Versão Inglês

Ano:  1948  Vol. 16   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 01 a 06

 

NODULOS OSSEOS E CARTILAGINOSOS NAS AMIGDALAS (*)

Autor(es): FABIO BARRETO MATHEUS

S. Paulo

CONSIDERAÇÕES GERAIS: - Sem que a presença de nodulos cartilaginosos e osseos nas amigdalas, constitua uma raridade clinica, não chega, por outro lado, a ser um achado tão frequente que nos dispense de tecer alguns comentarios em torno deste assunto.

As estatisticas percentuais são extremamente variaveis. Assim Cullogs estudando cortes histologicos de 1.000 amigdalas encontrou tecido cartilaginoso em 200 (20%) e Mautschik em 200 amigdalas estudadas encontrou tecido cartilaginoso em 76 (30% + -) . O tecido osseo foi encontrado em muito menor proporção. Por outro lado outros autores que se ocuparam da questão encontraram indices muito menores que a dos dois autores acima. Entre nós Bruno Lobo estudando um numero apreciavel de amigdalas não encontrou tecido osseo ou cartilaginoso uma vez siquer.

OBSERVAÇÃO 1 - F. V., branco, brasileiro, casado, operario, com 36 anos de idade residente 2m São Caetano. Veio á consulta por sentir que a garganta o incomodava, pois, á, noite principalmente, sentia cotucões (sic) na garganta. Aos quandos apresenta quadros anginosos. Nestas ocasiões alem da dor sente dificuldade mecanica á. deglutição.

Ha 12 anos teve artrite que cedeu a tratamento clinico. Nessa época, trabalhava na agua. Ha 3 anos teve sinusíte maxilar bilateral, da qual livrou-se com medicação habitual. Ha 2 anos teve Wassermann positivo (+++) que se negativou com tratamento especifico bem orientado. Exame: Individuo de compleição robusta e com bom estado geral. Wassermann negativo.

Boca e faringe: - Dentes bem conservados. Amigdalas hipertroficas com zona cicatriciais esbranquiçadas, dando caseum á expressão. Pilares anteriores em reação. Parede posterior do faringe com granulações.

Ao toque digital notamos consistencia incomum das amigdalas, porem esta manobra não despertava dor.

A rinoscopia anterior e posterior, assim como a otoscopia nada apresentaram digno de nota. Seios claros á diafanoscopia.

Indicamos a amigdalectomia, que praticada após o tratamento e exames pré-operatorios, não nos ofereceu dificuldade alguma, pois não encontramos grandes aderencias.

Exame histologico: - Fixação pelo formol a 10 % . Cortes em para fina. Coloração pela hematoxilina cozina. Resultado: Amigdalite cronica inespecifica com areal de tecido osseo e cartilaginoso na sua estrutura,

OBSERVACAO II - J. L., branco, brasileiro, 17 anos, solteiro, mecanico, morador á Rua da Gavéa, 85.

Ha um mês mais ou menos resfriou-se e teve ligeiras dores de garganta acompanhadas de tosse. Estes sintomas tiveram curta duração, porem começou a perceber mau gosto constante na boca.

Ao olhar a garganta no espelho notou diversos pontos brancos nas amigdalas, o que o levou a procurar um serviço especialisado.

EXAME: - Ouvidos - s/s

Nariz - s/s

Boca e faringe: Dentes bem conservados, discreta hiperemia do véo mole.

Amigdalas pequenas, semeadas de pontos esbranquiçados, duros, que não ge destacam à raspagem com o porta algodão. No resto da mucosa do faringe não encontramos lesões.

Colhemos material para, semeadura e as culturas revelaram numerosas colonias de "Leptothrix buccalis".

Como as lesões micoticas estivessem localisadas exclusivament0e nas amigdalas, resolvemos praticar a amigdalectomia, que foi ,feita pelo metodo de Portmann. O ato operatorio assim como o post operatorio decorreram normalmente. O faringe ficou completamente livre dos cravos micoticos.

Exame histo patologico das amigdalas:

Fixação pelo formol a 10%

Cortes em parafina

Coloração - hematoxilina e eosina

Resultado - Amigdalite cronica causada por "Leptothrix buccalis" formando cistos mucosos, e com áreas de tecido cartilaginoso hialino, na grande maioria calcificadas.

Depois dos 10 anos é raro o encontro de amigdalas histologicamente normais. Ordinariamente são constituidas por um certo numero de lóbos, constituido-se cada um deles de um diverticulo central, a cripta, e um esqueleto conjuntivo (septos conjuntivos divisores dos lóbos). Entre estas duas formações encontramos tecido adenoidêo (reticlum e celulas moveis) preenchendo a zona intermediaria.





Os pontos foliculares estão dispostos ordenadamente um pouco abaixo do epitelio em pleno tecido linfoide.

O revestimento é constituido por epitelio estratificado pavimentoso, continuação daquele da mucosa buco faringéa. Este epitelio sofre uma marcada infiltração ao nivel das criptas.

Os linfocitos provenientes dos foliculos insinuam-se entre os elementos epiteliais para ganhar a luz das criptas. Nesse trajeto eles vão dissociando as celulas epiteliais em alguns pontos, originando então cavidades de tamanho variavel denominadas técas intra epiteliais de Renault.

O exame atento do epitelio das criptas dá a impressão de que ele, talvez reagindo, proliféra intensamente penetrando nos planos subjacentes as vezes em grande extensão.

No fundo da cripta o epitelio se apresenta, sob a forma de um espigão simples ou ramificado, cuja porção terminal por vezes se separa do resto do plano epitelial em virtude de intensa infiltração linfocitaria, formando pequenas ilhotas de tecido epitelial em plena espessura do tecido linfoide. Frequentemente se queratinizam dando origem aos globulos corneos amigdalianos.

As amigdalas reagem, naturalmente, às inflamações determinando modificações na sua estrutura.

Na hipertrofia da amigdala encontramos aumento do numero e tamanho dos foliculos linfaticos. A hipertrofia linfoide é que domina, o quadro, mas a sua estrutura assim como a dos tecidos conjuntivo e epitelial está normal. Na amigdalite crônica encontramos:

Esclerose capsular

Esclerose inter lobar

Esclerose periferica

Esclerose parenquimatosa, podendo esta ser difusa ou circunscrita. O tipo hipertrofico é mais comum na creança e o escleroso no adulto.

Fisiologicamente, com a idade, a amigdala sofre um processo de involução: 1.º) Estado epitelial- massas de celulas epiteliais.

2.º) Estado reticulado - entre as celulas pré citadas, e a custa do seu protoplasma desenvolve-se um fino reticulo conjuntivo. A medida que o individuo avança em idade as fibrilas do reticulo intrafolicular se engrossam, as trabeculas se convertem em trama, diminuem as malhas que aquelas circunscrevem e desaparecem as celulas linfaticas. Por fim o foliculo se converte numa especie de formação fibrosa na qual os elementos celulares são rarissimos - é o estado fibroso de Retterer e segundo se vê é um estado que corresponde a uma decadencia anatomo fisiologica do orgão.

Não muito raramente, ao lado, ou substituindo em parte, as formações histologicas normais que acabamos de descrever, encontramos formações estruturaes aberrantes como sejam os nodulos osseos e cartilaginosos.

São achados acidentais nos exames microscopicos aparecendo com mais frequencia nas pessôas idosas (trocas senis) que nos jovens. O tecido osseo é assinalado com muito menor frequencia que cartilaginoso.
Wingrave cita o caso de um individuo com 55 anos e Deichert outro com 77 anos (portador de aneurisma da crossa) em que foram encontrados nodulos cartilaginosos.

Walsham, que admite ser uma afecção frequente, encontrou amigdalas atrofiadas, com tecido osseo mais abundante que o cartilaginoso em dois individuos portadores de tuberculose pulmonar, um com 55 anos e outro com 27.

Roth encontrou nódulos osseos nas amigdalas de um individuo com 59 anos morto por fratura do craneo.

Tato estudando quatro casos de "keratoses" amigdaliana observou tecido osseo e cartilaginoso em todos eles, e afirma que este fato foi tambem observado por outros autores.

Quanto à origem desses tecidos ha divergencia de opiniões.

Para Walsham seriam restos embrionarios derivados do segundo arco branquial.

Kantach não acredita na inclusão embrionaria e sim em metaplasia do tecido fibroso em cartilaginoso. Quanto ao tecido osseo seria simplesmente o resultado de modificações devidas ás transformações de estrutura; possivel transição condral (celulas cartilaginosas dando osteocitos).

Na ossificação do tipo encondral o tecido osseo se forma quasi que exclusivamente no interior da cartilagem. Outros autores chamam de encondral á ossificação por substituição em geral. No nosso caso a ossificação é do tipo encondral.

Dwight já é de opinião que a apofise estiloide deve ser responsabilisada em 50% dos casos em que encontramos tecido osseo.

Comentarios: - O que nos chama a atenção nos casos acima descritos é a intercorrencia de uma afecção geral (sifilis, tuberculose, perturbações cardio vasculares) ou local (casos de Tato - "keratoses") . Nos casos das nossas observações um paciente sofreu de artrite e teve o Wassermann positivo (+++), enquanto que o outro apresentava uma micose da amigdala provocada pelo leptothrix buccalis.

Por outro lado essas formações osseas e cartilaginosas aparecem mais nos individuos de idade avançada.
É provavel que as infecções especificas e as perturbações vasculares criem um terreno que facilite a instalação de processos metaplasicos, pois é esta a nosso ver a teoria mais aceitavel. Ao lado do fator terreno devemos levar em conta o fator idade, pois quanto mais avançado em anos for o individuo tanto maior - facilidade apresentará para o aparecimento dos fenomenos metaplasicos (trócas senis).

Pelo exposto vemos que não devemos nos esquecer da possibilidade da existencia desses nodulos aberrantes em individuos que se queixem de incomodos de garganta tais como pontadas, sensação de corpo extranho, sensações constritivas, etc., uma vez que a afecção não é tão rara. Essa nossa suspeita tem maior fundamento naqueles individuos portadores de um terreno supostamente predisponente: sifilis, tuberculose, reumatismo, perturbações cardiovasculares.

RESUMO

O A. apresenta uma observação de um paciente que apresentava dificuldade mecanica à deglutição e por vezes crises inflamatorias da garganta, e outra observação cujo paciente era portador de micose das amigdalas provocada pelo "leptotrix buccalis".

Os cortes histologicos das amigdalas revelaram nucleos cartilaginosos e osseos.

Reviu a literatura sobre o assunto concluindo não se tratar de um processo tão raro. Opina pela teoria metaplasica achando que as infecções especificas (sifilis, tuberculose, reumatismo), assim comia as perturbações cardiovasculares e a idade avançada facilitem a instalação do processo.

SUMMARY

The A. report a case of a patient with mechanic difficulty to the deglutition and sometimes of throat inflammation, and other case with mycosis of the tonsil for the leptothrix buccalis.

Histologic cuttings of the tonsil revealed cartilaginous and osseous nuclei.

After reviewing the medical literature about the matter the author concludes to be not so rare the process. He gives credit to the metaplasic theory and thinks the especific infections such as lues, tuberculose and rheumatism as well as the cardiovascular perturbations and the old age facilitate the evolution of the process.

BIBLIOGRAFIA

1) - Aschoff L. - Tratado de anatomia patologica. Tradução da 7.ª Edição alemã por Julio Sanches Lucas. Barcelona 1934.
2) - Bruno Lobo, Francisco - As amigdalas palatinas. Histofisiologia, microbismo. Rio 1938.
3) - Canuyt, G. - Les maladies du pharynx. Paris 1936.
4) - Levi, Giuseppe - Tratado de histologia. Tradução hespanhola por Fernandez Galiano. Barcelona 1931.
5) - Tato, J. M. e - Monserrat, J. L. - Keratosis 4 casos. Revista da Ass. Medica Argentina. 48: 6 - 16 Janeiro de 1934.
6) - Testut, L. - Tratado de anatomia humana.. Tradução hespanhola de Corominas y Sabater. 6.ª edição Barcelona.
7) - Walsham, H. - On the ocurrence of cartillaginous and long nodules in the tonsil. Lancet London 2:394 1898.
8) - Wingrave - A note the ocurrence of cartilaginous and bone nodules of the tonsil. Lancet London 3:759 1898.




(*) Trabalho apresentado na secção de O. R. L. da A. P. M. em 17_9_47.

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