Versão Inglês

Ano:  1948  Vol. 16   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 17 a 28

 

NOTAS CLINICAS

Autor(es): -

BÓCIO E OZENA

Dr. AMIR AZEVEDO - Barra Mansa. Estado do Rio.

O operoso especialista de S. Paulo, Dr. Ernesto Moreira, em seu substancioso trabalho sobre a ozena, sugere um estudo, entre nós, da relação que, segundo alguns autores, possa existir entre essa molestia e o bócio.

"Onde existe o bócio (papo) é a rinite atrófica fétida sua companheira inseparável. O parentesco entre estas duas afecções já foi assinalada por Delacour". São palavras do Dr. Ernesto Moreira, traduzindo opiniões de outros cientistas.

O assunto despertou-me a curiosidade. Resolvi, então, valer-me das frequentes viagens que faço ao planalto mineiro da Mantiqueira para inspeccionar as fossas nasais a um certo número de indivíduos portadores de bócio que, como é sabido, abundam na região. Êstes, amedrontados, nem sempre se submetiam de boa vontade ao exame. Alguns o fizeram mediante remuneração. Outros se mostravam desconfiados ante meu interesse pelo caso. Soube mesmo que ouve quem dissesse: "Doutor que toma o nome da gente no cartãozinho, dá receita e ainda paga o doente! Isso é para pegar a gente para a guerra. Eu é que não vou lá!". Contudo, consegui coligir 102 observações, sendo 86 de Minas Gerais e as restantes dos Estados de S. Paulo e Rio.

Não me foi surpreza não haver encontrado, nesses doentes de Minas, um caso, sequer, de ozena, porquanto sabia que a moléstia na zona é rara. Em centenas de doentes de ouvidos, nariz e garganta, alí examinados, em vários anos, depararam-se-me apenas dois casos de rinite atrófica fétida, em mulheres de glândulas tireoides normais.

Essas observações, portanto, não estão de acordo com as afirmativas dos cientistas citados pelo Dr. Ernesto Moreira. A maioria delas, tomada em um planalto de mais de novecentos metros de altitude, contraria tambem o ponto em que dizem ser a ozena mais frequente nas montanhas e regiões elevadas.


INCLUSÃO DENTÁRIA NO SOALHO DA ÓRBITA

Dr. MÁRIO GRAZIANI - Cirurgião Dentista - Docente Livre de "Cirurgia e Prótese Buco_Maxilo_Facial" da Faculdade de Farmácia e Odontologia da Universidade de São Paulo

Muitos casos de inclusão dentária despertam maior interêsse do cirurgião bucal não somente pelos transtôrnos que podem produzir como também pela sua localização rara.

Sob o ponto de vista da localização, as inclusões consideradas raras são as situadas longe do processo alveolar.

No que diz respeito à mandíbula, sabemos que as inclusões mais frequentes são as do terceiro molar inferior. Estas inclusões, segundo a sua posição, são classificadas em verticais, mesioangulares, distoangulares, horizontais, linguoangulares, bucoangulares, linguais totais e inclusões raras. Nas inclusões raras, o molar incluso pode situar-se no ângulo da mandibula ou em qualquer parte do ramo ascendente da mesma.

Na fig. 1, podemos ver um caso raro de molar incluso, na mandíbula. Como vemos, o dente ocupa quase totalmente a espessura


Fig. 1



Molar inferior incluso, ocupando toda a espessura do corpo da mandíbula.


  
Fig. 2      Fig.3



Canino superior incluso na soalho cia orbita. A fig. 2 mostra saliência produzida pelo dente e a fig. 3 mostra a sua ausência, na arcada.

do corpo do osso, podendo a sua remoção, ocasionar uma fratura de deficílima consolidação. Como essa inclusão era acompanhada de acidentes infecciosos de certa gravidade, sua remoção foi imprescindível. Preparamos antes, uma contenção preventiva, o que evitou fratura.

No maxilar superior, os dentes que mais frequentemente se apresentam inclusos são os caninos.

A grande maioria dos caninos superiores inclusos se apresentam situados para o lado palatino, em relação aos dentes contíguos. A intervenção cirúrgica, nêstes casos, consiste em descolar a mucosa palatina, praticar uma ressecção óssea suficiente para abordar a peça inclusa e após a remoção desta, recolocação da mucosa em seu primitivo lugar e sutura.

Em segundo lugar temos as inclusões situadas para o lado vestibular, casos em que a via de acesso para a intervenção é através do vestíbulo bucal.

Depois destas duas espécies de inclusões poderemos citar, em ordem de importância,
sob o ponto de vista da localização e posição, e também da frequencia, os caninos situados diretamente sôbre os ápices dos dentes contiguos; os situados em posição pré-eruptiva sem estar propriamente em relação com os dentes contíguos; os situados em bocas desdentadas.

Finalmente, uma última classe é a das inclusões raras, quando o canino está localizado fora ou distante do processo alveolar.

O caso que aqui apresentamos, por exemplo, é o de um canino situado no soalho da cavidade orbitária ou seja, na parte mais alta do seio maxilar.

Na fotografia da fig. 2 podemos notar, assinalada, a saliência correspondente ao dente incluso, produzindo deformidade da face. A presença do dente nessa região, bem assim como o preenchimento da cavidade sinusial, com uma massa tumoral de consistência gelatinosa, semelhante a um mixoma, ocasionou o empurramento do soalho orbitário para cima, conforme poderemos notar na radiografia das figs. 4 e 5, comparando as duas cavidades orbitárias. A compressão contínua produzida por êsse conteudo patológico da cavidade sinusial determinou também o empurramento da parede nasal em direção da linha mediana, de encontro ao septo. Pelo mesmo motivo, o soalho do seio maxilar foi impelido para baixo, produzindo saliência no palato duro.


Fig 4



Aspecto radiográfico anteroposterior. Notar o deslocamento do soalho da orbita.


Fig. 5



Outra radiografia anteroposterior. Assinalada, a posição do canino.

Naturalmente, a via de acesso mais conveniente para a remoção do dente foi a transinusal. Mesmo porque, o próprio estado patológico do antro maxilar estava a exigir uma antrotomia. Praticada esta, após curetagem perfeita de todas as paredes sinusais, praticamos a ressecção óssea necessária para abordagem do canino, o qual foi desalojado e removido por meio de alavancas de Winter. Naturalmente, êstes tempos operatórios foram realizados com a máxima cautela, para evitar a lesão da parede orbitária. Como a parede nasal do seio maxilar, como já dissemos, projetava-se de encontro ao septo, o método clássico de drenagem através de uma contra-abertura nasal foi evitado. Preferimos uma drenagem para a cavidade bucal e a posterior oclusão cirúrgica da fistula buco-sinusal.


UM CASO DE HERPES ZOSTER DA REGIÃO PALATINA TRATADO PELA VITAMINA B1

Dr. FERNANDO LINHARES - Chefe do Serviço de Moléstias de Ouvidos, Nariz e Garganta (Larinotologia) da Policlínica Geral do Rio de Janeiro.

Herpes Zoster - caracterisada por infecção aguda causada por virus neurótropo, apresenta-se o Herpes Zoster sob a forma de pequenas vesículas localisadas na pele ou mucosas. Estas vesículas rodeadas por uma zona de hiperemia, rompem-se formando crostas na pele, e úlceras nas mucosas, com predileção por determinadas regiões de distribuição nervosa, acompanhadas de paralisia e dôr.

Nevralgia post-herpética foi estudada por Gaefer como uma entidade clínica bem definida. A dôr é descrita com sensação de queimadura, coceira, corte ou choque, permanecendo constante durante 24 horas, agravada pelo cansaço e nervosismo.

Algumas vezes hipostesia e hiperestesia na área afetada. Quando atinge a boca provoca bizarros movimentos dos músculos da face e lábios.

Magnussen apresentou um caso de herpes zoster do conduto auditivo, com sintomatologia característica, isto é, dôr, paralisia facial, surdez e vesícula tratada em 5 dias com injeções de Onadina. (Archives Vol. 43 Abril de 1943).

Brain, demonstrou pela reação de fixação de complemento a relação entre o virus do Herpes e o da varicella. (Britsh J. Exp. Path. 14:67.73, Abril de 1933) . Urbain e Netter verificaram a existência de anticorpos específicos no sôro de doentes de herpes zoster e varicella, que dariam reação de fixação de complemento de varicella com o herpes e vice-versa.

Angina herpética recidivante coincidindo com o período menstrual, foi observada em dois casos, por Chavane, em moça de 18 anos e mulher de 23 anos com crises repetidas (2 anos e 5 mêses, respectivamente).

Vários foram os medicamentos empregados, porém sem resultado satisfatório. (Archives Vol. 36 n.º 2 Agosto de 1942).

Experiências realisadas por Kundratitz acêrca da via de penetração do vírus zosteriano, com inoculação na pele in vivo, concluíram pela demonstração de que no herpes zoster idiopático a invasão seria, feita pelas mucosas dos aparelhos digestivo ou respiratório, difundindo-se este virus até o sítio de eleição por via sanguínea, 15 a 20 dias após a inoculação, sem nenhuma reação no local da inoculação.

Raramente encontrado é o Herpes Zoster do conduto auditivo. Stock apresenta um caso de sensação de queimadura no lóbulo da orelha em que havia erupção herpética no conduto e lóbulo. Posteriormente, desenvolveu-se a erupção herpética na metade do palato mole com paralisia do facial e nistagmo. Como tratamento foi empregado Cloridrato de Tiamina, Complexo B, e correntes galvânicas com resultado satisfatório, quanto à audição e paralisia do facial. (Archives Vol. 36 Outubro 1942.)

Chama a atenção a extrema raridade do Herpes Zoster, tanto assim que é o primeiro caso em 70.000 fichas do Serviço de Laringologia da Policlínica Geral, bem como a brilhante e imediata ração à conduta terapêutica empregada.

Ficha 72975 - Romeu Onório, 63 anos, branco, brasileiro, casado, funcionário aposentado, Av. Suburbana, 3660.

História da doença atual - Veio à consulta após dois mêses de doença. Queixa_se de forte nevralgia maxilar (sensação de queimadura e otalgia) com paralisia dos músculos da mastigação (masseteres e peterigoideos) inervados pelo maxilar inferior, impedindo o fechamento natural da boca por relaxamento involuntário do maxilar inferior impossibilitado de voltar à posição natural, ou seja de boca fechada.

Ao exame, notámos escoamento abundante de saliva, obrigando o paciente a enxugar a baba que escorria a todo o momento. Boca em estado de abertura, permanente. Dentes falhados e em mau estado de conservação. No veu palatino do lado esquerdo notámos à altura do último molar superior uma pequena ulceração de cor branco amarelada do tamanho de uma cabeça de fósforo e a 1/2 centímetro desta uma pequena vesícula (ambas no palato mole).

Impossibilitado de deglutir qualquer alimento há três dias, acha_se o paciente em estado de desidratação e desnutrição.

Diagnóstico: Herpes Zoster do palato mole com paralisia do 5.º e 9.º par (trigêmeo e glossofaríngeo).

Tratamento: Imediatamente fazemos um toque da ulceração e vesícula com solução de nitrato de prata a 10% e prescrevemos Benerva Fortíssima (50 mg. de aneurina por ampola) na dose de 2 ampolas diáriamente além de sôro glicosado e extrato hepático.

Qual não foi a nossa surpresa, bem como a dos Drs. Darcy Coelho e Zulmiro Pontes. assistentes do nosso Serviço, quando na manhã seguinte, isto é, 24 horas após, verificámos estar o paciente sem nenhuma dôr e com o maxilar em posição normal, de boca fechada podendo realisar todos os movimentos naturais.
Quanto à medicação, havia feito apenas uma ampola de Benerva Fortíssima, com o que sentiu imediato alívio, podendo poucas horas após alimentar-se normalmente, sem necessidade do sôro glicosado.

Novamente examinado, verificámos o secamento da vesícula e cicatrização adiantada da úlcera.

Continuámos com a Benerva e o paciente teve alta uma semana, após.


CURIOSA COMPLICAÇÃO HEMORRÁGICA EM INTERVENÇÃO, SOBRE O SEPTO NASAL

Dr. WILSON JUNQUEIRA DE ANDRADE - Assistente do Serviço de O. R. L. do Hospital do Servidor da Prefeitura do Distrito Federal

Em 28_5_47 procurounos no Ambulatório de O. R. L. do Hospital do Servidor da Prefeitura, o Sr. A. F., de 32 anos de idade, pardo, casado, trabalhador municipal, brasileiro, residente à Rua Caroná n.º 288.

Queixou_se de que, de vez em quando, tinha epistaxes, obstrução nasal permanente, às vezes máu cheiro no nariz e dôr de cabeça. Os seus antecedentes nada revelaram de mais importante.

Procedemos ao exame objetivo cio doente: 1) rinoscopia anterior - desvio do septo nasal para a direita; secreção muco_purulenta em ambos os assoalhos nasais, mucosa congesta. 2) rinoscopia posterior - secreção muco_purulenta descendo pelo cavum. 3) bôca - dentes tratados. 4) faringe - nada de anormal. 5) ouvidos direito e esquerdo - nada de anormal.

Suspeitamos inicialmente tratar-se de um caso de sinusite crônica, suspeita esta que foi aumentada ao procedermos à diafanoscopia dos selos faciais, pela qual constatamos diminuição de transparência de ambos os seios mxilares. Aconselhamos ao doente o uso de Protargol adrenalinado para desinfecção nasal enquanto aguardávamos o exame radiográfico dos seios da face, que a seguir foi pedido.

Em 10_6_47 recebemos a radiografia, com o laudo seguinte: - "leve diminuição de transparência do seio maxilar esquerdo e espessamento da mucosa do frontal do mesmo lado". as) Dr. Franklin B. Véras.

Neste mesmo dia tornamos a examinar o paciente; a melhora nasal tinha sido bem acentuada pois havia desaparecido toda a secreção muco_purulenta constatada no 1.º exame, queixando-se o doente apenas da obstrução nasal. Afastada a hipótese de sinusite maxilar crônica, indicamos a intervenção sobre o septo nasal para corrigir o desvio. Requisitamos os exames de sangue necessários, cujos resultados foram os seguinte:

a) tempo de coagulação - 4 minutos

b) tempo de sangramento - 2 minutos e 30 segundos.

c) plaquetas - 300.000 por mm3.
  as) Dr. Herman Burger

d) reações de Kahn e Kline - negativas.
  as) Dr. Armando de Aguiar

Internamos o nosso doente para procedermos à operação, a qual foi realizada no dia 23_7_47 às 10 hs., tendo sido adotada a técnica clássica de Killian, sob anestesia local por infiltração com Novocaina a 1% e adrenalina. Transcurso normal da intervenção, sendo mínima a quantidade de sangue perdido. Terminada a operação fizemos tamponamento cerrado do lado direito, lado da incisão da mucosa; achamos desnecessário tamponar a fossa nasal esquerda porque o paciente havia perdido pouco sangue durante o ato operatório. A titulo preventivo mandamos fazer uma injeção endovenosa de Botropase e aconselhamos que o paciente ficasse recostada na cama.

Às 14 hs. fomos chamados porque o operado, que até então tinha estado bem, começára a perder sangue pela narina esquerda; ao exame constatamos hemorragia difusa no pé do repto deste lado, o qual foi por nós tamponado. Mandamos repetir a Botropase, além de 10cc de Coaguleno e saco de gêlo sobre o nariz. Às 17 hs. ainda perdia um pouco de sangue; fizemos repetir a Botropase, o Coaguleno e ainda Vitamina K Dutra. Às 19 hs. nova Botropase. À noite parou o sangue, tendo o paciente passado bem. No dia seguinte, 24, já às 10 hs. sangrava novamente; - retiramos ambos os tamponamentos, tendo feito limpeza nas narinas; - do lado direito, tudo bem, mas do lado esquerdo continuava a. hemorragia difusa. Repetimos o tamponamento do lado esquerdo, receitamos Botropase, vitamina K Dutra e saco de, pêlo, e, como o paciente se queixasse de dôr de cabeça, mandamos administrar-lhe XX gotas de Piretane.

Esta medicação foi repetida às 18 hs, tendo o paciente passado regularmente a noite. No dia 25, às 12 hs., retiramos o tamponamento do lado esquerdo, deixando sem tamponamento, pois não saía quasi sangue, no entanto, mandamos continuar com a Botropase, dando tambem uma embola de vitamina K. Passou bem a noite. No dia 26 pela manhã o sangue havia aumentado, queixando-se o doente de dôr de cabeça; resolvemos tirar_lhe a pressão arterial cujos valores foram: - Mx_11,5 e Mn_7. Pelo exame constatamos que desta vez era o lado direito que sangrava; tamponamos deste lado e mandamos continuar com os hemostáticos e com o saco de gêlo. Melhorou bem o doente, tendo passado todo o dia apenas escarrando um pouco de sangue, o mesmo acontecendo à noite. No dia 27 retiramos o tamponamento do lado direito e conservamos a medicação hemostática. Passou todo o dia bem e à noite até às 5 hs. da manhã do dia 28, quando voltou a ter hemorragia, desta vez mais forte, a ponto de sermos chamados com urgência ao Hospital. Efetuamos então tamponamento cerrado bi_lateral com gaze embebida em Hemostático Rhesus. Mandamos fazer transfusão de sangue em natureza (250 grs.), aproveitando assim o seu efeito hemostático. Tomou ainda o paciente 250 grs.de sôro fisiológico, 250 grs.de sôro glicosado; mandamos que se fizessem de 6 em 6 hs. uma empola endovenosa de Botropase, 10 cc. de Tremboplastina Squibb por via hipodérmica, uma empola de vitamina K intramuscular e que continuasse com o saco de gêlo. Permaneceu o doente com o tamponamento bi_lateral cerrado, por 48 hs., até que no dia 30 resolvemos retirá-lo, o que foi feito com o máximo cuidado; observamos então que havia pelado o sangue, permanecendo a mucosa túrgida e congesta.

Procedemos à cuidadosa limpeza das fossas nasais, espalhando por sobre toda a mucosa algumas gôtas de Trombin Parke Davis.

Conservamos ainda a medicação hemostática anteriormente prescrita. Alimentação leve. Durante todo o tempo de sua estadia no Hospital o paciente não teve nem um grão de febre.

Depois do dia 30 não sangrou mais, no entanto, mantivemos o nosso doente em repouso até o dia 5 de Agosto, quando lhe foi dada alta.
Nêste mesmo dia mandamos repetir os exames de sangue e constatamos que o tempo de coagulação era de 4'20", o tempo de sangramento de 2'30", a taxa de hemoglobina de 76% e o número de hemátias era de 4.300.000 por mm3 (Dr. Licinio Velasco).

Pela leitura desta observação verifica-se que estivemos em face de um curioso e raro post-operatório na cirurgia do desvio do septo, que, quando não oferece hemorragia no ato operatório, raramente esta acomete o doente por tanto tempo depois como aconteceu com o nosso doente, apezar dos cuidados de que foi cercado.

Que fatores poderiam ter contribuído para que isto acontecesse? Charles J. Irnperatori, em seu magnífico compêndio sobre "Enfermedades de la nariz y de la garganta" escreveu no capítulo das Epistaxes uma nota sobre as hemorragias traumáticas por transtornos gerais e secundárias a outras enfermidades. Diz êle: -" a hemorragia nestes casos não procede sempre do plexo de Kiesselbach, podendo localizar-se na cauda do cornêto inferior e na porção média anterior do tabique nasal. Não é fácil encontrar o ponto que sangra." Mais adiante passa êste autor em revista as várias causas gerais capazes de provocar êste tipo de hemorragia e que, por curiosidade, vamos repetir: - "a hipertensão arterial, a menstruação vicariante pelo nariz, as anemias, o escorbuto, as discrasias sanguineas, as enfermidades infecciosas e as que ocasionam necróse como acontece com a intoxicação pelo fósforo, as enfermidades crônicas do coração e dos pulmões, os tumores e aneurismas intratorácicos, a telangiectasia múltipla, a rinite atrófica, os tumores do nariz (benignos ou malignos), a sífilis, as vegetações adenóides, os corpos extranhos, a febre do fêno, o reumatismo articular agudo nas crianças, o ar rarefeito das alturas (aviadores e alpinistas) e as fraturas do crânio."

Lederer, em seu "Diseases of the ear, nose and throat", abordando as síndromes nasais hemorrágicas, descreve a chamada doença de Rendu-Osler-Weber ou angiomatóse heredo-familiar de Goldstein, doença de Osler ou pseudo hemofilia, diz ele: "é uma entidade clinica definida, uma displasia hemorrágica, transmitida por ambos os sexos afetando-os mas não limitada a determinado sexo. Êste estado é caracterisado por repetidos ataques de epistaxes, telangiectasia da péle e membranas mucosas (lábios, língua e septo) e incidência familiar da doença. O sangue é usual, morfológica e quimicamente normal, exceto pela anemia secundária que segue as hemorragias. Os tempos de coagulação e sangramento bem como a taxa de trombocitos são normais."

Devemos nos recordar que, ántes de procedermos à intervenção, todos os exames foram feitos e acusaram taxas normais (T. coagulação, t. sangramento, plaquetas e sorologia para a lues), e que, antes da saída do paciente do Hospital o novo exame efetuado confirmou a normalidade dos tempos de coagulação e sangramento e acusou também pequena baixa na taxa hemoglobínica e no número de hemátias.

Não estaríamos em face da displasía hemorrágica caracterizada pela telangiectasía da mucosa do septo nasal?

No Compêndio de Otorrinolaringologia Prática de Segura-Canuyt e L. Errecart lê-se: - "em certas fórmas da enfermidade de Osler (telangiectasias múltiplas hereditárias) se observam dilatações vasculares telangiectásicas devidas à. proliferação endotelial de vasos de néoformação disseminados na mucosa nasal".

Telangiectasia, tambem chamada névo vascular congênito ou hemangioma, é um conjunto de massas onde predominam os vasos sanguíneos de néoformação. Watson e Mc Carthy classificam os hemangiomas em 8 grupos: - 1) Hemangioma capilar, 2) Hemangioma cavernoso, 3) Hemangioma hipertrófico, 4) Hemangioma racemoso, 5) Hemangioma difuso do organismo, 6) Hemangioma metastático, 7) Nevus vinosus e 8) Telangiectasía hemorrágica hereditária.

Segundo a maioria dos autores os hemangiomas são congênitos.

Virchow considera-os originados de irritação local sobre vasos de formação imperfeita. A telangiectasía hemorrágica hereditária caracteriza-se pela existência de pequenos pontos nas mucosas do nariz, dos lábios e da língua, pontos êstes que sangram com facilidade.

Provavelmente o nosso doente já. possuía esta anomalia vascular no nariz, êste tipo de hemangioma congênito (telangiectasía hemorrágica hereditária) que explicava as hemorragias nasais frequentes que lhe acometiam e das quais se queixou por ocasião da 1.ª consulta.

A intervenção cirúrgica praticada nesta zôna histológica e anatomicamente diferente veiu favorecer a persistência da manifestação hemorrágica da mucosa, hemorragia esta que cedeu finalmente a custa dos inúmeros e mais variados hemostáticos empregados e tambem da compressão exercida pelo tamponamento.

De qualquer fórma, esta despretensiosa observação vem mostrar um tipo de post-operatório raro na intervenção sobre o desvio do septo, tendo o acidente hemorrágico sido jugulado com os meios habituais de que dispomos, sem ter sido necessário lançar mão de processos mais complicados de hemostasía, como seja a ligadura dos grossos vasos da região, o que se tem Empregado, ás vezes, em último recurso.

SUMÁRIO

O Autor cita a observação clinica de um doente operado de desvio do septo, com todos os exames laboratoriais normais, transcurso normal, da operação, aparecendo 4 horas depois a hemorragia, que perdurou por 7 dias, ora mais intensa, ora menos intensa, apezar da variada medicação hemostática empregada, cedendo finalmente depois deste prazo. Atribue o fato a anomalias vasculares pré,-existentes, talvez congênitas (telangiectasia hemorrágica hereditária - doença de Osler) as quais contribuiram para o desencadeamento da hemorragia post-operatória, finalmente subjugada com os meios habituais existentes.

SUMMAIRE

L'Auteur cite 1'observation clinique d'un malade opéré de déviation du septum avec tous les examens de laboratoire normaux, inbervention de cours normal; 4 heures après l'opération une hémorragie se déclare variant d'intensité; perfois plus, parfois moins, et en dépit de la varieté de la medication hémostatique employée, na cêde qu'après 7 jours.

I1 atribue le fait à des anomalias vasculares pré_existente, peut éti e congénitales (Telangiectasie hemorragique héreditaire - maladie de Osler) lesquelles ont contribué à la déclaration de 1'hemorragie post-opèratoire, finalement subjugueé avec les moyens habitueis existants.

BIBLIOGRAFIA

1) Imperatori J. Charles - ENFERMEDADES DE LÁ NARIZ Y DE LA GARGANTA - pags. 112 e 113 - Ed. Labor 1942.
2) Lederer - DISEASES OF THE EAR, NOSE AND THROAT - pag. 412 - 4.ª edição 1943.
3) L.. Errecart_Canuyt_Segura - COMPENDIO DE OTO_RINO_LARINGOLOGIA - pag. 475 - Ed. 1943.
4) Vianna B. João - TRATAMENTO DOS HEMANGIOMAS PELAS INJEÇÕES ESCLEROSANTES - Medicina, Cirurgia e Farmácia, ns. 118 e 119 - pag. 139.
5) Cunha Leitão - TRATADO DE ANATOMIA PATOLÓGICA - Angiomas - pags. 621 e 622 - Ed. 1929.

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