou uma comunicação sobre três pacientes ozenosos portadores de hipoacusia labirintica acentuada. Na negatividade de qualquer passado inflamatório para o lado do ouvido médio, traumatismos, infecções, intoxicações ou bloqueio mecânico do aparelho de transmissão sonora, Rius considerou a hipoacusia que apareceu simultaneamente com a ozena como complicação desta última. As observações do colega uruguaio são bem documentadas, não deixando o mesmo de afirmar que o estudo audiométrico em seus pacientes parece ser o primeiro publicado coar respeito à associação de ozena e surdez. Não falta, também, em seus casos, o interrogatório do aparelho vestibular. Serviu de base ao trabalho de Rius a observação e estudo de 14 ozenosos.

Nosso material de estudo diz respeito a 75 casos de rinite atrófica fétida, todos êles, indistintamente, corar exame clínico especialisado completo, inclusive exames de laboratório clínico e estudo radiográfico do arcabouço facial. Tratava-se de 48 pacientes do sexo feminino e 27 do sexo masculino.

Como o nosso escopo é o de estudar sòmente as alterações cócleo-vestibulares expontâneas ou provocadas nos pacientes ozenosos, afim de verificarmos si, de fato, é possível isolar-se unta fórmula sintomatológica cócleo-vestibular que pudesse ser imputada conto característica da rinite atrófica fétida, resolvemos excluir de nosso material todos os casos que, com história de passado otológico evidente e exame positivo, demonstrassem a presença de processos ativos, supurativos ou não, nos diferentes segmentos do aparelho auditivo.

Excluímos 16 pacientes (21,33%) portadores de:

Otitte média crônica supurada
- Milateral - 4
- Bilateral - 2
Otite média cronica supurada cicatrizada - 5
Timpanoesclerose - 1
Nevrite luética do 8.º par - 1
Nevrite do 8.º par de causa ignorada - 1
Traumatismo sonoro - 1
Deficit psíquico - 1

Os 59 pacientes restantes (78,33%) não apresentavam história evidente de passado otológico, sendo também a otoscopia negativa neste sentido. Êste número de pacientes (59) constitue a base de nosso estudo, sendo todos os cálculos percentuais calcados no mesmo.

Todos os indivíduos submeteram-se a uma sistematização na rotina de exames, com registro cuidadoso da queixa relacionada à esfera cócleo-vestibular, seguido de rigorosa inspecção do diferentes segmentos visíveis do aparelho auditivo (otoscopia, rioscopia anterior e posterior, determinação da permeabilidade tubária, etc. terminando pela pesquisa instrumental. A acumetria qualitativa e quantitativa, executada em sala semi-silenciosa, constou de exames pela voz cochichada, série completa de diapasões (desde 16 d. v. até 4.096 d. v.), audiometria com medida bilateral das transmissões aérea e óssea. Foram executadas, também, as provas de Rinne, Weber, Schwabach, Bonnier e Frederic-Federici. No interrogatório da função vestibular, além das provas de equilíbrio estático-cinético e desvio do index, executamos a excitação calórica fria com 25 cc de água fria a 23.º - 25.º em játo lento contra a parede póstero-superior do conduto auditivo externo.

Catalogamos, a seguir, os diferentes achados :

1. Queixa

a) Zoadas passageiras ou intermitente: 11 casos.
b) Zoadas permanentes: unil. em 2 casos e bil. em 2 casos.
c) Tonturas passageiras: 14 casos.
d) Vertigem rotatória, objetiva ou subjetiva: 4 casos.

2. Inspecção dos segmentos visíveis do aparelho auditivo e sintomas expontâneos vestibulares:

a) Membrana timpânica retraida, sem brilho com Schrapnell aspirada: 13 casos.
b) Membrana timpânica atrófica, transparente: 1 caso.
c) Orlas tubárias recobertas de crostas: 10 casos.
d) Trompas bloqueadas: 1 caso.
e) Nistagmo expontâneo vestibular: ausente em todos os casos.
f) Deficit estático-cinético: ausente e.m todos os casos.
g) Desvio expontâneo do index : ausente em todos os casos.

3. Pesquisa instrumental:

a) Com exceção de um caso. o Rinne (64, 128 e 256 d. v.) apresentou-se positivo; o Weber indiferente: condução óssea conservada Bonnier negativo e condução ósteo-cartilaginosa predominando sobre a ossea (Frederic-Federici).

b) Audiometria :

1) com audição no limiar do normal: 47 casos.
2) com perda acima de 20 db. nas freqüências graves (128 e 256 d. v.) : 3 casos.
3) com perda acima de 20 db. nas freqüências graves (128 e 256 d. v.) e agudas (4.096 d.v. e 8.192 d.v.) 3 casos.

4) com perda acima de 20 db. nas freqüências agudas (4.096 e 8.192 d. v.): 6 casos.

c) Prova calórica fria :

1) norinorreflexia : em 40 casos.
2) hiporreflexia : em 19 casos.
3) hiperreflexia : ausente.
4) arreflexia unilateral: em 1 caso.
5) reações anormais, disarmoniosas, pervertidas: ausentes.

Estudando-se, detalhadamente, êsse quadro estatístico, podemos verificar que sòmente 8% (6 casos) do total (75) cios pacientes examinados apresentava processo supurativo crônico do ouvidos. Somando-se a êsse número os casos de lesões residuais evidentes do ouvido médio e membrana timpânica (5 casos de otite média crônica supurada cicatrizada e um caso de timpanoesclerose) iremos ter cerca de 18% sôbre o total dos casos examinados. Sem dúvida essas cifras encontram-se bem abaixo das observadas pelos autores estrangeiros. MORF encontrou o ouvido médio quatro vêzes mais comprometido que o ouvido interno: 37,5%: 10% do total de casos examinados. ZAUFAL, verificou alterações do ouvido em 80% de seus casos de ozena, enquanto que FERRER apresenta a percentagem de 10% de alterações do ouvido em 430 pacientes com rinite atrófica fétida. JURASZ registrou 12 casos de otite média em 170 casos de ozena. SGHNIERER e SOMMER em 84% de seus casos observaram desde uma retração da membrana por bloqueio tubário até uma total destruição da mesma com fístula atical em todos os gráus de otite média crônica.

Podemos deduzir, de acôrdo com a literatura e baseado em nossa estatística, que as complicações supurativas de ouvido médio na rinite atrófica fétida, em nosso meio, incidem em baixa percentagem. O comprometimento do ouvido médio e anexos em casos de rinite atrófica fétida é dependente, provàvelmente, de uma infecção ascendente, progressiva, em terreno adequado, da caixa através da trompa, e, posteriormente, com o bloqueio desta última, supuração através da membrana timpânica. Diz MORF que a otite supurada na ozena é o resultado da. irritação e fechamento da trompa.

Os dados mais interessantes de nosso estudo são aqueles obtidos entre os pacientes considerados normais (59 casos) quanto ao ouvido, sem história evidente de passado inflamatório otológico.

Em 55,92% (33 casos) registramos uma queixa com sintomatologia relacionada às funções acústico-vestibular: 25,42% (15 casos) assinalavam zoadas nos ouvidos e 30,50% (18 casos) diziam-se sofredores de alterações de equilíbrio, uns com tonturas passageiras (14 casos), outras com vertigem rotatória, objetiva ou subjetiva (4 casos).

À inspecção dos segmentos visíveis do ouvido, sòmente em um caso encontramos um verdadeiro bloqueio tubário, apesar de em 10 outros casos existirem crostas depositadas na região do orifício naso-faringeo da trompa.

Quanto às reações vestibulares induzidas pela prova calórica fria, 67,79% (40 casos) dos pacientes apresentavam respostas dentro do limiar do normal. Em 32,20% (19 casos) observamos hiporreflectividade harmoniosa, sem qualquer perversão nas reações provocadas. É digna de nota a inexistência de qualquer caso com hiperreflexia vestibular.

No interrogatório da função coclear consideraremos sòmente os resultados do exame audiométrico por ser o mais completo e de fácil estudo comparativo. Em 79,65% (47 casos) a audição conservava-se inteiramente dentro do limiar do normal. Em 20,33% (12 casos) os audiogramas apresentavam variações qualitativas e quantitativas já registradas no quadro estatístico. Devemos assinalar que em 6 casos verificamos uma queda marcada, acima de 20 db., para as freqüências 4.096 e 8.192 d. v.. Em 3 casos essa perda deu-se no limite grave - (de 128 a 256 d. v.), e, em outros 3 casos, a mesma foi pràticamente proporcional em todo campo auditivo. Não verificamos, portanto, no conjunto geral dos casos examinados, qualquer maior incidência dêste ou daquele tipo de hipoacusia, qualitativo ou quantitativo, que pudesse ser rotulado como característico da rinite atrófica fétida. As alterações funcionais cócleo-vestibulares, quando associadas a processo supurativo do ouvido médio são de fácil explicação, mas, quando o ouvido médio encontra-se íntegro, consideram os diferentes autores que entram em jogo alterações constitucionais devidas à lues, tuberculose, doenças infecciosas ou fatores hereditários.

Nossos dados estatísticos, produto de tini estudo meticuloso de um bom número de casos, vêm chamar a atenção para êsse capítulo da patologia nasal, lembrando aos estudiosos que a maioria dos valores aqui assinalados necessita de uma explicação etiopatogênica mais apurada.

Conclusões :

1. Dentre os 7,5 casos de rinite atrófica fétida estudados, 16 (21,33%) apresentavam alterações evidentes, inflamatórias ou não, do aparelho auditivo.

2. Comparativamente às estatísticas dos autores estrangeiros, podemos afirmar, baseados em nosso estudo, que, em nosso meio, as complicações supurativas do ouvido médio na rinite atrófica fétida incidem em baixa porcentagem (8%).

3. Entre os 59 pacientes considerados normais quanto ao ouvido, 15 (25,42%) deles queixavam-se de zoadas e 18 (30,50%) diziam-se sofredores de perturbações de equilíbrio, desde tonturas passageiras até vertigem verdadeira.

4. Somente em um caso existia um verdadeiro bloqueio tubário.

5. Em 40 pacientes (67,79% ) verificamos normorreflexia vestibular induzida pela prova calórica fria. Os 19 restantes apresentavam hiporreflexia vestibular. Em nenhum caso encontramos hiperreflexia, reações vestibulares anormais, pervertidas ou disarmoniosas.

6. Em 47 pacientes (79.65%) os audiogramas conservavam-se inteiramente dentro do limiar do normal.

7. Nos 12 pacientes restantes (20,33%) os audiogramas assinalavam uma perda acima de 20 decibels. Essa diminuição da capacidade auditiva localizava-se nas freqüências graves em alguns pacientes, no limite agudo em outros, ou finalmente, estendia-se por todo campo auditivo em alguns deles.

8. Nada existe de característico na sintomatologia cócleo-vestibular expontânea, provocada ou instrumental, nos casos de rinite atrófica fétida, que possa constituir uma síndrome típica de tal afecção.

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